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Capítulos 11 Relações morfossintáticas Forma e função 12 Substantivo Definição e classificação As flexões do substantivo 13 Adjetivo Definição e classificação Flexão 14 Pronome I Definição e classificação 15 Pronome II Pronomes demonstrativos e pronomes indefinidos Pronomes interrogativos e pronomes relativos 16 Artigo, numeral e interjeição Artigo Numeral Interjeição 17 Verbo I Definição e estrutura Os paradigmas das conjugações verbais 18 Verbo II Paradigmas verbais especiais Estruturas verbais perifrásticas 19 Advérbio Definição e classificação 20 Preposição e conjunção Preposição: definição e classificação Conjunção: definição e classificação Classes de palavras UNIDADE Você acha estranho que os biólogos façam uma classificação dos seres vivos, descrevendo as características e funções comuns a uma mesma classe? Ou que os químicos separem os elementos, na tabela periódica, por meio da identificação de suas propriedades? Esses procedimentos nos parecem naturais, porque ajudam a organizar o nosso conhecimento relativo a essas ciências. Nos estudos gramaticais, são as classes de palavras que permitem organizar nossa reflexão sobre a função que de- sempenham, nos enunciados da língua, as dezenas de milhares de palavras que constituem o seu léxico. Nos capítulos des- ta unidade, você conhecerá as diferentes classes de palavras e saberá que funções e características as definem. 4 O que você deverá saber ao final deste estudo. 1. O que são relações morfossintáticas. • Qual a diferença entre forma e função linguística. • Por que as palavras são divididas em “classes”. • O que são palavras variáveis e invariáveis. Objetivos 1. Forma e função Introdução Leia atentamente a tira abaixo para responder às questões 1 e 2. 1. No primeiro quadrinho da tira, após ser chamado de “epítome de um viking estúpido”, qual é a reação de Hagar? 2. “Vá descobrir o que é ‘epítome’!”, ordena Hagar. Por que ele associa ao sentido dessa palavra a reação que deve ter ao que lhe foi dito? Essa atitude de Hagar revela que, antes de dar a ordem, ele refletiu sobre a estrutura da língua. Por quê? Agora observe a tira abaixo e responda às questões 3 e 4. & epítome: símbolo, modelo de algo. Hagar Dik Browne Browne, Dik. Hagar. Folha de S.Paulo, São Paulo, 7 abr. 2003. 20 06 k in g F ea tu re S Sy n D ic at e/ in te rc o n ti n en ta l Pr eS S & obnóxio: vil, vulgar, reles. viperino: maléfico, perverso. iracundo: furioso, propenso à ira. Hagar Dik Browne Browne, Dik. Hagar. Folha de S.Paulo, São Paulo, 30 jan. 1999. 20 06 k in g F ea tu re S Sy n D ic at e/ in te rc o n ti n en ta l Pr eS S Capítulo 11 Relaçõesmorfossintáticas re pr od uç ão p ro ib id a. a rt . 1 84 d o có di go P en al e l ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 164 capítulo 11 3. Mais uma vez, Hagar percebe que precisa descobrir o significado de alguns termos antes de reagir ao que é dito. Essa situação é um pouco diferente da ilustrada pela tira anterior. Por quê? 4. Também nesse caso, a estrutura da fala do cavaleiro traz pistas da função exercida pelos termos desconhecidos. Que pistas são essas? Explique. As duas tiras ilustram uma interessante situação: mesmo sem saber o significado de determinadas palavras, o viking Hagar conclui estar sendo ofendido. A conclusão da personagem nos ajuda a perceber algo impor- tante sobre a construção do sentido dos enunciados: eles não dependem somente do significado isolado das palavras que os compõem. Na verda- de, o sentido é o resultado de uma série de relações que se estabelecem entre as palavras e as posições que ocupam nas estruturas sintáticas dos enunciados da língua. Forma linguística Cada um dos elementos da língua é dotado de significação própria. Eles são formas linguísticas e podem ser constituídos por um único fonema (por exemplo, a forma verbal é). Também podem ser palavras isoladas ou mesmo frases e textos maiores. O significado das formas linguísticas pode ser lexical (correspondendo a um radical da língua) ou gramatical (correspondendo a noções como gênero, número, pessoa, modo, tempo, etc.). Considere os seguintes exemplos: árvore e falávamos. Árvore é uma forma linguística de significado lexical associado ao radical árvor-. Falávamos, porém, além do significado lexical do radical fal-, contém morfemas cujo significado é gramatical: -va é uma desinência que indica o modo e o tempo (indicativo, pretérito imperfeito) em que foi flexionado o verbo falar; -mos tem a signifi- cação gramatical de número/pessoa (plural, primeira pessoa). Função linguística Para compreender o que é uma função linguística, vamos analisar a ocorrência dos termos certo e normal no texto abaixo. Madonna, querida Quando esta carta chegar a você, já terei escu- tado seu novo disco. Prova- velmente, até, estarei escutando sem parar, porque é sempre assim. Você sabe como me esbaldo com sua música. e como você foi importante para mim — like a virgin mudou a minha vida quase tanto quanto a sua. eu tinha 13 anos e, ao ver você se arrastando pelo palco vestida de noiva, percebi que era bem melhor fazer maluquices do que seguir acreditando que o certo é ser normal; e que o nor- mal é ser certo. [...] young, Fernanda. cláudia, ano 45, n. 1, p. 28, jan. 2006. (Fragmento). re pr od uç ão p ro ib id a. a rt . 1 84 d o có di go P en al e l ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Relações morfossintáticas 165 A primeira vez em que certo ocorre no texto, o termo é um substantivo e atua como sujeito do verbo ser. Em seguida, passa a ter valor de adjetivo e desempenha a função de predicativo do sujeito. A mesma inversão de função ocorre com o termo normal. Em sua primeira ocorrência, ele é adjetivo e desempenha a função sintática de predicativo do sujeito. Na segunda, é um substantivo que atua como sujeito do verbo ser. Nesses dois casos, uma mesma forma linguística (certo e normal) desem- penha diferentes funções morfológicas (ora como substantivo, ora como adjetivo) e sintáticas (ora como sujeito, ora como predicativo do sujeito). Dizemos, portanto, que função linguística é a aplicação que uma forma tem na língua com base em seu valor gramatical. Por exemplo: substantivos podem exercer a função de núcleo do sujeito, do objeto direto, do objeto indireto, etc., mas não podem ser núcleo do predicado verbal. Essa função só poder ser desempenhada por verbos. Para entendermos o funcionamento da língua, é necessário termos um bom conhecimento das formas linguísticas e das funções morfológicas e sintáticas que elas desempenham nas estruturas, porque é a relação entre forma e função que determina o sentido dos enunciados. A morfossintaxe estuda as relações entre a morfologia (estudo das formas) e a sintaxe (estudo das relações entre as palavras nos enunciados). Tome nota O estudo das classes de palavras A preocupação com a classificação das palavras da língua pode ser en- contrada já nos filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, que definem os nomes e os verbos como as principais “partes do discurso”, por constituírem a essência das proposições. No sentido filosófico, proposições são enunciados verbais que podem ser avaliados como verdadeiros ou falsos. Do ponto de vista dos estudos gramaticais, que têm como objetivo a descri- ção dos sistemas linguísticos, é mais adequado falar em classes de palavras, para fazer referência à divisão das palavras da língua, de acordo com critérios morfológicos (sua forma e flexão), semânticos (tipos de significação de que são portadoras) ou sintáticos (função que exercem nos enunciados). A gramática descritiva organiza as palavras da língua em dez classes: subs- tantivos, adjetivos, artigos, numerais, pronomes, verbos, advérbios, preposições, conjunções e interjeições. Classes de palavras variáveis As palavras consideradas variáveis são aquelas queapresentam formas flexionadas em: • gênero, número e grau: os substantivos e os adjetivos. Exemplos: menino – menina – meninos – meninas – menininho – menininha – me- nininhos – menininhas – meninão – meninona – meninões – meninonas (substantivos) feio – feia – feios – feias – feinho – feinha – feinhos – feinhas – feião – feiona – feiões – feionas – feíssimo – feíssima – feíssimos – feíssimas (adjetivos) • gênero e número: os artigos e os numerais. Exemplos: o – a – os – as – um – uma – uns – umas (artigos) uma – duas – duzentas – milhões – primeiro – vigésimas – duplas – dois terços – meia – décadas (numerais) Lembre-se Sistema linguístico é o conjun- to das formas linguísticas organiza- das nas estruturas que constituem os níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico. re pr od uç ão p ro ib id a. a rt . 1 84 d o có di go P en al e l ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . g R A m á t I C A 166 capítulo 11 AtIVIdAdeS • gênero, número e pessoa: os pronomes. Exemplos: meu – minha – meus – minhas seu – sua – seus – suas • modo, tempo, número, pessoa e voz: os verbos. Exemplos: amo – amasse – amamos – amam – sou amado Classes de palavras invariáveis As palavras consideradas invariáveis são aquelas que não apresentam formas flexionadas. São os advérbios (agora, certamente), as preposições (de, sem), as conjunções (e, porque) e as interjeições (oh!, viva!). Classes de palavras: relações básicas Apresentamos, a seguir, um esquema das relações básicas entre as classes de palavras: Classes de Ligação InterjeiçãoPreposição Conjunção Classe Especial Leia atentamente o texto abaixo para responder às questões 1 e 2. Democracia Democracia é um político burro montado num burro político. os dois pensam (?) completamente diferente, mas acabam indo pro mesmo lugar: o preferido do burro. e não me pergunte qual deles. FernanDeS, Millôr. Millôr definitivo; a bíblia do caos. Porto alegre: l&PM, 2002. p. 146. Adjetivo Advérbio SubstantivoPronome Verbo Artigo Numeral re pr od uç ão p ro ib id a. a rt . 1 84 d o có di go P en al e l ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . ClASSeS de PAlAVRAS Relações morfossintáticas 167 1. A definição de democracia apresentada no texto fundamenta-se em um jogo de palavras. Como ele é construído? Como devem ser entendidas, no contexto, as expressões que criam o jogo de palavras? O que, do ponto de vista gramatical, determina a diferença de sentido entre as duas expressões destacadas? 2. O texto de Millôr Fernandes tem um forte caráter crítico. Qual é a crítica feita pelo humorista a respeito da democracia? Que outros elementos do texto reforçam essa crítica? Leia os textos abaixo para responder às questões 3 e 4. Texto 1 & acetato: disco de alumínio usado como matriz para a prensagem de discos fonográficos. a voz do dono e o dono da voz até quem sabe a voz do dono gostava do dono da voz casal igual a nós, de entrega e de abandono De guerra e paz, contras e prós Fizeram bodas de acetato — de fato assim como os nossos avós o dono prensa a voz, a voz resulta um prato Que gira para todos nós o dono andava com outras doses a voz era de um dono só Deus deu ao dono os dentes, Deus deu ao dono as nozes Às vozes Deus só deu seu dó [...] enfim, a voz firmou contrato e foi morar com novo algoz Queria se prensar, queria ser um prato girar e se esquecer, veloz [...] BuarQue, chico. a voz do dono e o dono da voz. almanaque. Polygram, 1981. Disponível em: <http:// www.chicobuarque.com.br>. acesso em: 9 jan. 2006. re pr od uç ão p ro ib id a. a rt . 1 84 d o có di go P en al e l ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . g R A m á t I C A 168 capítulo 11 Seria interessante explicar aos alunos que a expressão “fizeram bodas de acetato”, na canção, é uma referência aos anos de contrato de Chico Buarque com o selo da Polygram e aos discos do compositor que foram lançados durante esse período. Texto 2 [...] Sucessivos entreveros com a gravadora [Polygram] levariam o compositor [chico Buarque] a buscar outro selo em 1980 — [...] como disse numa bem-humorada canção de seu primeiro lP na ariola, almanaque, de 1981, chamada “a voz do dono e o dono da voz”. Mas não deu sorte: no dia em que acabou de gravar almanaque, a ariola foi vendida — exatamente para a Polygram. o clima no final do contrato [da Polygram] era tão ruim que chico, durante a gravação de seu último disco na casa, Vida, em 1980, se inquietou com a possibilidade de que a Polygram viesse a guardar, de olho em futuros lançamentos, a sua voz-guia — espécie de rascunho com a voz do cantor, para orientar o trabalho de orquestração. na tentativa de inviabilizar qualquer eventual projeto nesse sentido, chico tratou de rechear a fita com palavrões. [...] werneck, Humberto. gol de letras. chico Buarque; letra e música. São Paulo: companhia das letras, 1989. Disponível em: <http://www.chicobuarque.com.br>. acesso em: 9 jan. 2006. 3. O título da canção faz uso de um jogo linguístico para descrever a relação apresentada no texto citado. Considerando as informações apresentadas no texto, como devem ser interpretadas as expressões que compõem o título? Que outras expressões da canção comprovam sua resposta? Justifique. 4. Explique que recurso linguístico foi utilizado para construir o sentido do título da canção. Observe atentamente a propaganda a seguir para responder às questões 5 e 6. 5. Na propaganda acima, o termo revistas aparece duas vezes com significados distintos. Quais são eles? Considerando esses significados, como se classifica o termo em cada uma das ocorrências? Justifique. 6. Explique de que maneira a estrutura linguística do enunciado contri- bui para enfatizar o que está sendo anunciado pela propaganda. em revista, ano 1, n. 2, mar. 2003. Globo Cochrane. Por milhares de motivos, a gráfica escolhida pela Aner — Associação Na- cional de Editores de Revistas — para imprimir esta revista. re Pr o D u ç ã o re pr od uç ão p ro ib id a. a rt . 1 84 d o có di go P en al e l ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . ClASSeS de PAlAVRAS Relações morfossintáticas 169 O humorista Millôr Fernandes obtém um curioso efeito de sentido ao deslocar determinadas formas linguísticas de suas funções sintáticas originais. Observe. Usos singulares das relações morfossintáticas assalto Reproduzimos, a seguir, um outro texto em que Millôr Fernandes alterou as funções sintáticas das formas linguísticas, gerando um efeito de incoerência. Sua tarefa é a de recuperar o sentido do texto. Você deverá usar as mesmas palavras, no contexto morfossintático adequado (faça outros mínimos ajustes, se julgar necessário). um grupo de perigosos cidadãos assaltou, ontem à noite, dois pacíficos meliantes. três detonações acorreram ao ruído de um guarda. uma calçada jazia sobre a vítima de um dos cadáveres. a pista já está na polícia do assaltante. Paulillo, Maria célia. literatura comentada; Millôr Fernandes. São Paulo: abril educação, 1980. p. 52. O autor trabalhou, aqui, a partir de um texto originalmente concebido como algo assim: Um grupo de perigosos meliantes assaltou, ontem à noite, dois pacíficos ci- dadãos. Três guardas acorreram ao ruído de uma detonação. O cadáver de uma das vítimas jazia sobre a calçada. A polícia já está na pista dos assaltantes. Usamos uma mesma cor para identificar as formas linguísticas que tiveram sua posição alterada no texto. Observe que a inversão de posição leva ime- diatamente a uma mudança na função sintática que as formas desempenham nas estruturas. Assim, em “Três guardas acorreram ao ruído de uma detonação”, guardas é o núcleo do sujeito do verbo acorrer, enquanto uma detonação é um adjunto adnominal do objeto indireto ao ruído. Invertidas as posições dessas formas, detonações passa a ser o núcleo do sujeitode um verbo, acorrer, que pede um sujeito animado. O adjunto adnominal de ruído, por sua vez, passa a ser do guarda. É desse modo que a mudança na função sintática das formas assinaladas no texto provoca o efeito humorístico desejado pelo seu autor. Observe como o humorista tro- cou as posições sintáticas dos ter- mos e expressões destacados com a mesma cor no texto. O resultado desse processo é um efeito de desarticulação das ideias, que compromete a coerência tex- tual, porque cidadãos não assaltam bandidos e detonações não correm em direção a um guarda. PRAtIque nascimento um rebento da Sra. alonso Santos acaba de presentear a cegonha, conhecida praça desta decoradora. o estado do satisfatório é menino e também progenitora. Paulillo, Maria célia. literatura comentada; Millôr Fernandes. São Paulo: abril educação, 1980. p. 52. re pr od uç ão p ro ib id a. a rt . 1 84 d o có di go P en al e l ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . g R A m á t I C A 170 capítulo 11 Dada a natureza particular deste capítulo, fica difícil desenvolver uma seção Usos de para tratar dos usos comuns das formas e funções linguís- ticas, porque todos os textos exem- plificam esse uso. Optou-se, então, por exemplificar um uso inesperado das relações morfossintáticas. Dessa forma, os alunos poderão refletir melhor sobre como os falantes já conhecem as relações morfossintá- ticas características de sua língua e, diante de uma situação singular, são capazes de identificar a subversão das relações esperadas. O objetivo desta atividade é levar os alunos a observarem, na prática, como o controle da relação entre as formas linguísticas e a função sintá- tica que podem exercer é essencial para garantir a articulação das ideias em um texto. Há, no Guia de recursos, o texto de Millôr Fernandes reestruturado.
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