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1 CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS Gizelle Felinto INTRODUÇÃO ➢ DEFINIÇÃO: • Ferida → é a ruptura da estrutura e função normais da pele e de seus tecidos adjacentes • Cicatrização de feridas → trata-se de uma complexa cadeia de eventos responsáveis por reparar e regenerar a integridade e função dos tecidos feridos ▪ Ocorre em todo e qualquer tecido ou órgão do corpo ➢ O epitélio não corresponde apenas a pele, pois a cicatrização de feridas também ocorre em todo e qualquer tecido que é lesado ao longo do procedimento cirúrgico ➢ Na REMIT (Resposta Endócrina, Metabólica e Inflamatória ao Trauma), de grande parte do metabolismo energético que ela dispõe, o que sobra desse metabolismo responsável por manter a vida, principalmente nos cenários mais graves, será desviado para a cicatrização de feridas. Assim, a função de toda essa modulação hormonal é: • Garantir a vida • Garantir a regeneração do tecido FASES DA CICATRIZAÇÃO ➢ Fases da Cicatrização: 1. Fase Inflamatória: ▪ Quimiotaxia ▪ Neutrófilos ▪ Macrófagos 2. Fase Proliferativa: ▪ Fibroblastos ▪ Angiogênese 3. Fase Maturacional: ▪ Fibroblastos ▪ Colágeno ➢ Essas fases podem estar superpostas → Ex: ao mesmo tempo em que se inicia uma resposta inflamatória pode-se ter uma área da ferida que apresenta essa atividade inflamatória intensa e ao mesmo tempo inicia-se uma atividade proliferativa. Além disso, em conjunto, também pode ocorrer a maturação ➢ Como se inicia a cicatrização de feridas → essa cicatrização começa a partir do momento em que se tem uma lesão (resposta imediata), iniciando-se com a hemostasia • HEMOSTASIA → a lesão endotelial leva à exposição do fator tecidual, promovendo a hemostasia primária (adesão, ativação e agregação das plaquetas) e a ativação das fases de hemostasia secundária ▪ Alguns autores consideram a hemostasia como parte da fase inflamatória ➢ HEMOSTASIA: • Plaquetas → são as principais células da hemostasia ▪ São responsáveis por cessar/diminuir o sangramento ▪ As plaquetas, ao chegarem na área de lesão endotelial, agregam-se, formam fibrina e liberam vários fatores (fatores de ativação plaquetária, TGF-β...), que vão estimular a fase inflamatória, que é uma fase caracterizada principalmente pelo recrutamento • Com a lesão endotelial também ocorre o sangramento. Assim, há recrutamento de plaquetas, que irão aderir ao fator endotelial e só então serão ativadas. Com essa ativação das plaquetas ocorre a liberação de substâncias e cofatores (como cálcio, Fator de Wonvilebran e ADP), e após isso acontece a adesão das plaquetas, formando um tampão frouxo que precisa de algo que o torne mais firme. Assim, apenas a hemostasia primária não é capaz de manter o tampão plaquetário, e é por isso que se tem a cascata de coagulação (via intrínseca e extrínseca). O final dessa cascata de coagulação culmina com a produção de fibrina, que adere às plaquetas e forma um coágulo firme de fibrina. Dessa forma, depois que se tem a deposição de fibrina é que se vai, de forma efetiva, atingir a hemostasia • Em relação ao processo de quimiotaxia, as plaquetas emitem várias quimiocinas, principalmente o Fator de Crescimento Derivado da Plaqueta (PDGF) e o TGF-β, que serão responsáveis por atrair outras células, e as primeiras a chegarem ao local são os neutrófilos • Além disso, essas plaquetas também irão ativar o restante da cascata da inflamação ➢ FASE INFLAMATÓRIA: • É estimulada pelos processos da hemostasia • Essa fase se inicia de forma precoce • Dura em torno de 7 dias • Ocorre a “limpeza” do local lesionado, garantido que a ferida terá condições de se cicatrizar → feita pelos neutrófilos e pelos linfócitos ▪ Neutrófilos → tem ação fagocitária, sendo responsáveis pela limpeza do local ✓ Agem logo no início ▪ Linfócitos → apresentam imunoglobulinas, que são proteínas de defesa para continuar o processo de “higienização” do local lesionado ✓ Agem tardiamente, por volta do 5º dia • Como ocorre → as primeiras células a chegarem no local de lesão endotelial são os neutrófilos, que são responsáveis por “limpar” o local, caso a ferida esteja muito infectada, matando as bactérias presentes no local, atuando como um fagócito. Assim, quanto mais suja, agressiva e pior for a lesão, mais neutrófilos serão necessários e mais tempo será necessário para que a ferida seja “limpa”. Dessa forma, quanto mais tempo for necessário para a essa limpeza, maior será a perduração da fase inflamatória. Após isso, chegam os macrófagos, que são os grandes responsáveis pela fase de resposta inflamatória 2 CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS Gizelle Felinto • MACRÓFAGOS → realizam: ▪ Produção enzimática → leva ao desbridamento da lesão, ajudando os neutrófilos e linfócitos na “limpeza” ✓ Enzimas: o Colagenase o Elastase o Fagocitose → os macrófagos se diferenciam em fagócitos ▪ Atividade antimicrobiana → através da produção de: ✓ Radicais livres de oxigênio ✓ Oxido nítrico ▪ Produção de citocinas inflamatórias: ✓ IL-1 / IL-6 ✓ TNF-α ▪ Produção de fatores de crescimento: ✓ PDGF ✓ TGF-β ✓ Prostaglandinas • Assim, os macrófagos irão produzir citocinas inflamatórias, que são essenciais para o processo de cicatrização. Isso ativa toda a cascata inflamatória e inicia-se o processo de angiogênese para que se consiga preparar o local, a fim de favorecer o retorno do crescimento tecidual na região lesionada • Quando se tem uma agressão muito intensa (Ex: desbridamento, cirurgia de grande porte, choque refratário...) e não se consegue mobilizar as reservas energéticas de forma adequada, a duração da fase inflamatória será maior • Tecido sujo/necrótico/morto não cicatriza! ➢ FASE PROLIFERATIVA: • É responsável pelo início da cicatrização • Grande parte do processo de cicatrização de feridas é organizar a síntese e a deposição do colágeno • Fibroblastos → são as principais células da fase proliferativa ▪ São responsáveis pela “construção” ▪ São células diferenciadas que vão produzir, principalmente: ✓ Colágeno I e Colágeno III: o Colágeno I: ❖ É o tipo de colágeno com maior prevalência na pele e na aponeurose o Colágeno III: ❖ Inicialmente, é mais produzido do que o I, o que acaba formando uma parede mais fraca e menos resistente do que a parede normal, pois a força tensil é menor do que a desejada para um processo de cicatrização o Na cicatrização de feridas, o colágeno tipo I e o tipo III são produzidos de forma inicial. A princípio, na fase de proliferação, o III é mais produzido do que o I, com mudança gradativa do padrão, na fase de maturação, para uma maior produção do I do que do III, até que se atinja algo mais parecido com o tecido normal ✓ Matriz extracelular • Colágeno tipo III > Colágeno tipo I • Angiogênese → proliferação de células endoteliais ▪ Para a construção é necessária energia, e a grande energia do corpo é o oxigênio, que chega através do sangue. Assim, nessa fase proliferativa, tem-se agentes quimiotáticos que vão levar à angiogênese ▪ Os macrófagos, na fase inflamatória, deixaram fatores de crescimento para que ocorra essa angiogênese. Com esses fatores para as células endoteliais, tem-se capilares, fazendo com que se chegue sangue e, consequentemente, oxigênio, o que faz com que se tenha energia para o processo de cicatrização ➢ FASE MATURACIONAL: • É responsável por “fechar” a ferida • Essa fase organiza o tecido → ou seja, é ela quem vai formar a cicatriz • Esse período não tem um momento exato para começar e é a fase mais longa em comparação às outras, podendo durar semanas ou meses • Os fibroblastos se diferenciam em miofibroblastos (que sãocélulas com um caráter mais parecido com células musculares), que serão responsáveis por realizar um processo de contração. Além disso, inicia-se a organização da síntese e degradação do colágeno, para que se forme um tecido mais firme e mais parecido com o “original” • Formação do tecido cicatricial: ▪ O tecido cicatricial é pouco vascularizado e pouco organizado: ✓ O tecido cicatricial, como ele se formou em condições mais hostis do que a condição original, é um tecido que começa a sofrer involução da angiogênese (pois antes era necessária a chegada de fibroblastos ao local e nessa fase de maturação, como se está depositando componentes, não é preciso tanta vascularização, pois não se está gastando tanta energia), tornando-se pouco vascularizado quando comparado às fases mais precoces ou ao tecido original ✓ A fase de cicatrização é pouco ordenada, o que faz com que o tecido cicatricial seja pouco organizado ▪ Remodelamento da ferida: 3 CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS Gizelle Felinto ✓ Equilíbrio do metabolismo do colágeno → nessa fase, começa-se a produzir mais colágeno tipo I do que o colágeno tipo III. Além disso, ocorre a degradação do colágeno fraco que ficou, de tal forma que se consiga recuperar ao longo do tempo a força tênsil da ferida ▪ Movimento centrípeto da pele em torno da ferida: ✓ Miofibroblastos → essas células vão se agrupando e formando um movimento de tensão ✓ Contração → a cicatrização da ferida ocorre de dentro para fora (pois é o lado de dentro quem tem vascularização e o de fora está em contato com o meio externo) e com um fenômeno chamado de contração da ferida (os miofibroblastos se unem e vão “puxando” a ferida para que ela vá fechando aos poucos) ▪ Recuperação da força tênsil → a cicatrização de um tecido lesado pode ter cerca de 80 – 95% da força original desse tecido antes de sofrer a lesão • Colágeno tipo I > Colágeno tipo III CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS ➢ FATORES QUE INTERFEREM NA CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS: • Infecção: ▪ Tecido infectado não cicatriza! ▪ Assim, neutrófilos, linfócitos e macrófagos, na fase inflamatória, tem que resolver a infecção • Desnutrição: ▪ Desnutrição = Falta de reserva energética ▪ É um fator de risco grave ▪ Pois para a construção do tecido cicatricial é essencial que se tenha uma reserva energética • Hipoperfusão → pois para que se tenha uma cicatrização é necessária a presença de energia, que vem através do oxigênio oriundo do sangue. Assim, quando se tem qualquer problema que leve a uma deficiência no processo de transporte do oxigênio não se consegue uma cicatrização adequada ▪ Hipóxia (Ex: Pneumopata crônico) ▪ Anemia → quando não se tem hemoglobina o oxigênio não chega no local • Diabetes Mellitus: ▪ Por que diabético não cicatriza: ✓ Esses pacientes são inflamados crônicos que, geralmente, também apresentam doença aterosclerótica, que faz com que não chegue sangue ao local, dificultando a cicatrização ✓ A diabetes descompensada, de forma aguda (com glicemia > 300mg/dl) ou de forma crônica (com a persistência da injúria ao longo dos anos) leva a um fenômeno chamado de Glicosilação Proteica, pois as proteínas funcionam apenas em um pH, temperatura, osmolaridade (depende diretamente da glicose) e em níveis glicêmicos adequados. Assim, o diabetes descompensado é um fator grave que impede a cicatrização de feridas • Idade: ▪ Quanto maior a idade, pior será a cicatrização • Fatores externos: ▪ Quimioterapia e Radioterapia → como não são seletivas, elas acabam causando uma lesão celular sistêmica (no caso da quimioterapia) e uma lesão local induzida por radicais de oxigênio (no caso da radioterapia) que não selecionam apenas as células tumorais, atacando também as células não doentes. Isso acaba prejudicando a cicatrização de feridas ▪ Uso de Corticoides: ✓ Corticoide em dose alta é muito importante na resposta metabólica, pois sua atuação faz com que o corpo consiga manter as suas funções vitais diante de um trauma agudo ✓ Porém, o uso crônico de corticoide em doses elevadas (em doses > 7,5mg/dia, que é a produção diária de corticoide pelo corpo) leva à imunossupressão. Assim, a ausência de fatores imunológicos faz com que não cheguem neutrófilos, macrófagos e linfócitos, fazendo com que o processo de cicatrização não ocorra TIPOS DE CICATRIZAÇÃO ➢ PRIMEIRA INTENÇÃO: • Sutura primária • Quando se ajuda o processo de cicatrização, ele cicatriza de forma mais fácil • Exemplo: após realização de cirurgia, o cirurgião reconstrói os planos, fechando a aponeurose e a pele, o que auxiliou no processo de cicatrização • Ou seja, faz-se a sutura para auxiliar na cicatrização ➢ SEGUNDA INTENÇÃO: • Sem sutura • “De dentro para fora” • Quando por algum motivo não se pode fazer esse processo da primeira intenção • É a cicatrização da ferida ocorrendo de forma “natural”, como deveria ser, sem qualquer intervenção para auxiliar esse processo • Exemplo: na Síndrome do Compartimento Abdominal, às vezes, é necessário deixar o abdômen aberto. Assim, ao se deixar o abdômen aberto, deixa-se ele cicatrizar por segunda intenção • Ou seja, não se faz a sutura e deixa-se a ferida cicatrizar naturalmente ➢ TERCEIRA INTENÇÃO: • “Dois tempos” • É um misto da primeira e da segunda intenção • Ex: paciente com síndrome compartimental em que foi necessário deixar o abdômen aberto. Assim, ao invés de deixá-lo cicatrizar “naturalmente”, como na cicatrização de segunda intenção, espera-se até que a síndrome do compartimento seja resolvida para que a ferida seja limpa, ficando limpa de infecções, e fechada 4 CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS Gizelle Felinto • Ou seja, deixa-se a ferida aberta até a resolução do quadro e depois faz-se a sutura e os devidos cuidados CICATRIZAÇÃO ANORMAL ➢ FISIOPATOLOGIA: • Alguns indivíduos, por várias razões desconhecidas, tem uma proliferação anômala de fibroblastos ▪ A função do fibroblasto é de construir, na fase proliferativa, a matriz extracelular, que é produtora de colágeno, e existem mecanismos regulatórios para isso, principalmente a produção das enzimas metaloproteinases, que são as responsáveis pela degradação do colágeno ▪ Tem-se uma síntese excessiva e degradação insuficiente de colágeno → os indivíduos com essa proliferação excessiva de fibroblastos só apresentam a quantidade normal de metaloproteinases, o que faz com que não se consiga um equilíbrio, tendo-se uma produção de tecido cicatricial muito maior do que a sua degradação ➢ QUELÓIDE: • É um processo grosseiro que não respeita os limites da ferida • Não regride → assim, depois de estabelecida ela não vai acabar • Tem predisposição genética • Acontece preferencialmente (não é exclusivamente) em: ▪ Tronco ▪ Cabeça ▪ Pescoço ▪ Membros ▪ Principalmente em orelha e membros • TRATAMENTO: ▪ Excisão + Corticoide → retira-se a quelóide e inibe-se o processo de cicatrização ✓ Tira-se a queloide, infiltra-se a cicatriz com corticoide e depois a fecha ✓ Com o tratamento do queloide não há garantia de que ela não retorne ➢ CICATRIZ HIPERTRÓFICA: • É um pouco mais fisiológica do que a quelóide • A cicatriz respeita os limites da ferida • Tem uma chance maior de regressão espontânea → normalmente após 1 ano ou 18 meses • Sem predisposição genética • É típica de áreas de maior tensão, como: ✓ Áreas de flexão → na cicatrização normal, os miofibroblastos causam tensão e contração da ferida para que se consiga fechá-la. Uma lesão em áreas de flexão, como o cotovelo, faz com que toda vez que se fletir essa região a ferida se abra. Assim, nesses casos é necessária uma cicatriz maior, com mais miofibroblastos • TRATAMENTO: ▪ Tratamento Conservador (na maioria dos casos): ✓ Pois após a resoluçãodo processo, a cicatriz tende a involuir e, normalmente, não é necessário um tratamento QUELOIDE CICATRIZ HIPERTRÓFICA Além dos limites da ferida Respeita os limites da ferida Não regride Regressão espontânea Predisposição genética Sem predisposição genética Tronco, cabeça e pescoço Principalmente: orelha e membros Áreas de tensão Ex: áreas de flexão Excisão + Corticoide Tratamento Conservador (na maioria dos casos) QUESTÕES 1. (UFRJ - 2016) O evento que ocorre, incialmente, na primeira fase da cicatrização de feridas é: a) Formação de trombo b) Contração da ferida c) Aumento da vascularização d) Migração de fagócitos Resposta: A → após a lesão do endotélio ocorre o sangramento, havendo inicialmente a necessidade de formação de trombo para tentar conter o sangramento 2. (PSU - MG) Em relação à celularidade durante a cicatrização de feridas, assinale a alternativa ERRADA: a) A maior presença de fibroblastos ocorre na fase proliferativa b) A maior presença de linfócitos ocorre na fase de maturação c) A maior presença de macrófagos ocorre na fase inflamatória d) A maior presença de neutrófilos ocorre na fase inflamatória Resposta: B → pois o linfócito é uma célula de defesa responsável por “limpar” a ferida para que só depois se inicie o processo de cicatrização. Assim, ele é mais presente na fase inflamatória
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