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Apostila_filosofia da religião

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Filosofia
da
Religião
Ms. Jonathan Menezes
Setembro/ 2015
Professor autor: Ms. Jonathan Menezes
Coordenadoria de Ensino a Distância: Gedeon J. Lidório Jr
Projeto Gráfico e Capa: Mauro S. R. Teixeira
Revisão: Éder Wilton Gustavo Felix Calado
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
03
SUMÁRIO
Unid. 01 - Que estuda a Filosofia da Religião?.............................05
Unid. 02 - A Religião.......................................................................13
Unid. 03 - O Sagrado.......................................................................23
Unid. 04 - Os Mitos.........................................................................33
Unid. 05 - O que é a fé?...................................................................43
Unid. 06 - Dúvida............................................................................55
Unid. 07 - Sentido............................................................................65
Unid. 08 - O Trágico........................................................................77
Unid. 09 - Modernos.......................................................................89
Unid. 10 - Crítica Moderna...........................................................101
Unid. 11 - Crítica de Nietzsche.....................................................117
Unid. 12 - Desconstrução..............................................................131
Unid. 13 - Pós_Modernos..............................................................145
Unid. 14 - Morte de Deus.............................................................157
Unid. 15 - Novo Ateísmo...............................................................171
Unid. 16 - Verdade.........................................................................185
Filosofia da Religião04
05
Filosofia da Religião
Unidade -1
Que estuda a Filosofia da Religião?
Introdução
Nesta unidade de abertura de nosso curso, gostaria 
de investir esforços para falar de duas coisas basilares: a 
primeira é entender o que é e o que estuda a Filosofia da 
Religião, ou seja, qual é o seu objeto; a segunda é definir 
qual método ou caminho pretendo adotar neste estudo. 
Ao final, o objetivo é que saiamos convencidos das razões 
pelas quais esta disciplina pode ser útil e importante 
para o “fazer” teológico, e também cientes do que isso irá 
requerer de cada um de nós, pois gostaria que fizessemos 
um trabalho conjunto, em que eu me proponho a formular 
questões e oferecer alguns caminhos para os problemas 
epistemológicos que iremos enfrentar, tentando, com isso, 
auxiliá-lo/a na busca por soluções possíveis, que não serão 
dadas de “mão beijada” aqui. Isto significa que este curso 
não oferece respostas? Sim, oferece, mas com elas, e até 
mais do que respostas, ele oferecerá perguntas, favorecendo 
o pensamento aporético1. Eventualmente, você poderá 
perceber que uma posição ou perspectiva em particular 
está sendo apresentada ou privilegiada. E esta é mais uma 
razão para que você desenvolva melhor sua criticidade, 
tanto para poder avaliar as formas de reflexão aqui expostas, 
como para formular sua própria reflexão sobre os assuntos 
em questão.
1 Aporético vem de aporia e indica uma dificuldade ou dúvida racional diante da impossibilidade 
objetiva de uma resposta ou conclusão definitiva a respeito de algo (ver Unidade 13 deste curso).
Filosofia da Religião06
Objetivos
1. Entender quais são os objetos de estudo da Filosofia 
da Religião;
2. Reconhecer o método de estudo a ser utilizado;
3. Identificar a importância desse tipo de estudo para 
a teologia e vida cristãs.
07
A Filosofia da Religião
Ao favorecer o pensamento aporético, como expliquei acima, quero 
provocar a fome de pensar. Mas, você poderia perguntar, em que vamos 
pensar? E esta pergunta nos conduz ao coração da Filosofia da Religião. 
Ao estudar teologia na FTSA você perceberá, se já não percebeu, que o 
tema da religião é estudado por vários campos do saber: antropologia, 
história, sociologia, psicologia. Assim sendo, qual é o diferencial da 
filosofia em relação aos outros campos no estudo da religião? 
A filosofia se ocupa da vida, é um amor à sabedoria que desemboca 
em modos de conceber, interpretar e dar significado à vida. Sua tarefa 
é a de fazer perguntas e promover uma reflexão profunda sobre temas 
e problemas que atingem qualquer ser humano. Como diz Thomas 
Nagel (2011, p. 2), “ela [a filosofia] se faz pela simples indagação e 
arguição, ensaiando ideias e imaginando possíveis argumentos 
contra elas, perguntando-nos até que ponto nossos conceitos de fato 
funcionam”. De que se serve, portanto, a filosofia? De perguntas ou 
problemas e conceitos criados para tentar dar conta deles. Ela também 
subsiste pela contestação desses mesmos conceitos, na desconfiança 
diante do óbvio, e da provisoriedade das ideias.
MAS, AFINAL, O QUE É A FILOSOFIA? 
Se perguntarmos a dez filósofos, “o que é a filosofia”, ouso dizer 
que três ficarão em silêncio, três darão respostas pela tangente, e as 
respostas dos outros quatro vão ser tão desencontradas que só mesmo 
outro filósofo para entender que o silêncio de uns e as respostas dos 
outros são todas abordagens possíveis à questão proposta (IGLESIAS, 
in REZENDE, 2008, p. 12).
O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de 
minhas elaborações, sei-o, naturalmente. E contudo não o sei... Qual 
o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de 
ser um enigma?... Só os pensadores secundários que, na verdade, 
não se podem chamar filósofos, estão contentes com suas definições 
(HUSSERL, 2001, p. 143).
Filosofia da Religião08
Toda a esfera da vida pode ser objeto da filosofia. Há algumas 
razões para isso:
Primeiro, todas as coisas podem ser examinadas e questionadas a 
nível filosófico e científico. A filosofia começa com o espanto do filósofo 
diante da realidade (espantado, ele lança perguntas). Remetendo ao 
que disse Platão: “A única coisa que precisamos para nos tornarmos 
bons filósofos é a capacidade de nos admirarmos com as coisas” 
(GAARDER, 1996, p. 10). As explicações, por sua vez, são da ordem 
do provisório: trata-se de um convite à reflexão, que nasce da 
impossibilidade (e cresce nela) de explicar o porquê de todas as coisas.
Segundo, enquanto as ciências focam particularidades, a filosofia 
se ocupa do universo todo. Mas há coisas que as ciências não estudam 
e que acabam sendo objetos da filosofia, como: o valor da vida, a 
natureza do bem e do mal, a origem e o valor da lei moral, etc. Alguns 
objetos, porém, são mais caros: lógica, epistemologia, metafísica, 
cosmologia, ética, teodicéia, política, estética. Se método é o arrazoague 
ou discussão, a justificativa ou indagação lógica, é racional. Serve-se 
todo tempo do logos “razão”. Um exemplo está no método socrático 
chamado de maiêutica (que literalmente significa “parteira”), que 
consiste em “parir” ideias complexas a partir de perguntas simples e 
articuladas dentro de um contexto ou assunto. 
Terceiro, o fim da filosofia é o chamado “o saber pelo saber”: 
apreço pelo saber em si e pela “verdade” que está escondida nas 
coisas e que se descortina parcialmente no olhar investigativo, nos 
conhecimentos profundos.
Portanto, se desde os primórdios, na antiguidade clássica, a 
filosofia incorpora e elabora questões cruciais à vida humana, Deus e 
a religião não poderiam ficar de fora. Sempre foram temas da filosofia 
ocidental. De algum modo, toda filosofia pressupõe uma filosofia de 
Deus ou da religião. No entanto, a filosofia da religião, como ramo 
relativamente recente da filosofia, tem contornos e objetos próprios. 
Segundo Paul Tillich (1973, p. 16), “a filosofia da religião é a 
teoria da função religiosa e suas categorias”; ou podemos pensar 
simplesmente com John Hick (1970, p. 11), que ela é a “reflexão filosófica 
09
sobre a religião”. Com efeito, apesarde sua estreita aproximação com 
as diferentes formas de teologia “na verdade, o modo como teólogos 
significam a experiência de Deus é um dos objetos de sua preocupação”, 
ela se diferencia delas no sentido de que a teologia se funda na relação 
ser humano-Deus e numa leitura filosófica da revelação. 
A filosofia da religião (como campo do saber, e não necessariamente 
do modo com estudaremos aqui) não deve ser religiosa nem aceitar 
a revelação (TILLICH, 1973, p. 10), ou seja, enquanto uma pessoa, 
movida, talvez, pela moral religiosa pode se perguntar se é certo ou 
errado se ter relações sexuais pré-matrimoniais, o filósofo pergunta: “O 
quê ou quem define o certo e o errado nessa questão - parafraseando 
aqui a Thomas Nagel (2011, p. 3). 
Esta disciplina se ocupou, historicamente, em pensar 
filosoficamente os mais diferentes problemas relacionados com Deus 
e a religião, problemas como a existência de Deus, o bem e o mal, 
o destino humano, ou os atributos de Deus. Por vezes se aproximou 
da apologética e da teologia natural2, cuja preocupação principal é 
defender a razoabilidade da fé e de Deus no mundo, podendo assumir, 
em casos extremos, um teor quase proselitista. Quero não apenas 
evitar tal abordagem nesse curso, como adotar uma atitude crítica em 
relação a ela; não abordarei também temas ligados à natureza de Deus e 
seus atributos, simplesmente por entender que ela não contribui muito 
para o que consta na ementa desse curso, isto é, estudar a “diversidade 
do fenômeno religioso”, ao mesmo tempo em que se aproxima do que 
muito provavelmente você já viu ou verá em Teologia Sistemática.
Sendo assim, em que me concentrarei? Basicamente na própria 
religião como prática humana - seus elementos básicos, e até certo 
ponto sua diversidade - e, mais particularmente, na fé, linguagem e 
experiência religiosas. Como diz Severino Croatto (2001, p. 22), “a 
filosofia da religião fala de Deus e do ser humano religioso. É um 
saber, não um compromisso. Não substitui o ato religioso, mas reflete 
criticamente a respeito dele”. 
2 O respeitável trabalho da L’Abri Fellowship Brasil ainda hoje é um exemplo notável dessa 
aproximação. Ver: http://www.labri.org.br/
Filosofia da Religião10
Caminhos metodológicos
O título acima é quase um pleonasmo, só que proposital. Método 
literalmente significa percorrer um caminho (no grego met: ‘depois’ ou ‘que 
segue’/ hodós: “via” ou “caminho”), e a metodologia seria então uma espécie 
de reflexão sobre o caminho (a ser) adotado. Que caminhos metodológicos 
serão aqui adotados? Na citação feita ao final do tópico anterior, de Severino 
Croatto, temos algumas pistas.
1. Quais são seus objetos? Deus e o ser humano religioso, ele diz, mas 
eu diria: Deus como constructo ou em função do ser humano religioso, suas 
experiências e modos de significação do sagrado. A filosofia metalógica3 da 
religião estuda o fenômeno religioso dentro do qual o conceito de Deus é 
muito importante. Entretanto, como defende Tillich (1973, p. 67), só fala de 
Deus a partir do significado que este recebe em uma ação religiosa. Logo, 
embora a moderna filosofia da religião tenha se construído a partir de uma 
série de especulações filosóficas e teológicas sobre o ser de Deus e seus 
atributos, para os propósitos deste curso, penso que seja mais interessante 
pensar nos sentidos, nomes e imagens de Deus nas diferentes religiões, cujas 
premissas e resultados são inevitavelmente antropomórficos4, isto é, levam a 
uma personificação do divino. Mas será que estas personificações ainda são 
“Deus” ou conseguem se referir a ele? 
Para Wilkinson e Campbell (2014, p. 92), a linguagem e, por 
conseguinte, as ideias, conceitos, metáforas, ou imagens que utilizamos 
para descrever Deus, sempre resultará em fracasso. Mas este é, para eles, o 
problema com a crença: o crente sempre tentará descrever Deus de alguma 
forma, e normalmente se utilizará de frases, que são sempre inadequadas. 
O que coloca, também, o problema da linguagem: existe alguma linguagem 
que seja “adequada” para se falar de Deus? Em outras palavras, existe algum 
“falar” que possa ser fiel a quem Deus, o Eterno, é? Um dos postulados da 
filosofia da religião está em reconhecer esta inadequação e problematizar o 
3 Definida como “estudo da metateoria da lógica”. Enquanto a lógica estuda os sistemas lógicos podem 
ser utilizados para a produção de argumentos verdadeiros, a metalógica “estuda as propriedades dos 
sistemas lógicos” (WIKIPEDIA, 2015), isto é, os sistemas e linguagem formais e suas interpretações, 
utilizados para a constituição de um objeto – como, por exemplo, “Deus”. 
4 Referente a antropomorfismo, que significa a transformação de tudo em ser humano ou à sua imagem.
11
uso destes conceitos também usando outros conceitos5. Afinal, quem pode 
fugir deles?
2. Em que ela consiste? Em um saber, não um compromisso. 
Ou seja, embora fale de Deus e da religião, o produto é um saber 
racional, articulado e lógico. Isto para dizer que o filósofo da religião 
pode até ser um crente, mas quando filosofa, não o faz a partir do 
pressuposto da defesa de sua crença, mas de sua problematização. 
De outro modo, um filósofo que se diz descrente, por exemplo, pode 
falar de Deus (como um personagem), de modo apaixonado, sem que 
isso resulte necessariamente num compromisso com Deus ou com 
uma religião. Luiz Felipe Pondé, em seu livro Os dez mandamentos 
e mais um, admite se encaixar nesta última categoria. Ele começa o 
livro dizendo: “Este livro foi escrito por um homem que não recebeu o 
dom da fé. Caminho nos campos do Senhor, como diz a Bíblia, como 
um cego em um jardim. Aqui está, contudo, a chance de fazer minha 
teologia. A teologia de um homem sem fé” (PONDÉ, 2015, p. 9). Por 
minha vez, gostaria de convidá-los a fazer um pouco mais do que o 
filósofo profissional: a pensar que podemos refletir com paixão, não 
ignorando os questionamentos existenciais sobre a fé que nos atingem 
diretamente, ou seja, a função da filosofia da religião aqui é a de também 
nos ajudar a refletir sobre nossa própria experiência religiosa, não para 
nos afastar, pelo contrário: é para nos levar a uma profundidade maior 
na fé. E isso não pode acontecer se não nos lançarmos no risco de 
questionar nossos próprios pressupostos e noções fundantes.
3. A que ela nos leva, portanto? A uma reflexão crítico-filosófica 
sobre as práticas religioas, de um modo mais amplo, e mais específica 
e pessoalmente a investigar e problematizar o que consiste a “minha 
religião”, mesmo que nem todos gostem deste nome. Reconhecendo 
isto, o caminho metodológico pelo qual gostaria que andássemos 
consiste em analisar realidades em que o ato religioso se manifesta, 
mesmo que numa pretensa irreligiosidade, através de perguntas 
5 Nesse sentido, gostaria de recomendar, aos que desejos se aprofundar neste assunto, a leitura do 
livro A palavra humilhada, de Jacques Ellul (1984). Ali ele apresenta, por exemplo, a ideia de que a 
linguagem ou a palavra é um cativeiro, do qual somos prisioneiros e não podemos nos livrar. Toda 
tentativa de encerrar a verdade (ou Deus) numa palavra torna-se um atentado contra a própria 
verdade; resulta, como Nietzsche bem apontou, na “morte de Deus”. Para mais, ver discussão na 
unidade 14 deste curso.
Filosofia da Religião12
filosóficas tais como: qual é o sentido da fé? Para que serve Deus? O 
que é e para que serve a religião? Debruçaremos-nos, para começar, 
sobre esta primeira pergunta na próxima unidade.
Referências
CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa. São 
Paulo: Paulinas, 2001.
ELLUL, Jacques. A palavra humilhada. São Paulo: Paulinas, 1984.
GAARDER, Jostein. Sophie’s world. London, UK: Phoenix House, 1996.
HICK, John. Filosofia da religião. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas. São Paulo: Madras Editora, 2001.
IGLESIAS, Maura. O que é filosofia e para que serve. In: REZENDE, Antonio 
(Org.). Curso de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
NAGEL,Thomas. Uma breve introdução à filosofia. São Paulo: Martins 
Fontes, 2011. 
PONDÉ, Luiz Felipe. Os dez mandamentos e mais um. Aforismos de um 
homem sem fé. São Paulo: Três Estrelas, 2015.
TILLICH, Paul. Filosofia de la religión. Buenos Aires: Ediciónes Megápolis, 1973.
WIKIPÉDIA. Metalógica. Disponível em: wikipedia.org/wiki/Metalógica. 
Acesso em: 20 Ago. 2015. 
WILKINSON, M.; CAMPBELL, H. Filosofia da religião: uma introdução. 
São Paulo: Paulinas, 2014.
13
Filosofia da Religião
Unidade - 2
A Religião
Introdução
Qualquer um que se considere “religioso” e fala demais 
está se enganando. Esse tipo de religião é mera conversa 
fiada. Religião de verdade, que agrada a Deus, o Pai, é esta: 
cuidem dos necessitados e desamparados que sofrem e 
não entrem no esquema de corrupção do mundo sem 
Deus (Tiago 1.26-27, A Mensagem). 
A palavra “religião” é antiga e remonta aos tempos 
bíblicos, por exemplo. No Novo Testamento, a aparição mais 
conhecida do conceito se encontra no trecho de Tiago, acima 
citado.1 Sabemos que na antiguidade cristã existiam inúmeras 
religiões entre os diferentes povos; até mesmo os gregos e os 
romanos eram bastante religiosos, praticavam o politeísmo, 
que é a crença em ou culto a vários deuses. Sabemos também 
que o cristianismo primitivo teve uma base religiosa, advinda 
do judaísmo, sobretudo. Jesus e os apóstolos eram judeus e 
seguiam os princípios da religião judaica. 
No caso de Tiago, a palavra aperece com apenas 
um sentido possível, pois, como explica Frank Whaling 
(in McGRATH, 1993, p. 547), “o simples uso da palavra 
‘religião’ implica em uma teoria sobre a religião”. Logo, 
Tiago parece teorizar sobre o que ele denomina “religião 
verdadeira”. Sobre isso, gostaria de propor um início de 
unidade diferente a você: antes de prosseguir neste estudo 
sobre o que é a religião e seus possíveis significados 
filosóficos, dedique-se a este texto de Tiago, podendo 
utilizar dicionários ou comentários bíblicos, partindo das 
questões abaixo relacionadas:
1 Outras ocorrências: Cl 2.18; At 26.5. No primeiro, o termo em grego (threskeia) significa “adoração 
religiosa”, e no segundo, “sistema religioso”.
Filosofia da Religião14
(a) Qual é o sentido da palavra “religião” em Tiago?
(b) Em que consiste, para ele, a religião “pura” ou “verdadeira”, e como 
ele identifica a “falsa religião”?
(c) Qual é o significado mais comum da palavra “religião”? Pesquise e 
compare.
(d) O que de comum há entre este(s) significado(s) e o que é 
apresentado por Tiago?
*O que proponho acima é apenas um exercício. Não conta como avaliação.
Objetivos
1. Encontrar possíveis sentidos para “religião”;
2. Perceber o que uma teoria ou concepção de religião 
pode revelar sobre seu objeto – que, para Tillich (1973), é o 
“incondicional”.
3. Analisar as razões próprias e ambiguidades da 
religião.
15
O que é religião?
Religião é um sopro humano na busca pelo incondicional. Essa 
é a definição que usarei como ponto de partida. De onde a retiro? 
Primeiramente, da ideia de que a religião nasce do desejo ou busca 
pela transcendência (ou pelo infinito) que há em todo ser humano. 
Eclesiastes chama isso de um senso de “infinito” que há no coração 
humano: “Deus pôs a eternidade no coração do homem sem que este 
saiba as obras que Deus fez do princípio até fim” (Ec 3.11). De acordo 
com Harold Kushner (1999, p. 25), “Deus plantou em nós uma fome 
que não pode ser saciada, uma fome de sentido e significado”. Essa 
“eternidade no coração”, expressa bem essa fome pelo inexplicável, 
indizível, pelo que está além de nós; é o senso de vazio e escuridão 
diante de uma infinitude que não cabe dentro de nós, mas que 
desejamos desesperadamente: viver, e viver eternamente! Como diz 
Luiz Felipe Pondé (2015, p. 23), “somos seres feitos de abismos”.
A busca pela transcendência na contemporaneidade assume 
outras facetas, mas expressa o mesmo anseio. Segundo John Stott (1998, 
p. 246), consiste no anseio “pela realidade suprema, que se encontra 
além do universo material. É um protesto contra a secularização, isto 
é, contra a tentativa de eliminar Deus de seu próprio mundo”. Trata-se 
de uma reabertura que vemos crescer no mundo atual de um espaço, 
que vinha sendo ocupado pelo racionalismo, o progresso e a ciência, 
por exemplo, como conquistas modernas, para a experiência do 
transcendente. Daí advém o renascer da espiritualidade, ou melhor, 
das espiritualidades, em um renovado senso do divino, do mistério 
e do temor. Neste tempo, vemos o florescer da religiosidade, como 
expressão espontânea e busca de relacionamento das pessoas com 
Deus através de ritos, performances e adorações, e menos da religião 
institucional e seus mecanismos de controle ou domesticação. O senso 
de infinito no coração humano nos conduz ao transcendente.
Minha definição aqui pretende convergir tanto com a visão 
clássica romântica de Friedrich Schleiermacher (2000, p. 35), para 
quem a religião, em sua essência humana, “é sentido e gosto pelo 
infinito”, como a de Paul Tillich (1973, p. 61), que a define como “a 
orientação do espírito ao significado incondicional”. Em outro lugar, o 
Filosofia da Religião16
autor define religião como “preocupação suprema (ultimate concern), 
manifesta em todas as funções criativas do espírito bem como na 
esfera moral na qualidade de seriedade incondicional que essa esfera 
exige” (TILLICH, 2009, p. 45). Gosto pelo infinito, orientação para 
o incondicional, preocupação suprema: todas indicando tanto uma 
origem ontológica, como um telos (fim último) para a religião. 
Mas isso, é claro, não é tudo. O texto de Eclesiastes também diz 
que isto se dá sem que o ser humano conheça as obras ou o percurso 
de Deus do princípio até o fim, exceto, acrescento, por aquilo que 
Deus mesmo deixou, seus rastros, primeiramente no universo criado, 
ou seja, o ser humano tateia pelo infinito, mas só consegue encontra-
lo através de expressões finitas. Em Romanos, o apóstolo Paulo diz 
que “os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza 
divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio 
das coisas criadas...” (Rm 1.20). Quer dizer, parte do que de Deus se 
pode conhecer está, desse modo, manifesto na vida que pulsa em nós 
e além de nós, na natureza. Pode-se inferir então que a religião nasce, 
em segundo lugar, do seguimento humano pelo caminho em que se 
encontram os vestígios, os rastros, ou as pegadas do divino ou do 
incondicional. 
Religião, revelação e o condicional
Como seres humanos, somos, contudo, condicionais. Pertencemos 
à humana condição: mortal, limitada e, biblicamente falando, 
pecaminosa ou concupiscente. O pecado é o que, originalmente, 
segundo Gênesis (3.1-7), nasceu de uma tentativa do homem e da 
mulher originais de se igualar a Deus na ciência do bem e do mal e, 
por conseguinte, foi o que os afastou da presença desse mesmo Deus, 
deixando sua companhia no jardim para viver à sua própria sorte. 
A fim de reencontrar Deus, o ser humano precisa, deste evento em 
diante, buscá-lo desesperadamente, desejando se “religar” a Deus. Para 
tanto, ele necessita de guias, de referenciais, de mediadores humanos. 
Dessa maneira, a religião, em terceiro lugar, nasce da necessidade da 
religação e, por conseguinte, de mediação entre o divino e o humano. 
Religião é, na expressão latina, religare, prática normalmente 
17
sustentada pela ação ritual, como o sacrifício, por exemplo. Para 
atravessar o fosso que separa Deus e suas criaturas é necessário 
construir pontes; daí a ideia de pontificante ou sumo pontífice, que é 
o construtor de pontes, identificado com “os especialistas do sagrado 
[sacerdotes, xamãs, padres, pastores], que dentro da comunidade estão 
preparados para realizar as ações rituais e têm capacidade tradicional 
para executar as cerimônias que asseguram aos restantes membros 
a proteção dos poderes divinos ou demoníacos, mais que naturais” 
(BAZÁN, 2001, p. 46). Havendo a necessidade de mediação e ordem, 
a religião migrado campo subjetivo da busca pelo incondicional para 
o campo objetivo (condicional) das práticas, dos sistemas de crenças 
e valores, da tradição e da institucionalização. Daí a necessidade que 
muitos estudiosos viram na separação entre religião institucional (o 
sagrado domesticado) e religiosidade (a religião “primitiva”, o sagrado 
selvagem, usando aqui o termo de Roger Bastide). 
Nesse sentido cabe a distinção - que já apresentei em outro 
curso (MENEZES, 2014, p. 164-165), e retomo aqui - entre “religião” e 
“revelação”. Religião também pode ser entendida, nos termos gerais aqui 
expostos, como o esforço ou conjunto de esforços humanos plasmados 
no sentido de alcançar a Deus. Religião é negócio humano. Já revelação 
é a automanifestação de Deus, pelos meios que lhe aprouver, ao ser 
humano e por amor a ele. Revelação é negócio divino. É, na definição 
de Tillich (1987, p. 98), “a manifestação daquilo que nos diz respeito de 
forma última. O mistério revelado é de preocupação última para nós 
porque é o fundamento de nosso ser”. Como ele explica em outro lugar:
“Revelação” se refere a uma ação divina, “religião” a uma 
ação humana. “Revelação” é um acontecimento (happening) 
absoluto, singular, exclusivo e autossuficiente; “religião” tem a 
ver com feitos meramente relativos, sempre recorrentes e nunca 
exclusivos. “Revelação” significa a entrada de uma nova realidade 
na vida e no espírito; “religião” nos remete a uma dada realidade 
de vida e a uma função necessária do espírito. “Religião” tem a 
ver com cultura; “revelação” com aquilo que se encontra além da 
cultura (TILLICH, 1973, p. 9, tradução minha). 
Ora, se religião não é revelação, e se revelação é um ato que 
Filosofia da Religião18
provém de Deus e, num primeiro momento, não tem aparentemente 
nada a ver com capacidades e esforços humanos, qual é então o ponto 
de contato que efetiva a revelação como algo inteligível ao ser humano, 
já que um dos propósitos é o de “mostrar” algo a ele? Eis que então 
entra a função da razão e cultura humanas nesse processo. Como 
expressa Tillich (1973, p. 10, tradução minha), “se a revelação é a 
irrupção do Incondicional no mundo do condicional, não é possível 
impedir que ela se condicione, convertendo-se em uma esfera junto a 
outras esferas, a religião lado a lado com a cultura”. Em outras palavras, 
para que a revelação fosse inteligível ao ser humano, Deus escolheu 
formas ordinárias para manifestar o extraordinário. Há, portanto, uma 
correlação entre eles. Disso, depreende-se, como observa Tillich (1987, 
p. 99), que a revelação mantém os eventos subjetivo e objetivo, natural 
e sobrenatural, ordinário e extraordinário em interdependência ou 
tensão dinâmica. Em suas palavras, “revelação não é real sem o lado 
receptivo, e não é real sem o lado doador”, sendo Deus o doador e o ser 
humano e sua cultura específica os receptores. 
Razões próprias e ambiguidades da religião
A religião pode ter muito de Deus ou dos deuses – seu caráter, 
valores, exigências e verdade –, mas também tem muito do humano. 
Torna-se problemática precisamente quando o humano pretende 
reduzir o incondicional ao condicional, ou melhor, igualá-los. É óbvio 
que se há algo de Deus que pode ser dito, é porque ele se revelou. 
E, também, se algo dessa revelação pode ser apreendido, é porque o 
verbo se encarnou. Entretanto, a confusão se arma quando queremos 
controlar ou monopolizar o conteúdo e a ação do verbo. Logo, o verbo, 
que na linguagem joanina, é amor e vida, pode se degenerar, na forma 
religiosa, em ódio, violência e morte. Mas por que isso acontece? Aqui 
entra o que chamo de razões próprias e ambiguidades da religião. 
Parodiando o conhecido dito de Blaise Pascal, a religião tem razões 
que a própria razão desconhece. Ela envolve o intelecto, é claro, mas 
menos o intelecto que o coração, e menos o coração que as entranhas. 
Um religioso vive por certos princípios, e na defesa apaixonada desses 
princípios os perde muitas vezes de vista, sendo capaz de afirmá-los 
19
como confissão, mas negá-los, consciente ou inconscientemente, como 
prática. As práticas religiosas, desse modo, nem sempre coadunam 
com as teorias provenientes de uma determinada religião. 
Nesse sentido, vale apelar para a, quem sabe polêmica, mas 
contundente, afirmação de John Caputo de que “a religião é para os 
amantes, apaixonados pelo impossível, que fazem com que o restante 
de nós pareça vago”, ao que ele completa dizendo que:
Na religião, o amor de Deus está exposto habitualmente ao 
perigo de confundir-se com a profissão de alguém ou o ego de 
alguém, ou o gênero de alguém, ou a política de alguém, ou a 
ética de alguém, ou o esquema metafísico favorito de alguém, 
ao qual este se sacrifica de maneira sistemática. Então, ao invés 
de fazer sacrifícios pelo amor de Deus, a religião se inclina a 
fazer um sacrifício do amor de Deus (CAPUTO, 2005, p. 121, 
tradução minha).
Pode-se depreender desta fala de Caputo que toda forma de 
religião é um tipo de antroporfismo; fala-se do “amor de Deus”, da 
“vontade dos deuses”, do sacrifício “para Deus”, mas, no fim, o que isto 
significa? Como não atrelar as experiências e significações do sagrado 
com as paixões e idiossincrasias do humano, do profano, do mundano? 
Ademais, outra razão própria da religião é que, ao que parece, ela mexe 
não apenas com os gostos, preferências ou meras opiniões das pessoas, 
mas, em grande parte, com o “tudo ou nada” de sua existência. É isso 
que Caputo expressa no livro Truth (2013), onde ele reflete sobre a 
verdade e sua relação com a religião. Em suas próprias palavras:
Religião envolve nossas mais profundas convicções e mais 
apaixonadas crenças sobre nascimento e morte, doença e saúde, 
infância e velhice, amor e inimizade, guerra e paz, misericórdia 
e compaixão. Por essa razão é que pessoas religiosas são capazes 
de investir a vida toda trabalhando em favor dos pobres e dos 
doentes, dedicando-se às vítimas da AIDS na África, por exemplo, 
e também porque, em contrapartida, são igualmente capazes 
de incendiar um lugar colocando-o abaixo em um acesso de 
intolerância. A religião é irredutível tanto a um quanto ao outro 
e remover a raiva é remover a paixão; mas se você remover a 
paixão, remove também a religião. Conquanto haja religião, bem 
Filosofia da Religião20
como paixão, a chance para a justiça sempre virá acompanhada 
do risco da injustiça (CAPUTO, 2013, p. 61, tradução minha).
É essa ambiguidade da religião que pode tornar artificial e até 
inútil, em certos casos, o discurso sobre “paz” ou “tolerância” entre 
as religiões ou convicções semelhantes, caso não se reconheça que a 
violência, a guerra, a disputa, a intolerância, ódio e injustiça sempre 
fizeram parte da história das religiões em todo o mundo tanto quanto, 
ou mesmo em decorrência das diferentes práticas e preceitos sobre 
o amor, a tolerância, o respeito, a justiça, equidade, paz, e assim por 
diante. Não são os deuses que estão em guerra, mas os seus seguidores. 
Eliminar esta ambiguidade - parece-me que este é o ponto de Caputo 
- é o mesmo que remover a religião.
A percepção é que, considerando as “razões próprias” e as ambiguidades 
da religião, conforme analisadas há pouco, as pessoas, em suas crenças, estão 
dispostas a tolerar umas as outras, mas “até certo ponto”, ou seja, até o ponto 
em que, por exemplo, a tolerância não significa ter de negociar, ou mesmo 
minimizar em nome da convivência ou do bem comum, convicções “fortes” 
de fé. Daí a recorrência a ideia de John Caputo sobre a religião como sendo 
não um processo racional, mas um negócio feito “para os amantes”, que se 
entregam passionalmente à causa, custe o que custar. 
Por essa razão, parte fundamental do discurso dos ateístas2 converge 
na direção de que se abolirmos a religião do mundo, haveria menos guerras, 
menos violência, menos intolerância. A história contemporânea das religiões 
no Brasil, porém, parece seguir em outras direções, que reverberam tanto no 
desejo de maisreligião, por um lado, quanto no anseio por menos religião, 
sem perder, porém, o elemento da transcendência3. Embora se encontrem 
em categorias diferentes, ambos, porém, parecem partilhar do mesmo 
processo de “reencantamento do mundo”. Isto significa que, apesar de tudo, 
ao que parece, o ser humano não consegue se desvencilhar ao todo, por mais 
2 Como é o caso de Sam Harris em seu livro Carta a uma nação cristã (2007), e Richard Dawkins em seu 
Deus, um delírio (2007). O segundo, já no prefácio de seu livro, convida os leitores, no espírito da música 
“Imagine”, de John Lennon, a imaginar um mundo sem religião e, consequentemente, sem guerras, 
ataques suicidas, cruzadas, massacres, perseguições, evangélicos televisivos extorquindo dinheiro de 
seus fiéis, e assim por diante (DAWKINS, 2007, p. 14). A descrença em Deus e desejo de extirpação da 
religião da face da terra é o que diferencia estes “neoateus” dos chamados “sem religião”, por exemplo. 
Não se pode, dessa forma, colocar no mesmo bojo de análise os ateístas, agnósticos e sem religião.
3 Explorarei mais esta questão na quarta e última parte de nosso curso, ao falar da religião para os 
pós-modernos.
21
que queira, da religião. O que ela tem de tão especial? É o que continuarei 
analisando nas próximas unidades.
Conclusão
Nesta segunda unidade vimos um pouco sobre como o conceito 
de religião pode nos levar a diferentes caminhos e sentidos. Começando 
com a teoria de Tiago sobre religião, instiguei você a que pensasse nos 
significados que ela assumiu naquele texto e contexto específicos e por que. 
Então partimos para definições mais ou menos aceitas de religião. Baseado 
em Tillich principalmente, defendi a ideia inicial de que a religião é “um 
sopro humano na busca pelo incondicional”. Isto significa que há algo no 
ser humano que o move em direção ao infinito, ao Eterno, ao desconhecido, 
mesmo que não seja possível explicar as razões para isso. Ora, mas isso não 
garante o contato ou o alcance. Afinal, como pode o condicional e o que 
há de mais incerto atingir ou incondicional, ou o que há de mais certo e 
necessário no universo? 
A resposta é: não é possível. Na visão de Eclesiastes, isso se deu de 
propósito: temos essa eternidade no coração, mas não sabemos nada sobre 
os caminhos do Espírito, que sopra onde quer. Mas o Eterno é gracioso, 
e resolve se revelar. O incondicional toca parcialmente o condicional 
através da revelação. A religião, embora diferente da revelação, é também 
e paradoxalmente resultante dela. Daí sua relação com a cultura; não 
se encontra Deus em um vazio-sócio cultural, e sim nos termos de uma 
cultura e tempo específicos. Por fim, vimos com Caputo que, como envolve 
o incondicional, a religião é coisa para os amantes, e pode virar um negócio 
de vida ou morte, sem grandes garantias do que vem primeiro ou tem a 
primazia. O Deus bíblico é o Deus da vida; as construções e práticas 
religiosas ao longo do tempo, porém, pintaram-no também como Deus da 
guerra, da intolerância e da morte. Muitas pessoas se afastaram de Deus 
por causa disso. E, ainda assim, a religião não foi extinta; pelo contrário, 
cresce cada vez mais a necessidade dela. Pode ser exatamente porque a 
sede pelo incondicional nunca cessa, apesar dos descaminhos do religioso 
condicional. Isso é uma pista pelo menos. Estamos apenas começando...
Filosofia da Religião22
Referências
BAZÁN, Francisco G. Aspectos incomuns do sagrado. São Paulo: Paulus, 2002.
CAPUTO, John D. Truth: philosophy in transit (eBook). London: Penguin, 2013.
_______. Sobre la religión. Madri: Tecnos, 2005.
DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. São Paulo: Cia das Letras, 2007.
HARRIS, Sam. Carta a uma nação cristã. São Paulo: Cia das Letras, 2007.
PETERSON, Eugene. A Mensagem. Bíblia em linguagem contemporânea. 
São Paulo: Vida, 2011. 
PONDÉ, Luiz F. Os dez mandamentos e mais um. Aforismos teológicos de 
um homem sem fé. São Paulo: Três Estrelas, 2015.
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Sobre a religião. São Paulo: Novo Século, 2000.
TILLICH, Paul. Teologia da cultura. São Paulo: Fonte Editorial, 2009.
________. Teologia sistemática. São Paulo: Paulinas; São Leopoldo: 
Sinodal, 1987. 
_______. Filosofia de la religión. Buenos Aires: Ediciónes Megápolis, 1973.
WHALING, Frank. Religion. In: McGRATH, Alister (Ed.). The Blackwell 
Encyclopedia of Modern Christian Thought. Oxford, UK: Blackwell, 1993, 
pp. 547-553. 
23
Filosofia da Religião
Unidade - 3
O Sagrado
Introdução
A unidade passada consistiu num esforço no sentido 
de buscar orientações e definições sobre o conceito de 
religião. Meu ponto de partida foi o texto de Tiago 1.27-28, 
uma das poucas passagens do NT em que o termo literal 
em grego (thrëskos) aparece indicando uma tese sobre 
religião. E a tese de Tiago é bem específica: o que ele chama 
de “religião verdadeira” pode ser vista como uma religião 
operante; define-se menos pelo que professa e mais pelo 
que pratica; menos por seu corpo de crenças e mais por sua 
piedade.1 Logo, se existe uma religião verdadeira, é porque 
há uma falsa. E a “falsa religião”, para ele, tem a ver com ser 
ouvinte e confessante de uma religião (ou da Palavra), e não 
praticante, e nesse sentido sua definição está muito próxima 
da de Jesus em Mateus 7.24-27. A religião vã é aquela que é 
muito operante no falar – de quem não consegue refrear a 
própria língua ou controlar o que diz –, mas inoperante na 
vida; rápida e ferina na emissão de juízos, e por isso carente 
de misericórdia. E, como Tiago diz, “a misericórdia triunfa 
sobre o juízo” (Tg 2.13).
A noção de Tiago é importante para que os cristãos 
diferenciem melhor o que é trivial e vão, em sua própria 
religião, do que é, biblicamente, seu foco e essência. Para 
a filosofia da religião, porém, trata-se apenas de uma tese 
possível. Mas uma tese interessante quando pensamos, por 
exemplo, na definição de John Caputo da religião como 
1 Lembrando que “piedade”, em Tiago, tem a ver com estender a mão ao próximo, oprimido e 
marginalizado – diferente do sentido com o qual estamos habituados na espiritualidade cristã, de 
“piedade” como vida de devoção a Deus, indicando mais uma prática individual intimista.
Filosofia da Religião24
sendo para os amantes e os apaixonados, para aqueles que 
fazem o tudo ou nada da vida “em nome de Deus” ou “pelo 
amor de Deus”, e cujas ações podem resultar tanto em paz 
quanto em guerra, tanto em caridade quanto em violência. 
Desse modo, como vimos, Deus tanto pode “usar” o fiel 
para o bem, quanto “ser usado” pelo fiel (fanático) como 
arma, para a destruição e o mal. A complexidade dessa 
relação se dá precisamente porque não se tratam de anjos 
ou demônios, mas de seres humanos.
Assim, a pergunta dessa aula é: porque a religião é 
assim tão apaixonante? Para começar a responder, pretendo 
retornar, primeiro, à definição de Paul Tillich (1973, p. 61): “A 
religião é a orientação do espírito para o incondicional”. Na 
unidade 2, falamos por alto que o “incondicional” é o que não 
pode ser condicionado; toca a pessoa incondicionalmente, 
mas não pode ser controlado (ROCHA, 2010, p. 22). 
Mas a religião, na prática, não funciona, muitas vezes, de 
modo contrário: tentando condicionar o incondicional ou 
domesticar Deus, o Espírito, o sagrado? Isto me conduz 
a uma segunda e principal questão, que se divide em três 
perguntas: o que é o sagrado? Que elementos o formam ou 
distinguem? Pode o ser humano domesticá-lo? 
Objetivos
1. Definir o que é o sagrado;
2. Identificar as formas elementares que o distinguem;
3. Problematizar a questão da linguagem e seus limites 
na relação com o sagrado.
25
O que é o sagrado? Breve aporte bíblico
Começo com uma história mais ou menos conhecida. O livro 
de Êxodo, no capítulo 3, relata que Moisés levava uma vida pacata em 
Midiã pastoreando o rebanho de seu sogro, Jetro. Certo dia, Moisés 
conduzia o rebanho por um monte chamado Horeb, quando o anjo 
apareceu em uma chama no meio de uma sarça, que ardia, mas não 
era consumida.Curioso do fato, Moisés tentou aproximar-se para ver 
o que era aquele fenômeno – uma sarça que ardia, mas não queimava 
– e de repente ouviu seu nome sendo chamado, era uma voz que dizia: 
“Não chegue mais perto. Tire as sandálias de seus pés. Você está sob 
um lugar santo”, ou sagrado (Êx 3.5). 
Em seguida, a voz se identificou como sendo do Deus de Abraão, 
Isaque e Jacó. Então o texto diz que Moisés escondeu a face, temendo 
olhar para aquela manifestação de Deus. A palavra hebraica para 
“santo” aqui é qo.desh, que significa separado para um propósito 
específico, diferente, singular, e depois foi aplicada a lugares (como 
Kadesh-Barnea, cidade do extremo sul de Judá), a coisas e à própria 
condição da pessoa-em-Deus – expressa na conhecida frase “sede 
santos, pois eu sou santo” (cf. Lv 11.44, 1Pe 1.16), que também nos 
dá a conhecer que o “santo” ou separado é distinto do resto. O ato de 
ter que tirar as sandálias do pé parece indicar que não se deve pôr em 
contato o “impuro” com o santo, ou do profano com o sagrado – e é 
apenas sintomático que muitas religiões, até hoje, adotem esta prática.
Isso nos conduz à questão: o que torna um lugar, evento ou coisa 
santo/sagrado? No caso acima narrado, “o que torna santo o lugar é o 
fato de Deus estar ali, falando com Moisés, afirmando ser o Deus de 
Abraão, Isaque e Jacó. Assim, como Deus ‘esteve com’ essas pessoas, 
agora Deus ‘está com’ Moisés, tornando a presença divina conhecida 
e sentida por meios visuais e auditivos” (HOUSE, 2005, p. 115). Nesse 
sentido estrito, o sagrado é marcado pela e depende da epifania2, uma 
vez que Deus é “O Santo”. 
Desse modo, sagrado (falando de lugares ou objetos) é tudo 
aquilo que é tocado pela natureza e presença divinas e prova do 
2 Aparição ou manifestação divina. Lembrando que evento semelhante também aconteceu com Jacó 
(em Gn 28.11-22), quando, através de um sonho, ele se viu na presença de Deus e chamou aquele 
lugar de “terrível”, batizando-o depois de Betel ou “casa de Deus”. 
Filosofia da Religião26
assombro próprio desse encontro. Este assombro, na terminologia de 
Rudolf Otto (2007, p. 44), recebe o nome de mysterium tremendum, ou 
o sentimento do “mistério arrepiante”, que se traduz, como vimos, no 
emudecimento e humilhação de Moisés diante do Santo ou do Sagrado. 
No pensamento de Otto, o santo ou o sagrado aparece na figura do 
numinoso ou inefável, que literalmente significa aquilo que não pode 
ser dito, nem conhecido, pois foge ao acesso e compreensão racionais. 
É o que Tillich chama de “incondicional”. Aqui a experiência com o 
sagrado é irracional, pois irredutível tanto ao entendimento quanto à 
linguagem. O problema que o texto bíblico traz pra gente, contudo, é: 
sendo inefável, por que Deus escolhe uma expressão audível e visível 
(voz e sarça) para se manifestar? Isso nos conduz à relação entre 
sagrado e profano.
Sagrado e profano: a visão de Mircea Eliade
Ainda seguindo a narrativa sobre Moisés e a sarça ardente, pode-
se dizer que a manifestação divina, mais que uma epifania, foi uma 
hierofania. Mas quem disse isso e o que significa?
Quem disse isso – ou melhor, um dos estudiosos que trabalhou 
com esse conceito – foi o historiador das religiões Mircea Eliade 
em O sagrado e o profano (1996), livro que se tornou um referente 
indispensável para os estudos da religião. A tese de Eliade neste 
livro é de que, (1) primeiro, o sagrado precisa ser concebido em sua 
integralidade, isto é, não apenas como o “totalmente outro” (metafísico, 
sobrenatural) de Otto, que se manifesta também no natural e racional. 
(2) Segundo, que uma definição preliminar do sagrado é que ele é 
“oposto ao profano”, sendo sua intenção no livro explorar e ilustrar as 
variantes desta oposição. (3) Terceiro, que o “profano”, como modus 
operandi de um mundo dessacralizado ou secular, é uma descoberta 
relativamente recente, e remete ao homem não religioso das sociedades 
modernas. “Secular” ou “profano”, nesse sentido, significa em tese ser 
livre ou autônomo em relação ao sagrado e à religião, diferenciando-se, 
assim, dos homens das sociedades arcaicas, que eram existencialmente 
religiosos. 
Entretanto, para Eliade, seria um ledo engano dizer que, porque 
27
não aceita mais as ingerências da religião ao modo arcaico, o homem e 
a mulher “secularizados” tenham uma existência inteiramente profana 
ou dessacralizada. E isto nos conduz, (4) em quarto lugar, à ideia 
central de seu livro de que “o sagrado e o profano constituem duas 
modalidades de ser no Mundo, duas situações existências assumidas 
pelo homem ao longo da sua história” (ELIADE, 1996, p. 20). Há uma 
ligação entre ambos na vida, ainda que um se defina por ser uma 
negação ou antítese do outro. 
Não se pode achar, como defende Eliade (1996, p. 27), nem uma 
existência profana em “estado puro”, nem o sagrado em “estado puro”. 
No primeiro caso, é porque “seja qual for o grau de dessacralização 
do mundo a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida 
profana não consegue abolir completamente o comportamento 
religioso” (Ibid.). No segundo caso, como o autor defende em outro 
lugar, “um dado religioso ‘puro’, fora da história, é coisa que não existe, 
pois não existe um dado humano que não seja, ao mesmo tempo, um 
dado histórico” (ELIADE, 1989, p. 22).
Por isso, talvez seja possível dizer que, para Eliade, em toda 
epifania há uma hierofania – que etimologicamente significa que “algo 
sagrado se nos revela”. Isto não significa que Deus ou O Sagrado seja 
ou esteja em tais objetos. Como explica:
A pedra sagrada, a árvore sagrada não são adoradas como 
pedra ou como árvore, mas justamente porque são hierofanias, 
porque ‘revelam’ algo que já não é nem pedra, nem árvore, 
mas o sagrado, o ganz andere. Nunca será demais insistir no 
paradoxo que constitui toda hierofania, até a mais elementar. 
Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra 
coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a 
participar do meio cósmico envolvente (ELIADE, 1996, p. 18).
Seguindo o que diz Eliade, o sagrado não é exclusivo das religiões 
e dos religiosos; na verdade, não é necessário ser religioso para que se 
tenha uma existência marcada pelo sagrado. Isto se dá, também, com 
algumas categorias religiosas, tal como o “mito”, sobre o qual veremos 
na próxima unidade. O problema da hierofania nos conduz, porém, à 
última pergunta: pode o sagrado ser domesticado?
Filosofia da Religião28
Os símbolos e simulações do sagrado
Sabemos, através de Tillich (2009), que sagrado-em-si é o 
incondicional, que não se reduz a nada nem a ninguém; não pode 
ser domesticado ou manipulado. A relação com esse sagrado, porém, 
coloca diante de nós o problema da manifestação, isto é: para se fazer 
conhecido, esse sagrado precisa se revelar em formas ou conteúdos que 
são inteligíveis à razão e experiência humanas. Contudo, na medida em 
que se manifesta de forma ordinária, o sagrado já não se encontra mais 
em “estado puro”, deixou de ser o sagrado-em-si transformando-se no 
sagrado-para-nós. Este último é o sagrado transmutado em linguagem 
ou forma humana. Tillich defende que, por ser fenômeno humano, a 
linguagem é contaminada com o condicional, de modo que:
Não existe linguagem sagrada caída de um céu sobrenatural para 
ser encerrada nas páginas de um livro. O que existe é a linguagem 
humana, baseada em nosso encontro com a realidade, em evolução 
ao longo do tempo, usada para as necessidades cotidianas, para 
expressão e comunicação, literatura e poesia, bem como para 
mostrar a preocupação suprema (TILLICH, 2009, p. 89). 
Assim, a linguagem não é o espelho da realidade do sagrado; 
fala mais do ser humano do que do ser divino, nesses termos. Minha 
linguagem é prostituída; volta e meia incorpora novos amantes e 
novos parceiros/as, sem mesmo se dar conta. E não há nada que passe 
por seu filtro sem ser afetado e que, portanto, possa ser expresso em 
estado puro: nem as coisas do mundo, muito menos as coisas do céu. 
As ideias,os conceitos, os símbolos são, assim, formas de depuração 
da realidade e não o seu reflexo. Quanto mais ciente disso me faço, 
menos pretensiosos serão meus atos de fala ou mesmo minha teologia. 
A teologia, mais que qualquer outra modalidade de saber, deveria estar 
ciente do estado de depuração a partir do qual ela surge; pretende falar 
de Deus, mas todo significado que dá para esta palavra não passa de 
uma mirada através de uma brecha ou um pequeno buraco na parede 
que dá uma visão (apequenada) para fora. Admitir isso não é uma 
forma de relativizar a verdade, mas de preservá-la. 
29
Nossa linguagem participa da verdade, mas não pode ser “a 
verdade”. Assim também se dá com a linguagem simbólica ou com 
os símbolos religiosos, que, como assevera Tillich (2009, p. 102, 
103), “abrem determinado nível da realidade, oculto, que não pode 
ser aberto de outra maneira” e, assim, “produzem a experiência da 
dimensão humana da profundidade. E deixam de existir quando 
perdem essa função”. Ele ainda afirma que essa realidade suprema é 
a realidade do sagrado, de modo que os símbolos são símbolos do 
sagrado: “participam na santidade do sagrado”, mas esta participação 
não os iguala ou identifica ao sagrado. “O transcendente absoluto está 
além de todos os símbolos que o representam” (Ibid., p. 102). 
Ou seja, Tillich admite que estes símbolos religiosos participam 
de algo fora deles. Pense, por exemplo, na pomba, que simboliza o 
Espírito Santo descendo sobre nós; ou, para voltar ao exemplo original, 
pense naquela sarça ardente, como expressão do “Eu Sou” falando 
com Moisés. Tanto a pomba quanto a sarça são linguagens simbólicas: 
participam da realidade (de Deus e do Espírito), na medida em que 
nos remetem à qualidade de sua manifestação, mas não são Deus ou o 
Espírito em si. Os símbolos cumprem bem sua função enquanto não 
se dá um status maior para eles do que este, a saber, o de participação 
na realidade a qual se referem. 
Entretanto, como observa Tillich (2009, p. 103), a religião tem 
uma natureza ambígua: é “construtiva e destrutiva ao mesmo tempo. 
A religião é santa e pecadora”; afinal, como vimos na unidade 2, 
religião é negócio humano. Como não carregaria as ambiguidades 
próprias de seu artífice? Por essa razão, é que mesmo o exercício da 
religião, que supostamente produz a experiência da dimensão humana 
da profundidade, é carregado pelo pecado original: aceitando a oferta 
da serpente, tentamos usurpar o lugar do absoluto. E isto se dá, por 
exemplo, quando absolutizamos os símbolos do sagrado e, assim 
fazendo, eles se transformam em ídolos. Tudo o que tenta ocupar o 
lugar de Deus no coração humano é um ídolo; até mesmo pessoas 
podem ser, que dirá símbolos. 
Por isso, Tillich (2009, p. 104) encerra sua linha de argumento 
alertando que “sobre todas as atividades sacramentais da religião, com 
Filosofia da Religião30
seus objetos sagrados, livros doutrinas e ritos santos, paira o perigo da 
‘demonização’. Tornam-se demoníacos quando são elevados ao status 
do sagrado imaginando-se incondicionais e absolutos”. A natureza do 
símbolo, bem como sua função numa dada religião, é maculada toda 
vez que este ocupa o lugar do absoluto. Logo, ele já não é mais símbolo 
do sagrado, mas um ídolo. Não se trata mais do original, e sim de sua 
simulação. 
Simular, na acepção de Jean Baudrillard (1991, p. 9), “é fingir ter o 
que não se tem”. O símbolo passa a ser simulação toda vez que pretende 
ou promete ter o que não tem; parte do princípio da equivalência ou de 
igualação do não igual, como dizia Nietzsche. O problema é que esse 
princípio de igualação que rege a simulação é, por consequência, um 
princípio de aniquilação. Dizer que uma imagem é igual à realidade 
seria o mesmo que aniquilar a realidade. Em termos teológicos, dizer 
que um símbolo, que nos remete (por participação) ao sagrado ou a 
Deus, equivale a seu referente (Deus), significa a abolição ou morte de 
Deus3. Tentar domesticar o sagrado, por assim dizer, é o mesmo que 
transformá-lo naquilo que ele já não é mais: num demônio ou num 
ídolo. 
Em contrapartida, pelas razões acima expostas e caso se queira 
evitar a idolatria, Severino Croatto defende que é preciso aceitar que: 
A linguagem da religião, ou mesmo da Bíblia, é simbólica. É um 
preconceito inexplicável entender o simbólico como irreal. Tem 
lugar quando se confunde o objeto convertido em símbolo com 
aquilo a que esse mesmo objeto remete e que pertence a um 
âmbito transfenomenal, inalcançável se não se revela de alguma 
maneira no ser humano. Se bem observada, esta condição 
simbólica da linguagem religiosa rompe com a univocidade ou 
uniformidade das linguagens impostas dogmaticamente. As 
novas experiências de Deus correspondem a novos símbolos 
e a um novo discurso da fé e da teologia, do querigma ou 
proclamação. Se um novo discurso e novos símbolos não são 
gerados, é sinal de que Deus está oculto porque não há uma 
fé vivente que o descubra e expresse com novas linguagens 
(CROATTO, 2002, p. 17, tradução minha).
3 Veja discussão sobre a morte de Deus na unidade 14 deste curso.
31
Conclusão
Nesta unidade vimos, em primeiro lugar, que, quando falamos 
de sagrado, falamos do inefável e do incondicional, que não pode ser 
acessado nem condicionado pelo ser humano, pois 
é totalmente distinto. Em segundo lugar, avançamos 
para o campo da manifestação do sagrado, e assim 
aprendemos que sagrado e profano são “duas 
modalidades de ser” que formam a essência da 
religião, no entendimento de Mircea Eliade. Num 
primeiro plano, o sagrado se defi ne em oposição 
ao profano e vice-versa. Num segundo plano, 
concebeu-se que não há uma existência sagrada ou 
profana em estado puro, de modo que o sagrado se 
revela no profano e o profano não perde inteiramente, por mais que 
pretenda, sua dimensão sacral. 
Sabemos, assim, que o sagrado pode se manifestar em objetos, 
lugares ou pessoas, nas chamadas hierofanias. O que diretamente 
colocou diante de nós o problema de saber se esse sagrado pode ser ou 
não contido ou domesticado. A fi losofi a da 
religião de Paul Tillich ajudou no sentido de 
mostrar que, na linguagem religiosa, criadora 
de símbolos do sagrado, o que temos não é o 
sagrado-em-si, mas o sagrado-para-nós, 
transmutado em experiência e linguagem 
humanas. E que toda vez que tomamos símbolos 
como a coisa-em-si, mudamos seu status, 
transformando-o em um ídolo ou demônio, 
nos dizeres de Tillich. As palavras fi nais do 
último tópico (uma citação de Severino Croatto) 
oferecem para gente o que pode ser considerada 
a linha mestra deste curso: tudo o que realmente temos é linguagem. 
Logo, a fi losofi a da religião não tem Deus como objeto, mas a 
linguagem, a experiência e os símbolos do sagrado. 
Mircea Eliade
Paul Tillich
Mircea Eliade
Filosofia da Religião32
Referências
BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem: e outros ensaios. São Paulo: Cia das 
Letras, 2006.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’Água, 1991. 
CROATTO, Severino. Hermenéutica práctica. Los princípios de la 
hermenêutica bíblica em ejemplos. Quito: Centro Bíblico Verbo Divino, 2002. 
ELIADE, Mircea. Sagrado e profano. A essência das religiões. São Paulo: 
Martins Fontes, 1996.
_______. Origens. História e sentido na religião. Lisboa: Edições 70, 1989.
HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida 
Acadêmica, 2005.
OTTO, Rudolf. O sagrado. São Leopoldo, RS: Sinodal; Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
ROCHA, Alessandro. Uma introdução à filosofia da religião. São Paulo: 
Vida, 2010.
TILLICH, Paul. Teologia da cultura. São Paulo: Fonte Editorial, 2009.
_______. Filosofia de la religión. Buenos Aires: Ediciónes Megápolis, 1973.
33
Filosofia da Religião
Unidade - 4
Os mitos
Introdução
Como vimos na unidade passada, o sagrado tem 
tanto uma dimensão transcendente quanto imanente, e 
não pode ser entendido fora dessa intersecção. Pode ser 
inapreensível e não domesticável em sua natureza inteira 
(infinita, inefável), massomente se constitui como tal 
na medida em que é reconhecido, nas hierofanias. Desse 
modo, há o sagrado-em-si e o sagrado-para-nós, conforme 
ressaltei ao final daquela unidade. 
Esta unidade está em íntima conexão com a anterior 
na medida em que aqui pretendo desenvolver uma das 
dimensões do que se chama de linguagem religiosa. Meu 
interesse particular está nos mitos: o que são? Que tipo de 
práticas eles engendram ou regras de funcionamento social 
que ajudam a gerir? Que crenças comuns gravitam em 
torno do mito? Como se dá sua aceitação ou rechaço no 
mundo moderno? Essas são algumas perguntas que devem 
nos guiar na reflexão adiante. 
Objetivos
1. Definir mito;
2. Reconhecer o que torna um mito verdadeiro para 
um grupo ou povo;
3. Compreender os contornos que os mitos ganham 
na modernidade.
Filosofia da Religião34
Gênesis e o mito cosmogônico 
Gênesis1 aponta para um ser humano que foi criado a fim de 
gozar das benesses de um universo, fundado ex nihilo (do nada) para 
ser a sua morada. Deus disse: “façamos o homem à nossa imagem, 
segundo a nossa semelhança”. E assim se fez. “Deus criou o homem à 
sua imagem, à imagem de Deus ele o criou; criou-os macho e fêmea”. Os 
termos “imagem e semelhança” definem o ser humano, em seu estado 
original, com relação a Deus. Eles foram feitos do material divino e 
dele possuem a centelha que aquece seus corpos e os movem para a 
vida. No tempo mítico, Deus não estava longe de suas criaturas, em 
especial, da humanidade que espelhava seus traços. Como diria Paulo, 
o apóstolo, na Divindade (Javé) eles tinham a vida, o movimento e o 
ser, e eis que afirmaram alguns dos poetas gregos a quem Paulo cita 
para os atenienses: “Pois nós somos de sua raça” (Atos 17.28).
E Deus gerara seres de sua raça e da própria criação; do solo, pó 
da terra, ele molda o homem; com seu Espírito (rúah) ele confere o 
sopro de vida (nefesh), que anima a vida carnal do homem, de modo 
que ele se torna um ser vivo, vivo para governar a própria vida que 
pulsa, rasteja, cresce e gravita a seu redor. A imagem e semelhança 
divinas refletem-se na capacidade do homem de criar e dominar: “Sede 
fecundos e prolíficos, enchei a terra e dominai-a. Submetei os peixes 
do mar, os pássaros dos céus e todo animal que rasteja sobre a terra!”. 
Eis o homem em sua condição mítica e primitiva: com mais 
privilégios que os próprios anjos, ele é colocado sobre um jardim, o 
jardim do Éden (do “prazer”), para ali ser mordomo-beneficiário de 
tudo o que Deus fez, e que viu “que era muito bom”. Mas o homem 
não podia estar só, isso não era bom aos olhos do Criador. Do próprio 
homem, fez-se a mulher, sua companheira e ajudadora; ligados 
“umbilicalmente” e espiritualmente, ambos tornam-se também “uma 
só carne”, vivenciando os prazeres da existência e em harmonia entre si, 
com o restante da criação e, o mais fundamental, em perfeita sintonia 
com seu Deus. 
Este mito remete, pois, à criação do humano na terra, conforme 
relatos cosmogônicos do livro de Gênesis. É rico em detalhes, figuras e 
1 Cf. Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), relatos de Gênesis 1 e 2. 
35
representações que, per si, geram um modelo, um paradigma correlativo 
à origem do universo. Nele está implícita a ideia de relacionamento 
sem rupturas entre o ser humano e a divindade, o imanente e o 
transcendente. Sua produção se dá a partir de diferentes testemunhos de 
algumas tradições literárias (em especial, a sacerdotal) do povo hebreu, 
dando sustentação e fundamentação a toda a cultura religiosa e política 
posteriormente formada. 
Eis a função do mito, na visão de Mircea Eliade, em seu livro 
O Sagrado e o Profano: revelar como uma realidade veio à existência, 
contando-se uma história sagrada. Nesse sentido, a recorrência perene 
do homem religioso a um “tempo sagrado” significa uma tentativa 
de restauração de um estado temporal e cósmico em sua origem ou 
princípio (arché), precedente ao estado existencial profano. Conforme 
elucida Eliade (1996, p. 72), “é o eterno presente do acontecimento 
mítico que torna possível a duração profana dos eventos históricos”. 
Em outra obra, Origens, Eliade informa que nas línguas europeias 
a palavra “mito” indica, maiormente, “ficção” “imaginação, história 
fantasiosa. O autor, porém, se propõe, no capítulo da obra em que analisa 
o misto cosmogônico e a “história sagrada”, a estudar culturas em que o 
mito significa verdade a respeito de algo, revela a realidade de algo. 
O mito tem a característica primordial de contar como qualquer 
coisa se originou - o homem, o mundo, uma instituição, e assim por 
diante.
Segundo Eliade (1989, p. 97), o “mito cosmogônico” tem 
precedência sobre os demais, posto que nele se baseiam todos os 
demais mitos de origem. É, nesse sentido, exemplar ou paradigmático. 
Conforme analisa, “esta história sagrada primordial, reunida pela 
totalidade de mitos significativos, é fundamental porque explica, 
e por isso mesmo justifica, a existência do mundo, do homem e da 
sociedade” (Ibid., p. 97). Esta é a razão, prossegue o autor, porque a 
mitologia é considerada, ao mesmo tempo, uma verdadeira história: 
“ela relata como surgiram as coisas, fornecendo o modelo exemplar e 
também as justificações para as atividades do homem” (Ibid., p. 97). 
Eliade ainda focaliza o exemplo dos povos Dayak, de Bornéu (ilha 
asiática). Como para outros povos primitivos, o mito cosmogônico 
influencia os princípios que governam a existência cotidiana desses 
Filosofia da Religião36
povos, de modo que a história sagrada é “re-vista” na vida da 
comunidade e na existência individual de cada membro. “O que 
aconteceu no princípio descreve simultaneamente a perfeição original 
e o destino de cada indivíduo” Ibid., p. 99). Ainda baseado nesse 
exemplo, pode-se aferir, por fim, que os mitos de criação do mundo 
(cosmogonias) são muito similares entre muitos povos primitivos. 
Nota-se, na seguinte descrição de Eliade, uma patente similaridade 
(em alguns aspectos) entre o mito Dayak e o mito cosmogônico do 
Gênesis: 
No princípio, diz o mito, a totalidade cósmica encontrava-se 
ainda indivisa na boca da cobra d’água enrolada. Surgem então 
duas montanhas e das suas colisões repetidas nasce a realidade 
cósmica: as nuvens, os montes, o Sol e a Lua, etc. as montanhas 
são as sedes das duas divindades supremas e são também essas 
mesmas divindades. Elas, contudo, só revelam as suas formas no 
final da primeira parte da criação. Na sua forma antropomórfica, 
as duas divindades supremas, Mahatala e sua mulher, Putir, 
procedem à obra cosmogônica e criam o mundo superior e 
o mundo inferior. Mas falta ainda um mundo intermédio, e a 
humanidade para o habitar. A terceira fase da criação é levada 
a cabo por dois calaus, macho e fêmea, que são na realidade 
idênticos às suas divindades supremas (Ibid., p. 99 - grifo meu). 
Percebe-se que um dos aspectos que indicam similaridade entre 
os referidos mitos é a indicação de uma “terceira fase” da criação, em que 
as divindades criam macho e fêmea, para levar a cabo essa fase, e criam-
nas “idênticas” às divindades, à sua “imagem e semelhança”. Ambos os 
mitos, portanto, relembram aquilo que Mircea Eliade, Rudolf Otto e 
outros estudiosos da religião já observaram: a religiosidade, o anseio 
pelo eterno e transcendente, é uma expressão inata ao ser humano. 
Há uma referência a isso no Antigo Testamento, em Eclesiastes 3.11, 
quando se diz: “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também 
pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as 
obras que Deus fez desde o princípio até o fim”.
Ou seja, além da beleza do universo, Deus permite ao homem ter 
um senso limitado e parcial acerca do devir histórico, permanecendo 
veladas, porém, a intencionalidade e ação divinas no que tange ao 
37
futuro de sua criação. O homem tem um relance, uma chama acesa 
em seu coração, mas não a plenitude da revelação dos tempos. Assim, 
coloca-se em suspenso, pasmado e tateante diante do mistério da 
eternidadee de sua própria existência, mantendo apenas aquela chama 
animada, lá no fundo, que o mantém unido ao sagrado. 
A alma humana contém a atração pelo numinoso, na linguagem 
de Otto; segundo os autores Paim, Prota e Rodriguez (1997, p. 20), “a 
alma humana possui o instinto religioso. Ele se revela nesse impulso 
interior, nessa busca tateante, nessa ‘saudade do absoluto’ que a tantos 
homens persegue”. E é precisamente essa “saudade do absoluto”, que 
faz com que os homens criem e recriem o tempo todo seus mitos, 
fazendo-os ressurgir com novas facetas, porém, em torno desse 
pathos ancestral. “O homem”, expõe Eliade (1996, p. 89), “só se torna 
verdadeiro homem conformando-se ao ensinamento dos mitos, 
imitando os deuses”. 
Mitologia moderna: religião sem Deus
Nesse tópico pretendo fazer convergirem dois pontos de vista: 
o de Mircea Eliade com o de Roger Bastide. Embora em instâncias 
de pesquisa diferentes, ambos se ocupam de um só objeto mais 
amplo: de religiões e de homens. E aqui quero focar especificamente a 
mitologia moderna. A expressão parece estranha, à medida que todos 
sabem que um dos intentos da modernidade foi o de romper com os 
mitos erigidos até então, apresentando, em contrapartida, uma nova 
plataforma que tornaria obsoletas quaisquer buscas por referenciais 
de vida na religião tradicional (de matriz cristã) ou, caso se prefira, no 
universo transcendente (ou das religiosidades). Bastide (2006, p. 97) 
afirma: “se há uma época que entrou em guerra contra os mitos, essa 
época é a nossa”. 
Tentava-se criar, portanto, o homem a-religioso ou secularizado, 
isto é, que não cria nem tinha a necessidade sequer de recorrer à 
hipótese da existência desse Deus (o Absoluto), que supostamente 
inventou o cosmos. Assim, num mundo até então orientado por 
crenças, dogmas e teologias, busca-se implantar um novo governo: 
o do homem, por meio da razão e da ciência; de uma humanidade 
Filosofia da Religião38
que, pela técnica, caminhava irremediavelmente ao progresso. Estava 
em curso, como diz Eliade (1996, p. 165), a dessacralização da morada 
humana, parte integrante da transformação do mundo nas sociedades 
industriais do Ocidente moderno. O sagrado era visto como um obstáculo 
à emancipação do ser humano, à conquista de sua liberdade. O homem só 
seria verdadeiramente livre quando matassem o último deus. 
Contudo, com a ávida intenção de fazer implodir os deuses e os 
mitos, o homem moderno cria outros mitos. Um deles é apontado por 
Eliade: de uma existência totalmente dessacralizada. Mesmo o homem 
a-religioso conserva traços de uma vida religiosa, ainda que sejam traços 
imemoriais ou inconscientes. Não existe vida profana em “estado puro”, 
como nos apontou Eliade (1996, p. 27) na discussão da unidade passada. 
Em outras palavras, um homem “profano”, queira ou não, conserva 
traços comportamentais religiosos de seus antepassados, embora não 
lhes atribua uma significância propriamente religiosa. Isso quer dizer que 
muitos dos que se autodeclararam “sem-religião”, ainda continuaram se 
comportando religiosamente através de “mitologias camufladas” (pelo 
secularismo) e “ritualismos degradados” (Ibid., p. 166). 
Dessa forma, Roger Bastide (2006, p. 97) inicia seu ensaio sobre 
a mitologia moderna, fazendo alusão à observação de Karl Marx de 
que “nossa civilização, longe de destruir os mitos, multiplicou-os”; e, 
também, cita Bérgson: “o homem é uma máquina de inventar deuses”. 
De fato, ao tentar abolir todos os deuses e mitos criados pelas religiões, 
a modernidade acabou inventando muitos outros, erigindo para si 
uma religião própria, porém, uma religião “sem Deus”. Mata-se o Deus 
cristão, o Senhor criador do Universo, para edificar altares “religiosos” 
(sem ser) a novos deuses, como a razão e a ciência. Como ressalta 
Bastide, o objetivo era de desmitificar tudo. 
E na verdade só criaram mais um mito, o da desmitificação, 
infinitamente mais mistificador que os outros todos que se queria 
abolir. Pois o homem não pode viver sem mitos; o mito está, de 
certa forma, na raiz ontológica de seu ser, e todo indivíduo que se 
respeite irá sempre negar-se a se deixar castrar para ser bem mais 
domesticado. (...) A ciência não destruiu esses mitos, destruiu 
apenas a sua ordenação; logrou apenas, em seu esforço obstinado 
de negação, cumprir o papel das Bacantes, dispersando mundo 
39
afora os membros arrancados de Dioniso, Orfeu e Osíris... Só 
logrou matar a mitologia “culta”, deixando-a perpetuar-se em 
estado “selvagem” e, por conseguinte, ainda mais passível de 
irromper dentro de nós com toda a sua fúria por estar agora 
“incontrolada” (Ibid., p. 97-98).
“E como não haver uma criação incessante de mitos, se é verdade 
que a mitologia é uma necessidade ontológica do homem?”, indaga 
o autor (Ibid., p. 99-100). Ele continua: “Ao homem, que já não pode 
apoiar-se em mais nada, pois nada mais tem sentido, só resta apoiar-se 
em si mesmo e fazer jorrar de sua revolta novas flores míticas” (Ibid., p. 
103). O mito do progresso, sem dúvida, é um dos motores que movem 
o homem moderno. Ele cria a ilusão de que humanidade progride não 
mais guiada pela providência divina, mas por seu próprio esforço e 
inteligência. Arranca os homens de seu desespero, gerando sentido ao 
presente ao futuro. Ele não é mais “ordenado” no universo, mas agora 
“ordena”. Descobre-se, portanto, nos termos de Bastide, uma nova 
arquitetura mítica. 
Esse autor retraça o caminho da mitologia moderna em três etapas, 
que resumirei abaixo:
• (a) Um primeiro esforço se dá a partir da ciência. Inicia-se aqui 
o processo de cultivo do prazer com o natural sem a necessidade 
de ou referência ao sobrenatural (materialismo cientificista). A 
matéria e as leis físicas passam a ser suficientes para explicar a 
realidade. Os progressos espetaculares alcançados pela ciência, 
a partir do século XIX, introduzem o homem num universo 
mítico e “fabuloso”; é a criação de uma nova religião, em que o 
homem se religa ao mito, no entanto, sem a interferência dos 
deuses. “Parece que, subitamente, a ciência supera o homem que 
a construiu e torna-se pura divagação do espírito, aproxima-se da 
magia”. Bastide afirma que o mecanismo de fabricação de mitos 
consiste, nesse particular, “em dissociar um elemento do discurso 
conceitual do conjunto que lhe dá o seu verdadeiro sentido, retendo 
apenas a “fulguração” e transformando-o em “imagens violentas” 
- a violência aqui provindo da ruptura voluntária introduzida na 
coerência da linguagem científica” (Ibid., p. 104).
Filosofia da Religião40
• (b) Um segundo esforço se dá a partir da técnica. Nesse caso, 
a máquina é, literalmente, o fabricante de novos mitos. Já 
não há como impedir o progresso. A via é de transformação 
tecnológica do mundo, o crescimento econômico, a expansão 
de fronteiras da natureza para o “bem da humanidade”. Tudo 
passa a ser objeto de manipulação em nome da civilização 
moderna, do “desenvolvimento” (que também é mito). 
Como explica Bastide, “a princípio, o homem tentou manter 
a sua antiga mitologia dentro desse novo clima. Tentou dar 
às cidades artificiais e às maquinas invasoras os mesmos 
significados simbólicos a que estava habituado” (Ibid., p. 105).
Entretanto, alguns resultados dessa mitificação da técnica, 
dessa criação de novos símbolos, da substituição ou aniquilação do 
arcaico, têm sido catastróficos: o século XX representa o cemitério 
das mitologias e das utopias modernas. O preço da exploração e 
tecnologização da vida tem sido o colapso geral do ambiente e da 
natureza. Os mitos da técnica não conseguiram, assim, exorcizar por 
completo o pavor do ser humano moderno, nem tampouco conferir as 
“respostas” que se buscava.
• (c) Por fim, um terceiro esforço, segundo Bastide, é de ordem 
sociológica. Trata-se da “fabricação das utopias”. O movimento 
das utopias é paralelo ao do desenvolvimentismo; caminha 
na contramão dos valores erigidos em torno do mito do 
progresso, rejeitando e contrapondo, ideologicamente, omodelo de sociedade, até então, proposto. Bastide defende 
que as utopias “não passam, na verdade, de mitos da 
sociologia, da marca da recusa do homem em aceitar a época 
em que vive tal qual moldada pela história” (Ibid., p. 107). 
Tem, no entanto, a mesma finalidade da mitologia natural: 
“transcender a sua finitude acrescentando um suplemento de 
significação às coisas”. Enquanto a mitologia natural transpõe 
esse suplemento ao além místico, a utopia situa seu suplemento 
no além histórico: o futuro (Ibid., p. 108). A revolta inerente 
ao mito das utopias, porém, não lhe garantiram um futuro 
muito promissor, na análise de Bastide. 
41
A constatação desse sociólogo nesse artigo é a de que os 
significados míticos não foram instintos da história, mesmo numa 
existência cada vez mais dessacralizada. Num mundo cada vez mais 
fragmentado, restam, por sobre as demais, de acordo com Bastide, as 
“mitologias pessoais”, através das quais os mitos permanecem vivos:
Sobrepondo-se, fusionando-se também nos momentos de crise ou 
abalos em nossas estruturas sociais. Aquilo que Nietzsche, com efeito, 
invocara com todo desejo, “a morte de Deus”, só podia terminar 
com a multiplicação dos antigos deuses voltando à tona, ou com a 
criação de novos deuses - a “ciência”, a “técnica” - de ora em diante 
reivindicando para si o privilégio de holocaustos sangrentos... O 
homem continuará sendo, sim, uma fábrica de mitos, o que não é grave 
enquanto o mito continuar sendo a expressão de nossa luta contra a 
incompletude, e de nossa necessidade de “ser” plenamente (Ibid., p. 
109-110). 
Conclusão 
Esta unidade objetivou sugerir que os mitos retornam e sobrevivem 
graças ao homem, cujo referencial de existencialidade depende da 
recriação de mitologias. Geração vai, geração vem, e os mitos parecem 
adaptar-se (e não ser abolidos por) às transformações dos tempos. Mas, 
embora transcendam as temporalidades – enquanto remetem a uma 
história sagrada, paradigmática, meta-temporal – são re-significados 
nas épocas e vivências concretas dos homens, isto é, indicam uma 
experiência histórica e remetem a um clima social e às regras de 
funcionamento uma determinada cotidianidade, à medida que alteram 
a cosmovisão e o “sentido da história” para os seres humanos. 
Nesse sentido, é necessário ao filósofo da religião, que, antes, 
estude e compreenda a história (e os mitos) que envolvem dado 
fenômeno religioso, a fim de que, como consequência, apreenda sua 
contribuição para a cultura em seu todo. Ao estudar um fenômeno 
religioso, o pesquisador se depara com uma série de elementos pouco 
apreensíveis por categorias racionais e históricas. Todavia, nem mesmo 
Filosofia da Religião42
isso deve impossibilitar uma filosofia da religião, pois, como elucida 
Mircea Eliade (1989, p. 22):
Um dado religioso “puro”, fora da história, é coisa que não 
existe, pois não existe um dado que não seja, ao mesmo tempo, 
um dado histórico. Toda experiência religiosa é expressa e 
transmitida num contexto histórico particular. Mas admitir a 
historicidade das experiências religiosas não implica que elas 
sejam redutíveis a formas não-religiosas de comportamento. 
Afirmar que um dado religioso é sempre um dado histórico 
não significa que ele seja redutível a uma história não-religiosa 
– por exemplo, a uma história econômica, social ou política.
Referências
BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Cia das 
Letras, 2006.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. A essência das religiões. São 
Paulo: Martins Fontes, 1996. 
 ________. Origens. História e sentido na religião. Lisboa: Edições 70, 1989.
PAIM, A., PROTA, L., e VELEZ RODRIGUEZ. Religião. Londrina, EDUEL, 
1997.
43
Filosofia da Religião
Unidade - 5
O que é a fé?
Introdução
Quando o meu coração estava amargurado e no íntimo 
eu sentia inveja, agi como insensato e ignorante; minha 
atitude para contigo era a de um animal irracional. 
Contudo, sempre estou contigo; tomas a minha mão 
direita e me susténs. Tu me diriges com o teu conselho, 
e depois me receberás com honras. A quem tenho nos 
céus senão a ti? E na terra, nada mais desejo além de 
estar junto a ti. O meu corpo e o meu coração poderão 
fraquejar, mas Deus é a força do meu coração e a minha 
herança para sempre (Sl 73.21-26, NVI).
À luz do texto bíblico acima, gostaria de te convidar 
para um início de unidade diferente: uma breve reflexão 
sobre a fé hoje. Em seguida, prosseguiremos com definições 
filosóficas sobre fé, em diálogo com Paul Tillich e Sören 
Kierkegaard.
Pois bem, uma das coisas que mais me preocupa 
hoje quando o assunto é “fé” é o pouco espaço que nossas 
definições e percepções mais ou menos comuns deixam 
para o lado incerto e fraco da fé. Sobretudo porque, ainda 
que o conceito de fé tenha um aspecto doutrinário ou quase 
definitivo - e se não respeitar aquilo, não será considerado 
fé - o fato fundamental é que a fé não existe fora da pessoa. 
E, como pessoas, adotamos, criamos, defendemos e 
obedecemos a convicções, mas também somos abalados 
em relação a elas, o que denota uma dupla condição de 
fragilidade: (a) primeiro a condição da vida humana; (b) 
a condição de nossas certezas, que muitas vezes se abalam 
na medida em que invariavelmente nosso mundo se abala. 
A questão no caso é se saberemos ou não a lidar com a 
ambiguidade óbvia que nos contitui como humanos e, 
Filosofia da Religião44
como tal, também atinge nossa própria fé?
Os salmos são cheios dessas ambiguidades, como 
este que lemos acima, cuja autoria é atribuída a Asafe. Ao 
que tudo indica, este homem andava com Deus, buscando 
e apreciando seus conselhos; mas no meio dessa trajetória 
cometeu alguns deslizes próprios de quem, mesmo sendo 
de fé, é gente, é humano; e o que possivelmente o tornava 
um homem de Deus não era apenas o fato de que ele foi 
um “escolhido” de Deus, mas de que também, a despeito 
de suas dúvidas, inquietações, medos e outros sentimentos 
demasiadamente humanos, ele prosseguia escolhendo 
Deus. E escolher Deus implica em admitir sua dependência, 
é ser honesto com Ele, é saber que Ele “é” e continua “sendo”, 
a despeito de nós não sermos, e que ele permanece, apesar 
de nossos desvios e fraquezas. 
É disso que ele está tratando nesse texto. Nele ele admite 
ter sido tomado pela inveja e amargura em seu coração em 
relação aos arrogantes e ímpios, mas prósperos; que pisam 
nos outros e só pensam em si mesmos, mas, a despeito disso, 
parecem se dar bem em tudo: não adoecem, estão sempre 
fortes, oprimem os outros, agem como quem pode se apossar 
da terra, como se esta fosse só deles; além disso, ainda zombam 
de Deus, não se preocupam com nada e só vão aumentando 
sua riqueza. O salmista então é tomado pela insensatez e 
conclui que toda a sua busca por se manter reto e puro, em agir 
corretamente e temer a Deus, foi inútil, pois o fez penar ainda 
mais enquanto esses pérfidos aí gozam de todas as benesses 
que ele, pelo bem realizado, deveria estar gozando. Quer dizer, 
quem não se sentiria injustiçado? Quem não se veria tentado e 
duvidar do caminho da retidão, isto é, dos caminhos de Deus? 
Quem não passaria pelo vale da insensatez e da amargura 
como passou o salmista por um momento, que não sabemos 
quanto tempo durou? É isto que chamo de “mundo abalado”; 
perdemos nosso chão, e vemos como nossas convicções 
podem ser solapadas e se perder nestas horas.
Mas o salmista não era insensato ao todo; simplesmente 
45
porque, diante de Deus, ele admitiu fraquejar, reconheceu 
seus minutos de bobeira e insensatez; mas mesmo neles, 
percebeu que não saiu do lado de Deus. Para onde poderia 
correr? Qual seria, afinal, o sentido de tudo isso? Ele decidiu 
que melhor é continuar andando com Deus. O sentido 
de sua fé era maior que a própria fé, pelos modos pelos 
quais ela se constrói, pelos invólucros frágeis nos quais ela,

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