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1 Luana Mascarenhas Couto- 18.2 - EBMSP Febre Reumática Febre Reumática É uma doença multissistemica que corresponde à complicação tardia autoimune da infecção faríngea pelo Streptococcus Beta-hemolítico do grupo A. Apesar de qualquer pessoa ser susceptível à infecção estreptocócica, a febre reumática só se desenvolve em indivíduos geneticamente predispostos. Os principais locais de manifestação da doença reumática são: - Articulações; - Coração; - SNC. A grande preocupação acerca dessa doença está na sua evolução crônica: a doença cardíaca reumática (cardites). Epidemiologia: Está muito relacionada a fatores externos, como pobreza, superpopulação e acesso precário ao sistema de saúde, por isso ela é rara em países desenvolvidos. No entanto, em países subdesenvolvidos, sua incidência anual é de aproximadamente 47 mil casos/ano, sendo que sua prevalência está em indivíduos entre 5 e 15 anos, negros e mulheres. Fisiopatologia: Para que haja desenvolvimento da febre reumática, é necessária a interação entre um hospedeiro geneticamente susceptível e o fator bacteriano. Nesse contexto, a via faríngea é essencial para iniciar o processo. Além disso, é importante saber que a febre reumática é uma condição autoimune. O processo é desencadeado por um mimetismo molecular bacteriano. Ou seja, o agente etiológico apresente semelhança química e estrutural com alguns componentes do próprio organismo. Dessa forma, os anticorpos produzidos contra a bacteriana (especialmente contra a proteína M) podem induzir a uma reação cruzada, em que as células da resposta imune irão atacar seus autoantigenos. Essa resposta cruzada depende da ação dos linfócitos T e B, bem como da produção e secreção de citocinas. A cada nova infecção estreptocócica, a resposta imune fica ainda mais exacerbada, o que gera lesões cada vez mais intensas nos tecidos comprometidos, sendo eles as articulações, SNC e coração (cardiomiócitos). Quadro clínico: A forma mais comum consiste em um quadro em que há presença de febre, sintomas constitucionais e poliartrite migratória, com ou sem sopro cardíaco. As principais manifestações da doença são: - Artrite: é uma manifestação precoce e bastante comum na febre reumática, sendo que ela acomete mais as grandes articulações (joelhos, quadril, punho, cotovelo e ombros) e apresenta caráter de poliartrite migratória, ou seja, quando os sintomas da artrite começam a desaparecer espontaneamente, outra articulação começa a se inflamar. Além disso, ela é assimétrica e vem associada a sinais flogísticos. Não é erosiva, não deixando sequelas e cessam ao tratamento. - Cardite reumática: é o acometimento mais grave da febre reumática. É bem frequente e pode apresentar- se leve ou grave, estando associada a um quadro de IC, por exemplo. Pode acometer todo o coração (pancardite) ou ser isolada (limitada às valvas, pericárdio, endocárdio ou miocárdio); Costuma ocorrer após 2 a 3 semanas da infecção; Na maioria das vezes, o grande efeito é sobre as valvas, sendo a insuficiência bastante comum e com a cronificação da doença pode gerar uma estenose valvar. Dentre as valvas acometidas, as de maior prevalência são a mitral e aórtica; Devido ao acometimento valvar, o principal achado do paciente são sopros sistólicos de regurgitação. Sopro de insuficiência mitral: sopro holossistólico, de média/alta frequência, grande intensidade e irradia para axila ou dorso; Sopro de Carey-Coombs (estenose mitral-símile): é um sopro quase idêntico ao sopro da estenose mitral, porém a diferenciação está na ausência do estalido de abertura e hiperfonese de B1 que são exclusivos do sopro de Carey-Coombs; Sopro de insuficiência aórtica aguda: esse é o menos frequente. É um sopro protodiastólico, aspirativo, com timbre característico e bem mais audível no foco aórtico acessório. 2 Luana Mascarenhas Couto- 18.2 - EBMSP Sopros: são ruídos que indicam turbulência no fluxo sanguíneo no coração e podem ser decorrentes: fluxo aumentado, obstrução do fluxo e fluxo regurgitante por valvas incompetentes. Podem ser divididos em: - Sopro sistólico: ocorrem entre B1 e B2, coincidindo com o impulso ascendente carotídeo. Eles podem ser: Ejeção: estenose das valvas semilunares → estenose de valva aórtica ou pulmonar; Regurgitação: insuficiência das valvas AV → insuficiência mitral ou tricúspide; Os sopros sistólicos podem ser: mesossistólico (estenose aórtica e pulmonar), holossistólico (insuficiência mitral ou tricúspide), protosistólico (insuficiência mitral e tricúspide) ou telessistólico (prolapso de valva mitral). - Sopros diastólicos: podem ser por regurgitação/insuficiência das valvas semilunares ou estenose das valvas AV. Podem ser classificados como: Protodiastólico: insuficiência aórtica ou pulmonar; Mesodiastólico: estenose mitral e tricúspide; Telediastólico: estenose mitral e tricúspide, insuficiência aórtica e pulmonar. OBS: O sopro é localizado na área onde é mais audível e sua intensidade é classificada: - Insuficiência aórtica: incapacidade de fechamento da valva aórtica; Sopro diastólico; Localizado em foco aórtico ou aórtico acessório; Ocorre refluxo de sangue para o VE. - Estenose aórtica: consiste na redução do orifício da valva aórtica. Na etiologia reumática há um processo inflamatório que promove o espessamento do folheto valvar e fusão das comissuras, impedindo sua abertura normal. Sopro sistólico; Localizado em foco aórtico ou aórtico acessório; Ocorre na insuficiência ventricular esquerda, associado à hipertrofia ventricular esquerda. - Insuficiência mitral: fechamento incompleto da valva mitral com refluxo do sangue para AE; Sopro sistólico; Localizado em foco mitral; Irradia para axila. - Estenose mitral: estreitamento da valva mitral; Sopro diastólico; Localizado em foco mitral; Em ruflar; A principal causa é a moléstia reumática. OBS: Fibrilação atrial: taquicardia sem ritmo de base, supraventricular, possuindo palpitações frequentes, bulhas arrítmicas, sopro sistólico em foco mitral sem reforço telediastólico, pois não há contração atrial. OBS1: Um aspecto importante da doença cardíaca reumática é a cardite subclínica, a qual não cursa com sinais no exame físico e só é detectado pelo eletrocardiograma, por isso ele é um exame obrigatório em todos os pacientes com febre reumática. Outro achado característico anatomopatológico da cardite são os nódulos de Aschoff que corresponde a lesões inflamatórias no tecido cardíaco, caracterizadas pela presença de um foco de necrose fibrinoide cercado por histiócitos modificados. - Nódulos subcutâneos: apesar de bem comentada, essa manifestação é pouco frequente e ocorre apenas em casos mais graves associados à cardite. Esses nódulos medem entre 0,5 a 2 cm, são moveis, indolores e acometem as regiões superficiais articulares: joelhos, cotovelos e punhos, proeminências ósseas e couro cabeludo. Não são associados a sinais flogísticos e tem duração média de 1-2 semanas. - Eritema marginado: é um rash cutâneo maculopapular, não pruriginoso, caracterizado por lesões serpiginosas, indolores, de bordas eritematosas e centro claro, acometendo a região de tronco e proximal. As lesões tem caráter evanescente (duram minutos ou horas, mas pode persistir por semanas); Na maioria das vezes está associada à cardite; Menos comum que os nódulos subcutâneos. - Coreia de Sydenham: essa manifestação é a mais tardia após a infecção e está presente em cerca de 20% dos casos. Consiste em um distúrbio motor involuntário mais evidente nas extremidades e no rosto, 3 Luana Mascarenhas Couto- 18.2 - EBMSP que aumentam com tensões emocionais e tendem a scessar com o repouso. São movimentos súbitos, breves, espontâneos, sem objetivo e imprevisível; É mais comum em mulheres e sua patogênese depende da presença de autoanticorpos que se ligam a neurônios dos gânglios da base; Em associação aos distúrbios motores, o paciente cursa com alterações de comportamento típicas de manifestações psiquiátricas. Diagnóstico: Não existem manifestações clínicas ou laboratoriais patognomônicas da febre reumática, por isso o diagnóstico é baseado nos Critérios de Jones. Esses critérios são aplicados de maneira diferenciada em função do risco de febre reumática na população a que o paciente pertente (baixo ou moderado/alto risco). - População é considerada baixo risco quando a incidência de febre reumática é menor ou igual a 2 casos/100.000 crianças em idade escolar ou prevalência de cardiomiopatia reumática crônica menor ou igual a 1caso/1000 pessoas de qualquer idade. Outra mudança que existiu foi a exigência da realização do ecocardiograma em todos os pacientes. Nesse critério temos: - 2 critérios maiores + critério obrigatório ou 1 critério maior + 2 critérios menores + critério obrigatório (para o primeiro episódio de febre reumática); - 2 critérios maiores + critério obrigatório ou 1 critério maior + 2 menores + critério obrigatório ou 3 menores + critério obrigatório (febre reumática recorrentes). O critério obrigatório de comprovação de infecção pelo Streptococcus Beta-hemolítico do grupo A pode ser feita com cultura de orofaringe (padrão ouro) ou testes sorológicos: Antiestreptolisina (ASLO) e anti- DNAase B. OBS: Os critérios de Jones não são absolutos, existem 3 situações que permite o diagnóstico de Febre reumática independente deles: coreia de Sydenham isolada, cardite indolente em pacientes que se apresentam de forma tardia, manifestações sugestivas em pacientes com historia de febre reumática aguda recorrente em populações de alto risco. - Exames complementares: Elevação de VHS e PCR: provas de atividade inflamatória; Ecocardiograma: identifica alterações nas câmaras cardíacas e/ou valvares; ECG: pode demonstrar alargamento no intervalo PR. Profilaxia e tratamento: O tratamento consiste em controle da atividade inflamatória e das manifestações clínicas, bem como na erradicação dos estreptococos da orofaringe. Sendo assim, o manejo pode ser dividido em: - Profilaxia primária: erradicar o microrganismo- Antibioticoterapia inicial; - Profilaxia secundária: prevenir novas infecções. Antibioticoprofilaxia. Valvopatias Consistem em alterações patológicas em uma das 4 valvas cardíacas: mitral, tricúspide, aórtica e pulmonar, sendo que as 2 primeiras correspondem às valvas AV e as duas segundas às semilunares. 4 Luana Mascarenhas Couto- 18.2 - EBMSP As principais valvopatias são as mitral e aórtica. De maneira geral, as valvopatias podem ser estenoses ou insuficiências. - Estenoses: déficit na abertura da valva, causando uma sobrecarga de pressão ventricular; - Insuficiência= regurgitação: há uma sobrecarga de volume, pois a valva tem dificuldade de fechar e devido a isso, o volume de sangue é regurgitado. Estenose Mitral: A valva mitral está localizada entre o AE e VE. Ela se abre na diástole, permitindo o enchimento do VE e se fecha na sístole, impedindo que o sangue reflua para o AE. O aparelho valvar mitral é formado por um anel, 2 cúspides valvares, cordoália tendíneas e músculos papilares. A estenose mitral é a condição em que há espessamento dessa valva, gerando uma redução da área valvar mitral (área pela qual o sangue passa livremente quando a valva se abre amplamente), resultando em um gradiente de pressão diastólico persistente entre o AE e o VE. Esse gradiente leva à dilatação do AE e, a longo prazo, causa aumento passivo da pressão pulmonar. Com a progressão do quadro, essa sobrecarga atinge as câmaras direitas, sendo assim, é gerado um quadro de congestão sistêmica. Os efeitos da obstrução do fluxo sanguíneo gerado pela estenose causam: - Redução da pré-carga; - Aumento da pós-carga; - Remodelamento dos vasos. As etiologias mais frequentes da estenose mitral são: - Febre reumática; - Defeitos congênitos; - Síndrome Carcinoide; - Doenças infiltrativa; - Endocardite infecciosa. As manifestações clínicas da estenose mitral são: - Dispneia; - Fadiga; - Edema agudo de pulmão; - Fibrilação atrial; - Hemoptise; - Síndrome de Ortner: estenose mitral e aumento do AE, que apresentam rouquidão, consequente da paralisia do nervo laríngeo recorrente esquerdo. Ao exame físico vamos encontrar: - Sopro diastólico em ruflar; - B1 hiperfonética; - Crepitação pulmonar; - Estase de jugular; - Reflexo hepatojugular; - Pulso arrítmico. Insuficiência Mitral: É gerada por defeitos na válvula e/ou aparato subvalvar (insuficiência primária) ou secundária à disfunção miocárdica do VE, que resulta em dilatação do anel valvar. Como não há um fechamento correto da valva, ocorre regurgitação de sangue para AE, ocasionando sobrecarga de volume na câmara. Esse aumento do volume atrial também influenciará num aumento do volume ventricular. Portanto, como consequência do quadro, teremos: dilatação do AE e hipertrofia excêntrica do VE. As principais etiologias primárias são: - Prolapso da valva mitral; - Endocardite infecciosa; 5 Luana Mascarenhas Couto- 18.2 - EBMSP - Febre reumática aguda; - Infarto e calcificação. Já as etiologias secundárias são: - Cardiomiopatias dilatadas; - Cardiomiopatias hipertróficas; - Isquemia cardíaca. O quadro clínico consiste: - Insuficiência cardíaca; - Fibrilação atrial; - Dispneia/ortopneia. Ao exame físico vamos identificar: - Sopro sistólico regurgitativo em platô; - B1 hipofonética; - Click mesossistólico; - Sopro piante devido a ruptura da cordoalha. Estenose aórtica: Quando há estenose aórtica, a valva fica espessada, o que demanda do VE uma força maior para ejetar o sangue para aorta, por isso é gerado um aumento da pressão ventricular. Esse aumento de pressão no VE leva ao desenvolvimento de hipertrofia miocárdica e aumento da pós-carga. Logo, podemos dizer que a estenose aórtica leva a uma disfunção contrátil (disfunção sistólico) e ainda um déficit no relaxamento normal (disfunção diastólica). As principais etiologias são: - Calcificação valvar; - Anomalias congênitas; - Febre reumática. Já o quadro clínico é caracterizado por: - Insuficiência cardíaca; - Angina; - Síncope; - Sangramento gastrointestinal. No exame físico vamos encontrar; - Sopro sistólico de ejeção; - B2 hipofonética; - B4; - Fenômeno de Gallavardin: sopro da estenose aórtica que reflete no foco mitral, simulando uma insuficiência mitral; - Pulso parvus et tardus: pulso com ascensão lenta e baixa amplitude; - Ictus trófico. Insuficiência aórtica: Há regurgitação sanguínea, pois a valva não se fecha totalmente. Nesse caso, há regurgitamento de sangue na diástole, promovendo uma sobrecarga de volume do VE, o que resulta em hipertrofia excêntrica. Com o aumento de volume a longo tempo, ocorre uma transmissão desse para o átrio e por consequência para o pulmão, que gera aumento da pressão pulmonar e sobrecarga no lado direito e consequentemente para sistema venoso. As principais etiologias são: - Endocardite infecciosa; - Anomalias congênitas; - Febre reumática; - Doenças da aorta. O quadro clínico é caracterizado por: - Insuficiência cardíaca; - Palpitações intensas. Ao exame físico podemos evidenciar: - Sopro diastólico aspirativo; - Sinal de Muller: pulsação da úvula; - Sinal de Quincke: variação da tonalidade subungueal pulsátil, palidez e ruborização à compressão leve; - Pulso em martelo d’água; - Sinald e Musset: movimentaçãoda cabeça aos batimentos cardíacos; - Sinal de traube: som agudo auscultado sobre o pulso femoral; - Ictus desviado. OBS: Sopro de Austin- Flint: é um sopro diastólico de baixa intensidade, audível no ápice, que tem origem no impacto do jato regurgitante da insuficiência aórtica sobre o folheto anterior mitral. É indicativo de gravidade da insuficiência aórtica.
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