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A Antropologia da Infância

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A Antropologia da Infância
Abordar a construção da infância nas perspectivas sociais, culturais e educacionais.
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AUTOR(A)
PROF. CRISTIANO ROGERIO ALCANTARA
   
  
É fundamental chamar a atenção para o fato que no final do século XX, a Pedagogia recorreu a diversas disciplinas para compreender melhor as crianças, houve época que este auxílio foi exclusivamente da Psicologia, com o passar dos anos, ampliou-se a compreensão da complexidade do que venha a ser a Infância, e procurou-se a ajuda da Sociologia, da Geografia e mais recentemente da Antropologia.
É muito interessante reconstruirmos os caminhos que a Pedagogia, e porque não afirmar da sociedade como um todo, foram se construindo e modificando no tocante a como verem e compreenderem a Infância.
Mudanças que não se deram rapidamente podemos, no que tange ao Ocidente, traçar um breve quadro, que serve para contextuar e termos mais elementos no nosso argumento. O Ocidente, no final do Feudalismo, ampliará as trocas comerciais entre as cidades. As cidades vão gerar o que chamamos de Cidades-Estados, que por sua vez, se uniram, para evitar a invasão por outros habitantes de outras Cidades-Estados, assim surgirá as primeiras nações, que nada mais são que acordos entre senhores feudais com interesses comuns.
Ao se constituírem nações, as relações tornam-se mais formalizadas, surgem os primeiros agrupamentos que identificaríamos como próximos do que vivemos hoje, tanto que é possível irmos a cidades amuralhadas, geralmente na Europa, que darão o tom dos agrupamentos urbanos que vivemos. Com a Revolução Industrial, inicia-se uma grande mudança dos trabalhadores do campo para a cidade.
Novos aglomerados, novas configurações e novos desafios. Se altera consideravelmente a forma de se estar em sociedade, o mundo vive duas guerras de proporções planetária, ao terminar os conflitos armados, entramos numa nova lógica.Uma busca de conforto material e estabilidade social. Se logo após os conflitos vivemos um período de grande natalidade e preocupação de reconstruir cidades e países, passado o período de euforia, as mulheres clamam por direitos iguais e ao controle da natalidade, com que se torna uma das maiores conquistas femininas, assim as mulheres podem se realizar para além da maternidade e das questões domésticas. 
Por volta de 1970, a maior parte da humanidade passa a viver em cidades, mesmo no Brasil há uma diminuição expressiva das taxas de natalidade, somos um dos países do mundo com a maior diminuição de natalidade em poucas décadas, e a sociedade ocidental escolheu como lugar social para deixar as crianças a escola, e preferencialmente em períodos integrais, o que gerará consequências.
Como a Antropologia estuda, é seu objeto de pesquisa, o homem, suas relações, formas de agrupamentos, construções simbólicas e sociais no que tangem as crenças, os costumes, seus critérios etc. não seria possível para a Pedagogia abrir mão das ferramentas da Antropologia para compreendermos como a sociedade e a escola foram tratando os bebês e as crianças, e o mais interessante, como é olhar estes fenômenos sociais na ótica infantil.
 
 
1. O que seria uma Antropologia da Infância?
Antes de respondermos, precisamos estar cientes de alguns requisitos para chegarmos à questão elencada. A primeira e mais importante, só tem sentido se preocupar em construirmos uma Antropologia da Infância, se tivermos certeza que as crianças e os bebês são agentes sociais, logo que possuem agência, e o que vem a ser isto? 
É reconhecermos que as crianças e bebês são sujeitos, são capazes de atuarem efetivamente, e não só passivamente no mundo que os cercam. E, mais significativo ainda, de atuarem no mundo. É muito importante compreendermos que mesmo quando os adultos que estão próximos das crianças não acreditam nisto, elas encontram frestas e formas de exercerem suas agências. Porém, só vemos este fenômeno se estiver com os olhos e ouvidos treinados para tal.
Sendo sujeitos com agência, logo são atores sociais, e como tal, influenciam e são influenciados, criam relações, estabelecem critérios de escolha, modificam seu entorno e são modificados por ele. Por muitos séculos, acreditou-se que os bebês (principalmente) e as crianças eram como esponjas que apenas absorviam o seu meio social.
Olhamos a Infância como um período de muitas ausências, desde "positivas e romantizadas", que se materializam por falas que evidenciam as faltas de preocupações com a sobrevivência; nenhum boleto para pagar; a não existência de cobradores; e a sua única atividade ser a brincadeira. Aspectos que já caíram por terra faz tempo, e hoje já sabemos que as crianças também sofrem, e muito, quando não tem as condições mínimas de crescer num ambiente na qual as condições de sobrevivência estão asseguradas.
Esta visão ainda impera para muitas pessoas que lidam com as crianças e os bebês. E, veja, até 1990, não encontraremos estudos antropológicos que tentem compreender os fenômenos sociais a partir do ponto de vista da criança, haverá trabalhos que se preocuparam com as crianças, notadamente tentando entender como são influenciadas pelos adultos.
Existem estudos clássicos do início do século, etnográficos, que os pesquisadores ficaram por anos em aldeias e tribos não ocidentais para tentarem verem e compreenderem estas relações de "inserção" na Cultura. Mas, olhe: não se observou o ponto de vista da criança para esta inserção, e sim, como os adultos vão apresentando a cultura e as crianças vão absorvendo o que lhe é apresentado.
De forma sintética, podemos responder à pergunta que abre este subtítulo: a Antropologia da Infância procura compreender e assumir o ponto de vista infantil para os fenômenos sociais que as cercam. 
 
2. O que podemos fazer com a Antropologia da Infância?
Como vivemos numa sociedade que a finalidade das coisas parece ser mais importante do que a existência delas, se faz quase que obrigatório responder aos questionamentos: para que estou estudando a Antropologia da Infância? Saber a respeito disto me ajudará efetivamente em quê? Quando eu estiver responsável por bebês e crianças, como usarei isto? São perguntas legítimas que podem estar passando por sua cabeça, ao nos ler.
Contudo, vamos melhor contextualizar os estudos da Antropologia da Infância, lembrando que ela é reconhecida desta forma há bem pouco tempo, precisamente em 1990, abarcando os estudos que até o momento haviam estudado a Infância, e mais, colocando como centro desta pesquisa o ponto de vista infantil, isto é tão revolucionário que merece ser repetido.
E veja bem, não se trata apenas de estudar as crianças e os bebês, o que está em jogo nesta perspectiva é compreender o ponto de vista da criança, trazer suas vozes, inquietações, observações, ver o fenômeno social do prisma infantil. E, onde encontramos mais crianças nas sociedades ocidentais?
Se a sua resposta foi nas escolas, está correta! Até já tínhamos comentado ao final de um dos tópicos anteriores. Assim o sendo, muitos dos estudos etnográficos e antropológicos no Ocidente quando tem a criança como foco ocorrerá dentro das instituições educacionais. O que pode parecer positivo, principalmente para você futuro pedagogo, pois existem diferentes estudos que podem lhe auxiliar a compreender o que seja uma criança num processo de socialização nos ambientes educativos, contudo isto também apresentará limitações.
A primeira de ordem muito pragmática, só crianças institucionalizadas (que vão às escolas) são passíveis de agência? As crianças que NÃO estão nas unidades educativas não são atores sociais? E, podemos ainda ir mais longe em nossas considerações, quais as diferenças de percepção do mundo para estes dois grupos? Ou, como se dão suas construções sociais, para estes dois grupos distintos, mas ambos formados por crianças?
 
3. Provocações e reflexões
A maior contribuição que os estudos antropológicos com as crianças e, mais recentemente, com os bebês, pode trazer à Pedagogia, apoia-se na provocação de questionar-se: como nos constituímos humanosneste agrupamento social? O que acontece neste espaço-tempo que nos perpassa e significa? Como assumo e interfiro naquilo que parece me constituir como membro deste agrupamento?
Parecem perguntas "fáceis", porém não as são. E por que não são? Inicialmente, por exigir que vejamos as crianças e os bebês como indivíduos potentes, que fazem escolhas, atuam socialmente, e são capazes de modificarem seus entornos. E se parássemos nestas afirmações, já teríamos material para muitas desconstruções procedimentais, ao ver a criança como um sujeito que efetiva escolha, não tem cabimento só fazer coisas PARA às crianças e bebês, deveríamos fazer coisas COM às crianças e os bebês.
A mudança de deixarmos de fazer PARA a criança, e irmos para o fazer COM a criança, implica abandonar o adultocentrismo (procedimento que vê o ponto de vista adulto como o certo e o único passível de consideração) nas relações entre o adulto e a criança, começar a abarcar relações mais horizontais e acima de tudo, conseguir ver e considerar a potência infantil.
E, ao abrirmos os ouvidos e olhos aos atos e vozes infantis, estaremos atentos a como o espaço que ocupam, e no tempo que o ocupam perpassam suas vivências. O mais complexo, é considerarmos como as crianças também alteram o espaço e o tempo... é muito difícil assumir esta perspectiva? Não se culpe, foram séculos de pensamentos que nos fizeram ver ao contrário, as crianças e com destaque os bebês, são normalmente vistos por nossa sociedade pelas suas ausências, nunca por sua potência.

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