Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Aula 5 (última aula) Prezados, esta é a última aula do nosso curso. Esperamos que as informações que foram passadas ao longo do curso sejam de grande valia para a batalha que enfrentarão no próximo final de semana. Esta aula é composta por uma leitura da ação estatal no Brasil contemporâneo, assim esperamos cobrir o tópico 13 (Democracia, descentralização, atores sociais, gestão local e cidadania.). Em seguida, é feita uma apresentação dos conceitos de Estado, sociedade e mercado, com foco maior no segundo, que é o que tem caído em prova com mais freqüência. O primeiro é muito importante, mas a aula 1 já falou bastante sobre ele. Desejamos sucesso e pedimos desculpas pelas nossas falhas. Forte abraço, Janine Mello Marcelo Gonçalves Ação Estatal no Brasil Contemporâneo PANORAMA GERAL As duas últimas décadas foram de grandes debates acerca do tipo de sistema de políticas públicas que deveria vigorar no Brasil. Esse debate foi (e, em certa medida, ainda é) impulsionado por um sentimento de que Estado brasileiro tem sido incapaz de atender às demandas da população e resolver os problemas de bens e serviços públicos de forma satisfatória e eficiente. Essa imagem negativa do Estado e da administração pública não diz respeito apenas aos políticos e aos burocratas. É um reflexo da percepção de que grande parte das políticas públicas não funciona. A busca por transformações www.pontodosconcursos.com.br 1 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES nessas políticas previsivelmente passa por revisões acerca do tipo de Estado que se deseja. Logo, o debate concerne ao modelo de políticas públicas a ser adotado no país é também uma discussão sobre o tipo de Estado que o país deve ter e qual o seu relacionamento com a sociedade na elaboração, implementação e controle de políticas públicas. Esta aula vai abordar o desenvolvimento das políticas públicas nos últimos anos, apresentando os conceitos envolvidos no tópico dois do edital. A parte de economia pública será apresentada em separado, no final de texto. PRECEDENTES: POLÍTICAS ANTES DE 1980 Até a década de 19801, as políticas públicas no Brasil eram caracterizadas primeiramente e principalmente por forte centralização. As decisões e recursos orçamentários ficavam sempre concentrados nas mãos do Executivo Federal, que atribuía aos estado e aos municípios o mero papel de executores de políticas formulados pelo poder central. Provavelmente, essa característica é um resultado do próprio processo de construção do estado nacional brasileiro e de suas constantes experiências autoritárias. Todavia, nesse contexto, os governos estaduais e locais não estavam completamente desprovidos de recursos de poder. Estes entes governamentais tinham a seu favor a proximidade com os usuários, logo, poderiam ter uma percepção mais apurada das necessidades e demandas dos beneficiários finais de uma política. Poderiam, inclusive, aferir com mais propriedade se uma política estava funcionando ou não, ou, mesmo, se estava atingindo seu público alvo. Sendo assim, fica claro que o governo central, tal qual em outras épocas, precisava do suporte dos governos sub-nacionais para implementar suas políticas. Surgem, então, relações de troca de favores entre as esferas de governo, em que governos locais tornam-se agenciadores de recursos federais para suas localidades. Nesse ponto, encontramos uma segunda característica relevante nas políticas públicas no Brasil: o clientelismo, sistema de troca de 1 As idéias apresentadas nesta parte da aula são um resumo do trabalho de Marta Ferreira Santos Farah. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas no nível local de governo. Revista de Administração Pública. V. 35. Nº5. Rio de Janeiro. Jan/fev 2001 (também publicada em outros veículos). Outros autores são utilizados para o preenchimentos da lacunas eventuais. www.pontodosconcursos.com.br 2 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES favores responsável por articular as esferas de governo e que se tornou ainda mais forte na Nova República. A terceira característica do sistema de políticas públicas no Brasil era justamente o fato de não ser um sistema. Ou seja, as políticas públicas eram fortemente marcadas pela fragmentação institucional. As estruturas institucionais de políticas públicas no Brasil foram sendo elaboradas aos poucos e de forma descoordenada. Como resultado, surgiram, ao longo dos anos, órgãos ou agências especializadas em certas áreas de políticas (saúde, habitação, educação etc.) sem que sua criação estivesse racionalmente atrelada a um projeto de construção estatal. O Estado cresceu descoordenadamente em todos os seus níveis, criando agências para setores em que já existiam agências, sobrepondo órgãos e contribuindo para o não- desenvolvimento de um sistema institucional de políticas públicas racional e articulado. Como resultado da fragmentação institucional, as políticas públicas no Brasil adquiriram sua quarta característica: o caráter setorial. O processo de construção institucional fragmentado selecionou algumas áreas de políticas às quais o Estado dedicava mais atenção. A especialização dos órgãos contribuiu para que esses setores de políticas ganhassem atenção especial, o que era condizente com a complexidade que os caracteriza – complexidade menosprezada por muitas décadas. Contudo, esse desenvolvimento setorizado contribuiu para que as políticas se apresentassem de forma autônoma e desarticulada, sem mecanismos que permitissem a consecução de objetivos comuns ou o aproveitamento de efeitos positivos da coordenação entre políticas. Ocorriam, muitas vezes, retrabalhos, desperdícios e ineficiência, principalmente em políticas relacionadas a realidades interligadas em que a coordenação entre programas é um fator fundamental para o aprimoramento da qualidade de vida do público alvo2. Provavelmente em função da fraca experiência democrática nacional, a exclusão da sociedade civil do processo de formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas aparece como a quinta característica 2 Exemplo disso são as políticas destinadas à educação infantil. Atualmente é notório o papel fundamental da coordenação de política educacional com política de saúde e segurança nutricional. Pois muitas crianças não conseguem ter um bom desempenho na escola porque não sofrem de desnutrição ou simplesmente porque não conseguem enxergar o quadro negro. www.pontodosconcursos.com.br 3 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES marcante do período. A articulação entre governo e sociedade se dava por meio de mecanismos políticos deletérios: o clientelismo, do qual já falamos, o corporativismo e o insulamento burocrático. Assim, a alocação dos recursos e serviços públicos atendia, em algumas situações, à lógica da relação entre políticos e suas clientelas e, em outras, à lógica da “cidadania regulada”, segundo a qual somente quem se enquadra em algum grupo laboral reconhecido pelo Estado tem acesso à cidadania – o símbolo da cidadania torna-se a carteira de trabalho. E nos órgãos em que ocorreu o insulamento burocrático, foram estabelecidas relações especiais entre alta burocracia e setores da burguesia nacional e internacional, de maneira que, ao invés de ficar isenta das pressões políticas da sociedade, essas burocracias simplesmentenão atendiam a todas as pressões políticas, mas sim apenas às pressões de alguns setores sociais com maior força política e com acesso a elas. Accountability: termo de difícil tradução, significa, basicamente, a capacidade do sistema político de prestar contas de suas promessas e atos aos cidadãos. Denota principalmente a falta de controle dos cidadãos (principais) sobre os agentes públicos (agentes). Responsividade: conceito formulado por R. Dahl que significa a capacidade do sistema político de responder às demandas de seus cidadãos. Sistemas com Dessa maneira, a incorporação de atores sociais ao processo de desenvolvimento de políticas ocorria de forma excludente e seletiva, beneficiando alguns grupos em função de suas relações políticas especiais. Isso resultou em modelo antidemocrático de prestação de serviços e bens públicos, marcado pela impermeabilidade do processo decisório, pela exclusão de amplos setores da sociedade ao acesso a serviços e bens públicos, pela falta de accountability dos atores públicos e pela redução da responsividade do sistema político. Essas características antidemocráticas eram reforçadas ainda pela rigidez burocrática de muitas agências que, focalizando excessivamente em ritos, procedimentos e hierarquia, distanciavam-se de seus usuários, não apresentando nenhuma preocupação com a qualidade dos serviços prestados. Por fim, a sexta característica das políticas públicas no período em análise é a vigência, no país, de um modelo de provisão estatal que se www.pontodosconcursos.com.br 4 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES constitui na tentativa de implantar um Estado de bem-estar social, semelhante ao modelo existente em alguns países desenvolvidos do pós-guerra. Neste modelo, dada a insuficiência das respostas oferecidas pelo mercado e a fragilidade da sociedade civil perante os enormes desafios na área social, cabe ao Estado a provisão de bens e serviços públicos. Nesse contexto, algumas iniciativas da sociedade civil e do mercado chegariam ao extremo de apontarem para a proteção social como responsabilidade exclusiva do Estado. Todavia, esse modelo nunca foi um consenso e sua revisão já fora proposta, em meados dos anos 50, por agências multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial, uma vez que países em desenvolvimento não poderiam arcar o alto custo financeiro de sua manutenção. A escassez de recursos poderia levar o sistema ao colapso. A sugestão era o envolvimento da sociedade civil na busca por soluções para os problemas sociais (sem dizer que tipo de soluções seriam essas!). De qualquer forma, o welfare state serviu de base para o paradigma de provisão estatal que vigorou até a década de 1980, servindo de fundamento inclusive para o sistema de direitos sociais previsto na Constituição de 1988. Cidadania regulada: conceito formulado por Wanderley G. dos Santos que aponta para o fato de a cidadania no Brasil não ter se desenvolvido pela luta dos movimentos sociais, mas pelo Estado. Segundo Santos, a cidadania regulada tem suas raízes não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional. Ademais, tal sistema é definido por norma legal, ou seja, pelo Estado. Só tem acesso à cidadania quem atende aos pré- requisitos estabelecidos pelo Estado. Insulamento burocrático: artifício utilizado por alguns governos brasileiro (Vargas utilizou um pouco, e JK bastante) para reduzir as pressões políticas de grupos sociais sobre parcela da burocracia. Era a forma de elites “modernizantes” tecnoburocráticas e empresariais promoverem o desenvolvimento de forma isolada. Consiste em estruturar o processo decisório em rígida hierarquia e concentrar as decisões mais importantes em seu topo, nas elites. FHC, quando sociólogo, apontou que, na realidade, essas elites não ficam livres de pressões, POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: A DÉCADA DE 1980 Em meados da década de 1980, havia uma agenda bem estruturada relacionada à reforma das políticas públicas, que nada mais era do que a reforma da própria ação do Estado. Nesse momento, o tema da reforma do Estado era central, o Brasil passava pelo processo de reabertura democrática e www.pontodosconcursos.com.br 5 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES caminhava para a elaboração de uma nova Constituição – a qual iria apresentar normatizações sobre políticas públicas como nenhuma outra. Assim, diante da experiência acumulada pela democracia incipiente de 1945- 1963 e pelo período autoritário, e diante do momento de redemocratização, os eixos centrais dessa agenda de reforma passaram a ser a democratização dos processos decisórios e a eqüidade dos resultados das políticas públicas. Sendo que, entre os dois pontos, a democratização assumiu maior relevo, por ser considerado como pressuposto para a realização da eqüidade. De um modo geral, as propostas apontavam sempre para dois pontos comuns: a descentralização e o aumento da participação no processo de formulação e implementação das políticas. Esperava-se que estes dois fatores fossem capazes de superar as deficiências das políticas do momento anterior. Com descentralização e participação seria possível implementar um sistema de políticas publicas calcado em um modelo de Estado de bem-estar institucional- redistributivista, marcado por uma concepção universalista de direitos sociais. Tratava-se de uma clara aversão ao modelo corporativista e excludente das décadas anteriores. Era o momento de trazer os segmentos excluídos da rede de proteção social do Estado para dentro da cobertura dessa rede. Percebe-se, de imediato, que o clima de redemocratização foi um fator crucial no processo de discussão sobre políticas públicas na década de 1980. Como resultado disso, foi extremamente relevante a influência da efervescência social, a qual, entre outras coisas, marcou a arena pública com a emergência de novos atores e novas demandas sociais. Um reflexo dessa extensão da arena pública é a grande quantidade de temas que conseguiram sua constitucionalização em 1988. A euforia do momento parece, inclusive, ter impedido que muitos dos atores sociais percebessem o peso que as novas demandas representavam para um Estado em crítica crise fiscal e em contexto internacional desfavorável (“década perdida”). Diante disso, o tema da escassez de recursos traria nova tônica ao debate na década seguinte. POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: A DÉCADA DE 90 Diante da crise fiscal, a capacidade do Estado para responder às demandas da população torna-se extremamente limitada. Essa constatação faz www.pontodosconcursos.com.br 6 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES a agenda de debate das políticas públicas no Brasil sofrer uma redefinição, de maneira que, além da necessidade de democratização dos processos de políticas públicas e da preocupação com a equidade dos resultados, passa a figurar na agenda questões relativas à eficiência, à eficácia, à efetividade da ação estatal e à qualidade do gasto público. Nesse momento, o debate de políticas públicas está, como nunca, atrelado à discussão da reforma do Estado como um todo. E ganha bastante espaço, no ExecutivoFederal principalmente, o ideário neoliberal, segundo o qual a crise social e econômica vivida pelos países em desenvolvimento é resultado da crise do próprio Estado intervencionista ou desenvolvimentista, o qual é, por natureza, ineficiente, pesado, ineficaz e provedor de serviços de baixa qualidade. A proposta neoliberal vai de encontro ao projeto de Estado de bem-estar universalista e tem como principais pontos para a área de políticas públicas (notadamente, políticas sociais): • A privatização, por meio da transferência da produção de serviços públicos para o setor privado lucrativo; • A descentralização das políticas sociais para as esferas locais de governo, como forma de aumentar a eficiência e a eficácia do gasto público; • A focalização, orientada para a concentração da ação estatal em determinados serviços (considerados essenciais e não passíveis de oferta pelo mercado) e em segmentos específicos da população, ou seja, os mais vulneráveis e expostos a situações de pobreza extrema. • Mudanças na gestão dos programas estatais, de forma a dotá-los de eficiência e eficácia atribuídas à gestão privada. www.pontodosconcursos.com.br 7 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES (parêntesis: outros pontos que não atingem diretamente a questão de políticas sociais, mas afetam o desenvolvimento da gestão dos programas é a terceirização, uma forma de flexibilizar as contratações do Estado, evitando o engessamento do concurso público. Em tese, a mão-de-obra terceirizada geraria menos gastos e menos desgaste para o Estado. Mas, logo se percebeu a necessidade de especialização da mão-de-obra pública para diversas áreas e os concursos e as reformulações de carreiras voltaram) O Brasil, então, tem nas mãos um anacronismo: de um lado uma constituição que assimilou boa parte dos princípios universalistas dos movimentos sociais da década de 1980 e, de outro, a prática do governo federal, claramente calcada em princípios neoliberais. Nesse contexto, alguns movimentos sociais, percebendo os desafios decorrentes da crise do Estado, que muniam a vertente neoliberal, fazem a revisão da agenda democrática, assimilando no ideário democrata universalista idéias de eficiência, eficácia e efetividade da ação estatal. Dessa forma, assimilou Ideário Neoliberal Premissas: O Estado é essencialmente ineficiente, ineficaz e provedor de serviços de baixa qualidade Crise econômica e crise do Estado são o resultado da ação do próprio Estado e de sua intervenção excessiva Crise fiscal = incapacidade do Estado de atender demandas crescentes – problema do modelo do Estado de bem- estar Consenso de Washington: soluções para a crise do Estado. „Desmantelamento‟ do Estado de bem-estar social. ingredientes neoliberais, mas deu-lhes novas conotações: Privatização: não se trata, neste caso, de privatização como alternativa prioritária ou exclusiva (potencialmente segmentadora e excludente), mas de novas formas de articulação com a sociedade civil e com o setor privado, visando à garantia da provisão de serviços público. Pode ser também a construção de novas modalidades de solidariedade social, ocorrendo a substituição do modelo de provisão estatal por um modelo em que o Estado deixa de ser o provedor direto exclusivo e passa a ser o coordenador e www.pontodosconcursos.com.br 8 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES fiscalizador de serviços que podem ser prestados pela sociedade civil ou pelo mercado. Descentralização: não significa apenas transferir atribuições, de forma a garantir eficiência, mas é vista, sobretudo, como redistribuição de poder, favorecendo a democratização das relações entre Estado e sociedade e a democratização do acesso aos serviços. Focalização: é incorporada pelo reconhecimento da necessidade de se estabelecerem prioridades de ação em contexto de limites de recursos e por se entender que é preciso atender de forma dirigida a alguns segmentos da população que vivem situações de carência social extrema. No entanto, as políticas seletivas devem ser entendidas como complementares a políticas universais de caráter redistributivo e a políticas de desenvolvimento orientadas para a superação de desigualdades estruturais. Algumas idéias originárias da proposta da CEPAL para a América Latina, formulada no início da década de 90, exerceram forte influência na revisão da agenda de reforma das políticas pública no Brasil, sendo que alguns desses elementos estão presentes nas propostas democratizantes desde o final da década de 80. As idéias centrais são as seguintes: • Coordenação de metas entre política econômica e política social; • Definição de metas próprias para a política social, que não leve em consideração apenas as restrições derivadas da crise fiscal, mas orientem-se para a integração da população aos benefícios do desenvolvimento; • Articulação de programas sociais universais a programas seletivos, combinando focalização e universalidade de políticas públicas. Diferentemente da proposta neoliberal, a política social não é concebida como exclusivamente focalizada. Embora se reconheça a seletividade enquanto critério de atendimento a “setores vulneráveis”, não se abre mão da universalidade em áreas como saúde, educação e nutrição; • Integração da política social ao projeto de desenvolvimento. Não se concebe a política social como alívio de situações de pobreza extrema, sobretudo como atenuante dos efeitos perversos do ajuste. Entende-se, ao contrário, que a política social tem importantes impactos sobre o desenvolvimento, enquanto investimento em capital humano, o que inclui investimentos em saúde, nutrição, remuneração, além da educação, que, num momento de reestruturação produtiva, cumpre um importante papel na requalificação da mão-de-obra; www.pontodosconcursos.com.br 9 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES • Articulação entre programas sociais, de forma a consolidar um sistema de proteção social; • Racionalização do gasto social, de modo a se obter maior eficiência e maior efetividade. Tal racionalização envolve a articulação entre o setor público e o setor privado para a prestação de serviços sociais, havendo a transformação do modelo de provisão estatal para uma provisão em que o Estado deixa de ser o provedor direto exclusivo e passa a ser o coordenador e fiscalizador de serviços estabelecidos a partir da interação entre agentes públicos e privados. Com relação ao aparelho estatal como um todo, à gestão pública em si, os elementos da agenda eram: • Democratização interna da máquina pública, com alterações no processo de tomada de decisão centralizado; • Estímulos à inovação, substituindo-se os processos de estrito cumprimento da norma e considerados pouco dinâmicos; • Aproximação entre as agências prestadoras de serviços e os cidadãos- usuários, envolvendo capacidade de responder a necessidades não massificadas, transparência e possibilidade de controle, além de mecanismos de participação na gestão dos próprios serviços; • Estabelecimento de uma política de valorização de recursos humanos, que viabilize a dignificação da função pública, a qual deve incluir necessariamente programas de formação e requalificação do pessoal do Estado; • Descentralização damáquina pública, para democratizá-la e para melhorar as respostas da administração a necessidades regionalizadas. Como resultado dos debates em torno desses pontos, uma agenda de políticas públicas estava razoavelmente consolidada e tinha como principais pontos a descentralização, a participação, a necessidade de estabelecimento de prioridades de ação, a busca de novas formas de articulação com a sociedade civil e com o mercado (envolvendo a participação de novos atores provenientes de ONGs, da comunidade organizada, do setor público não-estatal e do setor privado na provisão de serviços públicos) e a introdução de novas formas de gestão nas agências www.pontodosconcursos.com.br 10 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES estatais, conferindo-lhes maior agilidade, eficiência, e efetividade, superando a rigidez derivada do modelo de administração burocrática, focada em procedimentos rígidos e na hierarquização excessiva dos processos decisórios. Políticas públicas no Brasil: anos 90 Contexto: crise fiscal + escassez de recursos + ideário neoliberal Eixos do debate: eficiência, eficácia e efetividade da ação estatal e qualidade dos serviços públicos. Propostas principais: • Privatização – produção de serviços públicos pela iniciativa privada; • Descentralização das políticas sociais – aumentar eficiência e eficácia do gasto público; • Focalização – concentração da ação estatal em serviços essenciais e sem oferta pelo mercado e em segmentos específicos da população (vulnerabilidade social e em situação de pobreza); • Mudanças na gestão dos programas – modelo de gestão privada. Nova agenda consolidada para as políticas públicas: • Descentralização; • Participação; • Estabelecimento de prioridades de ação; • Novas formas de articulação com a sociedade civil e mercado (terceiro setor, privatizações e conselhos); • Novas formas de gestão nas organizações estatais, diminuindo a rigidez burocrática e a hierarquização excessiva do processo decisório; • Metas coordenadas entre política econômica e política social. Tendo sido delineado um panorama geral das políticas públicas no Brasil nas últimas décadas, vamos direcionar nossa atenção para alguns pontos específicos das políticas no Estado brasileiro, conforme especificado pelo edital. Advirto, contudo, que apesar da apresentação sistemática exigir a separação dos tópicos, os assuntos são interligados e estão relacionados a uma mesma realidade. www.pontodosconcursos.com.br 11 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES DESCENTRALIZAÇÃO, GESTAO LOCAL E DEMOCRACIA Conforme visto no tópico anterior, as reivindicações por descentralização das políticas públicas aparecem como uma demanda política poderosa durante o processo de reabertura operado nos anos 80. A descentralização, apesar de ser uma queixa antiga dos governos sub-nacionais e locais surge, em maior grau, como uma resposta a reivindicações da sociedade civil, dos movimentos sociais. Note-se, também, que a descentralização pautava as recomendações de melhoria de gestão de importantes agências financiadoras internacionais para os países em desenvolvimento A principal justificativa para essa demanda está baseada na idéia de que os governos locais teriam uma proximidade maior em relação às demandas da população, possibilitando-lhes uma gestão mais adequada das necessidades reais dos usuários dos servidos públicos. O processo de descentralização dá o seu maior salto com a Constituição de 1988, quando é formalizada a transferência de atribuições e competências do governo federal e estadual para o municipal. O município é reconhecido como um ente federativo (uma “inovação” brasileira sem similar no mundo inteiro até hoje), e torna-se significativo o aumento de sua participação na repartição de recursos fiscais previsto na Carta Magna. O debate, contudo, não foi encerrado na Constituinte. Pois, nesse momento, a forma das políticas descentralizadas não foi definida cabalmente, de maneira que sobreviveram pontos a serem resolvidos, concernentes ao nível de descentralização que seria operado na prática e a quais modelos de relações seriam estabelecidos pelos entes federativos para a coordenação de políticas regionais – debate que, até hoje, não foi resolvido satisfatoriamente. A razão de o debate continuar é simples: descentralização envolve vantagens e desvantagens. Entre o conjunto de vantagens é possível apontar que a descentralização favorece a promoção de ações integradas de diversas políticas voltadas para a melhoria do bem-estar de um mesmo público-alvo. Ou seja, com a política no nível local, e possível selecionar um bairro, por exemplo, e elaborar um conjunto de políticas que atenda a suas necessidades de forma conjunta, superando a fragmentação e setorialidade características das políticas federais. www.pontodosconcursos.com.br 12 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES A descentralização também viabiliza o estabelecimento de vínculos de parceria com outras esferas e níveis de governo e com governos de outros municípios, possibilitando, por exemplo, a formação de políticas articuladas em micro-regiões. Um exemplo disso é a Câmara do ABC paulista, conselho de iniciativa de prefeituras da região da Grande São Paulo que procura formular e implementar, de forma colegiada, um plano de desenvolvimento sustentável regional, e que envolve, entre os seus participantes, além de sete municípios da região, representantes do governo do Estado e da sociedade civil. Ademais, a articulação entre diversos governos municipais e entre diferentes esferas de governo aponta para o estabelecimento de um novo tipo de vínculo intergovernamental, diferente do que vinha caracterizando as políticas sociais no país – em que reinava o clientelismo e no qual os municípios possuíam a atribuição de meros executores, sem participação no desenho das políticas federais. Neste novo vínculo – o das parcerias, operacionalizadas principalmente por meio de convênios – há uma co-responsabilização pela política e por seus resultados, ainda que a cada um dos participantes possam caber papéis diferenciados ao longo do processo de implementação das políticas. A gestão descentralizada de políticas públicas também possibilita novas formas de articulação entre estado, sociedade civil e mercado que viabiliza a inclusão de novos atores na formulação e implementação das políticas no nível local, o que torna a gestão local mais inclusiva, dinâmica e marcada por uma série de projetos inovadores, os quais se desenvolveram nos últimos anos em diversos municípios ou regiões metropolitanas. É o caso dos conselhos populares voltados para administração de alguns serviços públicos e até mesmo dos instrumentos de orçamento participativo, utilizados em diversas administrações municipais do Partido dos Trabalhadores. Todas essas inovações decorrentes da descentralização têm um alto potencial de redirecionar as políticas públicas para o ideal de equidade social, promovendo políticas que fortaleçam a democracia por meio da melhoria do bem-estar da sociedade. Todavia, nem tudo são flores para o ideal de um sistema descentralizado de proteção social. Existem diversos problemas e dificuldade que não podem ser ignorados. Uma questão que logo aparece quando se fala em gestão local www.pontodosconcursos.com.br 13 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES de políticasé a capacidade da administração municipal para gerir políticas de acordo com padrões satisfatórios de eficiência, eficácia e qualidade. Dada a grande diversidade de realidades existentes no país, o processo de descentralização não ocorre de forma homogênea, mas acompanha a capacidade de cada município, amplamente diferenciada de caso para caso. Outro ponto fundamental que precisa ser resolvido diz respeito à variação do grau de descentralização entre as políticas. Não existe um consenso a respeito do grau de descentralização que cada política deve assumir. E esse consenso é muitas vezes dificultado pelos interesses que estão envolvidos e pela gama de confiança, ou capital social, que existe na relação entres os níveis de governo. É necessário também considerar que o sucesso de uma política descentralizada depende da dinâmica política e social de cada localidade, ou seja, das relações estabelecidas entre sociedade civil e governo local e também da existência ou não de um projeto razoável de gestão do município. Essa avaliação é necessária porque a descentralização pode ampliar consideravelmente a ocorrência de práticas clientelistas, uma vez que o governo local ganha maior relevância política e tem aumentado o seu poder de barganha. Se não existem movimentos sociais bem estruturados, organizações civis atuantes, e a sociedade civil não encontra canais de participação contínuos e sólidos, as chances de sucesso de uma gestão local concretizar as vantagens da descentralização são mínimas. Há, na realidade, uma grande chance de a administração ser capturada por interesses particulares. Por fim, a descentralização não pode ser considerada um processo fechado e único, uma vez que deve estar combinada a um sistema nacional de políticas públicas. Dessa maneira, para viabilizar um projeto nacional de desenvolvimento, é importante manter políticas de coordenação nos níveis estadual e federal. Assim, torna-se factível a minimização das desigualdades sociais e regionais. www.pontodosconcursos.com.br 14 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES DESCENTRALIZAÇÃO VANTAGENS DIFICULDADES/PROBLEMAS Promoção de ações integradas – mesmo público-alvo Superação da setorização e fragmentação institucional Estabelecimento de vínculos de parceria com outros níveis de governo e com governos de outros municípios Novas formas de articulação entre estado, sociedade civil e mercado Inclusão de novos atores na formulação e na implementação das políticas no nível local Gestão local com participação popular Políticas voltadas para equidade social Não ocorre de forma homogênea em todo o país – capacitação municipal diferenciada Pode ampliar práticas clientelistas: governo local ganha maior relevância política e aumenta seu poder de barganha Influência da dinâmica política e social de cada localidade – relações entre sociedade civil e governo local e projeto de gestão do município Variação dos graus de descentralização entre as políticas sociais Importante manter políticas de coordenação nos níveis estadual e federal para minimizar desigualdades. PARTICIPAÇÃO, ATORES SOCIAIS E CONTROLE SOCIAL A demanda por participação também compunha o eixo principal das reivindicações da década de 1980. A idéia era tornar o processo de políticas públicas mais democrático e responsivo às demandas da população, destinatária dos produtos das políticas públicas. Nesse sentido, além da própria abertura do sistema político (a redemocratização), outros mecanismos deveriam ser adotados para que o povo brasileiro tivesse sua cidadania ampliada e pudesse participar da formulação, da implementação e do controle das políticas. O processo de desenvolvimento de políticas deveria então assimilar alguns pressupostos da democracia participativa e não apenas da democracia representativa (democracia formal, em que o eleitor escolhe seus representantes para as arenas deliberativas). A participação batalhada pelos movimentos sociais e pelos novos atores que surgiam na arena política envolve três dimensões básicas: a instituição de práticas participativas na formulação, na implementação e no controle de políticas públicas; a criação de mecanismos de accountability no sistema político brasileiro; e a definição de uma dimensão de co-responsabilidade pública pelas políticas realizadas. www.pontodosconcursos.com.br 15 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Para tanto, era necessário criar canais de participação para o cidadão tomar parte nas políticas. Esses canais são basicamente de dois tipos: formais (conselhos co-gestores, setoriais, orçamento participativo e parcerias ligadas ao terceiro setor) e informais (movimentos sociais, fóruns não- institucionalizados e associações diversas). Um caso emblemático de canal formal de participação é o dos conselhos setoriais3, idealizados a partir da necessidade de criação e institucionalização de espaços de participação e que ilustra bem as três dimensões da participação, pois o desenho desses conselhos sinaliza4 exatamente para possibilidades de avanço na gestão de políticas públicas, no sentido de fomentar práticas mais participativas, articulando mecanismos de accounitability e gerando responsabilidade pública. De fato, o surgimento dos conselhos sinaliza uma ruptura com o arcabouço jurídico e institucional vigente até a Constituição de 1988. Suas inovações expressam pelo menos duas dimensões: uma técnico-normativa e outra relativa à ampliação da democracia. Se anteriormente o modelo concebia conselhos comunitários e populares de pequeno alcance, o modelo atual institui novas atribuições e altera completamente o perfil da participação: não mais conselhos atuantes no âmbito do microterritório, mas conselhos setoriais paritários em diversas esferas de poder e com poderes deliberativos, alocativos e regulatórios, co-responsáveis pela política elaborada. As vantagens desse tipo de participação para o desenvolvimento de um processo de políticas públicas mais democrático são bastante significativas. Primeiramente, os conselhos possibilitam uma compreensão mais global da 3 “Os conselhos são canais de participação política, de controle público sobre a ação governamental, de deliberação legalmente institucionalizada e de publicização das ações do governo. Dessa forma, constituem espaços de argumentação sobre (e de redefinição de) valores, normas e procedimentos, de formação de consensos, de transformação de preferências e de construção de identidades sociais. Têm poder de agenda e podem interferir, de forma significativa, nas ações e metas dos governos e em seus sistemas administrativos. Os conselhos, como espaços de formação das vontades e da opinião, são também mecanismos de ação, que inserem na agenda governamental as demandas e os temas de interesse público, para que sejam absorvidos, articulados politicamente e implementados sob a forma de políticas públicas. Portanto, mais do que um canal comunicacional para ressonância das demandas sociais, os conselhos possuem dimensão jurídica e têm poder de tornar efetivos as questões, os valores e os dilemas vivenciados no espaço da sociedade civil”. Carla Bronzo Ladeira Carneiro. 4 Carla Bronzo Ladeira Carneiro. Conselhos de políticas públicas: desafios para sua institucionalização. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 36(2):277-92, Mar./Abr. 2002. www.pontodosconcursos.com.br 16 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES política, o que viabiliza a definição de diretrizes mais acertadas no sentido da equidade e efetividade da política. Em segundo lugar, como os conselhos tendem a ser desenhados segundo estruturas paritárias de representação, tendem também a representar interesses coletivos na definição da agenda pública e na deliberação dos assuntos, afastando os riscos clientelistas da descentralização e outros vícios de relação entre Estado e sociedade. E ainda, em terceiro lugar, a dimensão de co-responsabilidade pela política entre os atores envolvidos incentiva maior cooperação e coordenação (gestão conjunta) entre Estado e sociedade civil na formulação, na implementação e no controle das políticas públicas. Como mecanismo de controle social, os conselhos apresentam um exemplo bastante interessante da inovação concernente a accountability do processo de políticas públicas. Isso ocorre porque representam um instrumento de acompanhamento constante da ação estatal. As políticas públicas passam a ser desenhadas com e na presença de seus destinatários, tornando-se bastante complicado desviar sua finalidade, uma vez que os conselhos tendem a adotar reuniões periódicas de acompanhamento da política a que se dedicam. De qualquer forma, o controle público torna-se bem mais efetivo quando a sociedade exerce influência direta sobre o Estado. E é certo que uma das maneiras de isso ser concretizado é por meio da inclusão de novos atores nas instâncias de decisão ou da criação de instâncias institucionalizadas de mediação Estado-sociedade, criando mecanismos mais efetivos de prestação de contas ou de controle (accountability). Trata-se, portanto, de abandonar os modelos convencionais de participação e adotar um modelo de participação cidadã diferenciada em relação aos instrumentos tradicionais de representação do Estado. Os conselhos, obviamente, não são os únicos recursos que podem ser usados diretamente pela sociedade para sancionar ou forçar a administração pública a reagir conforme os interesses dos beneficiados das políticas. Mas, em todo caso, as práticas de controle e gestão participativos institucionalizados mostram que o caráter dos recursos disponíveis aos cidadãos é de importância fundamental para a accountability observada. O problema, contudo, é que esses recursos são, em grande parte, fornecidos pelo Estado. Assim, toda vez www.pontodosconcursos.com.br 17 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES que se pretende institucionalizar o controle público por meio da criação de órgãos especiais, depende-se diretamente da eficiência do controle exercido pelo próprio Estado (informações, documentos, bancos de dados etc). Dessa forma, a eficácia de novas institucionalidades de controle e participação depende das oportunidades de participação e deliberação abertas pelo Estado, da transparência e do compromisso deste com princípios democráticos e participativos e com a criação de mecanismos institucionais adequados para o exercício da accountability. Em todo caso, os conselhos locais, estaduais e nacionais constituem experiências de inovação institucional que apontam para a ampliação dos espaços de deliberação pública, uma vez que são estruturas jurídico- constitucionais permanentes, com representação paritária entre Estado e sociedade civil e com amplos poderes de controle sobre a política. Mais do que expressão e mecanismo de mobilização social, os conselhos apontam para uma nova forma de atuação de instrumentos de accountability em sentido amplo, pela capacidade de colocar tópicos na agenda pública, de controlar seu desenvolvimento e de monitorar processos de implementação de políticas e direitos, por intermédio de uma composição de representantes do governo e da sociedade civil. www.pontodosconcursos.com.br 18 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES ACCOUNTABILITY: FACES DO CONTROLE SOCIAL A noção de accountability política pressupõe a existência do poder e a necessidade de que este seja controlado. A razão de ser, portanto, da accountability é o controle do poder público, ou melhor, dos agentes investidos deste poder. A accountability tem três variações: accountability horizontal, vertical e societal. Accountability horizontal: aponta para relações de controle mútuo entre agências ou poderes situados na mesma posição hierárquica da organização estatal. Nesse sentido é que são criadas agências estatais (como a CGU) que têm o direito, o poder legal e a capacitação para realizar ações que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até a anulação de ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas. Dessa forma, a accountability horizontal seria basicamente um produto de uma rede de agências, internas ao Estado. Todavia, em uma visão mais ampla, o controle exercido entre os três poderes, por exemplo, poderia ser classificado como horizontal, uma vez que não se sobrepõe, mas tem suas responsabilidades respectivas dentro de um sistema de check and balances. Accountability vertical: seria uma relação de controle estabelecida entre atores políticos em posições hierárquicas distintas, ou seja, um (o agente) estaria subordinado a outro (o principal). Essa é a lógica da accountability eleitoral, segundo a qual o parlamentar (agente) deve prestar contas de seus atos aos seus constituintes (eleitores = principais). E na relação entre políticos e burocratas, estes devem prestar contas aqueles. É preciso observar, contudo, que accountability horizontal e vertical, embora necessárias para a governança democrática, podem ser consideradas insuficientes para garantir a legitimidade necessária para o exercício da democracia. O conceito de soberania popular implícito na concepção da democracia exige uma base de legitimidade que vai além da existência de mecanismos de checks and balances entre os órgãos do governo e também dos tradicionais mecanismos de controle por meio das eleições. Accountability societal: pode ser definida como um mecanismo de controle não-eleitoral, que emprega ferramentas institucionais e não-institucionais (ações legais, participação em instâncias de monitoramento, denúncias na mídia etc.) e que se baseia na ação de múltiplas associações de cidadãos, movimentos ou mídia, objetivando expor erros e falhas do governo, trazer novas questões para a agenda pública ou influenciar decisões políticas a serem implementadas pelos órgãos públicos. A noção de accountability societal incorpora novos atores, tais como associações, ONGs, movimentos sociais e mídia. Diante do exposto, é possível afirmar que os conselhos exercem uma função pública extremamente relevante como canais de participação pública e controle sobre a ação governamental, bem como de deliberação legalmente www.pontodosconcursos.com.br 19 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES institucionalizada e de publicização das ações do governo. Todavia, é uma experiência em construção, assim como todas as outras formas de participação direta da sociedade no processo de políticas públicas. De sorte que apresenta vários problemas e enfrenta diversas dificuldades. O problema mais importante diz respeito à representatividade dos conselhos. Isso se deve a dois fatores principais. O primeiro deles refere-se ao fato de os representantes(conselheiros) não-governamentais serem geralmente escolhidos de forma autônoma (sem interferência do poder local), o que pode dificultar seu reconhecimento nessa esfera de poder. O segundo fator está relacionado à própria participação dos conselhos, que é muitas vezes deficiente, marcada por uma freqüência muito baixa dos representantes, conferindo pouca legitimidade aos conselhos. Por fim, é preciso observar que o funcionamento dos conselhos, em alguns casos, também é prejudicado por situações de assimetria informacional entre os representantes. Os técnicos tendem a conhecer mais de suas áreas de especialidades, e essas diferenças nas competências e conhecimentos sobre a área pode comprometer a relação de poder dentro do conselho. Ao mesmo tempo, a pouca preparação de alguns conselheiros leva a uma baixa qualidade de sua participação (esse aspecto aponta para problemas sérios de qualificação dos participantes de certos conselhos e fóruns). *** Não abordaremos o tema dos canais informais, pois iríamos adentrar na literatura de ciência política que é dedicada, por exemplo, a movimentos sociais. Isso iria nos afastar do núcleo da discussão: políticas públicas. GESTAO LOCAL, CIDANIA E EQUIDADE SOCIAL: algumas considerações complementares No Brasil, quando se fala em gestão local, é bastante comum haver referências aos vícios do nosso sistema sociopolítico, os quais apontam para a impossibilidade de uma democracia descentralizada e para incapacidade de existir no país um sistema de gestão local que seja realmente capaz de promover o acesso á cidadania e a equidade social. www.pontodosconcursos.com.br 20 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Termos como patrimonialismo, personalismo, clientelismos estão sempre presente como características que parecem inatas à política local no Brasil5. Assim, é de fundamental importância definir claramente alguns conceitos. O conceito de personalismo diz respeito aos laços pessoais que estruturam relações sociais particularistas/personalistas de caráter hierárquico – um político coloca-se numa relação de proximidade a um eleitor, por exemplo, mas prevalece entre eles uma relação de subordinação em que este é subordinado àquele. Já patrimonialismo, em seu uso mais comum, refere-se a situações em que os políticos lidam com os recursos públicos como se fossem deles: em vez de distribuí-los de acordo com critérios universalistas e impessoais, privilegiam cabos eleitorais, familiares, amigos e sua clientela política. Em outras palavras, empreendem uma forma privada de patronagem política, típica de relações sociais das quais o coronelismo é um bom exemplo. Por fim, clientelismo, como visto anteriormente, refere-se a uma relação de troca de favores em que os indivíduos envolvidos se beneficiam mutuamente, mas de modo desigual. Dessa forma, enquanto “patrimonialismo” diz respeito à apropriação privada de recursos públicos, “clientelismo” denota uma relação de dependência entre patrões e seus clientes, a qual não dispensa a atuação de uma série de mediadores ou agentes. (os dois sistemas de relações sociais são perfeitamente compatíveis). É com base nessa realidade de relações deletérias que se pode afirmar a existência, em diversas localidades brasileiras, de uma cidadania mediada. Isso significa que, em um contexto político que não se pauta por regras efetivamente universalistas, os direitos de cidadania não estão disponíveis diretamente para ampla parcela da população pobre, ao contrário, o acesso à cidadania é constantemente negociado por agentes que se colocam entre o cidadão e o serviço ou bem público. Os vários conselhos populares e o mecanismo do orçamento participativo aparecem, nesse contexto, como potenciais alternativas para superar a exclusão por meio da democracia participativa, uma vez que a democracia representativa formal (aquela baseada unicamente no voto e na 5 OTTMANN, Goetz. Cidadania mediada: processos de democratização da política municipal no Brasil. Novos estudos - CEBRAP, Mar. 2006, no.74, p.155-175. www.pontodosconcursos.com.br 21 . CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES representação do poder legislativo) não tem sido capaz de superar os vícios tradicionais da política local. No entanto, vencer esses vícios não é tão simples. A realidade da política local pode se mostrar tão complexa quanto as relações da política nacional. Estudos mostram que as relações sociais na localidade são baseadas em ligações muito complexas e fluidas. A patronagem política (uso de verbas pelos políticos para concessão de benefícios às suas bases eleitorais) faz-se presente na maioria dos sistemas políticos mesmo modernos, mas em lugares onde os direitos de cidadania não são universais essa prática se revela ainda mais essencial, na medida em que conforma uma importante rede de assistência social. A patronagem apresenta-se como uma verdadeira base de políticas de bem-estar social, todavia, uma política seletiva deletéria e excludente (quem não tiver um bom patrinho/patrão não tem acesso aos direitos da cidadania social). É preciso observar também, que nesse sistema de patronagem e clientelismo, a noção de mediação que impregna o conceito de cidadania mediada é a de uma mediação política como atividade competitiva. Os eleitores são exigentes e perspicazes ao fazer suas escolhas entre padrinhos (mediadores ou representantes) que prometem os melhores retornos possíveis. É seguindo essa lógica que as populações em situação de extrema carência de serviços públicos freqüentemente votam em políticos que cooptam as comunidades pobres para suas redes de patronagem por meios de doação de creches ou subsídio privado de equipamentos médicos, educacionais, culturais etc. É por isso que, no Brasil, o clientelismo e a patronagem constituem a base de sustentação de muitas carreiras políticas. Os legislativos municipais normalmente aprovam dotações orçamentárias que subsidiam as atividades assistenciais privadas de seus membros, consolidando assim suas bases de apoio eleitoral (fenômeno chamado de pork barrel na ciência política americana – procure o significado disso em dicionário para ver como os cidadãos são tratados). Os políticos eleitos para os executivos municipais, por sua vez, não agem de forma muito diferente. Tendem a estabelecer alvos estratégicos para a implantação dos serviços públicos e esses alvos são facilmente convertidos “favores pessoais”, que objetivam a ampliação de seu eleitorado. Uma vez que www.pontodosconcursos.com.br 22 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES dependem do Poder Legislativo para viabilizar suas estratégias, procuram firmar alianças6 com os políticos dos legislativos municipal, estadual e federal a fim de assegurar recursos para suas municipalidades e maximizar sua “governabilidade”. Diante do exposto, é possível perceber que transformar esse modelo político particularista num sistema mais universalista evidentemente não é tarefa fácil, por isso não se deve exagerar o potencial de experiências como os conselhos deliberativos, os orçamentos participativos etc. Cidadania: alguns conceitos importantes Cidadania civil: primeiro nível de cidadania, o mais elementar, consiste nos direitos necessários ao exercício da liberdade individual (direito de ir e vir, liberdade de expressão, direito de propriedade ...). Cidadania política: conhecida como direitos de segunda geração, é representada pelos direitosque asseguram o exercício da capacidade de influenciar no destino político da sociedade da qual o cidadão faz parte, ou seja, participar direta ou indiretamente (por meio de representantes) das decisões políticas. Cidadania social: direitos (de terceira geração) que asseguram aos cidadãos um mínimo de bem-estar social, permitindo que haja um padrão mínimo de qualidade de vida compartilhado por todos os membros da sociedade. É importante não confundir cidadania social com política social, a qual consiste nas decisões e ações relativas à alocação imperativa de recursos públicos com o objetivo específico de: (i) reduzir ou eliminar desigualdades sociais permanentes e auto-reproduzidas e (ii) prestar assistência e fortalecer as parcelas mais vulneráveis da sociedade. Sociedade civil Introdução O conceito de sociedade civil, assim como muitos outros na teoria política, possui uma ampla gama de significados que variam em função das 6 Os inúmeros postos públicos preenchidos por nomeação são moeda corrente nesse processo de barganha política por meio do qual as alianças são forjadas. www.pontodosconcursos.com.br 23 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES correntes teóricas e do contexto social e histórico. Falar em sociedade, em teoria política, significa falar em sociedade civil, como explicaremos mais adiante, além de estar freqüentemente relacionado à idéia de uma esfera não- estatal. A seguir apresentaremos alguns dos conceitos e definições possíveis para sociedade civil. Sociedade civil e os contratualistas Teóricos clássicos como Aristóteles, modernos como Hobbes, Locke, Rousseau, Kant, Hegel, Tocqueville, Marx, e, contemporaneamente, Gramsci discutiram o sentido assumido pela sociedade civil e suas relações com o Estado. O conceito de sociedade civil na teoria contratualista (Hobbes, Locke, Rousseau) era entendido como sinônimo de Estado – em oposição ao “estado de natureza”. A sociedade civil seria o momento posterior ao Estado de Natureza no qual os indivíduos viveriam antes do estabelecimento do contrato social, como foi visto na aula 1. Nesse sentido, sociedade civil e estado significavam a mesma coisa e eram definidos como uma comunidade política baseada nos princípios da cidadania e em formas de escapar do Estado de Natureza e entrar na forma contratual de governo baseada na regra da lei. A formulação do conceito de sociedade civil dada primeiramente por Hobbes influenciou de forma significativa os teóricos seguintes, como Locke e Rousseau. Para esses autores, o termo sociedade civil estava intimamente relacionado ao termo civilidade, isto é, “respeito pela autonomia individual, baseada na segurança e na confiança entre as pessoas(...). (Civilidade) requeria regularidade de comportamento, regras de conduta, respeito pela lei, e controle da violência. Assim, uma sociedade civil era sinônimo de sociedade cortês, uma sociedade na qual estranhos agem de uma maneira civilizada com relação aos outros, tratando cada um com respeito mútuo, tolerância e confiança, uma sociedade na qual o debate racional e a discussão se tornam possíveis” (Kaldor, 2003:17). Entretanto, apesar dos pontos que unem os contratualistas, existe uma ponto crucial que diferencia a noção de sociedade civil exposta em Hobbes dos demais contratualistas: o papel da propriedade privada no desenvolvimento da www.pontodosconcursos.com.br 24 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES sociedade civil. Rousseau afirma que “o primeiro homem que, tendo cercado um pedaço de terra, (...) dizendo „isto é meu‟ e encontrando pessoas simples o bastante para acreditar nele, foi o fundador real da sociedade civil” (Rousseau, 2002, 32). Locke, por sua vez, apresenta uma visão de sociedade civil marcada por ambigüidades com relação ao lugar da propriedade privada na gênese e no desenvolvimento da sociedade civil. Na verdade, o relacionamento de Locke com a propriedade privada aponta para outro fato, a saber, a relação deste autor com uma sociedade que começa a ser transformada pelo capitalismo agrário, mudanças estas que se encontram expressas em seu pensamento. Essa transformação social propiciou a identificação da sociedade civil com a categoria analítica e prática da economia. No fim do século XVIII, a associação da sociedade civil com a sociedade capitalista de mercado foi acompanhada pela emergência da economia política. A sociedade civil e a economia política De maneira mais específica, através dos escritos econômicos de Adam Smith e Karl Marx a sociedade civil se tornou intimamente ligada à divisão do trabalho, à produção em massa das commodities e à extensão das relações de propriedade privada características do capitalismo moderno. A idéia de sociedade civil aparece relacionada ao significado de conceitos como história, civilidade e sociedade. Em primeiro lugar, cumpre destacar a crença destes autores na idéia de sociabilidade inerente ao ser humano. Neste sentido, a idéia de Montesquieu segundo a qual “os homens nascem em sociedade (...)” é reforçada pelos economistas clássicos. A questão para esses autores deixa de ser a origem das sociedades, preocupação dos contratualistas, e passa a ser a forma com que as sociedade se diferenciam umas das outras. Nesse sentido, a história é entendida como uma progressão da humanidade através de vários estágios que diferenciariam as formas anteriores de sociedade da sociedade civil moderna. Dessa forma, para explicar a sociedade atual seria necessário examinar a sua evolução e entender a lógica e dinâmica de suas transformações. www.pontodosconcursos.com.br 25 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Partindo disso, a mudança histórica adviria da propriedade, o que significou a identificação da sociedade civil com a sociedade de mercado capitalista (propriedade privada, divisão do trabalho e extensão do comércio) implicando em uma mudança do entendimento político para econômico da sociedade civil. A sociedade civil em Hegel Para Hegel, a sociedade civil seria constituída por associações, comunidades e corporações que teriam um papel fundamental na relação entre os indivíduos e o Estado. Hegel identificava a sociedade civil como um espaço historicamente concreto de interação social entre indivíduos. Tal interação era condicionada por três elementos: um “sistema de necessidades” – ou de maneira mais ampla, a economia –; uma “administração da justiça” que protege a propriedade como a fonte da liberdade individual; e “a polícia e a corporação” como reguladores das duas esferas precedentes. Hegel reconhece o papel desempenhado pelas organizações sociais – corporações, associações e comunidades da sociedade civil – na mediação do relacionamento político entre o indivíduo e o Estado – ou seja, em Hegel “a sociedade civil constitui o momento intermediário entre a família e o Estado (...)” (Bobbio, 1987, 30); A sociedade civil em Marx A contribuição de Karl Marx para o entendimento da idéia de sociedade civil, está relacionada a sua crítica acerca do pensamento hegeliano. Em Marx a sociedade civil aparece associada à esfera de produção e seu caráter histórico como limiar da modernidade. Para Marx, a sociedade civil poderia ser definida acima de tudo como a arena da luta de classes. Desta forma, vê-se que Marx busca destacar como as relações sociais de poder sob a sociedade civil são definidas pela emergência de duas classes antagônicas: burguesia e proletariado, cuja existência remonta a uma organizaçãoparticular da produção. A sociedade civil de Marx é a “sociedade burguesa” no sentido próprio de sociedade de classe. www.pontodosconcursos.com.br 26 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Para Marx, a sociedade civil seria o momento do desenvolvimento das relações econômicas que precede e determina “em última instância” o momento político. De maneira mais específica, “o Estado, a ordem política, é o elemento subordinado, enquanto a sociedade civil, o reino das relações econômicas, é o elemento decisivo” (Marx apud Bobbio, 1987b:30-31). Para Marx – assim como para os economistas clássicos – a condição para a emergência da sociedade civil se encontra na separação de uma esfera privada da produção e da troca da arena pública do Estado político. Para Marx o Estado não expressa uma superação da sociedade civil, mas sim um reflexo desta conforme estudamos na relação entre estrutura e superestrutura no pensamento marxista. O conceito de sociedade civil hoje: 4 matrizes teóricas de destaque Observando o debate contemporâneo acerca da sociedade civil e de seus significados, é possível apontar 4 vertentes de análise baseadas no pensamento de Tocqueville, teóricos neoliberais, Habermas e Gramsci. A seguir serão descritos seus principais aspectos: 1. Vertente neotocquevilliana A noção de sociedade civil em Alexis de Tocqueville foi influenciada por suas análises da sociedade norte-americana no século XIX., em sua obra “A democracia na América”, Tocqueville assumiu que seria possível identificar uma propensão para a associação cívica dos estadunidenses que possibilitaria o funcionamento de sua democracia. “Americanos de todas as idades, de todas as posições na vida, e de todos os tipos de disposição estão sempre formando associações. Não há apenas associações comerciais ou industriais nas quais todos tomam parte, mas outras de milhares de tipos diferentes – religiosas, morais, sérias, fúteis, muito genéricas e muito limitadas, imensamente grandes e muito pequenas (...). Nada, em minha visão, merece mais atenção do que as associações morais e intelectuais na América” (Tocqueville apud Putnam, 1995, 66). www.pontodosconcursos.com.br 27 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Nesse sentido, a existência de uma sociedade civil ativa seria fundamental para a consolidação da democracia – “a liberdade de associação se tornou uma garantia necessária contra a tirania da maioria” (Tocqueville, 2003, 68). Dessa forma, para Tocqueville e aqueles autores identificados com seu pensamento, a força e a estabilidade das democracias liberais dependem, necessariamente, de uma esfera de participação associativa forte. A sociedade civil apareceria assim como um local habitado por organizações de associação livre, das quais as pessoas participem de acordo com o seus interesses privados, vinculando-se com outros por intermédio da ajuda mútua. A sociedade civil seria vista, então, através de uma forma “espontaneísta”, na qual grupos e associações voluntárias surgem e contribuem para a estabilidade da democracia liberal. 2. Vertente neoliberal Esta vertente está vinculada, de certa forma, à matriz neotocquevilliana ao incorporas em sua análise muitos dos elementos desenvolvidos por estes teóricos, entretanto é possível perceber uma maior passividade em relação a sociedade civil na perspectiva liberal. A sociedade civil, seria menos uma esfera de contraposiçao ao Estado e ao capitalismo e mais como um complemento ou mesmo um substituto para o Estado e o mercado. Sociedade civil, neste sentido, é o reino entre o Estado, o mercado e a família; não é o reino da luta e da emancipação, mas sim o reino da estabilidade, da provisão, da confiança e da responsabilidade social. A sociedade civil seria permeada por atores como as organizações sem fins lucrativos ou organizações não-governamentais, e seria definida também como Terceiro Setor. A defesa da incorporação pela sociedade civil de questões e ações antes relegadas ä ação estatal está diretamente vinculada ao ideário neoliberal de redução do tamanho do Estado, descentralização e privatização de serviços públicos. Dessa forma, a noção de sociedade civil da matriz neoliberal se baseia, entre outros, nos seguintes aspectos: www.pontodosconcursos.com.br 28 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES ¾ Separação e autonomização entre Estado, mercado e sociedade civil – que se converte em Terceiro Setor; ¾ Confusão entre público e privado; ¾ Equiparação entre “Estado” e “governo”; ¾ Identificação de ONG com movimento social; ¾ Construção de parceiras com o Estado; ¾ Complexa e heterogênea multipolarização supraclassista da nova questão social; ¾ Crise fiscal do Estado. Com base nesses pressupostos os defensores do terceiro setor acreditam na possibilidade de reforçar a sociedade civil pela ação do terceiro setor, diminuindo o poder estatal e sua ingerência na esfera privada; criar um espaço alternativo de produção e consumo de bens e serviços; propiciar o desenvolvimento democrático; estimular os laços de solidariedade local e voluntária; compensar as políticas sociais abandonadas pelo Estado; além de constituir uma fonte alternativa de emprego (Montaño, 2002,134-177). Em suma, o fortalecimento da sociedade civil e de sua atuação no âmbito do desenvolvimento social seria, para esta matriz teórica, o caminho mais adequado no combate à injustiça e exclusão. 3. Vertente habermasiana A teoria da ação comunicativa de Habermas assume que a ênfase dada pelos indivíduos ao trabalho teria produzido uma visão estreita das dinâmicas sociais que deixaria de fora o que ele chamou de “mundo da vida”. O mundo da vida é o pano de fundo de toda a interação social; é o lugar transcendental – fundante, não fundado – onde se desenvolve a intersubjetividade, constitutiva do ser social. Ele contém as interpretações acumuladas das gerações passadas e é feita de significados. É transmitida, alterada e reproduzida via comunicação, sendo a linguagem e a cultura – e não o trabalho – seus aspectos basilares (Chambers, 2002; Arato & Cohen, 1994). A sociedade civil seria, assim, o mundo da vida conforme se expressa nas instituições. Ou seja, a sociedade civil incluiria todas as instituições e formas associativas que requerem interação comunicativa para sua reprodução www.pontodosconcursos.com.br 29 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES e que confiam, primariamente, em processos de integração social para ação coordenada dentro de suas fronteiras. Desta forma, é possível perceber que o que possibilita as relações na sociedade civil seria a comunicação. A autonomia da sociedade civil seria garantida quando suas atividades são governadas por normas do mundo da vida e reproduzidas e reformuladas através da comunicação. A sociedade civil seria uma forma de ação comunicativa habermasiana, ou seja, um processo de deliberação através do qual os indivíduos podem estabelecer a validade de reivindicações morais. A sociedade civil seria assim uma forma de refrear o que Habermas chama de “colonização do mundo da vida”. 4. Vertente gramsciana Uma das maiores preocupações de Gramsci foi responder à pergunta: “Por que, apesar da crise econômica aguda e da situação aparentemente revolucionária que existia em boa parte da Europa Ocidental ao longo de todo o primeiro após-guerra, não foi possível repetir ali, com êxito, a vitoriosa experiência dos bolcheviquesna Rússia?” (Coutinho, 1981:65). Partindo disso, Gramsci conclui em suas análises que as condições materiais e ideológicas dos contextos e locais influenciavam as mudanças na realidade. Dessa forma, em Gramsci o papel e força assumidos pelo Estado e pela sociedade civil teriam efeitos significativos sobre o curso das ações políticas de transformação. Nas palavras de Gramsci, “A mesma transformação deve ocorrer na arte e na ciência política, pelo menos no que se refere aos Estados mais avançados, onde a „sociedade civil‟ tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente às „irrupções‟ catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões, etc.); as superestruturas da sociedade civil são como o sistema das trincheiras na guerra moderna. (...) O último fato deste gênero na história da política foram os acontecimentos de 1917. Eles assinalaram uma reviravolta decisiva na história da arte e da ciência da política” (Gramsci, 2002,73). A idéia de hegemonia, já estudada em nossas primeiras aulas, toma existência no âmbito da sociedade civil, para Gramsci, o que implica em dizer www.pontodosconcursos.com.br 30 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES que como esfera de mediação clássica, a sociedade civil não possibilitaria a emancipação através da luta considerando a manutenção de sua identidade original com a ordem burguesa. Gramsci define a sociedade civil como “o conjunto de organismos designados vulgarmente como „privados‟ (...)” (Gramsci, 2001, 20), formada pelas organizações, relativamente autônomas em relação à sociedade política7, responsáveis tanto pela elaboração quanto pela difusão das ideologias, compreendendo assim o sistema escolar, as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, as organizações profissionais, a organização material da cultura através dos meios de comunicação. A diferença entre a sociedade política (Estado) e a sociedade civil, em Gramsci, está ligada às formas através das quais a dominação é exercida. Enquanto no âmbito do estado, a dominação é exercida via coerção, na sociedade civil ela se dá através da hegemonia. Enquanto a sociedade política tem seus portadores materiais nos aparelhos repressivos do Estado, os portadores materiais da sociedade civil são os „aparelhos privados de hegemonia‟: “é essa independência material (...) que funda ontologicamente a sociedade civil como uma esfera própria, dotada de legalidade própria, e que funciona como mediação necessária entre a estrutura econômica e o Estado- coerção” (Coutinho, 1981, 93). Conceito de Mercado Primeira coisa que temos a observar é que, em termos conceituais, a ciência política não tem muito a dizer. A questão fundamental que deve ressaltada é que o “mercado” pode ser definido de duas maneiras distintas: uma que ressalta o aspecto ou dimensão relacional e outro que aborda a questão do ponto de vista institucional. Na dimensão relacional, mercado pode ser definido como um conjunto de compradores e vendedores em relação de interdependência. Ou seja, o comportamento de um dos agentes, sozinho, não pode definir a lógica do 7 A distinção entre sociedade civil e política não pode ser compreendida de forma completa, uma vez que ambos se confudem e intercambiam na realidade social. www.pontodosconcursos.com.br 31 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES espaço relacional compartilhado com os demais atores. Assim, podemos simplesmente afirmar que mercado é um espaço (físico ou teórico) de relacionamento regular entre compradores (portanto recursos fungíveis e de alta líquidos) e vendedores (ofertando os bens demandados pelos primeiros). Nesse contexto, o mercado se expressa principalmente pela maneira como são organizadas as trocas realizadas em determinado universo por um grupo de indivíduos, empresas e governos. Ou seja, define a lógica que orienta essas transações. No prisma institucional, mercado é formado concretamente pelas instituições nas quais são realizadas as transações comerciais. Ou seja, quer saber o que mercado financeiro, veja quais são as instituições que estruturam as relações de trocas, as transações desse mercado (bancos, governo, correntistas, investidores etc.) Independe do prisma pelo qual se observe a noção de mercado, é preciso observar que, sempre, a formação de um mercado pressupõe a existência de um excedente econômico intercambiável e, logo, algum grau de divisão e especialização do trabalho. Ou seja, é preciso que haja algumas pessoas produzindo algo com atenção especial para essa produção e que, ao mesmo tempo, não consumam toda sua produção. Concomitantemente, é preciso que essas pessoas precisem de bens que elas não produzem. Então utilizaram o excedente da sua produção para comprar o excedente da produção de outrem que está em situação similar. É formado então o mercado. A lógica básica do mercado é o sistema de preços. Ou seja, o que guia o comportamento dos atores é a chamada lei de oferta e demanda. Por meio dessa lógica, o sistema entraria em equilíbrio quanto a quantidade ofertada fosse igual a demanda. Quando há um desequilíbrio por parte da oferta, que pode ser um excesso de oferta, o preço cai, desestimulando o ofertantes e reduzindo a oferta até um patamar razoável para esses agentes. A mesma lógica, de maneira invertida, é colocada no âmbito da demanda. Os tipos de mercados são variados. A principal classificação é baseada no nível de concorrência. Num extremo podemos colocar concorrência perfeita e no outro o mercado monopolista, em que não há concorrência no lado da oferta. Assim, o único ofertante pode definir o preço final dos produtos negociados nesse mercado. No meio do caminho, há a concorrência imperfeita www.pontodosconcursos.com.br 32 CURSO ON-LINE - CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES do oligopólio e dos mercados monopsônio e oligopsônio, estes representam, respectivamente, mercados em que há apenas um comprador e mercados em que há somente um pequeno número de compradores. Ficamos por aqui! Boa prova no final de semana. Abraço a todos. www.pontodosconcursos.com.br 33
Compartilhar