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0 Unidade I: Unidade: Arquitetura no Renascimento: a volta do clássico 1 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Unidade: Arquitetura no Renascimento: a volta do clássico Arquitetura no Renascimento: a volta do clássico Apresentação O tema desta unidade é, com certeza, bastante conhecido de vocês. Vocês já devem ter estudado alguns eventos que ocorreram neste período anteriormente, no ensino médio, e até aqui no curso de Arquitetura e Urbanismo, na disciplina de História das Artes. Com certeza conhecem os principais artistas do período: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael Sanzio, Botticelli. O que vocês talvez não saibam é que a arquitetura que foi produzida neste período também foi muito significativa: podemos dizer que a profissão de arquiteto, e não construtor, nasce aqui. Surge o processo característico da criação arquitetônica: o projeto. “Entender a importância do processo de projeto nos dias de hoje nos faz voltar ao princípio do Renascimento italiano, quando a prática do projeto se consolida. Neste período, a profissão do arquiteto surge como conhecida nos tempos atuais, onde o projetista é responsável pelo pensamento e organização da edificação como um todo, e o projeto é resultado de um processo intelectual, um exercício mental de solução de um problema que envolve a disposição das diversas partes.” (BARBOSA, 2005, p.30) O Renascimento é um dos períodos mais importantes na história da cultura ocidental, e caracteriza-se por imensas mudanças culturais, responsáveis em grande parte pela cultura da maneira com que entendemos hoje. O Renascimento assinala o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, e abrangeu aproximadamente o período entre fins do séc. XIII até meados do séc. XVII. É um período no qual ocorreram diversas transformações e avanços culturais, econômicas e sociais, principalmente no campo das artes, filosofia, literatura, política, ciências e religião, dentre inúmeros outros. Dentre as rupturas importantes, podemos assinalar a passagem do feudalismo para o capitalismo, potencializada pelo contato crescente entre mercadores europeus e asiáticos, sobretudo os do Oriente Médio, o que 2 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o impulsionou o comércio entre estes dois continentes – principalmente nos países mediterrâneos, como a Itália, por terem seus portos próximos destas zonas mercantis. Isso levou ao surgimento de uma nova classe social: os burgueses. Até então, somente quem detinha qualquer forma de poder eram os membros da nobreza ou do clero. Os burgueses eram moradores das cidades muradas (os “burgos”, conforme veremos no decorrer da unidade), e passaram a acumular riqueza, e consequentemente poder político, com o comércio. Nas artes, estes burgueses serão responsáveis por encomendas e patrocínio financeiro de obras de arte de artistas como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael Sanzio, sendo em grande parte responsáveis pelo avanço inigualável das artes. Estes homens eram chamados de mecenas, e esta prática é denominada mecenato. Possivelmente em função deste tipo de incentivo, muitos afirmam que – não obstante os avanços políticos e sociais – é na área de conhecimentos culturais que talvez os avanços tenham sido mais significativos neste período. No século XIV, retoma-se o princípio de humanismo, que havia sido uma das características do povo grego. Como já vimos na Unidade 2, o humanismo é uma postura intelectual que valoriza o homem e suas capacidades racionais de compreender e agir sobre o mundo e seus fenômenos; ou seja, a cultura deixa de ser teocêntrica (centrada em numa visão religiosa, em torno da figura de Deus) e passa a ser antropocêntrica (em que o homem é a medida de todas as coisas). Se até então os fenômenos eram explicados através de uma perspectiva espiritual e simbólica, principalmente de forma dogmática pela Igreja, agora o homem passa a valorizar a sua própria percepção do mundo, e encontra respostas para suas questões através da observação, dos estudos da matemática, da lógica, da literatura e das artes. Os humanistas renascentistas estimulavam o uso da razão e eram principalmente poetas, escritores, arquitetos, artistas, historiadores filósofos, geógrafos, antiquários, colecionadores, políticos, dentre outros. É importante ressaltar que isso não fazia com que os humanistas rompessem com a Igreja, pelo contrário. Francesco Petrarca1, por exemplo, dizia não ver conflitos entre o humanismo e 1Francesco Petrarca (1307-74), poeta, filólogo e intelectual do início do Renascimento, conhecido como o “pai do humanismo”. 3 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o sua fé: se os homens foram feitos à imagem e semelhança de Deus, que se manifesta em nós, então nossa capacidade racional também é um poder divino. Fig. 1: O homem vitruviano, segundo desenho e solução matemática por Leonardo da Vinci. A partir dos estudos da proporção do corpo humano pelo romano Marcus Vitruvius Pollio, Leonardo foi capaz de fechar matematicamente os cálculos que pressupunham que o homem poderia ser inserido em um quadrado e um círculo, as duas formas consideradas mais perfeitas pelos antigos romanos. Esta imagem costuma ser ilustrativa do princípio humanista de o homem ser a medida de todas as coisas. Fonte: http://hugolapa.files.wordpress.com/2009/07/vitruviano.jpg Com esta postura menos passiva diante do conhecimento, foi possível que ocorresse no período um grande avanço em todas as áreas: nas ciências, com o desenvolvimento da botânica, da química, dos estudos da anatomia, da astronomia, da engenharia, entre tantas outras. Um notável exemplo desta busca incansável pelos novos conhecimentos revelados pela observação e pela razão é Leonardo da Vinci, que atuou em todas estas áreas, deixando como legado mais de 4000 desenhos e manuscritos de seus estudos e reflexões. Este desenvolvimento técnico e científico possibilitou inventos e descobertas que revolucionaram o mundo: as grandes navegações, que revelaram novos continentes (como a América) e comprovaram que o mundo era redondo e não plano; a invenção da imprensa de tipos móveis por Johann Gutenberg em 1450, que finalmente possibilitou a divulgação e propagação das ideias para um grande número de pessoas; e o desenvolvimento da Astronomia por homens como Copérnico e Galileu Galilei. Muitos humanistas http://hugolapa.files.wordpress.com/2009/07/vitruviano.jpg 4 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o morreram defendendo suas descobertas no Tribunal da Inquisição, em que eram julgados e condenados pela Igreja por suas ideias heréticas. “Foi um período em que lvros, a capacidade de ler, o conhecimento e as ideias deixaram de estar restritos ao clero. Isso levou ao desafio à ortodoxia católica que culminou na Reforma e na Igreja Protestante” (GLANCEY, 2007, p. 68). O humanismo foi impulsionado com a redescoberta e revalorização da cultura clássica, isto é, dos legados das civilizações grega e romana. Esta influência ocorreu principalmente no campo das artes, em que a pintura, a escultura e a arquitetura passou a recuperar muitos dos princípios e dos elementos do período clássico, rompendo totalmente com a tradição medieval. Diante de tantas transformações, o Renascimento foi reconhecido em sua própria época como um período grandioso – atribui-se a Giorgio Vasari, conhecido como o primeiro historiador de arte (além de pintor e arquiteto),o termo Renascimento. Em sua obra Vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos italianos, desde Cimabue até nossa época, publicado em 1550, Vasari afirma que a cultura entrara em decadência desde a queda de Roma, em 476, somente “renascendo” por volta de 1250, quando inicia-se o processo de mudança. É dele também o termo “gótico” – gótico remete aos godos, que são o povo bárbaro responsável pela invasão de Roma. Ou seja, em sua concepção, toda a cultura medieval não passou de uma longa “Idade das Trevas”, em que não havia lugar para a cultura e beleza. Somente um povo “ignorante” como os bárbaros que foram capazes de destruir um grandioso império como Roma seriam capazes de uma arte “deformada”, “grotesca” como era a arquitetura gótica, na sua opinião. O arquiteto teórico, em seu tratado, também defendia a retomada da arquitetura greco-romana, porém reinterpretada para encontrar a verdadeira beleza. “O fato da [arquietura renascentista] se conformar à antiga demonstra apenas que é a verdadeira arquitetura, recuperada após um longo período de erros” (ARGAN, op.cit., p. 107) Ou seja, a conotação pejorativa que ainda hoje persiste na leitura de algumas pessoas sobre o período medieval e a arte gótica é fruto desta visão que vem desde o próprio Renascimento de que o clássico é a referência absoluta, e os estilos artísticos diversos eram criticados. Visão esta que, vale dizer, já é muito superada. Hoje reconhecemos diversos avanços tanto técnicos 5 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o quanto culturais durante a Idade Média, e a arte e arquitetura gótica há muito é valorizada e apreciada por toda sua beleza. No entanto, é válida a afirmação de que a arte e arquitetura gótica é diametralmente oposta em princípios e formas à arte e arquitetura clássica. A arquitetura clássica, ou qualquer forma de arquitetura antiga, realmente não foi valorizada durante o período medieval – não havia ainda a noção de alteridade histórica, a concepção de que houve uma civilização anterior cujo legado deveria ser admirado e conservado. Os italianos sempre conviveram com as ruínas das antigas construções romanas, porém sempre de modo meramente utilitário: reaproveitando os antigos arcos de triunfo para compor muralhas e fortificações, convertendo os antigos templos pagãos em igrejas católicas, e até reaproveitando o material construtivo para novas construções. O próprio Coliseu, que hoje é uma estrutura admirada pelo mundo todo, teve algumas de suas partes, que haviam entrado em colapso, reaproveitadas em novas obras (JOKILEHTO, 1986). No entanto, com a redescoberta dos princípios e valores que regiam estas antigas civilizações clássicas, potencializada pela redescoberta de antigos textos e tratados de poetas, filósofos e outros intelectuais clássicos, o humanismo ganhou fôlego e passou a admirar as civilizações antigas como modelo a ser seguido, e não temido. Petrarca, por exemplo, é tido como o primeiro a urgir pela proteção das antigas ruínas romanas. Em sua obra Deploratio urbis (um lamento por Roma), Petrarca deplorava o estado de ruínas a que a cidade de Roma chegou, com seus monumentos sendo deformados ou destruídos por gente que não reconhecia seu valor. Um dos textos basilares encontrados neste período, é o De arquitectura, o tratado de Vitruvius que já mencionamos na Unidade 2, quando estudamos a arquitetura da civilização romana. Este texto, que permaneceu esquecido durante os longos séculos da Idade Média, foi reencontrado na biblioteca do Monastério de St. Gallen, na Suiça, entre 1414 ou 1416, pelo humanista italiano Poggio Bracciolini. A partir de então, muitos humanistas tentaram reconhecer as antigas construções mencionadas no Tratado entre as ruínas em Roma, elaborando estudos, inventários e descrições dos resquícios das antigas construções romanas. Além de levar ao surgimento da noção de preservação de monumentos, estes estudos da arquitetura antiga levaram à 6 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o recuperação de muitos dos princípios clássicos, que foram reavaliados e reinterpretados para dar novo fôlego à arquitetura clássica produzida no Renascimento. Fig. 2: Arco de Septimius Severus – o Papa Pio IV ordenou uma escavação em 1563 para que o monumento fosse avaliado em suas dimensões plenas. Aqui está um dos levantamentos feito na época por arquitetos renascentistas, buscando compreender as reais dimensões e formas dos monumentos romanos. Fonte: JOKILEHTO, 1996, p. 15. Notamos que nossos exemplos são centrados na Itália – isto não é mera coincidência. Uma série de fatores possibilita que este fenômeno cultural irradiasse a partir da península itálica, sobretudo nas cidades de Florença (em um primeiro momento) e Roma. Em primeiro lugar, a península itálica ocupa um local geográfico privilegiado, às margens do Mar Mediterrâneo, o que possibilita sua interação mercantil com o oriente e torna a região próspera – é lá que muitas das mudanças sociais, políticas e econômicas ocorrem inicialmente. Como Pevsner afirma, “o estilo renascentista [foi criado] para os comerciantes de Florença, banqueiros dos reis da Europa. É na atmosfera da mais próspera das repúblicas comerciantes do Sul que o novo estilo aparece, por volta de 1420” (PEVSNER, 2002, p. 174). Por outro lado, também é lá que se encontra a maior parte do legado cultural da civilização romana e dos etruscos, com o qual, de certa forma, os italianos nunca haviam perdido o contato – ressurgindo como uma estética arquitetônica que exprimia todos os princípios do racionalismo e do humanismo que floresciam na Toscana. Por fim, com a reinstalação da sede da Igreja Católica em Roma, após séculos na cidade de Avignon, na França (fugidos dos ataques bárbaros frequentes durante a Alta Idade Média), em 1420, o centro do poder europeu novamente encontra-se em Roma. Durante o Renascimento, a Igreja se 7 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o fortalecerá e este poder e luxo se exprimirá nas inúmeras encomendas artísticas do Vaticano – em pinturas murais requintadas, como o teto da Capela Sistina, pintado por Michelangelo; em ricas esculturas, e em imponentes obras arquitetônicas como a Basílica de São Pedro. A arquitetura no Renascimento Como já foi possível apreender dos últimos parágrafos, a arquitetura produzida no Renascimento foi uma nova interpretação da arquitetura clássica, ou seja, oriunda da linguagem arquitetônica das antigas civilizações gregas e romanas. Segundo Leonardo Benevolo, a retomada do classicismo italiano se dá porque o gótico não possui disciplina ou um método de controle geral em sua composição (BENEVOLO apud PEREIRA, 2010, p. 131). O clássico, por sua vez, era mais adequado às necessidades da Idade Moderna por sua ordem e pela sua estrutura mais simples de conhecimento. Embora possa parecer um retrocesso, este fenômeno deve ser encarado como um “meio de retomada para um novo impulso progressista, como se demonstrará nos séculos XVII e XVIII” (PEREIRA, idem). Ou seja, todas as experimentações e desenvolvimentos plásticos e compositivos que ocorrerão no Renascimento, e posteriormente no Barroco até o Neoclassicismo, serão variações que, de certa forma, já estavam presentes potencialmente na linguagem clássica da arquitetura grega (PEREIRA, op.cit., p. 58). Os tratados de arquitetura Esta necessidade de um código ou de uma normativa, que exprimiria a beleza e a harmonia de forma racional e matemática na plástica arquitetônica, levou à elaboração e publicação de uma série de tratados de arquitetura, inspirados apartir do recém-descoberto modelo romano do De architectura de Vitruvius. “Leon Battista Alberti escreveu o primeiro deles em 1452, embora De re aedificatoria não fosse publicado antes de 1485; a primeira publicação de Vitrúvio2, o arquiteto romano do século I, ocorreu no ano seguinte” (GLANCEY, 2 Para quem ficou um pouco confuso, vale dizer que o Tratado de Vitruvius original era apenas um manuscrito, ou seja, um texto escrito à mão. Não havia várias cópias deste texto, e todas haviam sido 8 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o idem). Seguiram-se a eles importantes evoluções elaboradas por Filarete, Serlio, Vignola e Palladio, entre outros. Publicados e reproduzidos pela imprensa de Gutenberg, os tratados italianos difundiram as ideias do classicismo italiano e logo se firmaram por toda a Europa, estabelecendo-se como paradigma nos próximos cinco séculos. Fig. 3: (à esq.) As cinco ordens clássicas segundo o tratado de Vignola (1562). Fonte: http://www.tiosam.net/encicl opedia/imagem2.asp?pic=th umb/c/cb/Vignolafiveorders.j pg/250px- Vignolafiveorders.jpg Fig. 4 (à dir.): As cinco ordens clássicas segundo o tratado de Serlio (1545). Fonte: http://sites.google.com/site/artusagv/arq0.jpg Os arquitetos renascentistas não pretendiam que a arquitetura de sua época fosse uma mera reprodução dos modelos grego-romanos, mas sim uma evolução – uma forma ideal, perfeita, segundo os princípios racionais do classicismo. Para tanto, era necessário a elaboração de normas para orientar a criação arquitetônica que atingissem plenamente estes objetivos: surgem as cânones e a classificação das ordens gregas segundo diversos critérios. Os princípios deste tratados determinavam desde a aparência que diferentes tipos de construções deveriam ter, qual a proporção ideal, quais elementos deveriam transcritas ao longo dos dez séculos da Idade Média por monges, devido à deterioração do papel original. À medida que os volumes eram copiados e traduzidos, os desenhos e esboços que faziam parte dos tratados originais foram se perdendo, de forma que o conteúdo do tratado tendia a se tornar mais confuso e, por vezes, contraditório. O texto só passou a ser publicado e impresso graficamente com tiragem maior em 1453, possibilitando que o texto se difundisse e fosse conhecido por um número maior de leitores interessados. http://www.tiosam.net/enciclopedia/imagem2.asp?pic=thumb/c/cb/Vignolafiveorders.jpg/250px-Vignolafiveorders.jpg http://www.tiosam.net/enciclopedia/imagem2.asp?pic=thumb/c/cb/Vignolafiveorders.jpg/250px-Vignolafiveorders.jpg http://www.tiosam.net/enciclopedia/imagem2.asp?pic=thumb/c/cb/Vignolafiveorders.jpg/250px-Vignolafiveorders.jpg http://www.tiosam.net/enciclopedia/imagem2.asp?pic=thumb/c/cb/Vignolafiveorders.jpg/250px-Vignolafiveorders.jpg http://www.tiosam.net/enciclopedia/imagem2.asp?pic=thumb/c/cb/Vignolafiveorders.jpg/250px-Vignolafiveorders.jpg http://sites.google.com/site/artusagv/arq0.jpg 9 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o ser dispostos de que maneira. As ordens clássicas foram detalhadamente descritas, desde a combinação de seus elementos (colunas, entablamentos, capitéis, etc.), como também eram determinadas quais as dimensões corretas de cada elemento. As análises eram intelectualizadas, de arquitetos que não apenas criavam como artistas, mas pesquisavam e produziam ideias como os estudiosos eruditos. Estas ideias, defendidas nestes textos teóricos, eram aplicados pelos seus autores na prática construtiva, dando a cada um deles um caráter de autoria. Com isso, vemos ocorrer na Arquitetura um fenômeno equivalente ao que acontecia com os demais artistas: o reconhecimento da Arte como um processo intelectual. Como vimos nas unidades anteriores, o arquiteto e os demais artistas não eram reconhecidos na sociedade porque considerava-se que apenas executavam uma técnica, um trabalho como outro qualquer, sem que houvesse nenhum tipo de esforço intelectual envolvido. Os artistas trabalhavam com as mãos, e não com as ideias. Os artistas conheciam as formas e as técnicas construtivas e as aplicavam, com poucas variações de autoria. Essa visão começou a transformar-se no Renascimento, quando os artistas passaram a ser vistos pelos mecenas como seres excepcionais, verdadeiros “gênios”. Os artistas e arquitetos começaram a adquirir prestígio na sociedade e eram admirados pelas suas habilidades e capacidade criativa. Mas este prestígio foi muito conquistado pelos próprios artistas, que defendiam o caráter erudito de seu processo criativo em textos e tratados. “... Leonardo da Vinci desenvolvia a teoria da natureza ideal da arte. Empenhou-se em provar que a pintura e a arquitetura eram artes liberais, e não artes no sentido de ofício, como na Idade Média. Essa teoria tem dois aspectos. Ela exige do patrono uma nova atitude diante do artista, mas também exige do artista uma nova atitude diante de sua obra. Apenas o artista que abordasse sua arte com com espírito acadêmico, isto é, como um pesquisador de suas leis, tinha direito a ser considerado igual pelos eruditos e autores humanistas” (PEVSNER, op. cit., p. 175). Outro humanista que desenvolveu esta ideia foi Leon Battista Alberti (1404-1472). Embora fosse formado em Direito, e inicialmente tenha se dedicado a estudos de matemática e filosofia, Alberti entrou em contato com os artistas florentinos e interessou-se pelas questões da poderosa arte que surgia. 10 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o A partir daí, publicou três importantes tratados: um sobre pintura, um sobre escultura e o último sobre arquitetura, o De re aedificatoria. Este tratado foi escrito quando Alberti foi nomeado consultor das reformas urbanísticas de Roma pelo Papa Nicolau V, em torno de 1440. Uma primeira versão é presenteada ao Papa em 1452; porém Alberti continua trabalhando no manuscrito até sua morte em 1472. O tratado só foi publicado 14 anos após sua morte, em 1486. O tratado é extenso: assim como o tratado de Vitruvius, é dividido em 10 partes seguindo a tríade vitruviana de firmitas, utilitas e venustas, que são interpretadas por Alberti como necessidade, comodidade e prazer estético. Mas mais que apenas enumerar obras, tipologias e técnicas construtivas, Alberti propõe-se a estabelecer a arquitetura como um processo intelectual. Nesta obra, defendia que o arquiteto tinha dois momentos na sua prática: a criação (as ideias, a teoria); e a prática, que é o processo físico da construção. Este primeiro momento, que é o processo de projeto, para ele era um exercício puramente intelectual, em que o arquiteto lançava hipóteses e as testava com desenhos, croquis e maquetes. Estes desenhos calculados através de uma precisão matemática eram chamados por ele de lineamentos, e a obra em si, de matéria. “É bastante possível projetar formas inteiras na mente, sem qualquer recurso material, pela designação e determinação de uma orientação fixa, e conjunção de várias linhas e ângulos. Considerando que isso é o caso, lineamentos devem ser o esboço preciso e correto, concebidos na mente, composto de linhas e ângulos, e aperfeiçoado pela inteligência e imaginação” (ALBERTI, Livro I, Capítulo I). Alberti falava com conhecimento de causa, pois atuou como arquiteto, construindo importantes obras que veremos na sequência. Além disso, Alberti defendia que esta prática era de extrema importância,pois através destes estudos, seria possível evitar tragédias e erros durante a execução. Isto costumava acontecer muito anteriormente: como o arquiteto, antes do Renascimento, era apenas mais um construtor (como um mestre de obras), as obras eram executadas segundo o conhecimento técnico dos construtores. Quando a intenção era romper os limites, muitas destas construções desabavam. Para Alberti, o processo intelectual e racional do projeto evitaria 11 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o este tipo de situação, pois o arquiteto poderia testar e revisar seus cálculos, encontrando erros, antes de executar seu projeto: “Mas eu posso dizer isso de mim: eu concebi frequentemente projetos na mente que pareciam bastante razoáveis na ocasião; mas quando os traduzi em desenho, eu encontrei vários erros nas mesmas partes que me agradaram muito, e erros bastante sérios; novamente, quando eu voltei aos desenhos, e verifiquei as dimensões, reconheci e lamentei meu descuido; finalmente, quando passei dos desenhos para a maquete, às vezes notei enganos em partes individuais, até mesmo em cima dos números.” (ALBERTI, Livro IX, capítulo 10 apud BARBOSA, pp. 47) O surgimento da profissão de arquiteto Esta defesa do projeto como uma atividade intelectual, separando a prática do arquiteto dos demais construtores – agora vistos como subalternos, como executores de uma ideia desenvolvida por um artista com maiores conhecimentos – não começou com Alberti. Podemos afirmar que a profissão do arquiteto, como nós a conhecemos hoje, surgiu pela primeira vez com a obra de Filippo Brunelleschi (1377-1446). Brunelleschi era um exemplo do artista completo do Renascimento italiano. Além de arquiteto, era também ourives, escultor, e estudioso de Matemática e Geometria. Como todos os humanistas do período, Brunelleschi também apreciava outras artes: era profundo conhecedor da poesia de Dante Alighieri. Ao lado de Masaccio (pintor) e Donatello (escultor), Brunelleschi é considerado um dos mais importantes personagens do princípio do Renascimento italiano. Porém, a obra de Brunelleschi é extremamente relevante para nós não apenas pelas inovações técnicas e estilísticas que inauguraram o Renascimento. São suas grandes contribuições: a) O surgimento da profissão do arquiteto e das concepções projetuais em arquitetura; b) A elaboração da perspectiva linear através de cálculos matemáticos, o que contribuiu não apenas para o desenvolvimento do processo projetual em arquitetura, mas também para o avanço da pintura do período (em que a perspectiva é tida como uma as características mais importantes da pintura renascentista). 12 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 5 (à esq.): Detalhe do domo da Catedral de Florença, de autoria de Brunelleschi. Fonte: http://www.italyguide.com/database/foto_monumenti/135.JPG Fig. 6 (à dir.): Vista atual da Catedral Santa Maria dei Fiore em meio ao tecido urbano de Florença: destaca-se as suas imensas dimensões diante das construções em torno. Cabe também destaque às dimensões da própria cúpula projetada por Brunelleschi. Fonte: http://www.arch.mcgill.ca/prof/sijpkes/arch374/winter2001/sfarfa/philopanoramica.jpg Devemos a Brunelleschi esta ruptura com a tradição medieval, principalmente por ocasião da construção da cúpula da Catedral de Florença, a Santa Maria dei Fiore, considerada o marco inicial da arquitetura renascentista. Sim, apenas a cúpula, chamada também de “O Duomo de Florença”. O corpo da catedral, em si, é de estilo predominantemente gótico, e ela foi sendo completada paulatinamente ao longo de seis séculos! Seu projeto básico foi elaborado por Arnolfo di Cambio no final do século XIII; sua cúpula é obra de Filippo Brunelleschi, no século XV; e sua fachada teve de esperar até o século XIX para ser concluída. Ao longo deste tempo uma série de intervenções estruturais e decorativas no exterior e interior enriqueceriam o monumento, dentre elas a construção de duas sacristias e a execução de esculturas e afrescos por Paolo Uccello, Andrea del Castagno, Giorgio Vasari e Federico Zuccari, autores do Juízo Final no interior da cúpula. Foi construída no lugar da antiga catedral dedicada a Santa Reparata, que funcionou durante nove séculos até ser demolida completamente em 1375. http://www.italyguide.com/database/foto_monumenti/135.JPG http://www.arch.mcgill.ca/prof/sijpkes/arch374/winter2001/sfarfa/philopanoramica.jpg 13 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Portanto, no séc. XV, a catedral encontrava-se apenas parcialmente coberta. Segundo o projeto inicial, a Catedral teria uma grande nave central e duas naves laterais, as quais convergiriam num enorme espaço octogonal, que deveria ser coberto por uma cúpula. Porém, ainda não havia solução técnica adequada que possibilitasse a cobertura deste espaço. Em 1418, foi proposto um concurso em que diversos arquitetos propuseram a solução para o desafio. Brunelleschi apresentou uma solução inovadora e até, aparentemente, impossível de ser realizada. A proposta de Brunelleschi “... baseava-se nos princípios clássicos e defendia a construção de dupla cúpula que absorveria suas próprias tensões. Para sua execução prevê um andaime, inventado por ele, e uma grua para o translado dos materiais. Pôs em prática um método para a sustentação da cúpula, inventou as máquinas necessárias à construção e executou o projeto sem utilizar o cimbre, armação de madeira que serve de molde e suporte aos arcos e abóbadas e retirados depois de completada a obra.” (MIGUEL, 2003) Figs. 6 e 7: Croquis do projeto do maquinário de Brunelleschi, como gruas, que tornaram a construção da cúpula possível. Fonte: http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/16e4_040-02-02.jpg http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/16e4_040-02-03.jpg http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/16e4_040-02-02.jpg http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/16e4_040-02-03.jpg 14 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Brunelleschi, neste período, já estava buscando uma linguagem arquitetônica que expressasse o espírito renascentista – o gótico já parecia ultrapassado. Com o contato com o tratado de Vitruvius, Brunelleschi se dedica ao estudo da arquitetura clássica, inclusive realizando várias viagens a Roma para efetuar levantamentos técnicos e métricos nas ruínas. São deles alguns dos primeiros desenhos e inventários dos resquícios dos monumentos romanos em Roma, dando a partida para a incipiente proteção do patrimônio, que começa a surgir nesta época. A solução técnica adotada no domo da Catedral de Florença é inspirada nas técnicas construtivas romanas, como por exemplo o domo do Panteão, que vimos na Unidade 2. Para compreender como esta técnica é possível, Brunelleschi primeiramente estuda os modelos romanos, elabora os desenhos, e testa em maquetes para verificar a executabilidade. É o início do uso de maquetes para testa a possibilidade de execução de uma estrutura, ao invés de verificar somente na hora da construção. “Brunelleschi ao estudar as construções e ruínas antigas em suas viagens a Roma, busca o entendimento do sistema construtivo romano a fim de realizar a cobertura do grande vão da catedral de Florença. A partir destas análises, inventa uma nova técnica, possível de executar a cúpula a partir de uma maquete, deixando de lado a tradição das corporações de ofício baseados nas experiências práticas dos mestres-de-obras.”(BARBOSA, 2005, p. 32) Fig. 8: Maquete da cúpula da Catedral de Florença, em madeira, de Brunelleschi. Fonte:http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/16e4_040-02-07.jpg http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/16e4_040-02-07.jpg 15 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o A técnica construtiva usada pelos romanos para erguer seus duomos já havia sido perdida, então Brunelleschi precisava elaborar suas próprias técnicas para viabilizar seu projeto. A solução adotada para sustentar o peso da cúpula sem precisar preencher o espaço interior da catedral com colunas, foi adotar um sistema de dupla camada. A concha interior era feita de material leve, enquanto que a camada externa consistia de materiais que resistissem ao vento. Assim, os construtores, elevados até a altura por suas gruas, poderiam sentar na camada interna para construir a camada externa. Para sustentar ambas as camadas, ele elaborou um sistema de anéis que “abraçam” ambos os domos, entrecortados por suportes. Esta estrutura ainda resiste, salvo pela substituição de algumas peças de madeira apodrecidas. Esta solução ainda é empregada na engenharia moderna. Fig. 9: Corte esquemático do domo. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/52/Filippo_Brunelleschi,_cutaway_of_the_Dome_of_Flor ence_Cathedral_(Santa_Maria_del_Fiore).JPG http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/52/Filippo_Brunelleschi,_cutaway_of_the_Dome_of_Florence_Cathedral_(Santa_Maria_del_Fiore).JPG http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/52/Filippo_Brunelleschi,_cutaway_of_the_Dome_of_Florence_Cathedral_(Santa_Maria_del_Fiore).JPG 16 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 10: Vista do interior da cúpula, com afrescos de Giorgio Vasari e Federico Zuccari representando o Juízo Final. Fonte: http://www.sights-and- culture.com/Italy/Florence-santa- maria-del-fiore-dome-7666.jpg A forma com que Brunelleschi trabalha é revolucionária. Na experiência da construção da cúpula, o arquiteto humanista Brunelleschi foi responsável por todo este processo intelectual que vimos. Por outro lado, ele participa do processo prático da arquitetura como um supervisor, não conjuntamente com os outros construtores. Há uma divisão do trabalho: o arquiteto é o responsável pelo projeto, e os construtores, pela execução (MIGUEL, 2007). É inegável a importância desta mudança de pensamento e atitude do método de trabalho de Brunelleschi, que gera duas relevantes consequências: a concepção de projeto e autoria arquitetônica, e o desenvolvimento da perspectiva. “Brunelleschi assume a responsabilidade individual sobre a obra, sendo que a concepção e as decisões são baseadas em um trabalho intelectual, o estudo e análise do projeto enquanto idéia, no papel, e comprovada por seus cálculos. O projeto é ideia, pensamento, trabalho intelectual, separado do trabalho de execução. Nasce neste período a idéia de propriedade intelectual e responsabilidade profissional perante a obra a ser executada. A necessidade de compreender os detalhes antecipadamente e verificá-los como representação de uma ideia, em conjunto com o interesse de Brunelleschi nas questões que envolviam o campo visual e a mecânica da visão o levam a http://www.sights-and-culture.com/Italy/Florence-santa-maria-del-fiore-dome-7666.jpg http://www.sights-and-culture.com/Italy/Florence-santa-maria-del-fiore-dome-7666.jpg http://www.sights-and-culture.com/Italy/Florence-santa-maria-del-fiore-dome-7666.jpg 17 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o estudar mais profundamente a questão da teoria óptica da Idade Média.” (BARBOSA, op.cit., pp. 33-34) A importância da perspectiva no projeto arquitetônico A perspectiva, segundo Ching, é “qualquer uma das várias técnicas de representação de objetos tridimensionais e relações espaciais em uma superfície bidimensional como estes poderiam se afigurar ao olho” (CHING, 2000, p. 169). Ou seja, representar a profundidade do espaço em um desenho, sobre um suporte plano. Ao longo da História da Arte, diversos artistas já haviam tentado representar o espaço real em pinturas e desenhos, porém de forma mais intuitiva: “Os gregos, que compreenderam o escorço, e os pintores heenísticos, que eram hábeis em criar a ilusão de profundidade, ignoravam as leis matemáticas pelas quais os objetos pareciam diminuir de tamanho à medida que se afastam de nós (...) Foi Brunelleschi quem forneceu a artistas os meios técnicos para solucionar este problema; e o entusiasmo que isso causou entre os seus amigos pintores deve ter sido imenso” (GOMBRICH, 2008, pp. 228- 229). Ou seja, credita-se a Brunelleschi o desvendamento da perspectiva linear, ou seja, a a projeção da perspectiva em forma de um sistema matemático, em que todas as linhas retas convergem em um ponto determinado, representando o olho do observador. Na pintura, o impacto desta descoberta realmente foi gigantesco, possibilitando aos pintores renascentistas a representação do espaço e dos volumes dispostos de forma muito próxima à realidade. Mas em quê isto afetou a prática da arquitetura? Para se definir o espaço arquitetônico do Renascimento, a incorporação da perspectiva como instrumento de projeto nos desenhos procura simular o espaço a ser construído. A principal ruptura em relação ao espaço medieval deu-se a partir do momento em que os arquitetos do Renascimento passaram a designar nos seus edifícios um ritmo de percurso, em que as regras de desenho do espaço são facilmente assimiladas pelos usuários. Com isso, a pespectiva vai conduzir o olhar para um ponto escolhido pelo arquiteto: o 18 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o chamado ponto focal. O domínio da linguagem clássica, usada para se chegar a estes efeitos de percurso, só se torna possível quando simulado através do projeto pela perspectiva. Como resultado, tem-se um espaço perspéctico, integralmente apreendido pelo observador e cujas relações proporcionais se mostram de forma analítica e objetiva. Um belo exemplo disto é o projeto de Brunelleschi para a Igreja do Santo Spirito, construída entre 1434 e 1872. Fig. 11: Vista interna da Igreja do Santo Spirito. Neste espaço, Brunelleschi usou as técnicas de perspectiva para intensificar os efeitos espaciais que conduzem o observador até o altar. A imagem de Cristo fica exatamente no ponto focal, para onde as linhas convergem. A linguagem adotada é clássica: a combinação de colunas corintias encimadas por arcadas romanas. É o início da arquitetura renascentista conforme ela se consolidou nos séculos seguintes. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c4/ Santo_Spirito,_inside_1.JPG No campo da arquitetura em si, o desenvolvimento da perspectiva vai possibilitar estudos preliminares de projeto, em que o arquiteto pode simular e visualizar o espaço tridimensional que ele pretende construir com desenhos perspectivos. Um exemplo são os desenhos de Brunelleschi em que, ainda na fase de projeto, ele já antevia os efeitos espaciais vistos na figura 11. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c4/Santo_Spirito,_inside_1.JPG 19 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 12: Perspectiva desenhada por Brunelleschi. Estudo preliminar do projeto. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_nBWhV9fBeS M/SS7lKpUZVcI/AAAAAAAAATM/kffwQck9KJ4/s400/zsantospiritodrawing.gif A arquitetura renascentista se baseará em duas premissas fundamentais: o uso de figuras geométricas elementares (como o quadrado ou o círculo) e relações matemáticas simples; e a reutilização das ordens clássicas da tradição grega e romana. No entanto, agora as ordens incluem também, além das três ordens gregas (dórica, jônica e coríntia), as duas contribuições romanas: a ordem toscana e a ordem compósita, como foi vista no Coliseu. Com relação às figuras geométricas elementares, o texto de Alberti deixava clara sua interpretação: “O livro de Alberti foi uma revelação muito influente. Ele expunha com detalhamento matemático os principais elementos da arquitetura – o quadrado, o cubo, o círculo, e a esfera – e as proporções ideais de um edifício que decorresse deles. Essas proporções não estavam apenas em harmonia com a música e a natureza, mas com as do corpo humano idealizado. Assim como o homem fora criado à imagem de Deus, a edificação podia representar a própria imagem do Criador divino se os arquitetos seguissem a lógica das proporções matemáticas.” (GLANCEY, 2007, pp. 68- 69) A arquitetura seguia, portanto, as formas geométricas consideradas perfeitas – como uma manifestação do próprio poder divino, que se transmitia ao mundo humano através da perfeição das formas. A concretização da harmonia e da regularidade como consequência das regras da geometria seriam atingidos no projeto da capela (1430) para a família Pazzi, http://4.bp.blogspot.com/_nBWhV9fBeSM/SS7lKpUZVcI/AAAAAAAAATM/kffwQck9KJ4/s400/zsantospiritodrawing.gif http://4.bp.blogspot.com/_nBWhV9fBeSM/SS7lKpUZVcI/AAAAAAAAATM/kffwQck9KJ4/s400/zsantospiritodrawing.gif http://4.bp.blogspot.com/_nBWhV9fBeSM/SS7lKpUZVcI/AAAAAAAAATM/kffwQck9KJ4/s400/zsantospiritodrawing.gif 20 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o proeminentes em Florença. Brunelleschi combinou colunas, pilastras e arcos plenos de maneira inédita na História da Arquitetura. As pilatras (meia-colunas embutidas na parede) remetem às colunas sem ter, de fato, uma função estrutural: a intenção é plástica, de marcar o rítmo clássico das colunas e arcadas. Embora sua inspiração seja a arte romana, a capela não guarda semelhanças com os templos clássicos, tampouco com as igrejas góticas. Fig. 13: Interior da Capela Pazzi. Fonte: http://lh6.ggpht.com/_ggc7qy_9IXY/ SQjDL1qyXqI/AAAAAAAAAps/ZvEZ hyoA5sU/DSC_0960.JPG Fig. 14: Planta e corte da Capela Pazzi. Destaque para as figuras geométricas regulares, como o círculo encerrado dentro do espaço retangular, e o todo da planta formando um quadrado. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/ab/Pazzi_chapel_- _Filippo_Brunelleschi.jpg/250px-Pazzi_chapel_-_Filippo_Brunelleschi.jpg http://lh6.ggpht.com/_ggc7qy_9IXY/SQjDL1qyXqI/AAAAAAAAAps/ZvEZhyoA5sU/DSC_0960.JPG http://lh6.ggpht.com/_ggc7qy_9IXY/SQjDL1qyXqI/AAAAAAAAAps/ZvEZhyoA5sU/DSC_0960.JPG http://lh6.ggpht.com/_ggc7qy_9IXY/SQjDL1qyXqI/AAAAAAAAAps/ZvEZhyoA5sU/DSC_0960.JPG http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/ab/Pazzi_chapel_-_Filippo_Brunelleschi.jpg/250px-Pazzi_chapel_-_Filippo_Brunelleschi.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/ab/Pazzi_chapel_-_Filippo_Brunelleschi.jpg/250px-Pazzi_chapel_-_Filippo_Brunelleschi.jpg 21 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 15: Vista interna da Capela Pazzi. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/ c5/Pazzi_Chapel_Florence_Apr_2008.jpg Anexa à igreja gótica de Santa Croce, a qual aparece na figura 13, na Capela Pazzi não se nota mais relação alguma com as referências arquitetônicas góticas – a linguagem humanista no clássico adotado por Brunelleschi se exibe em toda sua plenitude: colunas e pilastras coroadas por capitéis clássicos, entablamentos emoldurados, arcos de meio ponto, cúpula sobre pendentes, entre outros (PEREIRA, 2010, p. 146). Uma grande mudança humanista, na arquitetura de igrejas a partir do Renascimento, é a primazia das formas geométricas como quadrados e círculos. Estas formas levavam a uma mudança de paradigma que modificou profundamente o padrão formal que havia se estabelecido desde as basílicas cristãs: a transição entre formas cruciformes para esquemas de planta centralizada, como se vê na Capela Pazzi. No entanto, continuava-se construindo igrejas de planta axial, seguindo o princípo das plantas em formato de cruz que haviam se consolidado ao longo do tempo. No entanto, agora as igrejas explorarão com maior intensidade a expressão do espaço, através da ferramenta da perspectiva. Além disto, as igrejas se afastam cada vez mais da linguagem gótica até romper totalmente http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c5/Pazzi_Chapel_Florence_Apr_2008.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c5/Pazzi_Chapel_Florence_Apr_2008.jpg 22 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o com ela. No caso da Igreja San Andrea (1470-1476), em Mântua, projetada por Alberti, vemos que as formas adotadas são completamente diferentes. A inspiração é claramente romana, a partir da forma dos arcos de triunfo. “Em sua obra se destaca especialmente a utilização do arco de triunfo romano como fonte de inspiração para criar o novo tipo de igreja renascentista (...) Em Santo André de Mântua, Alberti leva esta mesma ideia da fachada ao interior e a toma como modelo para as arcadas das naves, como se toda a igreja fosse um arco de triunfo levado às três dimensões, criando assim uma estrutura lógica que serve de modelo eclesiástico durante os séculos seguintes” (PEREIRA, op.cit., p. 146). Fig. 16 (à esq.): Fachada da Igreja San Andrea, de Alberti, com sua plástica remetendo aos Arcos de Triunfo. Fonte: http://www.webitalianet.it/fotografie/foto%20lombardia/foto_mantova/s.andrea.jpg Fig. 17 (à dir.): Interior da Igreja, com sua sucessão de arcos romanos, lembrando o interior das termas dos antigos romanos. Fonte: http://www.webalice.it/allietarti/Mantua%20City%20Centre_file/image013.jpg Embora as igrejas de planta axial, por exaltarem o percurso do fiel até o ponto focal – ponto hierarquicamente superior do projeto, onde se localiza o altar – e por terem planta em forma de cruz, tenham sido consideradas mais adequadas para as igrejas, havia no interior do clero religiosos humanistas que também exaltavam as formas perfeitas das plantas centrais. No entanto, isto foi fortemente combatido em alguns papados. “O templo de planta centralizada – http://www.webitalianet.it/fotografie/foto%20lombardia/foto_mantova/s.andrea.jpg http://www.webalice.it/allietarti/Mantua%20City%20Centre_file/image013.jpg 23 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o que no século XV era considerado como a expressão apropriada do divino e da harmonia universal entre microcosmo e macrocosmo – entra em conflito com as disposições do Concílio de Trento (1563), segundo as quais se recomenda a cruz latina para as edificações religiosas” (PEREIRA, op.cit., pp. 143-144). Porém, não é de Brunelleschi o templo de plano central mais paradigmático do Renascimento, e sim de outro grande arquiteto renascentista, Donato Bramante (1444-1512). Bramante foi o maior arquiteto do chamado Alto Renascimento. A esta época, os tratados arquitetônicos de Serlio, Filarete e Alberti já tinham espalhado a influência da arquitetura florentina para outras partes da Itália, como Veneza e Roma. Em Milão, Bramante será muito influenciado pela obra de Alberti, como a Igreja San Sebastianoe Sn Andrea em Mântua. No entanto, cada vez mais envolvido com o humanismo e com as inovações artísticas de seu tempo, foi muito influenciado pelas experimentações de Leonardo da Vinci, que, dentre outras coisas, também esboçou projetos complexos de templos de planta central em seus cadernos. Fig. 18: Esboços de Leonardo da Vinci para templos hipotéticos de planta central. Estas suas ideias nunca chegaram a ser construídas, mas são dotadas de uma complexa estrutura espacial, com oito capelas com absides encimados por oito pequenas cúpulas, ao redor do octógono e da cúpula central. Fonte: http://asiber.ifs.hr/leonardo_temple/MS2037_fol5v_Leonardo.png http://asiber.ifs.hr/leonardo_temple/MS2037_fol5v_Leonardo.png 24 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Roma, nesta época, florescia como o pólo irradiador de cultura renascentista – posto que anteriormente era de Florença. Durante o século XV, o Papa Nicolau V havia reorganizado os Estados Pontifícios, e deu-se origem a um processo de renovação da antiga cidade para elevá-la à antiga grandeza, e assim adequá-la à importante missão de ser sede da Igreja. Para isso, o Papa havia comissionado Alberti como consultor – é desta época o livro Descriptio urbis Roma (Descrição da cidade de Roma), publicado em 1443-1444, que pretende ser um mapa arqueológico da cidade de Roma na época. Já no século seguinte, “Roma não é mais o lugar de peregrinação dos artistas que vão estudar as ruínas da Antiguidade, mas a cidade onde são construídas as obras mais importantes da época” (PEREIRA, op.cit., p. 148). Sob a tutela do Papa Júlio II e os demais Papas da família Médici, artistas e arquitetos como Bramante, Michelangelo, Rafael Sanzio, Sangalo e Peruzzi constroem as obras mais relevantes do Renascimento. Bramante vai para Roma em 1499, e lá, inspirado pelos monumentos de Roma Antiga, passa a interessar-se pelas questões construtivas, pela harmonia e simplicidade. É nesta época que ele assume o projeto de uma pequena capela de plano central, o Tempietto de São Pedro de Montorio, talvez o mais importante edifício renascentista desta fase. Trata-se de uma releitura de um templo romano circular, apoiado sobre três degraus. Cada coluna dórica tem sua pilastra correspondente na parede do edificio, cuja cela, mais alta do que a colunata, é coberta com uma cúpula semiesférica. 25 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 19 (acima): Planta do Tempietto. Fonte: http://www.greatbuildings.com/gbc/drawings/tempietto_plan_3.150.jpg Fig. 20: Vista do Tempietto de San Pedro. Fonte: http://www.cartage.org.lb/en/themes/arts/Architec/MiddleAgesArchitectural/RomanesqueArchitecture/Dona toBramante/Tempietto.jpg Finalizado em 1502, o Tempietto é o primeiro monumento que opõe a Alta Renascença à fase anterior – trata-se de uma edificação mais escultural do que propriamente arquitetônica. Encravado no claustro da igreja de San Pietro in Montorio, em Roma, o Tempietto marca o local onde se supõe tenha sido crucificado o primeiro Papa, São Pedro. O Tempietto é um edifício pequeno, perfeitamente ordenado, em formato circular rodeado por uma colunata em estilo dórico toscano, dando entrada a um tambor onde se encontra o relicário de São Pedro. No segundo pavimento, uma balaustrada marca o mesmo espaço em torno da pequena cúpula. O edifício consegue atingir um dos objetivos da arquitetura clássica: o puro volume no espaço. Considera-se que sua harmonia e regularidade são consideradas perfeitas em relação às medidas do Homem. Além das métopas e e das conchas dos nichos, não há decoração na arquitetura do Tempietto. “... Finalmente, um edifício que fala de razão e civilidade, não de medo e http://www.greatbuildings.com/gbc/drawings/tempietto_plan_3.150.jpg http://www.cartage.org.lb/en/themes/arts/Architec/MiddleAgesArchitectural/RomanesqueArchitecture/DonatoBramante/Tempietto.jpg http://www.cartage.org.lb/en/themes/arts/Architec/MiddleAgesArchitectural/RomanesqueArchitecture/DonatoBramante/Tempietto.jpg 26 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o domínio religioso” (GLANCEY, 2001, p. 73). Fig. 20: Fachada externa de San Pietro in Montorio, em cujo claustro se localiza o pequeno Tempietto. Fig. 21: Interior do Tempietto. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a0/Trastevere_- _san_Pietro_in_Montorio_00700.JPG Fonte: http://www.romeapartments-directory.info/images/S.Pietro-in-Montorio-tempietto-Bramante-interno- da-m10.jpg O primeiro eco da influência do Tempietto na arquitetura renascentista se dará quase que imediatamente, nos projetos para a construção da nova Basílica de São Pedro (1506-1626), a sede do Vaticano. A antiga basílica foi demolida em 1503, devido ao risco de iminente desabamento. O Papa Júlio II designa Bramante como o autor do novo projeto de São Pedro – Bramante “faz de São Pedro uma ampliação em escala gigantesca do tema desenvolvido em escala humana em São Pedro de Montorio, multiplicando sete ou oito vezes as dimensões deste, cujo centro coroado por uma cúpula é o tema de partida da nova igreja” (PEREIRA, op.cit., p. 149). A Basílica de São Pedro, considerada a mais sagrada de todas as igrejas e ainda hoje uma das maiores construções humanas, levou mais de 100 anos para se completar e empregou diversos arquitetos, dentre os mais renomados do período. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a0/Trastevere_-_san_Pietro_in_Montorio_00700.JPG http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a0/Trastevere_-_san_Pietro_in_Montorio_00700.JPG http://www.romeapartments-directory.info/images/S.Pietro-in-Montorio-tempietto-Bramante-interno-da-m10.jpg http://www.romeapartments-directory.info/images/S.Pietro-in-Montorio-tempietto-Bramante-interno-da-m10.jpg 27 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 22: Vista da fachada da Basílica de São Pedro. Fonte: http://media-cdn.tripadvisor.com/media/photo-s/01/09/35/29/st-peter-s-basillica.jpg Bramante foi o responsável pela concepção da planta original, em formato de cruz com plano central. Esta configuração do espaço foi surpreendente, considerando-se que a concepção de igreja tradicionalmente esteve vinculado a um espaço longitudinal. “Com o papa adotando esse símbolo de mundanismo em sua própria igreja, o espírito do humanismo havia realmente penetrado no mais interior da fortaleza da resistência cristã” (PEVSNER, 2002, p. 206). A pedra inaugural da nova igreja foi assentada quando Bramante já tinha 60 anos, em 1504. Seu projeto era em formato de uma cruz grega, com quatro absides, tão simétrica que, na planta, nada indica qual das absides deveria abrigar o altar-mor. O domo principal deveria ser acompanhado por domos menores sobre cada uma das capelas de canto, e por torres nos cantos mais exteriores. http://media-cdn.tripadvisor.com/media/photo-s/01/09/35/29/st-peter-s-basillica.jpg 28 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 23 (à esq.): Projeto original de Bramante. Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_CijcaA9yq58/SwdZ34mAs1I/AAAAAAAAEPU/mP_ZfTcfUpA/s1600/Bramante%3 B+plan+for+St.+Peter%27s.jpg Fig. 24 (à dir.): Planta alterada por Michelangelo. Fonte: http://100swallows.files.wordpress.com/2009/06/michelangelos-design-st-peters.jpg No interior, Bramante retoma o tema do arco de triunfo de Alberti, apoiando a cúpula sobre duas naves clássicas abobadadas,em formato de cruz grega3. Os braços da cruz terminam em absides semicirculares e com varios pórticos no exterior. Em suma, todo o seu projeto original relembra as ideias de Leonardo da Vinci que tanto haviam-no influenciado no início de sua carreira. Devido às imensas proporções deste empreendimento, tanto o Papa Júlio II quanto Bramante haviam morrido, e a construção se arrastava. Depois da atuação de uma série de arquitetos – nove ao todo – o Papa Paulo III encarrega o pintor e escultor Michelangelo de terminar a obra. Michelangelo reforma o projeto inicial de Bramante, deslocando o eixo do quadrado e 3 A cruz grega tem todos os braços com as mesmas dimensões, enquanto a cruz latina tem o eixo vertical mais longo que o eixo horizontal. http://1.bp.blogspot.com/_CijcaA9yq58/SwdZ34mAs1I/AAAAAAAAEPU/mP_ZfTcfUpA/s1600/Bramante%3B+plan+for+St.+Peter%27s.jpg http://1.bp.blogspot.com/_CijcaA9yq58/SwdZ34mAs1I/AAAAAAAAEPU/mP_ZfTcfUpA/s1600/Bramante%3B+plan+for+St.+Peter%27s.jpg http://100swallows.files.wordpress.com/2009/06/michelangelos-design-st-peters.jpg 29 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o eliminando as três entradas lateriais. Com isso, ele elimina as sacristias alojadas nas torres e transforma a cúpula, deixando-a muito mais elegante. A cúpula projetada por Michelangelo e executada por Giacomo della Porta, após a morte de Michelangelo, tinha dimensões iguais à do Panteão romano, com 42 metros de diâmetro. A Catedral é elevada até alcançar 131 metros, tornando a sua cúpula um marco referencial na cidade de Roma. O tambor da cúpula é ressaltado com pares de colunas e frontões triangulares e curvilíneos alternados. Michelangelo também limita a ornamentação das fachadas exteriores da catedral, feitas por gigantescas pilastras lisas. Não há nada de escala humana e de proporção e modelação típicas da Baixa Renascença. Devido à gigantesca dimensão das colunas, que se erguem por dois andares de um edifício, deu-se a elas a denominação de ordem gigantesca (GLANCEY, 2007, p. 73). Fig. 25 (acima): Detalhe da cúpula projetada e executada por Michelangelo. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_CijcaA9yq58/SxCf2iTyfDI/AAAAAAAAEXc/B0hKV_ZB6EA/s1600/StPeters_dom e_crop.jpg Fig. 26: O interior da Basílica, requintadamente decorada. Destaque para a escala monumental. Fonte: http://neatorama.cachefly.net/images/2007-05/st-peter-basilica-ceiling.jpg http://3.bp.blogspot.com/_CijcaA9yq58/SxCf2iTyfDI/AAAAAAAAEXc/B0hKV_ZB6EA/s1600/StPeters_dome_crop.jpg http://3.bp.blogspot.com/_CijcaA9yq58/SxCf2iTyfDI/AAAAAAAAEXc/B0hKV_ZB6EA/s1600/StPeters_dome_crop.jpg http://neatorama.cachefly.net/images/2007-05/st-peter-basilica-ceiling.jpg 30 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o “O resultado é uma construção muito grande, muito rica, e, ao fim, inapreensível (...) Trata-se de uma priorosa peça de escultura que beira o barroco e une a vasta construção vestida de mármore que se estende abaixo. São Pedro continua a ser uma das maiores construções do mundo – a catedral de São Paulo, em Londres, caberia dentro dela folgadamente – e um monumento à ambição e à riqueza dos papas renascentistas, particularmente o grande patrono do início do século XBI, o papa Júlio II. Representa os esforços combinados de pelo menos nove importantes talentos da arquitetura, que incluem Bramante, Rafael e Michelangelo, e levou 120 anos para ser construída” (GLANCEY, idem). Maneirismo O maneirismo foi um termo criado para designar algumas obras da pintura na segunda metade do séc. XVI. Apesar de em seu período ter designado obras artísticas com um certo tom pejorativo, a partir de 1940, com a revisão da história da arte e da arquitetura, o termo maneirista é utilizado para distinguir importantes mudanças na arte da Alta Renascença em relação ao que passou a ser feito no final do séc. XVI. A Alta Renascença distingue-se pelo seu equilíbrio e harmonia. Já o Maneirismo é seu oposto: é a arte do desequilíbrio e da dissonância, variando entre a emoção que distorce, à disciplina que anula. Para alguns autores, como GLANCEY (2001), o maneirismo é uma transição para o barroco. “Os maneiristas eram ilusionistas que tratavam a arquitetura como um jogo elevado, e há poucos jogos mais elevados do que os que Romano jogou no Palazzo del Te, Mântua (de 1525 em diante), onde encontramos elementos e detalhes clássicos misturados de uma maneira que, de um ponto de vista historicamente correto ou vitruviano, nunca deviam estar. A arquitetura estava passando dos domínios cívicos e eclesiástico para o domínio privado e, à medida que o fazia, começava a se tornar mais leve; de meados do século XVI em diante, podemos ver os arquitetos começando a se divertir” (GLANCEY, op.cit., p. 75) 31 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 27: Palazzo del Té (1525-) “Construído por Giulio Romano para os duques Gonzaga, este extraordinário palácio era a villa da família. Romano foi pintor e arquiteto de Gonzaga, e a extravagante decoração interior, aqui na Loggia de Davide, foi executada por sua oficina” (GLANCEY, idem). Fonte: http://www.cartage.org.lb/en/themes/arts/Architec/RenaissanceArchitecture/HistoryMannerismArchitecture/ PalazzoDelTe/pcd0471.jpg Reflexo das tensões sócio-políticas decorrentes entre o questionamento da Igreja e seu enfraquecimento (que levaram, nesta época, à Reforma Protestante), o maneirismo rompe com a autoconfiança da arquitetura renascentista e recorre ao ecletismo, às academias e à variedade. “O Maneirismo representa o gosto de uma época que colore a linguagem clássica e enriquece seu vocabulário, invertendo deliberadamente as normas clássicas coom um desejo revisionista de romper modelos e menosprezar a perfeição clássica uma vez alcançada” (PEREIRA, op.cit., p. 150). A escala passa novamente a ser um problema a ser resolvido, e no Maneirismo o experimentalismo leva os arquitetos a brincar com elementos de escala diferentes colocados em justaposição imediata. Este jogo leva a uma tensão que torna o espaço dinâmico, impelindo e retraindo o observador. De certa forma, Michelangelo foi quem iniciou essa vocação para o rompimento com os paradigmas clássicos, e sua arquitetura já é considerada maneirista: há um desprezo pelas convenções e sua arquitetura frequentemente se submetia a seus caprichos ou a seus estados de espírito. http://www.cartage.org.lb/en/themes/arts/Architec/RenaissanceArchitecture/HistoryMannerismArchitecture/PalazzoDelTe/pcd0471.jpg http://www.cartage.org.lb/en/themes/arts/Architec/RenaissanceArchitecture/HistoryMannerismArchitecture/PalazzoDelTe/pcd0471.jpg 32 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Os artistas buscavam novas sensações: ao invés do equilíbrio e da calma, agora há a busca pelo surpreendente, o inesperado, o insólito. Na Biblioteca Laurenziana vemos este tipo de tensão dinâmica. A biblioteca foi projeto de Michelangelo para o Cardeal Giulio Medici, e mostra um pouco das experimentações de Michelangelo na arquitetura. A Biblioteca possui uma antecâmara alta e estreita, quase totalmente dominada por uma ampla escadaria tripartida. As paredes internas desta antecâmara consistem em ordens sobrepostas, com falsas janelas encimadas por frontões e imensas colunas duplas que são apenas decorativas – não têm função estrutural. A porta que leva à biblioteca propriamente dita é, comparativamente, de pequenas dimensões, levando a um ambiente diverso: comprido e baixo. A antecâmaratraz, portanto, proporções que incomodam o equilíbrio sereno do clássico. Essas sensações ambíguas são típicas do maneirismo. Fig. 28: Antecâmara da Biblioteca Laurenziana, de Michelângelo. A escada tripartida que domina o ambiente alto e estreito é celebrada e muito copiada nos anos seguintes. Fonte: http://www.agisoft.it/Arte/3/a/bg/a3050101.jpg http://www.agisoft.it/Arte/3/a/bg/a3050101.jpg 33 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Segundo Bruno Zevi, “Michelangelo não inicia o período barroco, como ainda repetem tantos manuais de história da arte. Ele concretiza o drama da segunda metade do século XVI, que pretende mover a cerrada espacialidade estática, que combate sem a infringir (...) A entrada na Laurenziana de Florença, onde as colunatas gigantes já não se inserem repousadamente na parede e no volume, mas são o símbolo plástico de uma necessidade de os fragmentar – de alargar, de abrir, e de romper – onde a própria escadaria irrompe e domina no pequeno ambiente como se quisesse transmitir em sua estereometria estática um grito de revolta, é o arquétipo da obra de Michelângelo (...) Michelangelo escultor não pôde abandonar o espaço quinhentista em nome de um novo tema, mas o alterou, subverteu-lhe, no maior drama da história arquitetônica, os volumes e as paredes. Colocado em crise o invólucro mural, o artista deteve-se, mas havia aberto caminho ao espaço barroco.” (ZEVI, 2009, pp. 113-114) Fig. 29: Planta e elevação da Biblioteca Laurenziana: à direita, vemos o volume mais baixo e comprido da biblioteca, acessada pela vasta escada que domina o ambiente da direita, a antecâmara que vimos na figura 28. Fonte: http://www.archweb.it/dwg/architetture_del_passato/biblioteca_ laurenziana/biblioteca_laurenziana.jpg http://www.archweb.it/dwg/architetture_del_passato/biblioteca_%20laurenziana/biblioteca_laurenziana.jpg 34 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 30: Salão principal da biblioteca. Fonte: http://www.roma- antica.co.uk/custom/3bibliot.jpg Porém, nesta fase surge um dos arquitetos mais referenciais do Renascimento, mostrando que este período conflitante do Maneirismo trazia posições diversas: o passional e conflitante, como vemos na obra de Michelangelo; com a racionalidade e objetividade da obra de Andrea Palladio (1508-1580). Palladio foi, sem dúvida, o mais importante arquiteto da geração que seguiu a de Bramante – e pode-se afirmar sem pudor que seja um dos arquitetos mais influentes através dos séculos, cujo estilo pessoal inspirou um movimento chamado “palladianismo”, principalmente no século XVIII. A obra de Palladio tem relevância em duas frentes: por um lado, sua contribuição teórica, por meio de seu importante tratado Ill quattro libri dell’architettura (Os quatro livros da arquitetura), publicado em 1570. Este tratado foi reimpresso diversas vezes e figura como sendo uma das mais importantes referências que dão base à arquitetura do neoclassicismo, em anos posteriores e em países tão diversos quanto a Inglaterra e os Estados Unidos e presta homenagem a Vitruvius, atualizando seus pensamentos e afirmando que “os romanos ainda não foram superados nas construções posteriores a eles” (PALLADIO apud MARTON et al, 2008, p. 6). Por outro lado, sua prática também foi extremamente relevante, especialmente as grandes sedes de fazenda ao redor de Vicenza, chamadas de ville4; e imponentes casas urbanas, os palazzi. Embora quase não tenha 4 Ville, em italiano, é o plural de casas de campo ou fazenda. O singular é “villa”. Quanto aos imponentes edifícios urbanos em que moravam as famílias abastadas, os palazzi (plural), seu singular é “palazzo”. http://www.roma-antica.co.uk/custom/3bibliot.jpg http://www.roma-antica.co.uk/custom/3bibliot.jpg 35 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o projetado igrejas, dois exemplos em Veneza destacam-se como exemplos relevantes de igrejas maneiristas. Para Glancey, Palladio pode ser considerado também o primeiro arquiteto “moderno”, pois foi treinado como pedreiro em Pádua, antes de ser enviado a Roma por um rico protetor, o humanista Gian Giorgio Trissino (GLANCEY, op.cit., p. 76). Aliou a seus conhecimentos profundos de construtor os estudos minuciosos das ruínas em Roma (publicados em um livro As Antiguidades de Roma em 1554) e dos tratados de Vitruvius, Alberti, e outros. Assim, ao contrário dos outros arquitetos do Renascimento (sempre primariamente pintores, ou escultores, ou intelectuais), Palladio considerava a arquitetura sua profissão e sua grande paixão, e conhecia todos os aspectos do processo projetual e construtivo como ninguém. Fig. 31: Capa da primeira edição de Quatro Livros da Arquitetura, o Tratado de Palladio publicado em 1570. Fonte: http://i575.photobucket.com/albums/ss195/mariacookottawa/QuattroLibri.jpg Uma das principais características deste período do Renascimento é o gradual aumento da importância de construções seculares, isto é, não religiosas. “Chamavam [Palladio] para projetar, de modo quase exclusivo, casas urbanas e de campo, palazzi e ville, e é bem significativo que os efeitos de grande alcance de seu estilo possam ser demonstrados sem se recorrer à análise de suas igrejas. Com efeito, a partir da Renascença, a arquitetura secular tornou-se tão importante como veículo de expressão visual quanto a http://i575.photobucket.com/albums/ss195/mariacookottawa/QuattroLibri.jpg 36 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o arquitetura religiosa, até que durante o século XVIII estabeleceu-se a predominância de construçoes residenciais e públicas sobre as igrejas” (PEVSNER, 2002, p. 217). O estilo de Palladio atraía a clientela da elite pela sua “elegante serenidade”, que apelava para o “gosto civilizado e para a instrução refinada da pequena aristocracia georgiana, mais do que o de qualquer outro arquiteto” (PEVSNER, idem). É uma arquitetura pautada em princípios compositivos clássicos (o gosto pela simetria, pela proporção, pelas ordens), e requintadamente ornada com esculturas e relevos. A mais famosa villa projetada por Palladio é a Villa Capra, também conhecida como La Rotonda (1550-1554). Construída nos arredores de Vicenza, a casa se destaca pela sua simetria absoluta, e pelas quatro fachadas rigorosamente idênticas. Considerada “uma realização perfeitamente acadêmica de alta perfeição” (PEVSNER, op.cit., p.221), esta casa é certamente a construção mais copiada ao longo da História, como veremos na Unidade 6. Fig. 32: Vista da Villa Capra atualmente. Fonte: http://www.studioesseci.net/allegati/eventi/19/3_La%20Rotonda.JPG A Villa Capra não é conhecida por seu conforto, mas principalmente pela sua solenidade e nobreza – suas colunas jônicas, seus quatro frontões, suas poucas aberturas, as janelas com frontões dispostas de forma sábia e o domo central inspirado no do Panteão romano. Mas, segundo Pevsner, há um outro http://www.studioesseci.net/allegati/eventi/19/3_La%20Rotonda.JPG 37 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o fator que a torna tão importante na História da Arquitetura: “... para se apreender a totalidade da composição de Palladio para uma villa, é preciso acrescentar a esse núcelo as colunatas curvas e as alas baixas que formam o elo entre a villa e a área aoredor. Essa atitude abrangente viria a ter grande consequência história. Aqui, pela primeira vez na história da arquitetura ocidental, a paisagem e o edifício foram concebidos como pertencentes um ao outro, como dependentes um do outro. Aqui, pela primeira vez, os eixos principais de uma casa continuam pela natureza adentro; ou, inversamente, um espectador situadodo lado de fora vê a casa estendendo-se como se fosse um quadro, fechando a perspectiva” (PEVSNER, op.cit, pp. 221- 222). 38 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Fig. 33: Planta e Corte da Villa Capra, em desenhos produzidos pelo próprio Palladio e publicado em seu tratado Os quatro livros da arquitetura. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4c/Palladio_La_Rotonda_.png/399px- Palladio_La_Rotonda_.png Ao contrário da maior parte das residências de campo projetadas por Palladio, a Villa Capra não é prática – foi projetada para ser “um refúgio da vida agitada da cidade para um cavalheiro rico que dispunha de tempo para ir até lá ler, beber vinhos e contemplar a vista dos quatro lados da casa” (GLANCEY, op.cit., p 77). Além da Villa Capra, Palladio projetou inúmeras outras casas de campo, muitas das quais foram minuciosamente representadas em desenhos técnicos feitos pelo próprio arquiteto e publicados em seus livros. É bastante interessante procurar outros exemplos de casas de campos projetadas por Palladio, dada sua influência e a qualidade de sua arquitetura. Quanto aos palazzi, os edifícios urbanos que serviam de morada a famílias importantes, podemos destacar o Palazzo Chiericati. “Em seu Palazzo Chericati, iniciado em 1550, o dórico-toscano e a correta ordem jônica da tradição de Bramante, com seus entablamentos retos, são inconfundíveis. Mas a liberdade em colocar na fachada aquilo que fora confinado aos pátios dos palácios romanos, abrindo assim a maior parte da fachada e mantendo apenas uma parte compacta no centro do primeiro andar, cercada de ar por todos os lados – isso é característico de Palladio. Senta-se particularmente atraído pelas colunatas em suas casas de campo, onde as usava para conectar um bloco quadrado central com as alas que se projetavam” (PEVSNER, op.cit., p. 219) Fig. 34: Palazzo Chiericati, vista externa. Fonte: http://farm1.static.flickr.com/96/2266 24842_47c7be279c.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4c/Palladio_La_Rotonda_.png/399px-Palladio_La_Rotonda_.png http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4c/Palladio_La_Rotonda_.png/399px-Palladio_La_Rotonda_.png http://farm1.static.flickr.com/96/226624842_47c7be279c.jpg http://farm1.static.flickr.com/96/226624842_47c7be279c.jpg 39 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Palladio projetou também alguns edifícios cívicos importantes, como a Basílica (Palazzo della Ragione, de 1549, sua primeira obra de grande envergadura) e o Teatro Olímpico (1580) – ambos em Vicenza. Fig. 32: O Palazzo della Ragione, conhecido como Basílica, localizado na cidade de Vicenza. Fonte: http://www.palladio2008.info/repository/gallery/img1/basilica_1.jpg Fig. 33: Desenho representando os detalhes construtivos da fachada da Basílica, com seu ritmo constante, e seus detalhes esculturais. Fonte: http://farm3.static.flickr.com/2030/2073186552_7ed7c254e1.jpg O Teatro Olímpico foi o primeiro teatro permanente a ser projetado desde a Antiguidade. Fig. 34: Interior do Teatro Olímpico. Fonte: http://i33.tinypic.com/nn0k87.jpg http://www.palladio2008.info/repository/gallery/img1/basilica_1.jpg http://farm3.static.flickr.com/2030/2073186552_7ed7c254e1.jpg http://i33.tinypic.com/nn0k87.jpg 40 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o Em Veneza, Palladio projetou duas igrejas interessantes: San Giorgio Maggiore (a partir de 1565) e Il Redentore (a partir de 1577). Foi construída ao fim de uma epidemia terrível, pelas autoridades venezianas. Fica na Giudecca, de frente para o canal. Fig. 35: Vista da Igreja Il Redentore. Fonte: http://lh4.ggpht.com/_X77CC2EG6UQ/S5ZS4Wncj_I/AAAAAAA ABas/ryaSp53YLY4/s512/palladio-ilredentore.jpg Sua fachada exibe pelo menos cinco frontões romanos sobrepostos, e seu domo semicircular faz um contraste com a Praça de São Marcos e sua igreja medieval. É uma obra-prima maneirista, no aspecto de que a composição complexa dos elementos da fachada e das cúpulas e torres leva um tempo para ser decifrada e compreendida. O urbanismo A imagem do mundo (imago mundi) e suas formas urbanas (imago urbis) do Renascimento é baseada no que os arquitetos compreendiam do texto de Vitruvius e das ruínas das urbes romanas. Assim, a tratadística renascentista terá íntima relação com a utopia urbana, a cidade “ideal”. Esta cidade idealizada deveria, no discurso renascentista, ser subordinada à ordem e à disciplina geométrica e ter um caráter unitário e racional. “Alberti já havia definido a cidade como uma grande casa e a casa como uma pequena cidade” (PEREIRA, op.cit., p. 132). No entanto, embora na arquitetura houvesse ainda alguns fragmentos de monumentos romanos nos quais os arquitetos renascentistas podiam se basear, a imago urbis já era mais difícil de se formar, visto que todos os exemplos de cidades romanas já haviam sido transformados ao longo do tempo, e, portanto, perdidos. Em realidade, segundo Lamas, o urbanismo absorve lentamente as mudanças estéticas e espaciais, se http://lh4.ggpht.com/_X77CC2EG6UQ/S5ZS4Wncj_I/AAAAAAAABas/ryaSp53YLY4/s512/palladio-ilredentore.jpg http://lh4.ggpht.com/_X77CC2EG6UQ/S5ZS4Wncj_I/AAAAAAAABas/ryaSp53YLY4/s512/palladio-ilredentore.jpg 41 U n id a d e : A rq u it e tu ra n o R e n a s c im e n to : a v o lt a d o c lá s s ic o desenvolvendo apenas em termos teóricos, desde a concepção da cidade ideal até tratados que discorriam sobre desenho das cidades (LAMAS, 2000, p. 168). A busca pela cidade ideal do Renascimento será uma criação intelectual, que não se realizou (salvo em alguns raros exemplos de cidades primordialmente militares), porém deita as bases para o desenvolvimento do projeto urbano nos séculos que se seguem. Esta cidade renascentista é uma utopia, definida por Pereira como uma visão unificada da cidade como espaço, mas também como o lugar em que se desenvolve uma estrutura política e social idealizada. Este modelo independe de um lugar, tempo ou acontecimento específico – é um modelo idealizado que poderia se aplicar em qualquer ponto do planeta, em qualquer época na História (PEREIRA, op.cit., p. 133). A cidade renascentista é uma cidade idealizada, como é o caso da famosa Utopia, obra do renascentista Thomas Morus, publicada em 1516, em que ele descreve uma sociedade ideal que se desenvolveria numa ilha (ver fig.) Diferente da forma retangular ou quadrada que se estabeleceu na tradição clássica do desenho urbano grego e romano, a cidade regular do Renascimento tende à forma circular – geralmente uma planta em forma de círculo ou octógono. “A forma radiocêntrica consubstancia esta perfeição geométrica, como na proposta de Filarete [fig. 36], em que radiais ligam as portas da cidade ao seu centro-praça – lugar dos edifícios públicos. A forma radiocêntrica é objeto de numerosas especulações renascentistas que a perfilham par ao traçado da „cidade ideal‟” (LAMAS, idem). O interior varia de autor para autor: alguns propõem o traçado tradicional em forma de tabuleiro de damas; enquanto outros seguem o raciocíonio de dispor as vias internas também de forma radiocêntrica. 42 U n id a d e : A rq
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