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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ- UECE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS- CESA CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DISCIPLINA: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS TEÓRICO METODOLÓGICOS DE SERVIÇO SOCIAL II PROFESSORA: ELIVÂNIA MORAIS Síntese reflexiva sobre a crítica ao documento de Araxá Juliana Santos da Silva FORTALEZA 2021 Contexto Histórico Durante o final dos anos de 1950 o Brasil estava passando pela fase de industrialização pesada que significa privilegiar a expansão do capital e como consequência disso a questão social estava cada vez mais latente, a demanda por assistentes sociais crescia e com esse crescimento os profissionais começaram a repensar as suas práticas. Na década de 60 o Brasil passou por um processo de mudanças sociais, políticas e econômicas essas mudanças refletiram também no Serviço Social. Foi durante o período autocrático burguês que começou a ser requisitado profissionais mais racionais, com menos ligação com a Igreja Católica, mais tecnocráticos e eficientes, que pudessem reprimir e controlar as expressões da questão social. Essa requisição por parte da autocracia burguesa trouxe mudanças em dois níveis na prática profissional e na formação e essas mudanças contribuíram para a continuidade do processo de renovação do Serviço Social. No ano de 1965, nesse período, não só o Brasil mas também alguns países da América Latina estava vivenciando uma série de golpes ditatoriais, esses golpes atrapalhavam o desenvolvimento de um pensamento mais crítico no Serviço Social. O movimento de renovação/reconceituação da profissão vinha acontecendo em diversos países da América Latina mas com as ditaduras esse processo se deu de maneira gradual. A renovação do Serviço Social é um processo em que vai-se pensar em uma possibilidade de construir uma nova identidade profissional, não é um processo hegemônico pois existem vertentes que pensavam de formas diferentes de como seria essa nova identidade e como construí-la. As três principais vertentes são modernização conservadora, reatualização do conservadorismo e intenção de ruptura. É na perspetiva de modernização conservadora em que o documento de Araxá vai ser produzido e assim reafirmar o seu posicionamento. Documento de Araxá O documento de Araxá foi produzido durante o primeiro seminário de teorização do Serviço Social que aconteceu em Minas Gerais na cidade de Araxá, na semana de 19 a 26 de março de 1967, contou com a presença de 38 assistentes sociais e foi organizado pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS). Após momentos de reflexões/discussões/debates foi publicado o documento de Araxá, este documento é a afirmação da perspectiva da modernização conservadora. Os eixos de discussão do seminário foram: Qual a natureza do Serviço Social, Serviço Social de caso, grupo, no trabalho com as comunidades e administração de programas. O documento tem influências do positivismo e funcionalismo, também, demonstra uma perspectiva de desenvolvimento e considera o Serviço Social como uma técnica social. Para os assistentes sociais que produziram esse documento, a prática profissional deve ter um caráter preventivo e corretivo com o objetivo de desenvolver as potencialidades do indivíduo, grupo, comunidade com quem o profissional trabalha. Essa vertente traz a culpa da questão social para o indivíduo o responsabilizando para sair de sua condição de pobreza. O documento vai trazer qual deve ser a metodologia usada no Serviço Social de caso, grupo e no desenvolvimento de comunidade, em todos estes o profissional tem o dever de capacitar os indivíduos. Crítica ao Documento de Araxá José Paulo Netto no livro “Ditadura e Serviço Social” traz a sua crítica ao documento de Araxá, ele faz isto trazendo vários trechos do documento para melhor explicitar. O autor inicia o texto mostrando que entre os assistentes sociais, que participaram do seminário e da elaboração de Araxá, tinha um consenso de que a prática profissional do Serviço Social é caracterizada pela atuação com indivíduos e famílias desajustadas e esses desajustamentos aconteciam por causa das estruturas sociais inadequadas. O profissional por atuar com os “desajustados” teria que ter práticas corretivas e preventivas com a finalidade de promover e habilitar os indivíduos para atingir as suas potencialidades e assim o Serviço Social contribuiria para o processo de desenvolvimento. O documento traz uma tensão entre o tradicional moderno pois o processo de desenvolvimento exige um profissional que desempenhe novos papéis e para isso a profissão teria que romper com o tradicionalismo, para Netto não há um rompimento com o tradicional o que aconteceu foi uma mudança de bases, antes o tradicionalismo do Serviço Social no Brasil tinha a sua base na Igreja Católica. “O escopo do documento...vai na direção desse "rompimento", entendido aí como a ruptura com a exclusividade do tradicionalismo; realmente, não há rompimento: há a captura do "tradicional" sobre novas bases”. (NETTO, 2015, p.218) Essa não ruptura com o tradicionalismo fica claro quando o documento traz os objetivos remotos e os objetivos operacionais que são vistos por esses assistentes sociais, da vertente modernizadora, como uma operacionalização moderna. O autor mostra que o documento traz uma diferenciação entre o os postulados e os princípios operacionais para tentar combater o tradicionalismo do Serviço Social, estes “representam os pressupostos éticos e metafísicos para a ação do Serviço Social” (CBCISS, 1986, p. 29), aqueles são “normas de ação de validade universal à prática de todos os processos do Serviço Social” (CBCISS, 1986, p. 29). Segundo o autor os postulados são a-histórico, abstratos e derivam do pensamento neotomista mas o documento sai dessa perspectiva neotomista ao afirmar que o peculiar do Serviço Social é o seu enfoque orientado por uma visão global do homem (CBCISS), essa globalidade do homem que o documento traz é alvo de crítica do José Paulo Netto pois, para o autor, o documento não trouxe um aprofundamento dessa perspectiva. Dentro dessa perspectiva da globalidade do homem o documento analisa os níveis de atuação e traz o nível de microatuação, que é “essencialmente operacional” (CBCISS, 1986, p. 31), e de macroatuação que “compreende a integração das funções do Serviço Social no nível de política e planejamento para o desenvolvimento” (CBCISS, 1986, p. 31). É nesse momento que o autor vai fazer mais uma crítica ao documento, pois segundo documento de Araxá o nível de macroatuação é o “modus operandi” do Serviço Social em que o profissional deve “a) participar de todas as fases de programação para o macroplano; b) formular a metodologia e estratégia de ação para elaborar e implementar a política social; c) planejar e implementar a infraestrutura social” (CBCISS, 1986, p. 32) mostrando que o assistente social é visto como um super profissional que executa as políticas sociais com a finalidade de ajudar os indivíduos a atingir as suas potencialidades e para Netto essa é uma visão negativa que não contribui para a profissão, os profissionais não devem somente executar as políticas públicas mas também “Devem ser capazes, também e, sobretudo, de formulá-las e geri-Ias.” (NETTO, 2015, p. 223). Outra crítica do autor ao documento se dá pelo fato de que o documento promete trazer uma análise da realidade brasileira mas essa análise se dá de forma acrítica e sem um aprofundamento da real realidade brasileira e, segundo o autor, isto aconteceu pelo fato de os assistentes sociais dessa perspectiva modernizadora estarem fazendo um silêncio diplomático. São várias e válidas ponderações que José Paulo Netto traz sobre o documento de Araxá que contribui para o entendimento, de forma crítica, de como os assistentes sociais da perspectiva modernizadora pensava, o motivo de pensarem de tal maneira e quais eram as influências que os dominavam. Considerações Finais É muito importante para os estudantesde Serviço Social estudar entender o documento de Araxá pois ele é necessário para compreendermos o que foi e como se deu o movimento de reconceituação no Brasil e esse estudo deve se dar de forma crítica para desenvolver o nosso senso crítico que é muito importante para a nossa formação. É, também, necessário para quando estivermos atuando como assistentes sociais, pois vai nos ajudar a não voltar atuar da forma como o documento de Araxá aconselha. É preciso que a nossa prática se dê de forma crítica, sem cair no assistencialismo para que possamos garantir que os usuários saibam e tenham acesso aos seus direitos. O documento de Araxá traz a culpa da questão social para os indivíduos que são socialmente abastados e esse tipo de pensamento é raso e contribui somente para o crescimento das desigualdades sociais, é bastante prejudicial para os usuários assistentes sociais que contribui com esse tipo de posicionamento. Referências NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 17. ed. são paulo: cortez, 2015. p. 217-229. CENTRO BRASILEIRO DE COOPERAÇÃO E INTERCÂMBIO DE SERVIÇOS SOCIAIS (CBCISS). Teorização do Serviço Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1986. p. 9-45
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