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Alterações cognitivas no Transtorno do Espectro Autista Laura P. da Encarnação Teoria da mente Teoria da Mente trata-se da habilidade automática e espontânea do ser humano de atribuir estados mentais a si mesmo e a outras pessoas, com a finalidade de prever e explicar comportamentos. O conceito surge à partir de um artigo publicado na década de setenta pelo primatologista Premack e o psicólogo Woodruff, que investigaram se, a exemplo dos seres humanos, os chimpanzés também teriam uma "Teoria da mente" (1978). A carência da Teoria da Mente em indivíduos com o Transtorno do Espectro Autista é evidenciada pela dificuldade destes em reconhecer seus próprios eventos mentais e os de terceiros. A expressão "Teoria da mente" pode induzir a uma interpretação errônea do conceito de que, essencialmente, deveria ocorrer uma elaboração teórica implícita ao processo de atribuição de estados mentais. Por essa razão, alguns autores preferem o uso dos termos "mentalização" ou "adoção de uma postura intencional" (Dennett, 1987 apud Tonelli, 2011). Baron-Cohen, Leslie e Frith (1986 apud Tonelli, 2011) realizaram um estudo comparativo entre a capacidade interpretativa de crianças normais, crianças portadoras de Síndrome de Down e de crianças autistas, utilizando ilustrações de situações que exigiam a totalidade de habilidades da Teoria da Mente, e ilustrações que não as exigiam. Os resultados demonstraram que crianças autistas apresentavam prejuízo na compreensão das ilustrações que exigiam mentalização, e seu desempenho era inferior comparada com crianças normais e com as portadoras de Síndrome de Down. Estudos investigativos dos déficits da Teoria da Mente em autistas, evidenciam que nem todos os indivíduos portadores do transtorno falham na interpretação de testes que exigem mentalização, mas que a maioria deles apresenta um atraso no desenvolvimento de habilidades de Teoria da Mente Teoria da Mente implícita é a habilidade automática de dedução de estados mentais, permitindo um processamento rápido das informações vindas do ambiente social; Teoria da Mente explícita é a capacidade de aprender as regras do jogo social, otimizando o convívio com outros seres humanos. Teoria da Mente implícita e explícita utilizam de circuitos neurais distintos e, em razão de eficiência, a explícita é mais lenta, não permitindo um processamento online da informação social. em relação a crianças normais. Este atraso pode ser explicado pelo prejuízo na configuração da Teoria da Mente implícita, fazendo com que crianças autistas tenham de contar apenas com suas capacidades da Teoria da Mente explícita, as quais exigem mais tempo para se desenvolverem completamente, uma vez que exigem aprendizado. Capacidade para mentalizar A dificuldade para mentalizar é evolutiva e se constrói em desenvolvimento normal, é considerada para explicar algumas das muitas alterações sociais e comunicativas de um sujeito com TEA. O termo dificuldade para mentalizar está relacionado à capacidade de se colocar no lugar do outro, empatia, imaginar o que este pensa e sente, entender intuitivamente os estados mentais do próximo, tais como crenças e desejos. A habilidade de mentalizar alterna de acordo com o espectro autista do indivíduo. Em casos de maior gravidade, as falhas são permanentes e os marcos evolutivos prévios a essa capacidade não surgem. Em casos de alto nível de funcionamento, o mentalismo é lento, pouco eficiente e falta o dinamismo que as interações cotidianas exigem. Disfunções executivas A teoria que diz que o comprometimento da função executiva é um déficit incluído ao autismo firma sua hipótese à partir da a semelhança entre o comportamento de indivíduos com disfunção cortical pré-frontal e daqueles com autismo (Duncan, 1986 apud Bosa, 2001). Indivíduo que sofreram lesões nas regiões pré-frontais, possuem tendência a apresentar alterações de personalidade, perda do juízo crítico envolvendo valores sociais, problemas na área da atenção, memória de trabalho e prospectiva. Já em indivíduos com TEA, podemos observar o desejo de invariância ambiental, dificuldade com mudança de atenção, rigidez, tendência a perseverar, pobreza na iniciativa de novas ações, comportamentos repetitivos e estereotipados, ausência no controle de impulsos, falhas ou mau desempenho no planejamento, na memória operacional, no monitoramento de ação etc. Ozonoff, Strayer, McMahon e Filloux (1994 apud Bosa, 2001) realizaram um estudo comparativo entre grupo de crianças/adolescentes diagnosticadas com autismo e outros dois grupos de controle, síndrome de La Tourette e desenvolvimento típico, seguindo o padrão do processamento da informação. Em relação as tarefas que exigiam processamento global/local (que requer atenção ao detalhe ou ao todo) e inibição de respostas a estímulos neutros, o grupo com autismo obteve um desempenho comparável aos grupos de controle. Porém, nas tarefas que requeriam flexibilidade cognitiva (mudança de foco de atenção de um padrão de estímulo para outro), o mesmo não ocorreu, reforçando a noção de disfunção executiva na síndrome do autismo. Sistematização A sistematização diz respeito à capacidade de analisar os diferente sistemas com os quais nos deparamos, compreendê-los e integrá-los. Um indivíduo que possui TEA, mas que tem uma capacidade de sistematização melhorada, apresenta interesses restritos e repetitivos, ou seja, o sujeito é capaz de sistematizar, mas apenas dentro de sua “bolha”, e uma vez que compreende o sistema, tende a repeti-lo, por ser seguro. Coerência central Coerência central pode ser entendida como um estilo de processamento de informações contextualizadas, que possuem significado. O processamento de informações de um indivíduo com TEA de coerência central fraca, é realizado à custa do significado do ambiente linguístico e a favor do processamento focal, portanto, processam as informações do local e dos detalhes, mas não é capaz de englobá-las. Delírio de imaginação infantil O delírio de imaginação infantil está relacionado ao animismo, pois as crianças estão sempre rodeadas de ilustrações e histórias que dão vida à coisas inanimadas, a criança transporta seu eu para dentro daquele objeto inanimado, lhe concedendo a intencionalidade que quiser. Logo, o delírio de imaginação infantil não se trata de um delírio de vivências emocionais oniroides e também não é um delírio no qual fatores depressivos ou maníacos exercem influências, são delírios que possuem parentesco com as crenças infantis. É à partir do desenvolvimento da teoria da mente que a criança começa a racionalizar e abandonar as crenças anímicas. Sabendo que adquirir a teoria da mente é um dificuldade para um sujeito autista, é de se esperar que possuam mais dificuldade para se livrar do animismo, pois jamais desconfiam de suas projeções – sem uma teoria da mente consolidada, o animismo corre solto. As crianças projetam aquilo que sentem sobre o mundo em que estão descobrindo, é apenas por meio de um processo de depuração crítica que ela será capaz de abandonar essa posição. R e fe rê n c ia s • Bosa, C. A. As relações entre autismo, comportamento social e função executiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, 2001, v. 14. • Tonelli, H. Autismo, teoria da mente e o papel da cegueira mental na compreensão de transtornos psiquiátricos. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, 2011, v. 24.
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