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1 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima ABDOME AGUDO INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES • DOR ABDOMINAL é uma das queixas mais frequentes em serviços de emergências, correspondendo a 7% dos atendimentos na emergência e constituindo grande desafio diagnóstico e terapêutico. Pode ser causada por doenças benignas, como diarreia aguda ou dispepsia, mas também por causas potencialmente graves e fatais (úlcera perfurada, gravidez ectópica rota ou trombose mesentérica). • ABDOME AGUDO: dor na região abdominal, não traumática, de aparecimento súbito de intensidade variável, que leva o paciente a procurar a Urgência e requer tratamento imediato, clínico ou cirúrgico. Não tratado, evolui para piora dos sintomas e progressiva deterioração do estado geral. • As características semiológicas, observadas no exame clínico por meio da anamnese e do exame físico, são os principais fatores que conduzirão o médico ao diagnóstico e à possível conduta. As condições clínicas que simulam um abdome agudo devem ser afastadas para que haja a correta abordagem terapêutica. • Nem toda dor abdominal é um quadro de abdome agudo. Pode tratar-se de um falso abdome agudo, e isso ocorre quando o paciente tem dor abdominal, mas a origem do problema é extra-abdominal. Como exemplo, podemos citar os quadros de uremia aguda ou de cetoacidose diabética, que podem cursar com dor abdominal intensa. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA • Devido às inúmeras possibilidades etiológicas da dor abdominal não traumática, são propostas algumas classificações para auxiliar na elaboração dos diagnósticos. As dores abdominais podem ser classificadas segundo: 1) ANATOMIA: pela localização da dor se pode indicar as possíveis causas ou órgãos acometidos. 2 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima 2) CAUSAS ABDOMINAIS E EXTRA-ABDOMINAIS 3) PROCESSO DESENCADEANTE : geralmente utilizada pela cirurgia de urgência. • No entanto, habitualmente os cirurgiões classificam o abdômen agudo segundo a natureza do processo determinante, em: ✓ Inflamatório: apendicite, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite, doença inflamatória pélvica, abscessos intra-abdominais, peritonites primárias e secundárias, dentre outros. ✓ Perfurativo: úlcera péptica, neoplasia gastro-intestinal perfurada, amebíase, febre tifóide, divertículos do cólon, dentre outros. ✓ Obstrutivo: aderências intestinais, hérnia estrangulada, fecaloma, obstrução pilórica, volvo, intussuscepção, cálculo biliar, corpo estranho, bolo de áscaris, dentre outros. ✓ Vascular ou Isquêmico: isquemia intestinal, trombose mesentérica, torção do omento, torção de pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico, dentre outros. ✓ Hemorrágico: gravidez ectópica rota, ruptura do baço, ruptura de aneurisma de aorta abdominal, cisto ovariano hemorrágico, necrose tumoral, endometriose, dentre outros. 3 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima • A dor é o principal sintoma na síndrome do abdome agudo. A investigação das características da dor pode, muitas vezes, orientar a etiologia do quadro. É possível classificar a dor em 3 tipos: visceral, somática e referida. 1) Dor visceral: está relacionada à inervação de fibras aferentes na parede de órgãos intra-abdominais, tanto de vísceras ocas como da cápsula de órgãos sólidos. Essas fibras, não mielinizadas, são estimuladas por estiramento, distensão ou contração excessiva da musculatura lisa. Isso resulta na fraca correlação entre a dor e a víscera afetada. Normalmente é mal localizada, ao longo da linha média, causada por distensão ou estiramento dos órgãos, e costuma ser a primeira manifestação das afecções intra-abdominais, principalmente no abdome agudo inflamatório. 2) Dor somática: resulta da irritação do peritônio parietal. Essas fibras são mielinizadas e trafegam por locais específicos na medula óssea, traduzindo-se numa melhor correlação entre o local da dor e o segmento abdominal envolvido. A dor costuma ser de forte intensidade, piora à palpação e pode gerar uma descompressão brusca positiva. É mediada por receptores ligados a nervos somáticos existentes no peritônio parietal e na raiz do mesentério, sendo responsável por sinais propedêuticos, como a contratura involuntária e o abdome “em tábua”. 3) Dor referida: resulta da sensação de dor em um local diferente da sua origem. Isso pode acontecer de duas maneiras: • Dor sentida no abdome cuja origem, porém, é extra-abdominal (p. ex.: isquemia miocárdica com acometimento de parede inferior ou pneumonia em bases pulmonares). • Dor sentida em local extra-abdominal, embora a origem seja abdominal (p. ex.: dor em ombros em razão de irritação do diafragma por abscesso intra-abdominal). DIAGNÓSTICO • Os exames laboratoriais que auxiliam no diagnóstico do abdômen agudo em geral são simples, rápidos e de fácil obtenção. A avaliação inicial deve consistir de hematológico completo, exame qualitativo de urina (urina rotina), amilase e teste de gravidez (mulheres em idade fértil). • Após esta primeira avaliação, se não foi possível a confirmação diagnóstica, devemos iniciar uma avaliação radiológica, partindo da radiografia de tórax A.P (para excluir causas pulmonares) e radiografia abdominal A.P em decúbito dorsal e ortostático (rotina RX para Abdome Agudo). Avançando-se para a ultra-sonografia de abdômen, tomografia computadorizada (TC), e em alguns casos arteriografia e ressonância magnética. A videolaparoscopia e a laparotomia exploradora constituem-se nos meios diagnósticos definitivos, para aqueles casos onde toda a sequência de exames anteriores não foi suficiente, ou como meio terapêutico, para os casos onde os exames definiram uma patologia cirúrgica como causa da dor abdominal. 4 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima ACHADOS CLÍNICOS • Uma detalhada história e minucioso exame físico são essenciais para a elucidação diagnóstica de uma dor abdominal. ✓ Início da dor: início súbito de dor abdominal deve apontar para uma causa cirúrgica, como dissecção ou ruptura de aorta, perfuração de vísceras, torção ou ruptura de cisto de ovário. Entretanto, algumas condições clínicas podem causar dor abdominal aguda, como litíase renal, porfiria, síndrome coronariana aguda (SCA) etc. Uma dor que se inicia após exercício físico pode indicar laceração ou hematoma de reto abdominal. Dor que se inicia após alimentação pode indicar colecistopatia calculosa, doença ulcerosa péptica ou isquemia mesentérica. ✓ Progressão da dor: deve-se questionar se a dor é constante ou intermitente e se ela está aumentando em intensidade ou não. Assim, uma dor constante que não está piorando fala contra uma causa cirúrgica. Por sua vez, uma dor constante, que piora progressivamente, deve apontar para um processo inflamatório (apendicite, salpingite, diverticulite etc.). ✓ Localização: ferramenta essencial na avaliação de pacientes com dor abdominal. Em geral, dores viscerais se localizam na região mediana, podendo afetar principalmente o andar superior do abdome, a região mesogástrica ou hipogástrica. ✓ Característica e intensidade: são elementos importantes no diagnóstico diferencial. Dor difusa com pobre localização aponta para uma dor visceral. Dor intermitente, em cólica, que está piorando, aponta para obstrução intestinal. Forte dor abdominal com irradiação para o dorso aponta para dissecção de aorta. ✓ Fatores de alívio ou de piora: questionar acerca de fatores que pioram a dor (exercício, alimentação) ou aliviam a dor (vômitos, posição). ✓ Sintomas associados: questionar a presença ou ausência de febre, diarreia, constipação, hemorragia digestiva, hematúria, sintomas urinários etc. Em homens, é importante questionar acerca de queixas em testículos ou pênis. Em mulheres, sobre a última menstruação, uso de contraceptivos, sintomas vaginais (sangramento, corrimento).5 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima ✓ Náusea ou vômitos: se presentes, deve-se questionar se a dor foi precedida ou não de náusea e vômitos. Em geral, nas doenças cirúrgicas, a dor abdominal é precedida de vômitos. Na SCA, gastroenterite e em doenças abdominais inespecíficas, náusea e vômitos costumam preceder a dor abdominal. ✓ Episódios prévios de dor abdominal: dor abdominal crônica e recorrente envolve uma imensa gama de causas, na maioria não cirúrgicas. Devem-se avaliar exames prévios e, eventualmente, pesquisar causas não usuais (p. ex.: porfiria). ✓ História patológica prévia: presença de doença cardiovascular, fibrilação atrial ou valvopatia pode indicar embolia para vasos abdominais. Da mesma forma, cirurgia abdominal prévia pode apontar para obstrução intestinal. Todas as medicações usadas recentemente devem ser detalhadas. Assim, algumas vezes a dor abdominal pode dever-se a doença ulcerosa péptica (anti-inflamatórios), colite pseudomembranosa (uso de antibióticos), hepatite ou pancreatite aguda. Presença de outras doenças pode apontar para causas específicas (p. ex.: doença falciforme com episódio hemolítico ou álgico; diabete melito com cetoacidose etc.). ✓ História social: uso de drogas ilícitas e abuso de álcool devem ser questionados. ✓ Outras: trauma abdominal recente, viagens, exposição a chumbo, questionar familiares sobre intoxicação aguda etc. EXAME FÍSICO E US DE BEIRA DE LEITO ✓ Sinais vitais: taquicardia e hipotensão podem indicar desidratação (vômitos, diarreia), perda de volume para terceiro espaço (pancreatite, obstrução intestinal), sangramento digestivo, ruptura de aneurisma, sepse ou choque cardiogênico. Febre pode sugerir infecção, embora a sua ausência não possa descartá- la. Taquipneia pode ocorrer por dor, hipoxemia, sepse, anemia ou acidose metabólica. ✓ Aparência do paciente: paciente com peritonite costuma ficar parado, pois a movimentação pode piorar a dor. Já aquele com cólica renal fica inquieto e não encontra uma posição de alívio. ✓ Pele e mucosas: sudorese fria, diaforese podem indicar hipoperfusão, dor intensa ou SCA. Icterícia pode apontar para uma doença biliar (colecistite, colangite, obstrução), pancreática, hepática (abscesso, hepatite) ou hemólise. Achados de telangiectasias, icterícia, ginecomastia apontam para cirrose hepática com possível complicação (p. ex.: peritonite bacteriana espontânea). O achado de candidíase oral é de grande importância, podendo sugerir imunossupresssão ou infecção pelo vírus HIV. ✓ Exame cardíaco e pulmonar: crepitações em base pulmonar ou redução do murmúrio podem apontar para causa pulmonar (pneumonia, pleurite, embolia pulmonar). Taquicardia, arritmia, sopros podem indicar embolização arterial para vasos mesentéricos. ✓ Inspeção, percussão e ausculta: avaliar se há aumento de volume abdominal (distensão, ascite, hemoperitônio etc.), presença de cicatrizes cirúrgicas (obstrução intestinal ou recidiva da doença operada), circulação colateral (hepatopatia), presença de hematoma periumbilical ou em flancos (pancreatite necrohemorrágica). Sons intestinais exaltados podem indicar gastroenterite ou obstrução intestinal. Já ausência de ruídos hidroaéreos pode indicar peritonite ou íleo paralítico. ✓ Palpação: o médico emergencista deve buscar a localização da dor, se há rigidez muscular (voluntária ou involuntária) e se há sinais de irritação peritoneal (descompressão brusca positiva). Deve-se iniciar a palpação pelas regiões não dolorosas para depois examinar os locais mais dolorosos. Em algumas situações, a palpação de um segmento do abdome pode gerar dor em outro local, como no sinal de Rovsing visto na apendicite aguda (o exame do flanco esquerdo pode gerar dor na fossa ilíaca direita pela movimentação do ar nas vísceras gerada pela palpação). Dor no terço distal da linha entre o umbigo e a crista ilíaca anterossuperior pode apontar para apendicite (ponto de McBurney), embora possa ser doloroso em outras afecções de íleo distal (tuberculose, linfoma, diverticulite de ceco etc.). Se não houver dor intensa, deve-se buscar a palpação profunda, na busca de massas, organomegalias, sinais de aneurisma de aorta (massa pulsátil, sobretudo infraumbilical). O sinal de Murphy é a presença de dor e interrupção brusca e involuntária da respiração ao palpar-se o hipocôndrio direito e pode sugerir 6 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima colecistite aguda. Sobretudo em idosos, deve-se palpar a região umbilical, femoral e inguinal, haja vista que nessa população até 10% das obstruções intestinais são causadas por hérnias encarceradas. ✓ Rigidez abdominal voluntária: algumas vezes, a própria dor, ansiedade, medo ou mesmo simulação (doença psiquiátrica) podem gerar dúvidas se há ou não peritonismo. Em geral, examinar enquanto se conversa com o paciente ou eventualmente com flexão das coxas pode mostrar que a rigidez abdominal não é involuntária. ✓ Rigidez abdominal involuntária: em geral, aponta para causa cirúrgica, apesar de várias situações clínicas também poderem simular um abdome cirúrgico. Rigidez da musculatura abdominal e peritonismo podem ser discretos ou ausentes em idosos, imunossuprimidos ou usuários de corticoides em altas doses. Em idosos esse é um sinal pouco sensível, com apenas 20% dos pacientes acima de 70 anos com úlcera perfurada apresentando rigidez involuntária. ✓ Exame da região dorsal: buscar se há sinal de Giordano (dor e retirada involuntária a punho-percussão dorsal), o que pode sugerir litíase renal ou pielonefrite, embora possa ocorrer em abscesso hepático, esplênico, apendicite etc. ✓ Mulheres: muito cuidado com a possibilidade de gravidez ectópica rota. Em geral, pode ser necessário um detalhado exame ginecológico. Mulheres com apendicite podem ter dor à palpação de anexos, com atribuição equivocada a anexite. A ausência de corrimento cervical deve sugerir apendicite. Raramente, contudo, mulheres com cervicite podem evoluir com dor no quadrante superior direito por causa da perihepatite infecciosa, denominada síndrome de Fitz-Hugh Curtis. ✓ Homens: deve-se realizar exame urológico com palpação de testículos (torção, epididimite). ✓ Exame retal: importante na busca de hematoquezia ou de melena. Pode ajudar no diagnóstico de prostatite, abscesso perirretal ou presença de corpos estranhos. Por último, exames abdominais seriados são extremamente importantes. EXAMES COMPLEMENTARES • Exames complementares devem ser solicitados de acordo com a história e o exame físico, podendo incluir exames laboratoriais, de imagem ou eventualmente endoscópicos. • Em geral, mulheres em idade fértil com dor abdominal não esclarecida devem ser submetidas a teste de gravidez. Um teste positivo deve apontar para gravidez ectópica. ✓ HEMOGRAMA: anemia pode sugerir perdas ocultas. O número de leucócitos não deve ser usado para descartar apendicite aguda; ou seja, um leucograma normal pode ocorrer em pacientes com apendicite. Leucocitose com desvio à esquerda pode ocorrer no contexto de infecções (diverticulite, apendicite, doença inflamatória pélvica etc.), de resposta inflamatória sistêmica (p. ex.: pancreatite aguda) ou em pacientes com grande perda de sangue (hemorragia). ✓ EXAME DE URINA: sempre deve ser interpretada com cautela. Leucocitúria pode ocorrer em doenças prostáticas, infecção urinária, mas também em doenças não urinárias adjacentes ao ureter. Assim, cerca de 20% a 30% dos pacientes com apendicite podem ter leucocitúria. Hematúria pode ocorrer em doenças do trato urinário (prostatite, infecção, litíase, tumores) e, eventualmente, na dissecção aguda de aorta. ✓ ELETRÓLITOS: podem ser úteis na avaliação global do paciente, mostrar sinais de desidratação, indicar doença renal prévia e, eventualmente, sugerir a causa (p. ex.: hiponatremia na porfiria). Além disso, como o paciente pode necessitarde cirurgia ou de exames contrastados, uma função renal é essencial. ✓ GLICEMIA: pode apontar para uma cetoacidose diabética (glicemia acima de 250 mg/dL). Nesse caso, β-hidroxibutirato sérico (ou cetonúria intensa) e uma gasometria arterial podem corroborar o diagnóstico. ✓ AMILASE E LIPASE: devem ser solicitadas na suspeita de pancreatite. Deve-se ressaltar que a lipase é mais específica para inflamação pancreática. Níveis de lipase acima de três vezes o limite superior 7 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima da normalidade são altamente indicativos de pancreatite. Amilase pode se elevar na pancreatite, mas também em úlcera péptica perfurada, gravidez ectópica rota, obstrução intestinal, isquemia mesentérica, cálculo em colédoco, doença renal, parotidite e em abuso de álcool. ✓ ENZIMAS CARDÍACAS E D-DÍMEROS: poderão indicar isquemia cardíaca e embolia pulmonar, respectivamente. ✓ OUTROS EXAMES: lactato arterial aumenta precocemente na isquemia mesentérica. Aminotransferases, bilirrubinas, estudos de coagulação poderão ser solicitados em contextos específicos. EXAMES DE IMAGEM ✓ RADIOGRAFIA: RX de abdome em incidência AP (ortostase, decúbito dorsal e cúpulas) pode confirmar uma perfuração de vísceras (pneumoperitônio), obstrução intestinal ou indicar a presença de um corpo estranho. Eventualmente, cálculos renais podem ser visibilizados. Uma radiografia de tórax pode confirmar pneumonia, doença pleural e, raramente, sugerir embolia pulmonar. O decúbito lateral esquerdo com raios horizontais pode ser utilizado na suspeita de perfuração de víscera oca, quando o paciente não consegue ficar em pé para realizar a radiografia de tórax em posteroanterior. ✓ ULTRASSOM (US) ABDOMINAL: bastante útil em doença de abdome superior, sobretudo de hipocôndrio direito. Da mesma forma, é o exame inicial de escolha na suspeita de doença renal ou de anexos. Neste último, o US transvaginal pode confirmar, com excelente acurácia, gravidez ectópica e doenças ovarianas. Outras condições em que o US pode ser útil, embora imagens por tomografia tenham melhor acurácia, são: aneurisma de aorta, pancreatite, litíase renal, apendicite aguda. ✓ TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC): a TC multidetector pode diagnosticar muitas doenças abdominais, embora possa necessitar de contraste e seja bastante onerosa. Tem excelente acurácia para: litíase renal, dissecção de aorta, apendicite, diverticulite, laceração esplênica ou hepática, detectar ar livre e abscessos intra-abdominais. A angiotomografia pode indicar precocemente trombose mesentérica. ✓ ELETROCARDIOGRAMA (ECG): é prudente solicitar um ECG em pacientes com risco cardiovascular apresentando dor em andar superior do abdome. Eventualmente, isquemia miocárdica pode se manifestar com dor referida em abdome. TRATAMENTO • Frequentemente, o tratamento específico se refere a uma intervenção cirúrgica. Contudo, em algumas situações de abdômen agudo, o tratamento específico é eminentemente clínico como na pancreatite aguda. 8 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima DOENÇA PÉPTICA • Apresenta algumas complicações: hemorragia gastrointestinal, obstrução pilórica e perfuração. • OBSTRUÇÃO PILÓRICA E DE BULBO DUODENAL: paciente apresenta vômitos pós prandiais precoces com resíduos alimentares e distensão gástrica. A subestenose pode ser tratada endoscopicamente, com dilatação, associada ao tratamento da doença péptica. Caso não tenha resolução endoscópica, precisa-se de intervenção cirúrgica, geralmente antrectomia ou piloroplastia. • PERFURAÇÃO DE ÚLCERA PÉPTICA: paciente pode queixar-se de epigastralgia de longa data com piora recente, ou estar usando AINE com início súbito da dor. A dor, geralmente, inicia no andar superior, generalizando-se para todo abdome. Náuseas e vômitos são frequentes, assim como distensão abdominal, ruídos hidroaéreos reduzidos ou abolidos. Paciente também pode evoluir para sepse, com hipotensão, taquicardia, sudorese e baixa diurese. Ao exame físico, é possível identificar o sinal de Jobert (perda da macicez à percussão na projeção hepática), que pode ser confirmada pela presença de pneumoperitônio no RX ortostático de tórax (com cúpulas diafragmáticas). Em relação ao tratamento, faz procedimento cirúrgica, como a via laparoscópica, tendo êxito na grande maioria dos casos, podendo ser de uma simples ulcerorrafia e tamponamento com epíplon, até ressecções gástricas (antrectomia) e vagotomia. COLECISTITE AGUDA • Dor no andar superior direito há mais de 6 horas, com sinais ultra-sônicos de colecistite, ou dor no hipocôndrio direito com litíase vesicular ao US, podendo se associar à febre, leucocitose e/ou proteína C >10mg/l. A maioria dos casos a causa da colecistite aguda é a litíase e outra por pacientes que apresentam antecedentes de cólica biliar e diagnóstico de colecistite crônica calculosa. • A dor da cólica biliar é causada pelo espasmo do ducto cístico, desencadeado pelo estímulo da colecistoquinina durante a alimentação. É tipicamente do tipo cólica no epigástrio e hipocôndrio direito, associada a náuseas e vômitos e de duração menor que 6 horas. A dor na colecistite aguda geralmente é causada pela obstrução do ducto cístico pela impactação do cálculo biliar e seguida da inflamação da mucosa vesicular. Pode ainda ocorrer infecção secundária evoluindo para empiema, necrose e até a perfuração da vesícula biliar. Cerca de 10% dos casos de colecistite aguda apresentam perfuração, levando, em algumas casuísticas, a 20% de mortalidade. • Os exames laboratoriais podem apresentar: leucocitose, elevação da fosfatase alcalina e transaminases. Geralmente não há elevação das bilirrubinas, porém na Síndrome de Mirizzi, que ocorre quando cálculos grandes impactam no infundíbulo e/ou ducto cístico erodindo a parede e acometendo o interior do ducto hepático comum, podemos encontrar hiperbilirrubinemia. • O exame diagnóstico de eleição é o ultra-som abdominal, com sensibilidade e especificidade de 95%. Em casos duvidosos a TC ou a cintilografia podem auxiliar. A colecistite aguda alitiásica, ocorre em 5 a 10% das colecistites agudas. Acomete, principalmente, pacientes debilitados e imunodeprimidos, em uso de nutrição parenteral prolongada, diabéticos, portadores de insuficiência renal crônica, vasculites, HIV ou ainda idiopáticas. • O tratamento definitivo da colecistite aguda é a colecistectomia. A antibioticoterapia deve ser direcionada para germes gram negativos, e germes anaeróbios nos idosos e na colecistite alitiásica. O tratamento cirúrgico deve ser realizado preferencialmente nas primeiras 24 a 48 horas de internação, sem caracterizar uma situação de emergência, dependendo da resposta ao tratamento com antibioticoterapia. A laparoscopia é o padrão ouro para colecistectomias eletivas, no entanto nas situações de colecistite aguda o fator determinante para o seu uso é a experiência do grupo. COLANGITE • A colangite tem como fisiopatologia a obstrução do ducto biliar principal, seguida de infecção secundária, a qual irá acometer o fígado e disseminasse por todo o organismo, evoluindo para quadros graves e potencialmente letais. A coledocolitíase é a principal causa de obstrução da 9 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima via biliar, seguida de estenoses, neoplasia e mais raramente parasitas, coledococele e manipulação da via biliar pela colangiopancreatografia endoscópica retrógrada. Os germes comumente causadores da infecção são a Escherichia coli, Klebsiella sp, Enterococcus e Bacterioides. • Os principais achados da colangite são: dor no hipocôndrio direito, febre e icterícia (Tríade de Charcot), e quando não tratada pode evoluir para confusão mental e sepse, que caracterizam a Pentadede Reynalds. • Os exames bioquímicos podem apresentar hiperbilirrubinemia, com predomínio da bilirrubina direta, elevação das transaminases e fosfatase alcalina, leucocitose com desvio escalonado para esquerda. • O diagnóstico é clínico e pode ser confirmado pela colangiografia endoscópica retrógrada que poderá ainda ser terapêutica (95% dos casos) promovendo a desobstrução da via biliar. Nos 5% dos casos restantes, o tratamento deverá ser cirúrgico. Antibioticoterapia de largo espectro está inidicada. APENDICITE AGUDA • A apendicite á a principal causa de cirurgias abdominais na urgência e credita-se que a sua principal causa seja a obstrução da sua luz do apêndice, seguida da inflamação, infecção secundária e necrose evoluindo para a perfuração do órgão. • O paciente procura atendimento médico com história de dor abdominal periumbilical (causado pela obstrução da luz apendicular e a distensão da sua parede), irradiada para fossa ilíaca direita (correspondendo à inflamação e infecção do apêndice) geralmente associada a náuseas e vômitos, inapetência e febre baixa. Este processo pode evoluir em poucas horas ou até um dia. Neste momento, podemos encontrar ausência de leucocitose e no exame físico alguns sinais como Blumberg (dor a descompressão brusca no ponto de McBurney), Rovsing (dor referida na fossa ilíaca direita após compressão do hemiabdômen esquerdo, levando a distensão do ceco). • Para a apendicite aguda, o exame físico aliado à história clínica tem uma acurácia de cerca de 95% no diagnóstico. • Esta apresentação típica ocorre em cerca de 66% dos casos. No entanto, outras formas variadas podem ocorrer (formas atípicas), sendo associadas a alterações anatômicas do apêndice (retro-cecais, pélvicos, retro-vesicais) e em pacientes de imunossuprimidos como gestantes e idosos. Nestes casos as evoluções podem ser desastrosas, com peritonites fecais, abscessos intra cavitários e sepse, elevando a morbidade neste grupo. • No diagnóstico da apendicite aguda o uso da ultra- sonografia abdominal possui sensibilidade de 75 a 90% e sua especificidade é de 86 a 100%. A TC abdominal tem sensibilidade de 90 a 100% com especificidade de 91 a 99%. Nos casos típicos, os exames de imagem não acrescentam muito, porém nos casos duvidosos podem auxiliar no diagnóstico. • Nos casos iniciais, o tratamento consiste na intervenção cirúrgica e ressecção do apêndice, não necessitando de tratamento adjuvante. Nos casos avançados, com necrose do apêndice, peritonites, perfuração e abscessos, é necessário o tratamento com antibióticos após a ressecção do apêndice que pode durar alguns dias. Não existe consenso na literatura sobre a duração da antibioticoterapia pós-cirúrgica. A videolaparoscopia é indicada em casos de dúvida diagnóstica, permitindo a melhor exploração da pelve e órgãos ginecológicos, ou ainda em pacientes selecionados que irão se beneficiar pela via de acesso, principalmente os pacientes obesos. PANCREATITE AGUDA • A coledocolitíase e a ingesta alcoólica abusiva são responsáveis por cerca de 80% das pancreatites agudas. Cerca de 10% são idiopáticas e os outros 10% são atribuídos a todas as demais possíveis causas como hiperlipidemia, viroses (cachumba, coxsackie, HIV), traumas abdominais, cirurgias abdominais, vasculites, tumores pancreáticos, pâncreas divisum, parasitoses intraductais, drogas e outras. • O quadro inicial é de dor no andar superior do abdômen (epigástrio e flancos), que pode irradiar para o dorso. Possui característica contínua e pode estar associado à icterícia ou não. Os vômitos são frequentes e precoces, devido à compressão do pâncreas sobre o duodeno e/ou estômago. A 10 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima distensão abdominal também é comum, e nos quadros graves poderão estar presentes a hipotensão arterial, taquicardia, sudorese, febre, torpor, e coma. • A amilase apresenta-se elevada já nas primeiras horas de evolução do quadro, habitualmente voltando a valores normais após 48 horas. • Os exames radiológicos convencionais pouco auxiliam na avaliação inicial, podendo detectar complicações como derrame pleural, coleções, pseudocistos e ascite pancreática ou diagnosticar litíase vesicular, barro biliar e coledocolitíase. A avaliação pancreática e sua classificação segundo a gravidade são realizadas através da TC de abdômen.20 • A colangiopancreatografia endoscópica esta indicada em casos de obstrução biliar associado a pancreatites graves e/ou colangites. Nas pancreatites brandas até a TC pode ser dispensada, ou substituída pela colangiopancreatografia por ressonância magnética. • O tratamento é eminentemente clínico, com reposição hídrica vigorosa, analgesia, repouso alimentar e medidas de suporte. • A antibioticoprofilaxia de largo espectro, com imipenem, deverá ser introduzida em casos de pancreatites graves com coleções e/ ou necrose pancreática. Necrose sem repercussão clínica poderá ser tratada com quinolonas associadas ao metronidazol. A intervenção cirúrgica só deverá ser realizada em situações específicas como necrose infectada, comprovada através de cultura de coleções peripancreáticas obtida por punções guiadas, ou presença de ar peripancreático na TC. O procedimento cirúrgico consiste em necrosectomias e drenagem de todas as coleções peripancreáticas. DIVERTICULITE • Esta complicação da doença diverticular ocorre por inflamação e infecção do divertículo, geralmente decorrente da oclusão do seu óstio por fezes ou resíduos alimentares, podendo levar até à perfuração. A sintomatologia é variável, pois depende da localização do divertículo, podendo evoluir com pneumoperitônio se perfurado para a cavidade abdominal, ou abscessos em flanco ou bloqueios abdominais. • Na avaliação do paciente a constipação crônica e os antecedentes familiares e pessoais de doença diverticular devem ser investigados. Geralmente o exame clínico é suficiente para a suspeição, mas a radiologia simples de abdômen poderá mostrar pneumoperitônio e/ou quadros oclusivos. A TC está indicada, quando da ausência de pneumoperitonio no raiox simples. A colonoscopia é contra indicada na suspeita de diverticulite perfurada. • O tratamento clínico consiste no restabelecimento hidroeletrolítico e na antibioticoterapia de largo espectro com aminoglicosídeos ou ceftriaxona associado ao metronidazol, e é indicado para as situações onde a inflamação esta contida por um tumor inflamatório. Nos casos onde ocorreu perfuração, houve falha do tratamento clínico ou o paciente se encontra em choque séptico a cirurgia esta indicada, restringindo-se, geralmente, à ressecção do segmento lesado e colostomia. OBSTRUÇÃO INTESTINAL • Em cerca de 75% dos casos, a oclusão intestinal tem como causa as aderências entre alças, provenientes de cirurgias abdominais prévias. As demais obstruções são causadas por hérnias, fecalomas, neoplasias, doença de Crohn, volvos (nós intestinais), intussuscepção, íleo biliar e outras. • O quadro clínico é típico com dores abdominais difusas tipo cólica, náuseas e vômitos, parada de eliminação de flatos e fezes, e distensão abdominal progressiva. Os vômitos são inicialmente com conteúdo gástrico, seguido de bile, chegando até a característica fecalóide. • Ao exame físico notamos grande distensão abdominal, timpanismo à percussão, e dor difusa à palpação. Os ruídos hidroaéreos são inicialmente aumentados com timbre metálico, podendo estar ausentes em quadros avançados. O exame físico compreende também a avaliação da região inguinal, à procura de possíveis herniações. • Os exames laboratoriais apresentam alterações relacionadas às condições hidroeletrolítica e infecciosa. A radiologia simples do abdômen apresenta edema de alças intestinale presença de níveis hidroaéreos nas grafias em posição 11 HP 8 – URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ABDOME AGUDO - Arilson Lima ortostática, confirmando a obstrução de intestino delgado. • O tratamento consiste em reposição hídrica vigorosa e restabelecimento hidroeletrolítico, jejum e descompressão do trânsito intestinal por sonda gástrica, durante 24 a 48 horas. Espera-se a resolução espontânea do quadro. Nos pacientes sem resolução ou melhora progressiva, deve-se avaliar a necessidade de tratamento cirúrgico para lise de aderências. DOENÇA ISQUÊMICA INTESTINAL • A doença isquêmica intestinal pode se apresentar de diversas formas, de acordo com a localização, acometimento vascular e o grau de comprometimento do órgão. De maneira geral, a doença isquêmica intestinal pode ser classificada como: isquemia mesentérica aguda, isquemia mesentérica crônica e a colite isquêmica ou isquemia colônica. Os fatores de risco são: idade avançada, cardiopatias, doenças vasculares prévias, fibrilação arterial, doenças valvares e hipercoagulação. • A ISQUEMIA MESENTÉRICA AGUDA é a perda súbita do suprimento arterial, geralmente decorrente de um tromboembolismo, podendo acometer o tronco celíaco, artéria mesentérica superior ou a inferior (principais ramos emergentes anteriores da aorta) ou seus ramos menores. O evento pode ser catastrófico, pois leva a infarto, seguido da necrose e morte de grandes porções ou até de todo o trato digestório. • A ISQUEMIA MESENTÉRICA CRÔNICA , geralmente é causada pela arteriosclerose e leva a angina abdominal. Caracterizada por dores abdominais após refeições, podendo levar a quadros de desnutrição, devido à recusa alimentar. • A ISQUEMIA COLÔNICA é decorrente do hipofluxo sanguíneo em determinadas regiões do cólon. Este hipofluxo leva a isquemias localizadas, como da mucosa colônica, e das paredes do cólon, em particular no ângulo esplênico e transição retosigmóide. • O quadro clínico, em geral, é de dor abdominal súbita e intensa na região periumbelical, que evolui para abdome agudo franco. A hemoconcentração, devido ao seqüestro intestinal, associada à hipovolemia e distúrbios hidroeletrolíticos e ácido- básicos são detectados clínica e laboratorialmente. Alguns pacientes podem apresentar hiperamilasemia. • Os exames de imagem como raios-x, ultra-som e TC são pouco específicos, porém a angiografia tem altos índices de especificidade e sensibilidade de 80 a 100%, respectivamente. A mortalidade da isquemia mesentérica antes da lesão isquêmica irreversível (necrose) chega a 90% logo, sempre que suspeitarmos de isquemia, devemos proceder à investigação apropriada para a definição e tratamento específico o mais breve possível, pois isso poderá definir a viabilidade intestinal. Contudo, como geralmente o diagnóstico é realizado tardiamente, a exploração arterial, visando possível revascularização, praticamente não ocorre no nosso meio. • Assim, a abordagem cirúrgica das isquemias intestinais se constitui, na quase totalidade das intervenções, na ressecção do segmento lesado e anastomose primária ou derivação intestinal (colostomia, ileostomia e eventualmente jejunostomia). O grande dilema enfrentado pelo cirurgião geral nesta situação, é avaliar se o intestino remanescente permitirá uma sobrevida de qualidade ao paciente.
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