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armadilhas da comunicação: Fiz um trato com meu corpo. Nunca fique doente. Quando você quiser morrer, Eu deixo. Paulo Leminski. A enfermidade transforma o homem sujeito de intenções em sujeito de atenção.3 A internação em um hospital amplia o impacto psicossocial dessa condição de vida. Strain postula oito categorias de estresse psicológico a que está submetido o paciente hospitalizado por uma doença aguda, tendo por base as fases psicodinâmicas do desenvolvimento: Ameaça básica à integridade narcísica. São atingidas as fantasias onipotentes de imortalidade, de controle sobre o próprio destino e de um corpo indestrutível. Podem emergir fantasias catastróficas, com sensação de pânico, aniquilamento e impotência. Ansiedade de separação, não só de pessoas significativas, mas de objetos, ambiente e estilo de vida. Medo de estranhos. Ao entrar no hospital, o paciente coloca sua vida e seu corpo nas mãos de pessoas desconhecidas, cuja competência e intenção ele desconhece. Culpa e medo de retaliação. Ideias de que a doença veio como um castigo por pecados e omissões, fantasias de destruição de uma parte enferma do corpo, “traidora”. Medo da perda do controle de funções adquiridas durante o desenvolvimento, como a fala, o controle dos esfincteres, a marcha, etc. Perda de amor e de aprovação, com sentimentos de autodesvalorização gerados pela dependência, sobrecarga financeira etc. Medo de dano a partes do corpo. Mutilações ou disfunções de membros e de órgãos alteram o esquema corporal. Medo da dor e da morte. Não há outra forma de se inteirar de quais temores e sentimentos mais afligem o paciente, bem como do significado e das implicações que o adoecimento traz, a não ser ouvindo-o com disponibilidade de tempo, com respeito às ideias e aos sentimentos a nós expressados. Adota-se uma postura que procura conhecer, sem crítica, a pessoa que se encontra doente. Chama-se isso de escuta ativa. As principais características da escuta ativa, são: - Proporcionar ambiente físico de acolhimento (privacidade, conforto, proximidade interpessoal adequada). - Atitude de respeito e interesse, sem criticar. - Manter contato visual frequente. - Iniciar com perguntas gerais e menos constrangedoras (identificação, razão da consulta). - Preferir perguntas abertas (usar “como...?” , “Eu posso imaginar...”, em vez de “Por que...?”). - Compreensão de conteúdo e conotação da mensagem (postura, gestos, tom de voz). - Observar reações emocionais do paciente, pontuando-as, quando pertinente. - Resumir o que entendeu até dado momento e solicitar algum esclarecimento. - Respeitar momentos de silêncio e de choro, mas ajudar, com delicadeza, o paciente a sair deles. Para algumas pessoas, a doença pode ser vivenciada como um abalo que se impõe ao sujeito, com desabamento do narcisismo, da onipotência e dos arranjos provisórios mantidos para “ir levando a vida”. As reações e o humor podem oscilar entre extremos: da tristeza e do desamparo à revolta e ao desespero. Há momentos angustiantes de vazio e de não compreensão. A vivência é de catástrofe. A catástrofe – desencadeada pela doença aguda e internação hospitalar – costuma solapar do paciente a capacidade de organizar as ideias e de reagir à sensação de desabamento existencial. Contrastando com essa vivência de catástrofe, a primeira reação de algumas pessoas diante do diagnóstico de uma condição clínica grave é de anestesia. Pode advir um comportamento de aparente alegria e frescor existencial, que chamamos de “fuga para a saúde”. Em personalidades mais egocêntricas, a doença pode abalar a autoestima a ponto de se transformar em ferida narcísica. No encontro terapêutico, à semelhança da relação entre pai e filho durante a infância, o médico passa a ser o depositário de fantasias repletas de elementos mágicos que configuram a transferência. Esse conceito nasceu da psicanálise. A criança assustada, que o paciente pode trazer secretamente dentro de si, espera reencontrar no médico a capacidade materna de aplacar a angústia e a dor, de acolher fantasias aterrorizantes desencadeadas pela doença e devolvê-las transformadas, elaboradas e mais aceitáveis. A contratransferência compreende, para alguns, tudo o que, da personalidade do profissional, pode interferir no tratamento. Outros limitam o conceito aos processos inconscientes que a transferência do analisando provoca no analista. Pacientes reagem diferentemente às doenças e à internação hospitalar. São vários os fatores que determinam respostas individuais a essas condições. O significado pessoal e subjetivo que a doença física desperta parece ser o fator fundamental, modulado por características de personalidade, circunstâncias sociais e pela própria natureza da patologia e de seu tratamento. Demora um tempo para que, após a fase de diagnóstico e terapêutica inicial, a pessoa se acalme e, ao longo de um tempo variável, se recomponha e amplie seus interesses, voltando a ter ânimo e a planejar o futuro. Em outras palavras, veem-se aqui as mesmas fases observadas em um processo de luto: após o impacto da doença e da hospitalização, espera-se que a pessoa vá retomando a esperança e o comando de sua vida (ainda que isso possa ocorrer, inicialmente, apenas na esfera mental, com o controle do pessimismo e das fortes reações emocionais). Os mecanismos de defesa não são inteiramente obra do ego, alguns deles ocorrendo antes mesmo da conformação egoica. Esses mecanismos, conhecidos como “primitivos”, surgem mais precocemente no desenvolvimento psíquico e são observados até mesmo em bebês. Ganham relevância, por exemplo, entre pacientes com transtorno da personalidade borderline. Embora primitivos, podem se manifestar no homem até então saudável, dependendo de sua personalidade e do impacto de certos acontecimentos. Os mecanismos de defesa, são: - Negação: por meio da negação, o paciente passa a agir como se não estivesse sob ameaça. É um recurso para evitar sofrimento, medo e desespero. Pode postergar ou abandonar o tratamento, desacreditar os resultados de exames, agir como se nada de grave estivesse acontecendo ou tentar fazer crer que seu problema clínico é de natureza mais branda do que todos estão pensando. Outras vezes, observa-se uma pessoa que, embora submetida a procedimentos invasivos e dolorosos, não faz perguntas sobre a razão de sua internação ou dos remédios que está tomando. Outras formas de mecanismos de defesa ligadas à negação, é a racionalização e a banalização. - Regressão: o impacto psicológico da doença, aliado às próprias condições de uma internação, na qual o paciente recebe cuidados básicos de higiene, alimentação e medicação, favorece o mecanismo de regressão. Além disso, o paciente pode adotar uma posição muito passiva, não demonstrar força para reagir, regredindo em seu comportamento e suas necessidades, chegando, às vezes, a fases não verbais e não motoras. - Deslocamento: em algum momento no curso do tratamento, o paciente poderá deslocar sua raiva contra um familiar ou contra a equipe médica, culpá-los pela doença ou por algum acontecimento, tentando aplacar a angústia e a revolta que não consegue conter. Geralmente, essa reação é passageira. A personalidade pode ser compreendida como resultante da combinação de propensão biológica, experiências vivenciadas ao longo da vida e contexto sociocultural. Ela é relativamente estável ao longo da vida da pessoa, ainda que sujeita a mudanças dependentes de experiências existenciais marcantes ou de alterações neurobiológicas. Foram descritos vários tipos de personalidade, sempre colocados em uma classificação ou listagem. Hipócratesexplicava os tipos humanos pelo predomínio de um dos quatro humores constitutivos: sanguíneo (sangue), fleumático (fleuma – ou linfa), colérico (bílis) e melancólico (bílis negra). A tipologia junguiana refere-se a duas variações básicas: introversão e extroversão. Os biotipos de Kretschmer associavam-se a características específicas de personalidade: longilíneo (ou leptossômico), brevilínio (ou pícnico) e atlético (muscular). Atualmente, predominam estudos empíricos, fortemente calcados na psicometria. Procuram-se dimensões que, combinadas, possam caracterizar diferentes personalidades. O modelo dos três fatores (de Cloninger) baseia-se mais fortemente em temperamentos básicos do que em dinâmicas interpessoais. Procura integrar os principais sistemas de neurotransmissão (dopaminérgico, serotonérgico e noradrenérgico) com uma descrição tridimensional de traços de personalidade. O modelo dos cinco fatores de personalidade foi derivado de uma análise fatorial de aproximadamente 18 mil adjetivos da língua inglesa empregados para descrever características de personalidade. A personalidade tipo A engloba um padrão comportamental que inclui ambição, competitividade, agressividade, impaciência, tensão muscular, constante estado de alerta, modo rápido e empático de falar, cinismo, hostilidade, raiva e necessidade de controlar o ambiente. Esse perfil é mais frequentemente encontrado em pessoas exageradamente dedicadas ao trabalho (workaholics). Esse padrão comportamental associa-se fortemente a doença arterial coronariana. Um infarto agudo do miocárdio e a consequente necessidade de internação em uma unidade coronariana podem levar a pessoa a comportamento hostil e crises de raiva. Ela pode sentir-se derrotada pela doença (perda da autonomia) e humilhada perante a equipe assistencial (dificuldade de aceitar posição de dependência). De acordo com modelos cognitivos do comportamento, as pessoas podem ser divididas em duas grandes categorias quanto à maneira como enfrentam as adversidades orientadas para a solução do problema ou orientadas para a emoção. As pessoas cujo coping (mecanismo de enfrentamento) é orientado para a solução de problemas, ao lidarem com situações de doença, tendem a buscar informações, procuram trocar ideias com médicos, amigos, grupos de autoajuda, a fim de alterar suas concepções, seus hábitos, bem como as características do ambiente em que vivem. Tudo isso com a finalidade de reassumir o controle de suas vidas, tornando as consequências da doença mais toleráveis. As pessoas com coping orientado para a emoção estão mais preocupadas em lidar com suas emoções, reduzindo-lhes o impacto. Elas têm mais dificuldades para se focalizar em alternativas cognitivas. Esses pacientes respondem mais emocionalmente, usam mais mecanismos de defesa, sentem mais desesperança, desamparo e depressão, necessitando de estratégias de apoio psicológico por parte da família, de amigos e da equipe assistencial. Orientações a familiares quanto ao que fazer e o que não fazer ao cuidar de pacientes deprimidos: O QUE NÃO FAZER? - Fazer cobranças por melhora. - Infantilizar a pessoa, tratando-a como se ela fosse criança. - Desistir de ajudar. O QUE FAZER? - Compreender e apoiar tanto quanto possível; permanecer ao lado (tempo de qualidade, poderíamos dizer), fazendo o que for possível – coisas simples, como uma curta conversa ou um silêncio companheiro, um chá ou um suco, um programa leve na TV. Tudo isso para demonstrar compreensão e apoio. - Gotas de otimismo. Quem está deprimido deve ser incentivado, sim, com delicadeza, a fazer pequenas coisas. Ao mesmo tempo, temos de respeitar sua necessidade de ficar mais quieto. Como o desânimo costuma ser pior de manhã, quem sabe não seria melhor tentar algo no fim da tarde? Um banho, um lanche leve, uma pequena caminhada, “desbravando” o corredor da enfermaria, etc. Quem está deprimido não consegue iniciar uma corrida, mas pode dar alguns passos, com ajuda e incentivo discretos. Em vez de cobranças, compreensão e gotas de otimismo! - Mudar a lente. A depressão tira as cores e a alegria da vida, afeta a autoimagem, a autoestima, o interesse e a esperança. São comuns as ideias de incapacidade, de culpa, de ruína financeira, de doenças e de morte. O que fazer diante disso? Após ouvir com atenção e respeito, ajude a pessoa a ponderar, lembrando-lhe de que está tendo sentimentos e tirando conclusões influenciadas pela depressão. - Monitorar o tratamento. O tempo que um antidepressivo leva para fazer efeito, o agendamento de uma consulta de retorno, uma dúvida a ser sanada com o médico, ir à psicoterapia, lembrar de tomar os medicamentos etc., são exemplos de obstáculos intransponíveis para quem, devido à depressão, está desanimado, sem energia e sem iniciativa. Um familiar pode ajudar o paciente deprimido ao cuidar de alguns aspectos práticos do tratamento. - Prevenção do suicídio. Às vezes, a depressão se agarra ao desespero. A ideia de morrer, inicialmente rejeitada, passa a ser vista como a única saída para um tormento insuportável e sem fim. Algumas frases e reações podem sinalizar o risco de suicídio. O risco eleva-se quando a depressão coexiste com outras condições, como ansiedade, insônia e abuso de álcool, e quando, também, há meios letais facilmente acessíveis. Diante de qualquer dúvida, o médico deve ser contatado. É melhor dividir suas preocupações e não carregar sozinho o peso da responsabilidade pela vida de alguém. A adesão ao tratamento pode ser vista como um processo, com três componentes principais: a noção de que doença tem o paciente, a ideia de cura ou de melhora que se forma em sua mente e o lugar do médico no imaginário do doente. Em condições de doença crônica, o relacionamento entre médico e paciente será um exercício de paciência e de perseverança. Um acabará conhecendo e aprendendo a respeito do outro. Tratando-se de algumas afecções, sobretudo de distúrbios funcionais e de pacientes com certas características de personalidade, a relação médico-paciente será abalada em diversos momentos do tratamento. O paciente poderá se tornar exigente, hostil, pouco cooperativo, não aceitando as limitações impostas pela doença e seu tratamento.
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