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CIRURGIA Carolina Ferreira -Dependendo da lesão, a resolução de uma ferida pode ocorrer pela simples regeneração tecidual ou por meio da formação de uma cicatriz. -Em queimaduras de 1º grau, são destruídas apenas algumas células da camada epidérmica, sem dano à camada dérmica. Nesse tipo de situação, bastam a simples proliferação e a migração de queratinócitos da membrana basal p/ regeneração e cura -Em danos + profundos envolvendo os componentes dérmicos, a restauração também da reorganização da derme e da contração do leito da ferida. -Nesse processo, será criada uma nova estrutura: a cicatriz, cujas características finais, principalmente estéticas, nem sempre são previsíveis, a depender de fatores como quantidade e profundidade de tecido lesado, localização, grau de pigmentação cutânea e tratamento destinado à ferida. -A cicatrização caracteriza-se por uma série complexa de fenômenos celulares e bioquímicos desencadeados a partir de uma lesão na pele, sendo promovido a substituição de um tecido normal por um tecido fibrótico, sem reserva funcional. Esses processos são inter-relacionados e, muitas vezes, ocorrem em paralelo, mantendo-se durante meses, mesmo após o restabelecimento da integridade cutânea. -A cicatrização é dividida em 3 fases que se iniciam após a hemostasia da lesão: 1. Hemostasia 2. Inflamação 3. Proliferação ou fibroplasia 4. Maturação ou remodelação ANATOMIA DA PELE -A pele é o > órgão do corpo, constituída por uma porção epitelial de origem ectodérmica (epiderme) e uma porção conjuntiva de origem mesodérmica (derme) unidas pela membrana basal ou junção dermoepidérmica -A epiderme é constituída por: → Melanócitos: estão localizados na transição dermoepidérmica e produzem a melanina, c/ função protetora contra os raios ultravioleta. → Células de Langerhans: são responsáveis pelas funções imunológicas da pele → Queratinócitos: são as células + numerosas da epiderme e formam um epitélio multiestratificado pavimentoso que se renova constantemente a cada 20 ou 30 dias. Os queratinócitos c/ potencial proliferativo estão distribuídos na camada basal e multiplicam-se, permitindo a renovação fisiológica do epitélio e a reepitelização de áreas cruentas. -A derme é composta por tecido conjuntivo, apresenta diversos tipos de células, separadas pelo material extracelular sintetizado por elas, a chamada matriz extracelular. São descritas 2 camadas dérmicas de limites pouco distintos: → Camada papilar (superficial): está logo abaixo da epiderme e é delgada e constituída por tecido conjuntivo frouxo e fibroblastos → Camada reticular (+profunda):é + espessa, constituída por tecido conjuntivo denso, e apresenta menos células. Além dos vasos sanguíneos, dos vasos linfáticos e dos nervos, encontram-se estruturas como pelos, glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas que, junto c/ os vasos sanguíneos e o tecido adiposo, participam da regulação térmica do corpo humano. FASES DA CICATRIZAÇÃO 1. Hemostasia e inflamação: CIRURGIA Carolina Ferreira -Esta fase representa a tentativa de limitar o dano mediante parada do sangramento, selamento da superfície da ferida e remoção de qualquer tecido necrótico, resíduos estranhos ou bactérias presentes. -Esta fase inflamatória se caracteriza por > permeabilidade vascular, migração de células p/ a ferida por quimiotaxia, secreção de citocinas e fatores de crescimento na ferida e ativação das células migrantes -A hemostasia é um evento que precede a inflamação e tem início pela exposição do subendotélio dos vasos lesados, c/ isso o colágeno ativa a agregação plaquetária e a via intrínseca da cascata da coagulação. Os mediadores como a endotelina e o tromboxano, que possuem papel vasoconstritor, já começam a agir. -O contato das proteínas plasmáticas c/ a matriz extracelular leva à ativação da cascata da coagulação que provoca a transformação da protrombina em trombina e a formação de rede de fibrina (coágulo), que auxilia na agregação plaquetária. A associação entre plaquetas e fibrina é clinicamente chamada de trombo, cuja formação, somada à contração do vaso lesado, promove a interrupção do sangramento, ou seja, a hemostasia. -Rede de fibrina + plaquetas= trombo -Plaquetas: são os 1º elementos a entrar na ferida e liberam algumas citocinas, função hemostática, moduladoras da reparação tecidual, estimulam a proliferação e a chegada de células -As plaquetas, além da sua função hemostática, atuam como moduladoras da reparação tecidual. São os 1º elementos a entrar na ferida e liberam algumas citocinas, como PDGF e TGF, que estimulam a proliferação e a chegada de outras células, como mastócitos, neutrófilos etc., à ferida -Citocinas pró-inflamatórias: • Alfa-TNF: macrófagos recrutamento das citocinas e síntese do colágeno • IL-1: macrófagos/queratinócitos quimiotaxia de fibroblastos e síntese do colágeno • IL-2: linfócitos T infiltração e metabolismo dos fibroblastos • IL-6: macrófagos/fibroblastos proliferação de fibroblastos • IL-8: macrófagos/fibroblastos quimiotaxia de macrófagos • Gama-IFN: linfócitos T/ macrófagos estimulo da atividade da enzima colagenase pela ativação dos macrófagos -Citocinas anti-inflamatórias: • IL-4: linfócitos T/ basófilos/queratinócitos inibe a produção de TNF, IL-1 e IL-6 e inibe a proliferação de fibroblastos e síntese do colágeno • IL-10: : linfócitos T/ macrófagos/queratinócitos inibe a produção de TNF, IL-1, IL-6 e dos macrófagos Memorize: p/ ñ confundir as interleucinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias, basta memorizar o “disque-interleucina: ligue 0800- 1268 e desencadeie o processo inflamatório, mas só funciona até 4h10”. Desta forma, 1, 2, 6 e 8 são interleucinas pró-inflamatórias e 4 e 10 são as anti-inflamatórias. -Uma vez obtida a hemostasia, os fatores de crescimento locais presentes propiciam vasodilatação, da permeabilidade capilar e extravasamento de conteúdo plasmático. Estes são clinicamente traduzidos por eritema e edema. Além disso, esses mediadores são quimiotáticos p/ células inflamatórias, desencadeando, portanto, a fase de inflamação. -Essa migração celular p/ a ferida é feita, de forma concomitante pelos diferentes tipos celulares, mas, em geral, respeita-se a sequência: 1º, os neutrófilos, seguidos pelos macrófagos, juntamente c/ os linfócitos Os neutrófilos são as 1º células do sistema imune a entrarem na ferida, atraídos pelos fatores quimiotáticos do local, porém as plaquetas são os 1º elementos, pois a etapa inicial da fase inflamatória é a hemostasia. -Via intrínseca da coagulação= rede de fibrina -O pico de infiltração de neutrófilos ocorre nas primeiras 24 horas, que desempenham as funções: amplificar a resposta inflamatória, auxiliar no controle da infecção por meio da fagocitose de bactérias e da produção de substâncias bactericidas e auxiliar no desbridamento dos tecidos desvitalizados por meio da produção de elastases e colagenases. Os macrófagos são considerados o principal tipo celular na reparação tecidual, pois, são responsáveis pela produção de fatores de crescimento e mediação da transição da fase inflamatória p/ a fase de proliferação. -O macrófago libera fatores de crescimento, como interleucina I, fator transformador alfa e beta, fatores de crescimento de fibroblastos, entre outros, essenciais à iniciação e à propagação da deposição de tecido conjuntivo CIRURGIA Carolina Ferreira neoformado, que deverá se seguir. Porexemplo, o fator transformador alfa e o fator de crescimento, estimulam a migração de queratinócitos, a produção de matriz pelos fibroblastos e a neoangiogênese pelas células endoteliais. -A queda da população de neutrófilos, acompanhada do predomínio da presença de macrófagos no local do ferimento, o que geralmente acontece após as primeiras 48 horas da lesão, marca o fim do fenômeno da inflamação. No entanto, a presença de bactérias, de corpos estranhos e de tecido desvitalizado no ferimento pode levar à ativação da via alternativa do complemento continuamente, gerando + C3a e C5a e perpetuando a fase inflamatória. →Fase proliferativa -Segue-se, então, no ferimento, uma intensa proliferação de células epiteliais (reepitelização), de células endoteliais (neoangiogênese), colagenogênese e de fibroblastos (formação de tecido de granulação), o que marca a chamada fase proliferativa. -Deposição de matriz extracelular/formação de tecido de granulação: quando os fibroblastos chegam ao ferimento — aproximadamente 4 dias depois —, começam a depositar uma matriz extracelular provisória formada por fibronectina, permitindo a movimentação de células atraídas p/ o local. Cerca de 5 dias após a lesão, a matriz provisória já estará povoada por tecido vascular em proliferação, fibroblastos e células inflamatórias, configurando o tecido de granulação. É um tecido especializado, c/ o objetivo de nutrir o novo tecido mesenquimal em crescimento e preencher o defeito tecidual existente pela deposição de colágeno, constituindo um substrato p/ a progressão do epitélio neoformado. Os fibroblastos, as células endoteliais e os queratinócitos secretam fatores de crescimento que continuam a estimular a proliferação, a síntese de matriz extracelular e a angiogênese. Mais adiante, a matriz extracelular adquire uma composição + definitiva, composta principalmente por colágeno tipo III e, em < proporção, glicosaminoglicanos e proteoglicanos. Esse fenômeno pode perdurar por várias semanas, até o restabelecimento da continuidade do epitélio. A prolongação da fase de granulação leva a > deposição de colágeno. A presença de bactérias ou de corpos estranhos no ferimento mantém o recrutamento de neutrófilos, resultando no prolongamento da inflamação, c/ > dano tecidual e subsequente > formação de tecido fibroso. Os fibroblastos, as células endoteliais e os queratinócitos secretam fatores de crescimento que continuam a estimular a proliferação, a síntese de matriz extracelular e a angiogênese. -Contração da ferida: após 2 semanas de lesão, o tecido de granulação já está formado, e pode-se observar que a área da ferida é reduzida progressivamente. Esse fenômeno, representado pela redução dos limites da ferida, é chamado de contração e é gradual, p/ a área a ser reepitelizada. A contração começa por volta de 4 a 5 dias após a lesão inicial e atinge seu máximo em torno de 12 a 15 dias, embora possa continuar a agir por períodos maiores se a ferida permanecer aberta. Duas hipóteses, atualmente, tentam explicar o mecanismo da contração das feridas. A 1º afirma que são os miofibroblastos os responsáveis por esse fenômeno, sendo formado por fibroblastos que produzem proteínas contráteis (actina e miosina). Os miofibroblastos constituem a > população de células localizada no tecido de granulação maduro. Tais células podem ser encontradas dispostas na área do ferimento, ao longo das linhas de contração, desde o 3º dia após a lesão inicial. Outra teoria afirma que a contração acontece pela remodelação do colágeno, gerada por fibroblastos da derme. Estes originariam uma contração da ferida a partir da reorganização espacial das fibrilas de colágeno em feixes + espessos. -Reepitelização: pode-se identificar, nas bordas do ferimento, uma zona marginal uniforme c/ tecido + delicado, correspondente ao novo epitélio, que se prolifera e avança em direção ao centro da ferida — a reepitelização. Os queratinócitos da camada basal começam a proliferar-se e a migrar p/ o centro da lesão, c/ o objetivo de restabelecer a integridade da epiderme. As fontes p/ a proliferação de queratinócitos são as células das bordas da lesão e as de dentro das glândulas sebáceas e dos folículos pilosos. A completa epitelização da ferida inibe a formação de matriz extracelular e leva ao desaparecimento dos miofibroblastos. →Maturação e Remodelação: -Uma vez epitelizada a ferida, o colágeno produzido durante a fase de deposição de matriz extracelular continua a ser remodelado em resposta às solicitações de tensão sobre a pele reparada. Nos casos em que houve formação de cicatriz visível, diz-se que a fase era de amadurecimento, em que o fenômeno se dá por processo dinâmico e contínuo de produção e degradação de colágeno. Durante esse processo, a resistência tênsil da área reparada continuamente, apesar da redução da síntese de colágeno. Esse ganho de força se deve à modificação estrutural desse novo colágeno depositado com a substituição do colágeno tipo III pelo tipo I na relação 4:1. Histologicamente, essas fibras inicialmente desorganizadas tornam-se + espessas, formando fascículos e, eventualmente, fibras compactas. Tal no diâmetro da fibra é diretamente proporcional ao CIRURGIA Carolina Ferreira ganho de força tênsil. O processo da remodelação é dinâmico. Nele, a maturação da cicatriz ocorre durante meses ou anos. Estudos mostram que, por volta de 3 meses, ocorre estabilização da resistência tênsil da cicatriz, mas esta só vai atingir seu ponto máximo após um ano da lesão. -O 1º colágeno a ser formado é o colágeno tipo III, menos organizado e menos resistente, que paulatinamente é substituído pelo colágeno tipo I, que é + organizado e resistente. Quanto + colágeno tipo I, > a resistência da cicatriz à tensão. FATORES QUE INFLUENCIAM A CICATRIZAÇÃO -São: a desnutrição é uma causa importante de falha no processo cicatricial. A hipoalbuminemia gera redução do processo de angiogênese e proliferação de fibroblastos, reduzindo a síntese e a remodelação de colágeno. Vitamina C, zinco, ferro e cálcio são fundamentais p/ a cicatrização, principalmente p/ a síntese de colágeno. A vitamina K é um cofator na cascata da coagulação e é importante na fase de hemostasia. -O DM também influencia a cicatrização. A hiperglicemia crônica é responsável por alterações no mecanismo cicatricial. O tecido de granulação é pobre em macrófagos, c/ < crescimento de fibroblastos, menos deposição de matriz e alterações da angiogênese. -O oxigênio é essencial ao metabolismo celular e à atividade enzimática, portanto, fundamental ao processo cicatricial. Logo, deduz-se que a anemia pode interferir negativamente na cicatrização. O da pO2 acima dos níveis de saturação da hemoglobina de 100% otimiza a síntese do colágeno, pois permite > difusão de oxigênio na borda da ferida pouco vascularizada. Esse efeito do oxigênio é explorado na terapia hiperbárica. -Terapia à base de pressão negativa, + conhecida como curativo a vácuo, é uma técnica que tem sido bastante empregada. -A ferida infectada tem a fase inflamatória prolongada, impedindo a reepitelização, a contração e a deposição de colágeno. Pode ser uma causa importante p/ a cronificação das feridas. -Existem drogas que podem interferir na cicatrização. Os corticoides inibem a fase inflamatória e reduzem a síntese de colágeno, interferindo nas 3 fases da cicatrização. A colchicina interfere na produção de colágeno e ativa a colagenase c/ > degradação proteica, enquanto a D-penicilamina inibe a polimerização do colágeno. O consumo de tabaco também está bastante relacionado c/ problemas de cicatrização. -Pacientes oncológicos também estão sujeitos a distúrbios na cicatrização. O estado de imunossupressão causado pelos quimioterápicos, além do efeito da radiação, que interferena divisão celular e causa vasculite e fibrose tecidual, gera má perfusão e prejudica a cicatrização. TIPOS DE CICATRIZAÇÃO -A cicatrização por 1º intenção ocorre quando as bordas da lesão são coaptadas logo após o seu surgimento, por exemplo, por meio de suturas. Nesse caso, a produção de colágeno pelos fibroblastos gera uma cicatriz resistente, e a sua posterior remodelação por meio de metaloproteinases geralmente culmina c/ uma cicatriz de linhas finas. A epitelização cobre a ferida, gerando uma barreira contra a atmosfera. Assim, um ferimento cicatrizado por 1º intenção se vale muito + dos processos de deposição de tecido conjuntivo e epitelização do que dos de contração. -A cicatrização por 2º intenção quando a ferida de espessura total da pele é deixada a fechar-se sem coaptação das bordas. A cicatrização se dá especialmente por contração e deposição de colágeno, em vez de reepitelização. CIRURGIA Carolina Ferreira -A cicatrização por terceira intenção (ou 1º intenção retardada) ocorre quando uma lesão contaminada ou cuja extensão ainda está mal delimitada é deixada aberta e, após um período de tratamento, é suturada. No período em que a pele e o subcutâneo ñ estão coaptados, ocorre o debridamento, realizado por mecanismos de fagocitose e intervenções cirúrgicas. Após um período de 3 a 4 dias, inicia-se a neoangiogênese, momento em que se pode suturar o ferimento. Nesse caso, ñ há alteração na metabolização do colágeno, e a cicatrização ocorre de forma semelhante à de 1º intenção. CICATRIZES PATOLÓGICAS -Falhas na remodelação da cicatrização, causadas pelo desequilíbrio entre a síntese e a degradação do colágeno, bem como em sua organização espacial, resultam em cicatrizes exuberantes, chamadas cicatrizes hipertróficas e queloides. • Cicatrizes hipertróficas: é muito + frequente, está ligada a tensão envolvida no fechamento da ferida, representa um fenótipo hiperproliferativo que se desenvolve a partir de múltiplos efeitos estimuladores. Geralmente é elevada, tensa, dolorosa, puriginosa e avermelhada, ñ ultrapassa as bordas da lesão inicial. Tende a regredir. Costuma melhorar c/ o uso de malhas compressivas, placas de silicone e injeção de corticoide intralesional • Queloides: é + raro, é um fenótipo singular, que parece ser geneticamente predisposto á alteração na produção da matriz extracelular. É extremamente doloroso e puriginoso, ñ respeita as margens da ferida e forma verdadeiras massas tumorosas de tecido fibroso. Ñ costuma regredir espontaneamente. É + comum nas raças negras e oriental. Apresenta melhora imprevisível independente da terapêutica utilizada -A betaterapia é uma forma de tratamento que envolve a irradiação precoce da cicatriz e pode ser indicada a pacientes que já desenvolveram queloides em cicatrizes prévias. A ressecção cirúrgica é uma opção em lesões de grande volume, mas pode causar o aparecimento de novos queloides nas novas áreas cicatriciais. Outras medidas envolvem métodos compressivos e corticoides tópicos ou injetáveis. -Cicatrizes crônicas, principalmente em áreas queimadas, podem evoluir c/ malignização e transformação em carcinoma espinocelular de pele. Esse tipo de lesão é conhecido pelo epônimo úlcera de Marjolin. O tratamento, na maioria das vezes, é cirúrgico, associado ou ñ à radioterapia.
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