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Semiologia das doenças infecciosas Introdução: a semiologia de doenças infecciosas segue o raciocínio da semiologia geral, no sentido de que ela se baseia fundamentalmente em anamnese e exame físico, que juntos compõem o exame clínico. Para as doenças infecciosas e parasitárias, é importante focar em pontos diferentes do exame clínico. Anamnese: é importante seguir o modelo misto de anamnese, em que o paciente inicialmente fala e depois é interrogado. Ao registrar em um prontuário, é importante lembrar de dar preferência a termos técnicos e utilizar aspas quando utilizar a linguagem do paciente, com palavras difíceis de serem descritas, como ‘’agonia’’, buscando uma linguagem acessível, no sentido de maximizar a qualidade dos dados coletados. ⇒ Histórico da doença atual: nas doenças infecciosas é interessante saber o início da doença, se os sintomas surgiram de modo súbito ou gradualmente. Nesse sentido, ao investigar uma doença infecto-parasitária, organize cronologicamente os dados, pois certas doenças cursam com manifestações clínicas muito semelhantes, mas com início e evoluções completamente distintos. ⇒ Antecedentes Fisiológicos e da doença antiga: no interrogatório desses antecedentes, não é interessante enfocar os antecedentes fisiológicos do paciente, isso é, remontar a primeira infância ou dados do nascimento, já que tais doenças não se relacionam ao parto ou primeira infância, diferentemente de paralisias obstétricas. É importante, nos antecedentes pessoais, focar nas doenças anteriores, pois algumas doenças deixam imunidade, isso é, vírus com um único sorotipo, como: Sarampo, Rubéola, Varicela, Caxumba e as arboviroses (do inglês, doenças transmitidas por artrópodes) Febre Amarela, Zika e Chikungunya. Dessa forma, se o paciente apresenta sintomatologia típica de alguma dessas doenças, porém já foi infectado por elas alguma vez, a hipótese pode ser descartada. Ao contrário, há doenças que não deixam imunidade, como é o caso da dengue, que possui 4 sorotipos diferentes, além das bactérias tétano, cujas toxinas variam bastante e Estreptococos β-hemolíticos do grupo A, que causam a amigdalite estreptocócica, que contém mais de 82 tipos de bactérias. Finalmente, é importante saber o estado vacinal do paciente, pois doenças como o tétano, varicela, caxumba, difteria, HPV, hepatites B e C etc. podem ser evitadas com as vacinas e assim podem ser riscadas de hipóteses diagnósticas. ⇒ Hábitos: é importante verificar hábitos como o tabagismo, envolvido com a DPOC e maior incidência de pneumonia; etilismo, envolvida com hepatopatia, imunodepressão e desnutrição, principalmente em perda de vitamina B3, PP (preventiva de pelagra) ou niacina, envolvida com a doença dermatológica pelagra, caracterizada pelo sinal colar de casal, em que o paciente apresenta manchas em regiões de incidência solar; e finalmente verificar se o paciente toma banhos em rios de correnteza fraca, pois há suspeita de esquistossomose. Obs.: o diagnóstico da esquistossomose é feito por meio do exame parasitológico de fezes, pois nas áreas endêmicas como o estado de Alagoas, a sorologia para a esquistossomose detecta IgG, de modo que sempre haverá a IgG uma vez que o paciente foi infectado, e por essa razão, podem-se dar falsos positivos. Obs2.: é importante o diagnóstico precoce para evitar as formas mais graves da doença, que incluem a hepato-esplênica, na qual o indivíduo apresenta uma ascite importante e irreversível e pode levar a um nanismo esplâncnico. ⇒ Doenças familiares: as doenças facilitadas por fatores familiares não são doenças infecciosas, porém é importante buscar por doenças como o Diabetes (com queixas como poliúria, polidipsia, perda ponderal, polaciúria e polifagia), a Hipertensão arterial e a Epilepsia (com crises convulsivas sem traumas e ausente em febres), pois esses fatores de risco podem implicar em maior necessidade de cuidados, além de servirem como diagnósticos diferenciais importantes (como é uma convulsão febril e uma convulsão por epilepsia). Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Semiologia das doenças infecciosas ⇒ Residência e procedência: essa etapa da anamnese tem uma importância especial em relação às doenças infecciosas, pois os estudos epidemiológicos de cada região podem permitir um diagnóstico mais acurado, dentro das possibilidades do local em que está e por onde esse passou, como ilustram os casos: Caso clínico 1: paciente adulto jovem, residente em união dos palmares, havia afirmado que veio de viagem do Uruguai na última semana, cursou com febre alta constante, até entrar em coma. Ao ser questionada, a família do paciente afirmou que sua procedência era angolana, uma área endêmica de malária, de modo que os episódios de febre constantes poderiam ser justificadas por múltiplas picadas de mosquito do gênero Anopheles que hospedava provavelmente o Plasmodium falciparum, responsável pela febre terçã maligna. Caso clínico 2: homem de 30 anos, residente em maceió, e, ao perguntar sobre as viagens recentes, esse afirmou ter vindo há 30 anos de Minas Gerais. Chega à UBS doente há 3 dias com febre alta, cefaléia, artralgias generalizadas, inapetência, astenia e vômitos. No terceiro dia foi encaminhado ao HEHA com suspeita de Dengue, fundamentada pelo surgimento de petéquias (pequenas hemorragias puntiformes caracterizadas por não esclarecer ou desaparecer à digitopressão). Como o paciente veio de área endêmica de febre amarela (durante um período de surto), foi pensado nessa hipótese, que foi confirmada e o paciente foi isolado para evitar a transmissão urbana (que ocorre nos primeiros 5 dias à partir do surgimento das manifestações, em que a viremia é mais significativa). Foi coletado sangue para realizar a PCR, pois a sorologia só é positiva após 8-10 dias de início da doença (quando há IgM detectável). Foi tratado com medicamentos sintomáticos. ⇒ Condições socioeconômicas: é importante perceber que as doenças infecciosas sempre são mais frequentes na população mais pobre, tanto as doenças de transmissão oro-fecal (amebíase, diarréias etc.), doenças envolvidas com saneamento básico (leptospirose), e que estão envolvidas com as condições de habitação (doença de chagas), assim como doenças de transmissão direta (tuberculose, e pneumonia adquirida na comunidade), e várias outras doenças relacionadas com o modo de vida da população mais pobre, como esquistossomose, escabiose, piodermite e larva migrans, que mostram flagelos sociais e falhas de educação popular em saúde. Obs.: a transmissão da doença de chagas através do vetor tem sido reduzida consideravelmente. Entretanto, a transmissão indireta por meio de produtos do açaí e da cana-de-açúcar que são moídos juntos ao vetor acabam sendo preocupantes. Doenças tropicais: as doenças tropicais são aquelas que ocorrem entre os trópicos. Entretanto, por essas regiões também serem mais pobres, é preciso entender que doenças mais frequentes na região não necessariamente se tratam de doenças tropicais, mas sim de doenças favorecidas socialmente, como cólera e hepatites.Exame físico: é importante seguir cada um dos passos do exame físico, podendo-se focar nos aspectos: ⇒ Inspeção: é importante verificar o estado geral do paciente, isso é, se é bom, regular, comprometido ou precário. Após isso, verificar a cor da pele e mucosas, buscando palidez, icterícia. Então, examine com cuidado as lesões, já que é nesse ponto que muitas doenças se diferenciam. Finalmente, busque pelos quebradiços, que podem ser indicativos de leishmaniose visceral. ⇒ Palpação: no abdome, verificar se ele está normotenso (se rígido, pode-se suspeitar de causas de abdome agudo como apendicite), se há visceromegalias (muitas doenças infecciosas e parasitárias cursam com esse sinal) ou tumorações palpáveis. Também é importante, nesse momento, destrinchar as características semiológicas da dor abdominal, isso é, se é referida, difusa ou localizada. Isso auxilia no diagnóstico de uma série de patologias como colecistite e colelitíase que estão associadas a hipocôndrio direito, apendicite na fossa ilíaca direita, doenças renais nos flancos e órgãos pélvicos em baixo ventre, podendo o agente etiológico ser entregue por meio da anamnese, e, se preciso, por meio de exames complementares. ⇒ Percussão: a percussão no tórax geralmente mostra som atimpânico (pois há ar), podendo ficar maciço em casos de pneumonia e derrame pleural (pois a cavidade torácica foi preenchida por líquido). No abdome o som geralmente é timpânico, mas pode-se notar som maciço na presença de Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Semiologia das doenças infecciosas visceromegalias, tumorações ou ascite (derrame peritoneal caracterizado por macicez móvel, isso é, quando em decúbito lateral, o som é maciço, quando em decúbito lateral, é timpânico), indicativo de esquistossomose até que haja prova contrária. ⇒ Ausculta: Ao se tratar de doenças infecciosas, é importante verificar que se há uma febre persistente, sem causa aparente ou outra sintomatologia, e sendo verificado um sopro cardíaco, pode-se suspeitar de endocardite infecciosa, confirmada por ecocardiograma e hemocultura, na busca Streptococcus viridans, sendo o tratamento feito por altas doses de antibiótico para garantir que chegue ao sítio da infecção focal. A ausculta pulmonar é valiosa em termos de doenças respiratórias, pois com frequência o murmúrio vesicular é substituído por sons anormais, que podem indicar doenças pulmonares ou do trato respiratório. Obs.: apesar de que as febres são características de muitas doenças, doenças como tétano, difteria, coqueluche e podem apresentar pouca ou nenhuma febre. Vacinação: a vacinação se mostra como uma forma eficiente de prevenir muitas dessas doenças, contudo, por conta da falácia disseminada por movimentos contrários à vacinação, que alegam o fato de nunca terem sido vacinados e ainda assim estarem saudável, essa tem sido desacreditada e negligenciada. A justificativa para a imunidade indireta dessas pessoas está na imunidade de rebanho, em que pacientes imunizados impedem a disseminação da doença para os não imunizados, porém, com o avançar desse movimento, essa imunidade é perdida, o que justifica as epidemias emergentes de sarampo em diversos países. Caso clínico 1: paciente chega com febre contínua, cefaléia, dores gerais e articulares, durante 3 dias, vindo de área rural. A hipótese inicial seria de uma arbovirose, como dengue ou zika. A evolução natural dessas doenças, porém, não permite que prevaleçam por muito tempo sem que haja evolução ou piora do quadro do paciente. Desse modo, caso haja continuidade por duas semanas, é importante repetir o exame físico e buscar por hepatoesplenomegalias, já que pode ser indicativo de leishmaniose visceral. Assim, é importante verificar como o tempo orienta o diagnóstico. Caso clínico 2: paciente chega há dois dias com cefaléia, dores, vômitos e diarreia discreta. Esse quadro pode ser sugestivo de dengue e outras infecções virais. Contudo, se adicionado a esses sintomas, for localizada rigidez de nuca, pode-se suspeitar de meningite bacteriana. Caso a diarreia fosse aquosa profusa e o vômito fosse incoercível (incontível), poderia-se então ser suspeito de gastroenterite bacteriana, causada por uma salmonelose, fruto de uma intoxicação alimentar. Já se a febre fosse alta, e além de dores gerais e artralgias fossem acrescentadas dores em cólica (causada por distensão de vísceras ocas), tenesmo (necessidade constante de defecar, ainda que o reto esteja vazio) e diarreia sanguinolenta, poderia-se suspeitar de uma disenteria causada por shigelose ou infecção por Escherichia coli, da biota intestinal. Se a mesma diarreia sanguinolenta for mantida com febre baixa, o quadro torna-se característico de disenteria amebiana. Caso a febre esteja ausente, porém as fezes apresentem formato riziforme (‘’em água de arroz’’), o quadro já indica uma infecção colérica. Esses casos demonstram o quanto o diagnóstico pode ser diferente por manifestações clínicas minimamente diferentes. Diarreia vs disenteria: a diarreia é definida como o aumento do trânsito intestinal que pode levar a alteração em processos absortivos, e é caracterizada por evacuações volumosas e aquosas, muitas vezes sem gravidade. Apesar de subestimada, pode levar a fatalidades, pois levam a perda de eletrólitos e líquido, e por isso é importante estar atento a sinais de desidratação: pele seca (muitas vezes formando pregas cutâneas por perda do turgor subcutâneo, o que se denomina ‘’sinal da tenda’’), oligúria, depressão de fontanela (em recém-nascidos), ausência de lágrimas e perda ponderal de 10%. A disenteria consiste em um processo de ulceração da mucosa do intestino grosso, é caracterizada principalmente por fezes de aspecto muco-pio-sanguinolenta, mas também: febre, dor em cólica, tenesmos, evacuações pouco volumosas (frequentemente acompanhadas da queixa de dificuldade de evacuar), e pode ser causada ou por bactérias gram negativas (como são as enterobactérias) ou então, se de etiologia parasitária, é atribuída à Entamoeba hystolitica. Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Semiologia das doenças infecciosas Animais peçonhentos: as doenças infecciosas e parasitárias também incluem os estudos dos animais venenosos (aqueles que possuem uma toxina mas não são capazes de inoculá-las, como o baiacu), e de animais peçonhentos (que possuem glândulas que inoculam toxinas), desses, há o destaque de cobras, escorpiões, aranhas e alguns peixes. Cada um desses apresenta um contexto diferente, como ilustram os casos: Caso 1: paciente, ao andar descalço durante a noite, sente uma dor intensa e fulminante na região plantar do pé, sem apresentar edema, apenas uma discreta hiperemia no local. Esse caso é típico de empeçonhamento por escorpião. Caso 2: paciente, ao andar descalço durante a noite, foi picado na região plantar e sentiu uma dor muito intensa, ao se avaliar a região, foram percebidos dois pequenos orifícios e edema local. Já esse caso, trata-se de um empeçonhamento por uma serpente do gênero Bothrops (jararaca). Caso 3: paciente, ao andar descalço emáguas rasas da lagoa mundaú, sente picada na região plantar seguida de dor intensa. Esse último, provavelmente se trata de um empeçonhamento pelo peixe niquim, comum na área em que houve o acidente. Infecções do trato urinário: as infecções do trato urinário baixas (cistites) são caracterizadas por poliaciúria (aumento da frequência urinária, ainda que em pequena quantidade), e disúria (dor à micção), que podem se repetir ciclicamente. Quando essas evoluem para infecções altas do trato urinário (pielite ou pielonefrite), podem surgir calafrios, febre alta, dor lombar, astenia, anorexia e vômitos, além de apresentar o sinal clínico de Giordano positivo (dor elevada à punho-percussão lombar), muitas vezes, com a piora do caso os sinais das infecções urinárias baixas chegam a desaparecer. Essas infecções são causadas por bactérias da própria biota, como E. coli, Enterococcus fecalis e Pseudomonas aeruginosa, bactérias multirresistentes. São muito mais comuns no sexo feminino, em virtude do curto tamanho da uretra, que também é reta, e mais próxima do ânus, o que favorece uma higiene inadequada para pessoas que não tem acesso a educação em saúde. Nos homens, costuma ocorrer entre os praticantes de sexo anal, não-postectomizados (não-circuncidados), e acima dos 50 anos, quando a próstata costuma hiperplasiar e comprimir a uretra, promovendo a estase urinária. Outros fatores de risco que independem do sexo são a bexiga neurogênica, litíase urinária e uso de catéteres. Hanseníase: uma doença que merece especial atenção em relação à sua semiologia é a hanseníase, pois surge na forma de lesões esbranquiçadas ou róseas, mas é facilmente confundida com os fungos da Pitiríase versicolor, e para diferenciar as doenças, é importante verificar a sensibilidade tátil, nociceptiva, proprioceptiva e principalmente termoceptiva da pele, pois a hanseníase é caracterizada por destruir as terminações nervosas. Outro diferencial importante é o sinal de Zileri, em que ao puxar a pele que contém a lesão, os fungos escurecem até uma coloração mais acinzentada, o que não ocorre com a hanseníase. Dengue: a dengue é outra doença cujos sintomas já foram citados, mas que possui um aspecto de destaque, as petéquias (hemorragias puntiformes), que precisam ser diferenciadas de exantemas maculopapulares (causados pela vasodilatação local). Outro ponto de destaque no diagnóstico da dengue é a dengue hemorrágica, que cursa com extravasamento do plasma como hemorragias facilmente visíveis ou palatinas ou nas cavidades corporais (derrame pleural, derrame pericárdico etc.), o que requer um maior cuidado ao exame, já que como a febre desaparece e nem sempre ocorrem as petéquias, pode passar despercebido. Icterícia: também é um sinal típico das síndromes ictéricas, e um raciocínio clínico voltado na diferença entre as doenças infecciosas é importante. Ela surge como um sinal inespecífico, fruto da degradação do núcleo heme em porfirinas, que são metabolizadas de bilirrubina indireta para a bilirrubina direta no fígado. Desse modo, qualquer infecção que atrapalhe esse metabolismo causará o sinal. Caso haja febre baixa, é sugestivo de hepatite, caso haja febre alta e calafrios, leptospirose, caso não haja febre, porém haja uma dor no hipocôndrio direito que irradia para o dorso, sugere coledocolitíase. Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Semiologia das doenças infecciosas
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