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37 - Revolução cubana de José Martí a Fidel - Castro Abelardo Blanco

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Prévia do material em texto

==lIITURAS~=-lill~[(]~
Abelardo Blanco
Carlos A. Dória
• Acumulação Dependente e Subdesenvolvimento - André G.
Fmnk ~
• A Igreja dos Pobres na América Latina - Fund. SP/PUC
• Desafios ao Capitalismo - John G. Gurley
• Historiografia do Imperialismo - Cad. História 4
• Questão Nacional e Marxismo - Jaime Pinsky
Coleção Primeiros Passos
• O que é Comunismo - Ama/do Spinde/
• O que é História - Vavy Pacheco Borges
• O que é Imperialismo - Afrânio Mendes Catani
• O que é Revolução - F/orestan Femandes
• O que é Socialismo - Ama/do Spinde/
• O que é Subdesenvolvimento - Homcio González
Coleção Tudo é História
• A Afro-América: A Escravidão do Novo Mundo - Ciro
F/amarion Cardoso
• A Formação do 3? Mundo - Ladis/au Dowbor
• A Guerra Fria - Déa R. Fene/on
• As Independências na América Latina - Leon Pomer
• A Nicarágua Sandinista - Marisa Marega
• América Central: Da Colônia à Crise Atual - Héctor P.
Brigno/i
• O Populismo na América Latina - Maria Lígia Prado
• Militarismo na América Latina - Clóvis Rossi
Coleção Primeiros Vôos
• Acumulação Capitalista na América Latina - Hector Bruit
REVOLUÇÃO CUBANA: ~
DE JOSÉ MARTI
A FIDEL CASTRO
(1868-1959)
1~ edição 1982
2~ edição
jal3
4OanosdeboVv~ I C A M P
R I B LI O T E C;\ ( f. rJ T R A l
Copyright ©Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
Capa:
123 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Caricatura:
Emílio Damiani
Revisão:
José E. Andrade
C 1 a 88 i f .pf2.,~Jqç,4
A u t o r T:..§.;)..3..~ .
V ~:.I.:-:.~ ..: Ex .
T..olIl.b.Q... BC/ ..l..'S.~~..ª.~.
--:c-Fc W1353~,.--_ ........................•.....••••..... ,.- "' .
1)'N ...~~ ?.~\t ~60
lw
editora brasiliense s.a.
01223 - r. general jardim, 160
são paulo - brasil
INDICE
Introdução 7.
A guerra de independência e a presença ame-
ricana 11\
O pós "guerra e a ditadura de Machado 28
Do "Governo dos Cem Dias" ao golpe de Batista 45
A luta revolucionária contra Batista .. . . . . . . . . 58
A guerrilha implanta-se na Sierra Maestra 74
A ofensiva final e a tomada do poder 92
Indicações para leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 106
1t
,
Para Hélio Dutra, cúmplice deste livro
Para Fernanda e Marion
INTRODUÇÃO
"Venga mi caballero
Por esta senda!
Êntrese mi tirano
Por esta cueva!"
José Martí, Príncipe Enano)
A história de Cuba é a história ~e um povo em
luta incessante Ipela autodeterminação. De todas as
repúblicas latino-americanas foi a que conheceu a
dominação colonial mais prolongada e, quando se li-
bertou do jugo espanhol, o mundo já entrava na fase
do imperialismo. Por determinação histórica e geo-
gráfica, sofreu dramaticamente os efeitos da incon-
tida expansão do império norte-americano. Não seria
portanto exagero atribuir ao caráter permanente
desta luta a projeção continental dos líderes que nela
se destacaram em suas várias fases, como José Martí,
Che Guevara e Fidel Castro. Estes heróis da história
cubana tornaram-se, assim como Simon Bolívar,
8
símbolos e portadores de uma esperança universal
num continente que ainda hoje se debate na luta
contra a dominação estrangeira.
No entanto, a impressionante capacidade de li-
derança destes expoentes da revolução cubana de-
corre do fato de terem sido, permanentemente, intér-
pretes fiéis dos sentimentos populares, capazes de
identificar, mesmo nos reveses temporários, os sinais
dos novos caminhos a trilhar. Do lado das forças
populares, é bem provável que o negro fugido que
compunha o Exército Mampi em luta contra os espa-
nhóis, no século passado, desejasse a mesma coisa
que o camponês que aderiu ao Exército Rebelde para
colocar fim à ditadura de Fulgêncio Batista, em
1959. Ê por isso que na história de Cuba não se
encontram grandes soluções de continuidade na
orientação daqueles que dirigiram a luta emancipa-
cionista. Fidel Castro, em seu curto exílio após o
ataque ao quartel de Moncada, cumpriu deliberada.
mente o mesmo roteiro antes feito por José Martí.
Quando desembarcou do iate Granma em 1953, pro-
veniente do México, estava realizando um plano frus-
trado concebido pelo dirigente comunista Júlio An-
tonio Mella cerca de duas décadas antes. Sem dú-
vida, parcelas expressivas do povo cubano viam nos
combatentes do Movimento 26 de Julho os continua-
dores da obra daqueles heróis e nada mais natural,
portanto, que eles também se vissem assim.
Mas o propósito deste pequeno livro não se re-
sume a mostrar a continuidade histórica que há na
luta do povo cubano no último século. Procura-se
Revolução Cubana: deJosé Marti a Fidel Castro
também evidenciar que a ruptura conquistada frente
ao imperalismo não foi, ao contrário do que vulgar-
mente se pensa, obra de um pequeno grupo de abne-
gados que, 'sob uma disciplina férrea e com grande
determinação, soube levar o povo à vitória militar.
Desde a década de 30 Cuba viveu uma crise revolu-
cionária mais ou menos permanente onde as gran-
des. massas, rurais e urbanas, sempre estiveram à
frente das principais conquistas arrancadas à débil
burguesia tributária do imperialismo. Quando o
movimento de massas arrefecia, era à custa de uma
repressãe cruel que encontra paralelos na história de
poucos países.
Além disso, acreditamos que Cuba não gerou
um "modelo de revolução" que fosse exportável. Esta
imagem falsa da revolução deve-se, por um lado,
à propaganda ideológica patrocinada pelos enormes
interesses mundiais contrariados pela revolução e,
por outro, às esperanças que ela despertou em imen-
sas parcelas da juventude latino-americana durante a
década de 60. Tentando desencadear outras "revo-
luções cubanas" na América Latina a partir da re-
criação da experiência guerrilheira de Sierra Maestra
- onde o exército de Fidel Castro pôde reunir as
condições necessárias para o assalto final a Batista
-, -rnilhares de jovens que viviam em países igual-
mente miseráveis deram suas vidas numa experiência
generosa, mas historicamente fadada ao fracasso.
O próprio Che Guevara, destacado comandante de
Sierra Maestra, sucumbiu vítima deste equívoco, em
terras bolivianas.
10 Abe/ardo Blanco /Carlos A. Dória
As experiências históricas não se repetem por-
que nunca se pode reunir novamente, como num
laboratório, a infinidade de determinações que pro-
duziram um fato singular. Mas, apesar do fracasso
da experiência' guerrilheira latino-americana dos
anos 60, não se pode dizer que a esperança tenha
morri do com Che Guevara. Ao contrário, vários paí-
ses - especialmente na América Central e no Caribe
- têm encontrado seus caminhos próprios de liber-
tação, como' é o caso da revolução sandinista na
Nicarágua. Para estas revoluções foi e é fundamental
o exemplo e o apoio de Cuba. E é por isso que os
Estados Unidos tentam recriar a política da guerra
fria no continente e novamente isolar e estigmatizar
Cuba, procurando evitar que aos poucos vá fir-
mando-se a autodeterminação dos povos como condi-
ção para se atingir uma forina superior de unidade
de interesses e cooperação.
Uma maior aproximação entre os povos latino-
americanos exige, porém, um maior conhecimento
mútuo e, no caso de Cuba, que se rompa defini-
tivamente o manto de silêncio e desinformação que
recobre ahistória recente de seu povo. Se é verdade
que Cuba não exportou nenhum "modelo" de revo-
lução, também é verdade que paga, até hoje, o alto
preço de ter sido o primeiro país socialista nas Amé-
ricas e por isso enfrenta, há mais de duas décadas,
um pesado bloqueio econômico, cultural e político
por parte dos interesses norte-americanos e dos go-
vernos que a eles se perfilam.
A GUERRA DE INDEPEND~NCIA
E A PRESENÇA AMERICANA
" No último século a história de Cuba confunde-se
com a luta de seu povo pela autodeterminação. O
desmoronar do império colonial espanhol a partir
das guerras napoleônicas não significou, para a pe-
quena ilha, sequer a conquista da independência
formal nos moldes conseguidos por outras ex-colô-
nias. A proximidade geográfica com os Estados Uni-
dos não só favoreceu a expansão da indústria e do
comércio do açúcar e do tabaco, como também pas-
sou a ser o mais forte condicionante de seu desen-
volvimento político.De fato, a anexação de Cuba
sempre foi uma tentação para a política norte-ameri-
cana, Já no século XVIII, os colonos ingleses do Novo
Continente tomaram parte em expedições contra
Cuba. Na conquista de Havana pelos ingleses, em
1762, um quarto dos efetivos provinha das colônias
norte- americanas.
-12
~ Com a independência dos Estados Unidos as-
siste-se à expansão em direção ao Oeste e ao Sul,
cujos objetivos eram a Louisiana, a Flórida e o Texas,
mas não pode passar despercebido o fato de que o
primeiro governador da Louisiana - a qual os Esta-
dos Unidos compraram à França em 1803 - assim
se manifestou, por carta, a Jefferson: "Cuba é a
verdadeira desembocadura do Mississipi e a nação
que a possuir -poderá provavelmente dominar, no
futuro, a região ocidental. Mas que a ilha seja nossa,
e a União americana será incontestável!". Na mesma
linha, em 1823 o Secretário de Estado norte-ameri-
cano escreveria o seguinte: "Existem leis de gravita-
ção política assim como existem leis de gravitação
física. E assim como uma maçã, separada de sua
árvore por força do vento, não pode, ainda que quei-
ra, deixar de cair ao solo, da mesma forma Cuba,
uma vez separada da Espanha e rompida a conexão
artificial que as vinculam, tem que gravitar necessa-
riamente em torno da União norte-americana, e em
torno dela exciusivamente, enquanto que à própria
.União, em virtude da lei, será impossível deixar de
admiti-Ia em seu seio". No mesmo ano o próprio
Jefferson reconheceria que a anexação de Cuba seria
a melhor maneira de promover o poderio norte-ame-
ricano "até o limite de seu máximo interesse".
~Mas a cobiça norte-americana que, além das
razões econômicas, expressava a convicção no "des-
tino manifesto" dos Estados Unidos para "civilizar"
todo o continente, era apenas mais um elemento
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
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14
complicado r na crise do sistema colonial na região do
Caribe, já que, na realidade, os Estados Unidos te-
miam que o desmoronar do império espanhol desse
lugar ao predomínio britânico na área. Temiam,
além disso, que uma vez desencadeado o processo de
I independência, a aristocracia criolla não fosse.capaz
de controlar as energias liberadas, particularmente a
I·
I agitação dos ejcravos e da classe baixa branca das
.: cidades.
<.
'< A primeira guerra de independência de Cuba,
conhecida como a Guerra dos Dez Anos (1868-1878),
foi esmagada de forma sangrenta pelos espanhóis
capitaneados pelo General Valeriano Weyler. Apesar
disso, houve promessas de reformas que evidente-
mente não foram cumpridas. Mas o general rebelde
Máximo Gómez não se deixou iludir e recusou o
tratado de El Zaniôn, exigindo, em vez da mera
suspensão das hostilidades, a independência total de
Cuba. Assim como Gómez, o generaL mulato Anto-
nio Maceo continuou com o movimento militar, pre-
ferindo posteriormente, por falta de recursos, exilar-
se a aceitar a rendição. Em que pese este aparente
fracasso dos emancipacionistas, prosseguiram du-
rante os dezessete anos seguintes - que Martí cha-
maria de "repouso turbulento" - os esforços dos
patriotas em prol da independência. Na formação
da consciência nacional contribuíram, nesta etapa,
vários' escritores, oradores e pensadores cubanos
como Enrique José Varona, Manuel Sangui1y e o
próprio José Martí - figura mais destacada daquela
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
geração.
\\ Martí era filho de pai espanhol e nascera em
Havana em 1853. Com apenas 17 anos foi condenado
a seis anos, de prisão por ter participado de atividades
independentistas, sendo que, posteriormente, a pena
foi transformada em desterro na Espanha. Mais
tarde viria a participar de forma decisiva na fun-
dação do Partido Revolucionário Cubano, concebido
como um instrumento da guerra de independência e
que logrou atrair novamente para a luta uma série de
cubanos exilados, especialmente os dois generais que
haviam-se destacado na Guerra dos Dez Anos.
,\ Por volta de 1894 o Partido Revolucionário Cu-
bano havia terminado os preparativos para a insur-
reição e já contava com a cooperação dos núcleos de
trabalhadores cubanosresidentes no exterior, o apoio
dos negros emancipados, dos camponeses e de nume-
rosos pequenos proprietários e profissionais liberais.
Em fins de março de 1895, com a guerra já reini-
ciada, Martí, na qualidade de delegado do PRC, e
Máximo Gómez, como chefe do Exército Libertador,
firmaram em São Domingos o Manifesto de Monte-
cristi, que expressava a unidade dos esforços civis e
militares para pôr fim à dominação colonial. O mani-
festo expunha os propósitos daquela guerra "neces-
sária e justa" e dava corpo à plataforma ideológica
da revolução. Nele se pregava a necessidade da
guerra como forma de expulsar os espanhóis ao mes-
mo tempo em que se fazia um estudo das desafor-
tunadas repúblicas da América hispânica, atribuin-
do-se os fracassos freqüentes ao erro de se quererem
ajustar a "modelos estranhos" (numa clara alusão
aos Estados Unidos); fazia uma análise das relações
raciais e destacava a amplitude cultural do povo
cubano; "exortava os espanhóis residentes em Cuba a
se tornarem cidadãos cubanos e concluía: "Os cuba-
nos estão preparados para serem livres e governarem-
se a si próprios" .
,) Em abril do mesmo ano os revolucionários de-I' .
sembarcaram em Cuba, procedentes do exílio. Martí,
infelizmente, veio a morrer um mês depois na bata-
lha de Dos Rios. Apesar desta perda fundamental, o
movimento era agora de tal amplitude que as forças
rebeldes venceram rapidamente as principais bata-
lhas contra os espanhóis, passando a controlar boa
parte do território da ilha e organizando, em Cama-
güey, o novo Governo da República ~m Armas, diri-
gido pelo General Máximo Gômez,
o, No curso deste processo foram vári'as as .tenta-
ti~as do governo norte-americano de funcionar como
uma espécie de mediador entre as partes em conflito.
A negativa da Espanha em aceitar este papel por
parte da potência emergente foi comunicada ao go-
verno norte-americano por seu embaixador em Ma-
dri de forma desolada e com as seguintes palavras:
"A Espanha poderá ser impelida a abandonar Cuba,
mas nunca venderia ou cederia a ilha aos Estados
Unidos. Nunca poderão os Estados Unidos adquirir
a ilha com o consentimento espanhol. Se queremos a
ilha, teremos que nos apoderar dela pela conquista".
~ Certa vez Martí escreveu a um amigo dizendo
que era necessário impedir a tempo, com a indepen-
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro 17
dência de Cuba, que os Estados Unidos se expan-
dissem pelas Antilhas para depois caírem, "com mais
força, sobre nossas terras da América". Contudo,
sua advertência fora em vão. A oportunidade que os
norte-americanos esperavam surgiu a IS de fevereiro
de 1898 quando seu encouraçado Maine foi bombar-
deado no porto de Havana. Em abril o Congresso
norte-americano resolveu que Cuba devia ser "livre e
soberana"; no dia 23 os Estados Unidos declaravam
guerra à Espanha e desembarcavam os marines em
Cuba. A "guerra" foi fulminante e não se limitou à
ilha de Cuba, estendendo-se a Porto Rico e às distan-
tes Filipinas. Embora Cuba não tenha sido anexada
ao território norte-americano, ficou sujeita a seu do-
mínio até que nela se restabelecessem "instituições
políticas estáveis ... ".
\~ O general norte-americano Leonardo W ood foi
nomeado Governador Militar de Cuba. Este fato sig-
nificou na prática a capitulação da Espanha que,
pelo Tratado de Paris (janeiro de 1899), renunciou a
seu direito de propriedade e soberania sobre Cuba e
os demais territórios. Lênin referiu-se mais tarde à
guerra entre Estados Unidos e Espanha como sendo
uma das crises mais importantes no surgimento do
imperialismo contemporâneo e na preparação da Pri-
meira Guerra Mundial.\ \ Assim que entrou em Santiago de Cuba, o pri-
meiro ato do general Wood foi decretar a diminuição
dos impostos que gravavam a importação de pro-
dutos americanos. Além disso, seus esforços concen-
traram-se em promover o desarmamento do Exército
18
Libertador. Para tanto, os norte-americanos ofere-
ceram a quantia de três milhões de dólares a serem
repartidos entre os soldados que depusessem as ar-
mas, a título de "compra" de seus rifles e munições.
A resistência de Máximo Gómez ao desarmamento
foi logo neutralizada a partir de uma moção votada
pela Assembléia de Santa Cruz - que representava
as forças cubanas vitoriosas - destituindo o Chefe
do Exército e expressando assim a disposição de cola-
boração de significativas parcelas das forças liberta-
doras. A manobra, coroada de sucesso, havia sido
duplamente interessante para os americanos. Serviu,
por um lado, para dividir as forças revolucionárias e
isolar Máximo Gómez ~, por outro, provocou pro-
testos populares que acabaram por corroer a própria
autoridade da Assembléia, que concordou em se dis-
solver em abril de 1899. A vitória sobre o colonia-.
lismo espanhol havia sido completamente apropriada
pelo imperialismo nascente.
-éo Em fins de 1899, o presidente Machkinley afir-
mou em sua Mensagem ao Congresso dos EUA que
Cuba ficaria necessariamente ligada aos Estados
Unidos por vínculos especiais e que tais vínculos
poderiam ser orgânicos ou convencionais, sendo que
somente o futuro diria até onde o destino de Cuba
haveria de ser irrevogavelmente unido ao dos Estados
Unidos. Cumprindo esta orientação política, o gene-
ral Wood convocou em Cuba, por decreto de julho de
1900, uma Assembléia Constituinte para redigir uma
Constituição para o povo de Cuba e, como parte
dela, "acordar com os Estados Unidos no que diz
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
respeito às relações que haverão de existir entre
aquele governo e o governo de Cuba".
\~ A Constituinte, por influência de um grupo de
parlamentares liberais, procurou desdobrar habil-
mente as duas tarefas e apenas redigir a Constitui-
ção, deixando a segunda tarefa para uma Comissão
que se pronunciou contra a inclusão como apêndice
constitucional de um documento que definisse a
natureza das relações com os EUA. Diante de tal fato
o senador norte-americano Orville H. Platt apresen-
tou ao Congresso de seu país, a pedido do presidente,
uma emenda que definia o estatuto das relações cu-
bano-americanas. Em seguida, o governo norte-ame-
ricano fez ver a Cuba que a não incorporação dá
"Emenda Platt" na Constituição da ilha significaria
a manutenção indefinida da ocupação e do governo
militar como única garantia do "direito" dos EUA de
submeter a ilha frente à cobiça de outras potências
estrangeiras.
-ro Finalmente, a 12 de junho de 1901 foi aprovada,
por estreita maioria, a "Emenda Platt" como apên-
dice constitucional. Segundo seu texto, Cuba admitia
a tutela econômica e militar dos Estados Unidos;
postergava a discussão sobre a inclusão da Ilha de
Pinos em seu território; comprometia-se a vender ou
arrendar terras para que os Estados Unidos nelas
instalassem bases militares e portos; admitia a inge-
rência americana em seus planos de vigilância epide-
miológica e sanitária a fim de' evitar que enfermi-
dades se propagassem pelo sul dos Estados Unidos e
obrigava-se também a firmar tratados permanentes
20
com os Estados Unidos. Em 1903 foi de fato firmado
um Tratado Permanente de Arrendamento de Bases
Navais e Militares, cedendo Cuba "pelo tempo neces-
sário" a região de Guantanamo aos EUA. Sobre o
acordo em torno da "Emenda Platt" assim se expres-
sou o general Wood: "Com o controle que temos
sobre Cuba, um controle que sem dúvida logo se
transformará em possessão" em breve praticamente
controlaremos o éomércio do açúcar no mundo.
Creio que esta é uma aquisição muito desejável para
os Estados Unidos. A ilha se norte-americanizará
gradualmente e, a seu devido tempo, contaremos
com uma das mais ricas e cobiçadas possessões que há
no planeta".
1\,\ O projeto de "norte-americanização" de Cuba
seria, assim, uma espécie de preâmbulo para a ane-
xação. De fato, no terreno econômico foi onde mais
prosperou esta política durante a década de 1910-
1920, sendo que o Tratado de Reciprocidade Comer-
cial, também assinado entre os dois países em 1903,
foi o mecanismo privilegiado desta investida. Se-
gundo este tratado, os produtos que até aquela data
tinham entrada livre nos dois países continuariam
gozando desta regalia; outros produtos, fixados em
lista especial e importados pelos EUA, gozariam de
uma tarifa 20% inferior à aplicada a produtos simi-
lares de outras procedências que não Cuba; inversa-
mente, Cuba concedia uma tarifa de 25% a 40%
inferior para uma série de produtos provenientes dos
Estados Unidos. Para que se tenha uma idéia acerca
da importância desta medida, basta lembrar que no
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
período 1902-06 cerca de 45% do comércio exterior
de Cuba era feito com os EUA, cifra que atingiu 74%
no período 1917-21.
l'V Desde os anos 80-90 vinha mudando a quali-
dade das relações EUA-Cuba, pois foi naquele pe-
ríodo que a indústria refinadora de açúcar norte-
americana transformou-se erl1-~' A partir de
então as inversões feitas em CUba passaram a ser
inversões diretas de capital financeiro, promovendo a
concentração da indústria açucareira através da
compra de vários engenhos por norte-americanos, de
tal sor.te que, em 1905, apenas 29 deles respondiam
por 21 % das safras cubanas. Além disso, a dife-
renciação também ficou bem marcada no terreno da
produtividade, pois os engenhos de propriedade nor-
te-americana produziam, em média, cem mil sacas
por moinho, ao passo que os de propriedade cubana
apenas cinqüenta mil sacas. O impulso da produção
açucareira para sustentar o truste de refinarias ame-
ricanas foi enorme; em 1908 o açúcar mascavo era
responsável por 54% do valor total das exportações
cubanas, chegando a atingir a cifra de 88,60/0 dez
anos depois.
r,,) Mas os interesses americanos não se limitaram à
indústria açucareira. O lema de "americanizar
Cuba" determinou grandes inversões na agricultura,
nos negócios do tabaco, na mineração, no setor de
transportes, na geração de energia, etc., atingindo o
próprio sistema bancário, especialmente após a que-
bra nos preços do açúcar em 1920. Enfim, data da-
quela época a caracterização da economia cubana
22
como uma espécie de "economia de sobremesa" _
produtora de açúcar, tabaco, licores e frutas - a tal
ponto que, até 1915, Cuba não possuiu sequer moeda
própria.
rv'" A vida política da pequena república natural-
mente refletia este caráter tributário do imperia-
lismo. A intervenção do exército americano e a
"Emenda Platt", praticamente fizeram evaporar os
sonhos de uma vidá independente, uma vez que foi
impossível resistir ao desmantelamento do Exército
Libertador. Até a delegação do Partido Revolucio-
nário Cubano em Nova Iorque autodissolveu-se e
desmobilizou seus organismos, sendo que seu chefe,
Tomás Estrada Palma, tornou-se o primeiro presi-
dente de Cuba com uma plataforma simplesmente de
"austeridade", sepultando temporariamente os ideais
de José Martí.
Para se eleger, Estrada Palma havia constituído
o seu próprio partido - o Partido Republicano, de
vida efêmera -, ingressando a seguir no Partido
Moderado, Cle perfil conservador, para tentar reele-
ger-se. No primeiro embate com a oposição liberal,
capitaneada pelo General José Miguel Górnez, insta-
lou-se uma profunda crise política no país. Em se-
tembro de 1905 foi assassinado, num ato de provo-
cação, o dirigente oposicionista Enrique Villuedas. O
fato produziu uma série de agitações que levaram
Estrada Palma a suspender as garantias constitucio-
nais e solicitar a proteção de tropas americanas para
seu governo. Washington decidiu então, além da
força militar. expedir para Cuba o seu secretário da
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
Guerra, William Taft, e o subsecretário de Estado.
Em outubro de 1906 EstradaPalma literalmente en-
tregou o poder a Taft e seus 5 000 marines .
1,7 Após o curto "governo" de Taft o poder foi
entregue a Charles A. Magoon, norte-americano de
vasta folha de serviços prestados a seu país e que já
havia sido inclusive ministro no Panamá e governa-
dor da zona do Canal. O programa do governo provi-
sório de Magoon era bastante simples: acertar as
diferenças entre os cubanos, realizar eleições e devol-
ver o poder aos cubanos, evitando assim um exces-
sivo desgaste do prestígio norte-americano entre as
nações do continente. Magoon, ao que parece, conse-
guiu seu intento através da corrupção política. Ficou
célebre durante o seu governo a recuperação de uma
instituição colonial, a botel/a, que consistia em dis-
tribuir cargos públicos---para que os titulares recebes-
sem salários sem trabalhar, dividindo-os com seus
protetores políticos.
1,(p Finalmente, nas eleições gerais de 1908 triunfou
o liberal general José Miguel Górnez. Seu programa
oferecia uma nova esperança ao país: procurar rea-
lizar a república democrática e independente frus-
trada em 1898. Este programa obviamente não se
concretizou, naufragando em meio às negociatas
comandadas por interesses americanos. Seguiu-se a
ele o governo conservador do general Mário G. Me-
nocal, que havia sido chefe de polícia no período
Wood e se dedicava a administrar os bens da Cuban
American Co.. Sob o seu governo, e apesar da fraude
eleitoral. o Partido Conservador sofreu duro revés
24
Abelardo Blanca/Carlos A. Dória
nas eleições parciais de 1914. Com base na evidência
de que seu partido seria derrotado também nas elei-
ções presidenciais, Menocal manobrou e modificou
a própria legislação para poder candidatar-se a um
segundo mandato. A manobra, que contou com
o apoio norte-americano, foi coroada de sucesso.
A fraude eleitoral garantiu Menocal em seu cargo
numa conjuntura $m que, graças à Guerra Mun-
dial, pôde se tornar um virtual ditador a quem a
oposição se referia como o kaiser de Cuba. Frente aos
Estados Unidos, Menocal não possuía sequer o senso
do ridículo. Quando o império declarou guerra à
Alemanha, o governo cubano, no dia seguinte, imitou
a metrópole. Ao terminar a guerra este gesto foi
recompensado com a presença de uma delegação
cubana entre as potências vitoriosas durante a dis-
cussão do tratado de Versalhes ...
Il,;" Do ponto de vista das forças populares pode-se
considerar o período que vai do começo do século até
o final da Guerra como uma época de superação dos
traumas que se seguiram à manobra norte-americana
para se apropriar da 'vitória do povo cubano con tra a
Espanha: Com o movimento oposicionista dividido,
em parte cooptado pela nova dinâmica político-elei-
toral, as forças populares ficaram entregues à pró-
pria sorte. Talvez a primeira manifestação de impor-
tância tenha sido a greve geral de 1902 em favor da
jornada de trabalho de oito horas e da melhoria das
condições de vida do operariado. Outro foco impor-
tante de insatisfação social à época foi o destino dado
aos antigos componentes do Exército Libertador.
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
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Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
Além dos 3 milhões de dólares que haviam sido
repartidos em troca da deposição de armas e des-
mantelamento do Exército, seus antigos componen-
tes, em geral camponeses e trabalhadores urbanos
miseráveis, faziam jus a um pequeno pedaço de terra
"" e r,ma pensão. Com o tempo estas terras foramI 'ef,-oulhadaSê as pensões devidas aos veteranos se tor-
nar.am objeto de -negociatas escandalosas entre polí-
ticos corruptos. Em decorrência, durante os anos
1906 a 1912 houve em várias cidades uma série de
levantamentos promovidos por veteranos, ao passo
que no campo assistiu-se a um grande incremento do
banditismo social. Mas, sem dúvida, mais impor-
tante do que estes levantamentos foi a sublevação do
Partido Independente de Cor em maio de 1912.
tc\' A hostilidade contra o Partido Independente de
Cor surgiu em 1910 quanto este se constituiu para
concorrer às eleições daquele ano e fazer frente ao
aguçamento do racismo desde a ocupação norte-
americana. Para combater esta iniciativa dos negros
um senador propôs uma emenda à lei eleitoral proi-
bindo "partidos raciais ou de classe". Entre os negros
foi então crescendo a tese de que era preciso lançar-
se à luta armada para pressionar o Congresso a revo-
gar a medida. Alguns grupos sublevaram-se em
Pinar del Rio, em Havana, Las Villas e Oriente,
sendo que o líder do partido, Evaristo Estenoz, pre-
feriu suicidar-se a ser preso. O programa social do
partido era extremamente interessante e avançado
para a época: propunha o fim da discriminação
racial; o fim da pena de morte; a jornada de oito
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
horas; a formação de tribunais do trabalho; a distri-
buição das terras do Estado; a revisão das posses de
todas as terras, etc.
rv'\ No 'que tange ao movimento operário urbano,
apesar de incipiente, realizou seu primeiro congresso
em 1914, em Havana, onde ficou clara a consciência
dos operários de que a situação de Cuba continuava
"como antes", apesar da Constituição de 1901 e da
luta de Martí; lançou-se uma ampla campanha con-
tra a alta do custo de vida e os delegados operários
revesaram-se em discursos que condenavam a polí-
tica burguesa e os abusos cometidos contra os traba-
lhadores. A partir de 1917 uma série de greves espo-
caram por todo o país à luz do agravamento da
situação da classe operária, que atingiria seus extre-
mos em decorrência da crise do início da década de
20. Em termos de consciência política foi também
neste período que se fizeram sentir as primeiras mu-
danças significativas. A influência estrangeira trou-
xera para Cuba o ideário anarquista e ao lado dele
começavam a repercutir os ecos da Revolução Russa.
Em termos gerais, o período configuraria uma tran-
sição para uma nova consciência popular que se
manifestaria com todo o vigor a partir dos anos 20.
)
r
."
o POS-GUERRA
E A DITADURA DE MACHADO
o
") No período que vai do começo da década de
vinte até o final da ditadura de Machado, em 1933,
a economia açucareira cubana atravessou duas gra-
ves crises. A primeira delas em 1920-1922, com a
depressão dos preços do açúcar no mercado inter-
nacional, o que teve efeitos decisivos para a economia
do país. Até 1924, procurou-se contornar esta crise
de forma especulativa, sem que isso provocasse re-
duções substanciais nas inversões feitas na indústria
açucareira. Entre 1925 e 1928 mudou-se de política
através da adoção de restrições à produção e da
centralização das vendas mediante acordos com ou-
tros produtores, especialmente europeus. A segunda
crise deu-se em conseqüência do crack da bolsa de
Nova Iorque e durou até 1933, período em que pre-
ços, exportações e produção caíram a níveis que cor-
respondiam aos dos primeiros anos do século XX.
Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro
Em conseqüência das quebras de 1920-22 numerosos
engenhos foram transferidos para o controle dos
bancos, aumentando assim enormemente o domínio
econômico norte-americano sobre Cuba. Este fato
tornaria ainda mais aguda a repercussão da crise de
1929 sobre a economia da ilha.
',1 Alguns números mostram bem a gravidade desta
longa crise da década de 20. A safra açucareira co-
meçou a se reduzir a partir de 1927, e em 1933
representava apenas 50% da de 1922. No que diz
respeito ao comércio exterior, em 1933 as exporta-
ções atingiam um valor correspondente a 18% da-
quele verificado no período 1919-23. Em conseqüên-
cia deste estrangulamentodo setor externo a miséria
do povo cubano se agravou ainda mais. A duração da
safra de açúcar caiu de 120 para 66 dias anuais,
o que elevou o desemprego a níveis inéditos e atirou
na mais absoluta miséria mais de um milhão de pes-
soas numa população de cerca de 4 milhões de habi-
tantes. O salário médio do homem do campo estava
reduzido a meio dólar diário, ao passo que o salário
urbano girava em torno de um dólar, ou seja, a níveis
inferiores aos existentes em 1910.
'I 'V Esta situação de penúria significava também a
6rópria bancarrota do Estado cubano. Durante o
governo de Zayas (1921-25) Cuba teve que suportar a
extrema humilhação de praticamente ser governada
pelo general Enoch H. Crowder, tepresentante norte-
americano que, como eminência parda de Wash-
ington' lá estava para garantir os interesses de seus
compatriotas frente às leis de moratória e de liqui-
Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
dação bancária. Quando o general Gerardo Ma-
chado assumiu o poder (1925), propondo grandes
obras públicas para dinamizar a economia, o Estado
sequer tinha condições de pagar seus funcionários,
sendo obrigado a recorrer a vultosos empréstimos
junto ao Chase.
~ "? Ê nesse período, por sinal, que a "burguesia
nacional" começa- a se mover com as próprias per-
nas, e Machado tentará conciliar estes interesses
emergentes com os do imperialismo, ao mesmo tem-
po emque se iniciava uma brutal repressão contra as
forças populares. Em 1927, por exemplo, foi modifi-
cada a legislação alfandegária, com vistas a assumir
um caráter protecionista em relação ao comércio com
os Estados Unidos. Por outro lado, correspondendo a
este tímido projeto de "desenvolvimento nacional",
fortaleceu-se em meio à burguesia um nacionalismo
. de direita de tipo reformista cujo programa era a
"regeneração" da república e que começara a tomar
forma nas manifestações de protesto contra o go-
verno de Zayas. O desdobramento desse naciona-
lismo de direita no terreno popular propiciou o sur-
gimento, em 1924, da Associação Nacional da In-
dústria Açucareira, justamente no momento em que
ocorriam grandes movimentos grevistas nos enge-
nhos de Oriente. A Associação pregava, como dou-
trina, o solidarismo, que consistia em negar a exis-
tência de classes sociais e a necessidade de congre-
gação dos trabalhadores independentemente de sua
.situação social e, por isso, apoiava os movimentos
grevistas ao mesmo tempo em que combatia o reco-
RevoluçãoCubana: de José Martí a Fidel Castro
nhecimento dos delegados sindicais nas fábricas.
'1/\ .Outra iniciativa importante, esta no terreno do
liberalismo, foi a campanha pública da Junta de
Renovação Nacional Cívica, fundada em 1923 e diri-
gida por Fernando Ortiz. Seu programa de reformas
baseava-se na luta contra a corrupção e a fraude
fiscal; pela atenção do governo frente aos problemas
populares, especialmente saúde e analfabetismo;
contra o uso político do Exército; contra as fraudes
eleitorais e pelo fortalecimento do Congresso. Mais
importante do que a Junta, porém, foi o chamado mo-
vimento dos "Veteranos e Patriotas" pela regulariza-
ção das pensões que, aos poucos, mudou de caráter e
passou a empunhar um programa de reformas polí-
tico-administrativas. Pela sua amplitude em termos
de movimento de opinião pública várias forças polí-
ticas dele se aproximaram, tentando, inclusive, ins-
trumentalizâ-lo como recurso político-eleitoral. Ape-
sar disso, teve grande importância na formação polí-
tica da ala radical dos jovens cubanos que dele se
aproximaram, como foi o caso de. Júlio Antonio
Mella, pelo seu caráter de movimento situado à mar-
gem da política partidária tradicional.
'\.)7 No terreno das forças revolucionárias, a crise da
república, as greves de 1917 a 1919, as primeiras
repercussões da Revolução Russa e os estímulos da
Reforma Universitária contribuíram para formar
uma nova geração que romperia com o liberalismo e
o reformismo e que constituiria a espinha dorsal da
luta contra a ditadura de Machado .
(\.,<0 Neste contexto, o movimento pela Reforma Uni-
31
32 Abelardo Blanco/Carlos A. Dária
versitária merece destaque. Ele teve início em Cór-
doba (Argentina) em princípio de 1918. Rapida-
mente se propagou por toda a América espanhola,
numa demonstração da validade das idéias de Bolí-
var sobre uma hispano-américa unitária, acima dos
particularismos; atingiu o Peru (1919), o Uruguai
(1919), o Chile (1919) e a Colômbia (1922), chegando
a Cuba em 1923. Por toda parte os estudantes pro-
testavam contra os mesmos males: governos ditato-
riais, miséria social, corrupção administrativa, domi-
nação estrangeira.
,,? Em Cuba, seu líder inconteste foi Júlio Antonio
Mella, que havia entrado na Universidade de Havana
em 1921. Aí tinha tomado contato com alguns textos
de Lênin e chegou a ser galvanizado pela Aliança Po-
pular Revolucionária Americana, movimento anti-
imperialista de características pequeno-burguesas
fundado por Haya de Ia Torre no Peru. Mella já se
encontrava na Universidade quando esta foi visitada
pelo Dr. Arce, professor que encabeçara a reforma
em Córdoba e que difundiu grande entusiasmo entre
os estudantes de Havana ao falar da "nova univer-
sidade". Foi nesta época que se deu o primeiro acon-
tecimento que rompeu com a modorra da Univer-
sidade: os estudantes organizaram uma série de
manifestações de protesto contra a tentativa de se
conceder ao representante do imperialismo, Enoch
Crowder, o título de doutor honoris causa e, em
suas passeatas, foi grande o entusiasmo estudantil
frente à simpatia angariada junto ao povo.
~ Em fins de 1922 desencadeou-se uma greve de
1
I1
J
I
I,
Revolução-Cubana: de José Marti a Fidel Castro
estudantes de medicina exigindo o afastamento dos
professores botelleros. No mesmo ano criou-se a
Federação cte1tsÍudantes e M~lla foi eleito secretário.
No ano seguinte, em meio a greves e ocupações da
Universidade de Havana, o governo cedeu e consa-
grou alguns princípios da reforma universitária; foi
criada, além disso, uma comissão interna de profes-
sores e alunos - da qual Mella fez parte - desti-
nada a expurgar a Universidade dos hotel/eros. Aí,
então, já se tornava clara sua opção pelo socialismo,
formulando da seguinte maneira o seu projeto: "Lu-
tamos por uma Universidade mais vinculada com as
necessidades dos oprimidos, por uma Universidade
mais útil à ciência e não às castas plutocráticas, por
uma Universidade onde a moral e o caráter do estu-
dante não se moldem ao velho princípio do magister
dixit nem ao princípio individualista das U niversi-
dades da América Latina ou dos Estados Unidos.
Queremos uma Universidade nova que realize no
campo da cultura o que no da produção farão as fá-
bricas do amanhã, sem acionistas parasitários nem
capitalistas exploradores".
')0.., Ainda em 1923 foi realizado o Congresso Nacio-
nal de Estudantes, que se pronunciou contra o impe-
rialismo, solidarizou-se com a Revolução Russa e
com a luta dos operários cubanos. No Congresso
Mella propôs a criação da Universidade Popular José
Martí para aprofundar a unidade do estudantado
com a' classe operária. A idéia da Universidade
Popular correspondia à concretização do conteúdo
da declaração dos direitos dos estudantes aprovada
Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
naquele congresso e que colocava em primeiro
plano o "dever de difundir a instrução entre os
proletários". Esta iniciativa durou até 1927, quando
seus cursos foram desmantelados pela ditadura de
Machado.
'-\,0 O processo de organização revolucionária, po-
rém, não se limitava à Universidade. Em 1925 reali-
zou-se na cidade-de Cinfuegos o Congresso do Traba-
lhador Nacional que fundou a Confederação Nacio-
nal dos Trabalhadores de Cuba (CNOC), que seria a
organização dirigente da classe operária contra a
ditadura de Machado. Neste mesmo período difun-
diam-se os grupos socialistas de caráter marxista em
Havana, Guanabacoa, San Antonio de los Bafios e
Manzanillo. Ainda em 1925 Mella,que havia-se dis-
tanciado de Haya de Ia Torre, e o revolucionário
Carlos Balifío, que havia organizado ostrabalhado-
res emigrados nos Estados Unidos, uniram-se para
fundar o Partido Comunista de Cuba (PCC) através
de uma Conferência realizada em Havana.
;, Frente ao avanço do movimento popular e da
oposição dos setores burgueses e pequeno-burgueses
nacionalistas, as classes dominantes cubanas ingres-
sam numa crise para a qual tinham como resposta
apenas uma política de mano dura. O homem mol-
dado para este figurino seria o general Gerardo Ma-
chado. Em sua biografia consta que foi membro do
Exército Libertador com uma folha de serviço de
valor duvidoso e, posteriormente, ocupou cargos pú-
blicos de expressão provincial, ligado ao governo de
Gómez. Por volta de 1920 estava vinculado à General
Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro
José Marti.
Abelardo B/anco/Carfos A. Dória
Electric Co., que chegou a contribuir com meio mi-
lhão de pesos para sua campanha política. Na análise
de sua ascensão ao poder não·se pode esquecer o tom
populista de sua campanha; sua palavra de ordem
era "água, caminhos e escolas", ou então "a pé",
para se diferenciar do grito de guerra dos partidários
de Menocal que, simbolizando as condições de man-
do vigentes nos domínios açucareiros, proclamavam
"a cavalo". Além disso Machado, uma vez eleito,
tratou de visitar os Estados Unidos e fazer crer que
sua iniciativa buscava preparar condições para a
revogação da "Emenda Platt". Com isto pretendia
estar correspondendo aos anseios nacionalistas de se-
tores da burguesia mas, na verdade, fora garantir aos
americanos que sob seu governo as greves "não dura-
riamvinte e quatro horas".
v-,'\.r Durante o próprio ano de 1925 as oposições
populares tiveram oportunidade de, conhecer seu es-
tilo político. Vários líderes operários foram assassi-
nados, entre eles Alfredo López, que era dirigente da
. Federação de Trabalhadores de Havana e amigo de
Mella. Assim como López, outros comunistas foram
atirados aos tubarões com enormes pesos atados aos
pés. Apesar desta política de terror contra os comu-
nistas e a decretação da ilegalidade da Federação
Estudantil Universitária, prosseguiram as manifes-
tações de rua e Júlio Antonio Mella caiu prisioneiro
ao final do ano. Logo se formou um amplo Comitê
Pró-Liberdade de Mella que evidenciava o enraiza-
mento popular do movimento revolucionário. Mella
na prisão realizou uma greve de fome que quase o
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
levou à morte, mas que, combinada com o movi-
mento popular, obrigou Machado a colocâ-lo em
liberdade. Exilou-se então no México, viajando a se-
guir para a União Soviética e a Europa, onde parti-
cipou do Congresso da Liga Antiimperialista em Bru-
xelas (1928), rompendo definitivamente com Haya de
Ia Torre. De volta ao México foi assassinado a mando
de Machado, quando preparava uma expedição ar-
mada para desembarcar em Cuba. Mella foi morto
com apenas 2S anos, tempo suficiente para se colocar
entre as principais figuras da luta pela emancipação
cubana. Em seu último texto, que só viria a ser
conhecido em Cuba anos mais tarde, Mella afirmava
com singular lucidez: "Cuba necessita de uma revo-
lução democrática, liberal e nacionalista, mas ela
não se dará nos próximos dois ou três anos. Cuba
continuará sob o jugo do imperialismo até a era das
revoluções proletárias sobre o continente".
~J Antes, porém, da morte de Mella a luta popular
tomaria novo impulso. Entre 1925 e 1927 as forças
políticas que apoiavam Machado realizaram uma
série de manobras com o objetivo de manter o status
quo eleitoral. Suspendeu-se o processo em curso de
reorganização dos partidos,de modo a prorrogar os
mandatos das assembléias municipais, provinciais e
nacional e preparar a perpetuação de Machado no
poder através da campanha por um "candidato úni-
co" nas eleições. Esta manobra foi coroada de su-
cesso, pois estava embutida num processo de reforma
da constituição de 1901 - reivindicada por vários
setores políticos - e contou com o apoio tanto do
Abelardo Blanco/Carfos A. Dória
Partido Conservador como do Liberal. Em março de
1927 foi promulgada a legislação golpista, ao mesmo
tempo em que os estudantes saíam às ruas e era
fundado o Diretório Estudantil contra a Prorrogação
de Poderes - conhecido simplesmente como Dire-
tório Estudantil. O Diretório não nascia circunscrito
ao âmbito universitário, mas sim articulado com a
luta democrática--mais geral, e por esta razão Ma-
chado cairia sobre ele com enorme violência, ocu-
pando militarmente a Universidade e expulsando
dela uma série de combatentes. Apesar da dura re-
pressão que sofriam o Partido Comunista e o Dire-
tório Estudantil, estes organismos conseguiram se
articular clandestinamente com a direção do movi-
mento operário (a CNOC) e desencadear, uma série
de greves, como a dos sapateiros, a dos têxteis, dos
chapeleiros e a da União de Trabalhadores da fá-
brica "La Mundial".
I,IA Em 1928 Machado é "reeleitc" por um período
de seis anos pela própria Assembléia que havia sido
declarada "constituinte" para reformar a constitui-
ção de 1901. A crise de 29 e o assassinato de Mella no
México aprofundam a agitação social e o isolamento
de Machado, que opta por ampliar o terror e orga-
niza uma polícia política para "lutar contra o comu-
nismo", reprimindo manifestações e a contestação à
ditadura. Em março de 1930, contudo, tem lugar a
primeira grande batalha contra seu regime através de
uma greve geral que mobilizou cerca de 200 mil
operários.
""'~Machado alardeava que não toleraria cinco mi-
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
nutos de greve, no entanto teve que suportá-Ia por 24
horas enquanto ela se estendia de Havana a Manza-
nillo e Santa Clara. Na manifestação organizada
pelos grevistas falou o poeta Rubén Maritinez Vil-
lena, líder do movimento, incentivando a luta dos
trabalhadores e desafiando Machado. A polícia ata-
cou a manifestação mas Villena conseguiu escapar.
Atemorizado pela demonstração de força popular,
Machado ordenou o assalto ao Centro Trabalhador e
a repressão violenta a toda organização popular, o
que obrigou Villena a se exilar. Pouco depois, alguns
comícios organizados pela União Nacionalista Cen-
tral em Havana e em Artemisa foram dissolvidos a
tiros, produzindo-se várias mortes. Frente à denún-
cia levada aos tribunais contra o chefe de polícia, os
juizes declararam-se incompetentes para julgar uma
ordem do presidente da república.
\.\~ Seis meses depois foi a vez dos estudantes saírem
às ruas. A repressão foi violenta e morreu Rafael
Trejo, um dos líderes mais conhecidos. Em seguida,
o governo mandou prender todos os membros do Di-
retório Estudantil, instaurou a censura à imprensa e
nomeou governadores militares em cinco das seis
províncias de Cuba. Os prisioneiros políticos conta-
vam-se aos milhares. Em janeiro de 1931 uma mani-
festação do movimento feminino em frente ao palácio
governamental foi atacada pela polícia. Carlos Ma-
nuel de Ia Cruz, político conservador, pediu então a
Machado que renunciasse, abrindo a possibilidade
de uma solução "política" para a crise.
\/\.'\ Mas, para ganhar tempo face à força crescente
Abelardo Blanco/Carlos A. Doria
dos movimentos de contestação, Machado decidiu
ceder aos apelos em favor dos milhares de presos e
decretou uma anistia. Apesar deste gesto não con-
seguiu evitar as primeiras fissuras no seio do pró-
prio bloco dominante. Datam desta época, por
exemplo, uma série de tentativas de insurreição
comandadas por militares e políticos burgueses como
o general Peraza, veterano de 1895 que foi assas-
sinado com todo o seu grupo, ou mesmo Menocal e
Mendita, que foram dominados pelo exército em
Pinar DeI Rio. O fracasso destas tentativas deu ori-
gem à formação de uma nova frente política que pre-
tendia apresentar-se apartada da política tradicional
em busca de soluções "substanciais". Este novo movi-
mento de caráter clandestino, de organização celular
e de tática confessadamente terrorista chamava-se
"ABC". Seu programa, de caráter nacionalista,
apontava em direção do fascismo e do corporati-
vismo, pregava o fomentoda pequena propriedade e
a eliminação gradual do latifúndio, a nacionalização
dos serviços públicos e sustentava a tese de que o
socialismo era impossível em Cuba dada. a presença
norte-americana. A crise política provocaria também
um reagrupamento de forças à esquerda. Logo após
a anistia os estudantes saídos da cadeia provocam
uma cisão no Diretório Estudantil, fundando a Ala
Esquerda Estudantil, uma organização que tinha
como objetivo a luta antiimperialista e a vinculação
estreita entre o movimento estudantil e o movimento
operário revolucionário.
v..~ Neste contexto de luta violenta e grande con-
Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro
fusão política adquiriu realce a figura de Antonio
Guiteras. Ele havia tentado, em 1927, sublevar a
população de Rio Verde, na província de Oriente;
chegou mesmo a instalar bases revolucionárias em
Manzanillo, mas acabou preso depois de as revoltas
de 1931 terem fracassado. Ficou detido inicialmente
no quartel de Moncada e, depois, foi transferido
para Guantanamo. Quando saiu da cadeia dedicou-
se a restabelecer os contatos entre os grupos revo-
lucionários para uma nova tentativa insurrecional.
Guiteras falava como representante do Diretório Es-
tudantil mas, como não obteve apoio para sua idéia,
pôs-se a agir só. Seu plano passava pela tomada do
quartel de Moncada e tentou levá-lo adiante com um
punhado de companheiros, mas o ataque foi frus-
trado porque o grupo não conseguiu apossar-se, no
aeroporto de San Luis, de um avião militar de que
necessitava. Anos mais tarde, Fidel Castro tentaria
realizar esta proeza.
V\f.\ De qualquer forma, essa tática parecia impró-
pria para o movimento revolucionário. Enquanto os
terroristas do ABC produziam uma série de aten-
tados em Havana e em várias províncias durante o
ano de 1932, as forças revolucionárias - notada-
mente o Partido Comunista, a Juventude Comunista
e. a Ala Esquerda Estudantil - esforçavam-se para
mobilizar as massas e articular greves e manifesta-
ções de rua, como a greve dos condutores de bonde e
a greve geral de março daquele ano, que durou 45
dias.
~o No início de 1933, porém, a ditadura de Ma-
-I
Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
chado chegava a seu esgotamento. Os agrupamentos
políticos burgueses formaram uma Junta Revolucio-
nária em Nova Iorque, a qual, excluindo o Partido
Comunista e as organizações sindicais, pretendia
criar condições para a queda de Machado sem que
isto comprometesse seus interesses. Roosevelt, novo
presidente americano, suspeitando da proximidade
de uma revolução- em Cuba, substituiu seu embai-
xador em Havana e nomeou Summer Welles com o
objetivo precípuo de promover a mediação entre Ma-
chado e a oposição. A União Nacionalista aceitou os
"bons serviços" de Welles e se comprometeu a atrair
os demais grupos. Logo se deu a adesão do ABC, que
suspendeu os atos terroristas contra os objetivos
norte-americanos. Criou-se então uma comissão de
negociação que, para fazer crer que a "mediação"
beneficiava os interesses populares, restabeleceu de
imediato as garantias constitucionais, concedeu li-
berdade a alguns presos políticos e suspendeu a cen-
sura à imprensa. .
') \ Mas a Ilusão logo se desfez. No dia 7 de agosto
espalhou-se o boato da queda do ditador. Uma enor-
me multidão saiu às ruas para festejar mas a polícia
reprimiu violentamente a manifestação atirando con-
tra o povo. Completamente isolado, Machado mano--
brou desesperadamente cedendo às organizações sin-
dicais diante de todas as suas reivindicações econô-
micas, na tentativa de despolitizar o movimento. As
forças organizadas de oposição hesitavam, mas os
trabalhadores dos transportes de Havana; reunidos
em assembléia, gritavam -em uníssono: que se vaya el
Revolução Cubana: de José Marti.a Fidel Castro
animal!
~t Chegava-se ao limiar da revolução. Pressionado
por Sumrner Welles o próprio exército obrigou Ma-
chado a fugir com seus amigos e colaboradores mais
próximos para Nassau, nas Bahamas. Em seu lugar o
embaixador norte-americano tentou entronizar Car-
Ias Manuel Céspedes cujo curto mandato de um mês
foi consumido nas ruas pelas manifestações popula-
res. Como parte desta agitação o Diretorio Estu-
dantillançou a 22 de agosto um manifesto exigindo a
constituição de um governo provisório revolucionário
que realizasse o programa radical esperado pelo povo
cubano. A agitação acabou chegando aos quartéis e a
4 de setembro o embaixador Welles foi surpreendido
por um pronunciamento militar no quartel Colúmbia
que punha fim ao governo de Céspedes. O motim foi
9 .'I' comandado, entre outros, pelo sargento Fulgêncio
I f-1-~_e por alguns civis IÍgaaos ao Alrê- que for-
maram uma "Junta de Defesa" também conhecida
por "União Militar Revolucionária". Os oficiais fo-
Oram afastados de seus comandos sob a acusação de
terem sustentado o governo de Machado e as tropas
passaram a ser comandadas pelos sargentos ou cabos
mais audazes. Rapidamente Batista tomou o estado-
maior do exército e promoveu-se a coronel além de
nomear 527 novos oficiais recrutados entre os que
haviam participado da sublevação,
~') No dia seguinte organizou-se um governo cole-
giado composto por Sérgio Cambó, Guillermo Por- ~;1
tela, Ramón Grau San Martin, Porfirio Franca e José
Miguel Irisarri - conhecido como "governo da Pen-
43
44 Abelardo Blanco /Carlos A. Dória
tarquia". A reação dos grupos conservadores, inclu-
sive o ABC, foi imediata: percebendo que o poder
lhes escaparia das mãos, passaram a clamar pela
intervenção armada norte-americana e a conspirar
com Welles. O embaixador americano, por sua vez,
ao mesmo tempo em que procurava romper a uni-
dade do novo governo, tentava conseguir o apoio de
vários países Iatinô-americanos para uma ação con-
tra Cuba. Chegou a conquistar para isso o apoio da
Guatemala, Honduras, Paraguai e San Domingos
mas, esbarrando na decidida oposição do México,
Argentina, Brasil e Chile, o governo norte-americano
foi obrigado a recuar.
Vi' Neste quadro produziu-se a primeira crise da
. "Pentarquia", levando à renúncia de Porfírio Franca
e José Miguel Irisarri. Isto permitiu que, a 10 de se-
tembro, fosse designado presidente provisório o Dr.
Ramón Grau San Martin, dando início ao que é
conhecido na história cubana como o "Governo dos
Cem Dias", no qual se destacaram as figuras do
próprio Grau, de Guiteras e de Batista. Ao ser cons-
tituído, o governo de Grau se negou a jurar a Consti-
tuição de 1901 perante o Tribunal Supremo da Repú-
blica, visto que ela trazia como apêndice a "Emenda
Platt", preferindo fazer o juramento perante as mas-
sas congregadas em frente ao palácio 90 governo.
lt
DO "GOVERNO DOS CEM DIAS"
AO GOLPE DE BATISTA
ir;'7 Durante o "Governo dos Cem Dias" o movi-
mento revolucionário atingiu seu ápice. Várias cen-
trais açucareiras foram ocupadas pelos trabalhadores
e em várias delas (Hormiguero, Senado e Maby) os
operários instauraram sovietes. Em meio ao élan
revolucionário várias medidas populares foram ado-
tadas, entre elas: criação da Secretaria do Trabalho;
dissolução dos antigos partidos políticos; concessão
da autonomia universitária; criação de tribunais para
julgar os "machadistas"; intervenção governamental
na Cia. de Eletricidade; instauração da jornada de
trabalho de oito horas; organização de um novo cor-
po militar; reconhecimento do direito de voto das
mulheres, etc. A intervenção na companhia eletrici-
tária foi comandada pessoalmente por Antonio Gui-
teras, que ocupava o cargo de ministro do Interior.
S~ OS comunistas, por sua vez, gozando de relativa
liberdade de expressão, preconizavam com irrea-
lismo a formação de um "governo de operários e
camponeses, apoiado por soldados e marinheiros".
O movimento revolucionário alastrou-se, atingindo
os trabalhadores do tabaco nas províncias do Leste,
e os trabalhadores do café, no Oriente. Entretanto,
nas cidades ele entrava em descenso. Nem os estu-
dantes nem os trqbalhadores dos serviços de Havana
acompanharam a radicalização dos trabalhadores
rurais. Guiteras, com razoável senso de realidade,
advertia: "As empresasestrangeiras, inimigas do tra-
balhador, reduzem suas jornadas e despedem os
empregados, e o trabalhador, frente a esta provo-
cação, sem se dar conta da verdadeira realidade,
lança-se à greve. Mas seria impossível as massas
apoderarem-se dos poderes e por isso, em vez de se
enfrentarem com o governo revolucionário, deveriam
colaborar com ele para conquistar as reivindicações
imediatas e necessárias à classe operária, sem se tor-
narem um obstáculo a serviço das empresas imperia-
listas" .
{.1"t Nesta situação ficou clara a paradoxal composi-
ção do governo: por um lado Guiteras pressionava
para que fossem satisfeitas as reivindicações econô-
micas dos grevistas e, por outro, Batista intervinha
com seu exército e reprimia o movimento. Guiteras,
,apoiado rio movimento de massas, dizia que não
fazer avançar a revolução era a mortee pressionava
para a adoção de novas medidas: o salário mínimo; a
abolição dos privilégios que favoreciam os espanhóis
para a obtenção de emprego e na taxação dos impos-
Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro
tos; regulamentação da assistência social e da apo-
sentadoria, até então inexistentes; expropriação dos
bens e das terras dos principais dirigentes políticos
machadistas; medidas para limitar a usura; etc. Mas
a derrota do movimento revolucionário e dos traba-
lhadores aproximava-se.
0<t:. Em setembro de 1933, com o retorno das cinzas
de Mella, foi organizada uma grande manifestação
popular. Villena, com a saúde comprometida pela
tuberculose, dirigiu-se à massa, pela última vez, nos
seguintes termos: "Camaradas e companheiros, Mel-
Ia está entre nós, mas não neste amontoado de cin-
zas. Ele está aí, nesse formidável deslocamento de
forças". Enquanto isso Batista havia disposto vários
pistoleiros sobre os telhados que. dominavam o per-
curso do cortejo. Repentinamente, uma saraivada de
balas abateu-se sobre a multidão. Seis pessoas mor-
reram e mais de trinta ficaram feridas. Embora não
fosse o responsável direto pelo acontecimento, o go-
verno de Grau San Martin estava definitivamente
comprometido. As massas abandonavam-no enquan-
to Batista e os norte-americanos conspiravam contra
ele. A 14 de janeiro de 1934 Grau renunciou en-
quanto Guiteras, mais uma vez, refugiava-se na pro-
víncia de Oriente para organizar os grupos de ação
de-seu movimento, denominado.Tovem Cuba.
tJo.., Mas a ofensiva reacionária não pararia aí. A
Grau San Martin sucedeu o coronel Carlos Men-
dieta, apoiado pelo já então homem forte do regime,
Fulgêncio Batista. Mas apesar desta troca de coman-
dos o movimento popular dava mostras de pretender
47
48 Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
seguir no caminho da revolução ao IV Congresso
Operário e à Il l Conferência dos Trabalhadores da I
Indústria do Açúcar, que reuniu em Havana os dele-
gados de 103 centrais açucareiras. Destas iniciativas
surgiu a central sindical cubana unitária (CTC). Em
março uma greve abalou Havana e várias centrais
açucareiras. Data desta época a famosa frase de Ba-
tista: "haverá safra ou haverá sangue" - e o sangue
correu nas centrais de Jaronú, Senado, Tacajó e Me-
dia Luna ...
~~ Para o imperialismo, era conveniente fazer crer I
que os tempos haviam trazido mudanças importan-
tes. Por um lado procurava negociar um novo Con-
vênio que substituísse o Tratado de 1902 num sentido
que aparentasse beneficiar Cuba; por outro, refor-
çava a posição do grupo no poder, negociando com
ele um novo Tratado de Relações que anularia o
"direito de intervenção" consagrado na "Emenda
Platt". O próprio Presidente Roosevelt havia prome-
tido solenemente, em meio à agitação de 1933, que
tão logo Cuba tivesse um governo reconhecido pelos
EUA trataria de libertar a ilha da "carga política e
moral" representada por aquela odiosa emendacons-
titucional. Os Estados Unidos não haviam reconhe-
cido o governo de Grau, mas durante o governo Men-
dieta foi possível, finalmente, revogar aquele diploma
legal. Afinal a revolução e a nova conjuntura inter-
nacional já não permitiam que os Estados Unidos
continuassem acalentando o sonho anexionista.
lqD Em março de 1935 a central sindical (CTC)
desencadeou uma greve geral em Havana, logo em
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
seguida a uma greve de professores. O próprio Gui-
teras havia participado de sua preparação. A repres-
são, como era de se esperar, foi brutal. Guiteras,
apesar de procurado, conseguiu escapar, para em
maio tentar embarcar para o exterior, de onde pre-
tendia voltar à frente de uma expedição armada, tal e
qual o plano de Mella que finalmente seria realizado,
vários anos após, por Fidel Castro. Traído, Guiteras
foi preso e assassinado friamente próximo a Matan-
zas. Encerrava-se assim esta fase da revolução cu-
bana, consolidando-se a partir de então a ofensiva
das forças reacionárias tendo à frente Fulgêncio Ba-
tista. Além disso, a derrota da greve de 1935 e o
assassinato de Guiteras fizeram com que as teses
insurrecionais caíssem em descrédito, perdendo a
pouca significação revolucionária que "tiveram, pro-
vocando também o declínio do prestígio do ABC.
A partir de então, e até a Constituinte de 1940, a
postura da oposição liberal burguesa seria o absten-
cionismo eleitoral.
,,\ Mas a burguesia necessitava de uma aparência
de legalidade e de normalidade política. Em 1933 o
próprio Grau San Martin havia anunciado uma
Constituinte para estabelecer a forma jurídica do
Estado. democrático. Mas, como os fatos provaram, o
projeto das classes dominantes só seria viável após
sufocar a insubordinação popular. Assim, os setores
mais reacionários, e entre eles Batista e Menocal,
jogavam com a postergação indefinida da Consti-
tuinte, dizendo que antes era necessário "ordenar" o
país. Para contornar a situação promulgou-se em
49
I,
50 Abelardo BlancolCarlos A. Dória
junho de 1935 uma Lei Constitucional que colocou o
país novamente sob a Constituição de 1901, o que de
modo algum poderia servir de base para a conso-
lidação das conquistas populares. Esta manobra, que
se tornou conhecida como "pacto institucional", não
só levou o desencanto à oposição como assegurou a
realização de eleisões parlamentares de perfil nitida-
mente conservador em novembro do mesmo ano.
Face aos resultados das eleições, Mendieta renun-
ciou, sendo substituído por José A. Barnet, que go-
vernou até as eleições presidenciais de 1936, quando
foi eleito Miguel Mariano Gómez Arias.
\( Enquanto isto Batista fortalecia-se mediante a
utilização política do exército e lançava um pro-
grama demagógico para erradicar "os males de
Cuba", que consistia numa agressiva campanha pela
educação rural, pela repartição de terras e pelo
"equilíbrio" entre o capital e o trabalho. Para reali-
zar um de seus projetos, relativos às escolas rurais,
Batista idealizou criar um imposto de 0,09 dólar
por saca de açúcar produzido. Mas Mariano Gómez
vetou a lei, aprovada pelo Congresso já totalmente
dominado por Batista. Este, a seguir, fez com que os
congressistas julgassem e depusessem o presidente,
substituindo-o pelo vice, Federico Loredo Brú. Este
~gundo golpe de Batis~_
~~ No campo oposicionista, por sua vez, as princi-
pais forças eram compostas pelos partidários de Grau
San Martin, que haviam fundado o Partido Revolu-
cionário de Cuba (PRC ou Autêntico) e que conta-
vam com o apoio de militantes do Diretório Estu-
'0~.
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
dantil e do Partido Comunista. Este, até então,havia
adotado uma tática bastante sectária, tentando apli-
car à ilha o modelo da revolução soviética. Carac-
terizou-se por uma atitude estreitamente obreirista,
evitando aproximar-se de forças democráticas ou na-
cionais-revolucionárias e, por isso, alimentou du-
rante muito tempo uma série de desconfianças com
relação a Guiteras e seus seguidores. No entanto,
a partir de 1937, o PCC mudou sua orientação de
forma surpreendente. Em parte isto se explica pelas
alterações ocorridas na orientação da Internacional
Comunista, que em seu VII Congresso (Moscou,
1935) adotou a política das frentes popularespara
substituir a tática sectária anterior, responsável pela
desastrosa derrota dos comunistas alemães frente ao
nazismo. Progressivamente, porém, o movimento
comunista. internacional foi concentrando suas ener-
gias na luta contra o crescente perigo que represen-
tava a ascensão do nazismo e do fascismo. Preocu-
pados em abrir sua política para amplas massas anti-
fascistas, a maioria dos partidos comunistas, .sobre-
tudo aqueles dos países dependentes ou dominados
por grandes potências, passaram a deixar em se-
gundo plano a luta antiimperialista.
(/" Substituindo o inimigo tradicional do povo cu-
bano - o imperialismo norte-americano - por um
adversário novo e distante - o fascismo europeu -,
o Partido Socialista Popular (este era, agora, o novo
. nome do antigo PCC) aproximou-se do PRC com vis-
tas a formar uma vasta frente popular para lutar
pela convocação da Assembléia Constituinte "livre e
51
Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
soberana". Grau San Martin, até então ferrenho
abstencionista, opunha-se à política de frente popu-
lar, mas concordou em estabelecer um acordo tem-
porário com os comunistas.
~, Pelo lado do governo, a mobilização de massas
na luta antifascista, especialmente o comício Pró-
República Espanhola realizado no Estádio Tropical;
a celebração do 1?'de maio e outras campanhas como
a da anistia funcionaram como indícios de que era
chegada a hora de adotar medidas mais populares
para evitar o ressurgimento da crise revolucionária.
Loredo Brú promoveu uma entrevista entre Grau San
Martin e Batista, onde se firmaram as bases para um
acordo em torno da convocação da Constituinte.tEm
abril de 1939 foi aprovado um novo código eleitorãl e
em novembro foram convocadas as eleições para a
Constituinte.
/p(P As eleições se realizaram com o agrupamento de
forças políticas em dois blocos: a Coalizão Socialista
Popular, que incluía os partidos tradicionais, inclu-
sive as forças de Batista, e o Partido União Revolu-
cionária Comunista, que representava os comunistas
no plano legal; por outro lado, o bloco de oposição
preferira uma política de contemporização com Ba-
tista a aprofundar sua aliança com os autênticos de
Grau San Martin; mas apesar disso a União Revo-
lucionária Comunista conseguiu eleger 6 delegados
em 36 da Coalizão, contra 4S delegados da oposição.
Grau San Martin, representante da maioria oposi-
cionista, foi eleito presidente da Constituinte mas só
permaneceu neste cargo pouco tempo, até que Me-
Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro
nocal se passou para o lado do governo, transfor-
mando a minoria em maioria. A nova constituição foi
promulgada em julho de 1940. No mesmo mês reali-
zaram-se eleições das quais Fulgêncio Batista saiu
eleito, derrotando Grau San Martin.
L"\ Os comunistas, que haviam tido 97000 votos na
Constituinte, jogaram sua força eleitoral para consa-
grar Batista. Por isso, foram chamados a participar
de seu governo, mas ficaram de mãos atadas. O Par-
tido Socialista Popular considerava que a União So-
viética havia estabelecido uma aliança de guerra com
as chamadas "democracias ocidentais" - Estados
Unidos, França e Inglaterra - para combater o nazi-
. fascismo. Cuba, estreitamente integrada ao sistema
imperialista norte-americano, participava desta
aliança; Batista era, inclusive, favorável à partici-
pação cubana na guerra e, portanto, nada mais na-
tural do que apoiá-lo, Apesar de se contar com uma
Constituição relativamente progressista, o ~treíã0-
me-;rtodas forças revolucionárias ao governo impediu
a-ãcíoção de medidas populares. A especulação com o
comércio de guerra provocou enorme inflação, os
aumentos salariais reclamados pelos sindicatos fo-
ram boicotados pelas forças reacionárias e o descon-
tentamento das massas trabalhadoras foi tamanho
que, ao cabo de quatro anos do governo de Batista,
em vez de votarem em seu candidato, Saladrigas,
elas preferiram eleger Grau San Martin.
lr" Com a eleição de Grau o PRC chegou ao poder
praticamente sozinho, sem alianças com qualquer
outro partido. Isto não impediu, porém, que os
54 Abelardo Blanco/Üarlos A. Dória
comunistas, seguindo a linha dos demais partidos
congêneres no mundo, procurassem colaborar com o
desenvolvimento da economia nacional que, em certa
medida, correspondia à tradução para os países sub-
desenvolvidos dos esforços de reconstrução no pós-
guerra. Blas Roca, principal dirigente do PSP, de-
fendia como pontos básicos para os comunistas:
apoio a todas as medidas progressistas do governo,
constituição de um organismo de unidade nacional e
rejeição de toda oposição inconseqüente. Outros diri-
gentes, porém, opunham-se a' esta orientação, des-
confiados de que Grau se juntaria aos comunistas
para enfrentar o problema do exército, ou seja, en-
fraquecer Batista, e depois acabaria voltando-se con-
tra os próprios comunistas.
~c...Foi de fato o que aconteceu. Grau San Martin
afastou dos altos cargos do exército todos aqueles
que haviam acompanhado Batista desde 1934. Em
seguida, a par de algumas medidas demagógicas
contra a especulação com o suprimento de gêneros
alimentícios e contra a alta do custo de vida, atirou-
se de corpo e alma numa ampla manobra com vistas
a dividir o nTovimento sindical e isolar os comunistas,
quebrantando assim o movimento de massas. Grau
se aproveitou da política justa da unidade para íntro-
. duzir elementos seus na direção da central sindical,
especialmente Eusébio Mujal, que pouco depf3~-
mandaria a formação de uma outra central pelega.
Mas esta vasta operação de ruptura da unidade sin-
dical não parou aí, incluiu' também o assassinato de
Jesús Menendez - o popular dirigente da Federação
Revo/ução Cubana: de José Marti a Fide/ Castro
dos Trabalhadores da Indústria do Açúcar, chamado
pelo poeta Nicolás Guillén de "general da cana-de-
açúcar" .. Quando o governo de Grau terminou, a
maioria dos sindicatos havia sido aniquilada ou havia
passado para o controle dos pelegos dirigidos pelo
ministro do Trabalho, Carlos Prio Socarras. O go-
verno Grau San Martin revelou-se pois uma enorme
decepção. A corrupção e a violência haviam-se tor-
nado normas da vida .política a tal ponto que o pró-
prio Grau era acusado do escandaloso roubo do dia-
mante do Capitólio e de incentivar oficialmente o
gangsterismo. Em decorrência deste clima produ- .
ziu-se uma séria cisão no PRC, comandada por
Eduardo Chibás, um de seus dirigentes históricos,
cuja campanha contra o governo galvanizaria de novo
toda a oposição. Na verdade, à parte os escândalos e
a corrupção reinante no governo de Grau, ele simbo-
lizava a adoção da estratégia da guerra fria, o macar-
thismo e o anticomunismo. Seu sucessor, Prio Socar-
ras, eleito em 1948, seguiria basicamente a mesma
política. Mas naquela eleição já se tornaria claro que
o PRC havia perdido seu enorme caudal eleitoral,
uma vez que os votos conseguidos por Prio foram
uma minoria frente à soma dos votos dos demais
partidos, inclusive os do PSP que compareceu com a
candidatura de Juan Marinello.
. :\o Foi durante o governo de Prio que se deu a cisão
na central sindical (CTC). Sob o pretexto de que
muitos dirigentes sindicais não estavam de acordo
com as resoluções da V Congresso de Trabalhadores
-realizado em 1947 pela CTC, o governo promoveu
Abelardo Blanco/Carlos A. Dória
outro congresso de onde nasceu uma CTC oficialista,
dirigi da por Mujal e reconhecida pelo governo, mas
chamada popularmente "CTK" - com isso que-
rendo-se assinalar a presença do capital em sua cons-
tituição.
1).' O que caracterizou o período do governo de Prio
foi uma certa retomada dos protestos populares, que
teve início a propósito de um projeto de aumento dos
preços dos transportes urbanos e das tarifas elétricas.
Para combater a agitação Prio apelou para a repres-
são e a censura. Além do empastelamento do jornal
Hoje, dos comunistas, Chibás e Garcia Aguero foram
proibidos de prosseguir com o programa radiofônico
que mantinham e que era uma das principais tribu-
nas contra o governo. O próprio Chibás chegou a ser
preso e condenado aseis meses de detenção. Mais
grave, porém, foi a criação de milícias paramilitares
intituladas Grupo de Repressão às Atividades Sub-
versivas (GRAS) e que, teoricamente, destinavam-se
a combater o gangsterismo que o próprio governo de
Grau incentivara.
,\'V Apesar da ofensiva repressiva, o governo estava
em má situação. Um senador trouxe a público uma
ampla denúncia contra o governo de Grau provando
que ele havia desviado cerca de 74 milhões de pesos,
através de uma falsa incineração do dinheiro tirado
de circulação, o que obrigou Carlos Prio a romper
publicamente a aliança com Grau. Além disso, Chi-
bás havia conseguido organizar com sucesso seu Par-
tido do Povo Cubano (Ortodoxo) - no qual o próprio
Fidel Castro militaria no início de sua vida política -
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
de forma a se tornar praticamente imbatível nas elei-
ções. Mas Chibás, a 5 de agosto de 1951, após fazer
um dramático discurso pelo rádio, suicidou-se diante
dos microfones. Sua morte dramática, em pleno pe-
ríodo eleitoral, aumentou ainda mais o prestígio do
Partido Ortodoxo. Contra ele concorreria Fulgêncio
Batista, que havia:!?o eleito senador, e que para
tanto fundara o.anôdin Partido de Ação Unitária./'
Mas, diante do possív apoio dos comunistas ao can-
didato ortodoxo, Agromonte, Batista sabia que não
teria chances. O imperialismo não desejava correr
riscos. No dia 10 de março de 1952 Batista entrou no
quartel Colúmbia, sede do Estado-Maior do Exér-
cito, para ultimar o golpe. Um oficial do exército
norte-americano acompanhou de perto os momentos
decisivos da operação. Seria este o terceiro e último
golpe de Batist~... -
\
•
r
'"
A LUTA REVOLUCIONÁRIA
CONTRA BATISTA
"J .
~ "Numa manhã a cidade despertou estremecida:
nas sombras da noite os espectros do passado ha-
viam-se conjurado enquanto ela dormia, e agora a
tinham agarrada pelas mãos, pelos pés e pelo pes-
coço. Aquelas garras eram conhecidas, aquelas bo-
tas ... ". Assim Fidel Castro se referiria tempos de-
pois, em seu famoso A História me absolverá, ao
golpe de Batista que sepultou definitivamente as
esperanças do povo cubano de constituir um governo
renovador através das urnas. O putsch militar, diri-
gido contra o triunfo potencial do partido "Orto-
doxo", só interessava aos Estados Unidos e seus ser-
.vidores internos. Através dele Batista prestava vassa-
[agem à estratégia da guerra fria como, aliás, não se
.pejaria em confessar: "O movimento revolucionário
(isto é, o golpe que comandou) tinha como propósito
reforçar, o sistema democrático de nossa pátria e
Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro
estreitar as relações com o mundo livre, e por isso nos
dispusemos a servir de dique às atividades verme-
lhas". Em segundo lugar, interessava aos negócios de
seu grupo mais próximo e à Máfia, como facilmente
se depreende da análise de seu "plano econômico".
"')\ O balanço que se pode fazer de seu pomposo
programa de "inversões reprodutivas" acabou resu-
mindo-se ao seguinte: ampliação de uma -parte do
Malecón - a avenida à beira-mar de Havana; cons-
trução de uma cidade esportiva; construção de um
aeroporto militar no quartel de Colúmbia e aquisição
de quatro jatos e um sistema de telecomunicações
para o exército; reforço à empresa de transportes,
que era um monopólio norte-americano; financia-
mento à construção de vários hotéis de luxo de inte-
resse da Máfia norte-americana e a construção de um
túnel sob a baía de Havana ao custo astronômico de
3S milhões de dólares. Todas estas inversões corres-
pondiam ao fato de Cuba haver se convertido, após a
Segunda Guerra, num imenso balneário norte-ameri-
cano em larga medida destinado a abrigar as ativi-
dades da Máfia que eram reprimidas nos Estados
Unidos. Para se ter uma idéia da extensão deste ne-
gócio basta recordar que, sob o seu governo, foram
rêcenseaÕàs" 11 SOO prostitutas e 27000 agentes de
jogo; ao passo que os trabalhadores das minas cu-
banas não atingiam sequer a cifra de 10000.
"i() No plano político, Batista iniciou seu governo
revogando logo em abril a Constituição de 1940. Este
fato, somado à adoção do "Plano Truslow" - rela-
tório sobre a economia cubana realizado em 1949 por
59
uma missão do Banco Mundial-, provocou um rá-
pido reagrupamento de forças. Os elementos mais
reacionários dos velhos partidos tradicionais reuni-
ram-se em torno de Batista, ao passo que os que a ele
se opunham, especialmente os ortodoxos, retorna-
ram às velhas teses abstencionistas e insurrecionais.
Em decorrência desta falta de perspectiva da oposi-
ção burguesa nãe tardou a que se assistisse ao com-
pleto esfacelamento do partido "Ortodoxo", quando
um grupo dele se destacou para formar outro agru-
pamento inconseqüente chamado Partido do Povo
Livre. Na verdade a burguesia cubana estava prisio-
neira de sua própria falência política como atesta,
por exemplo, um editorial da revista Bohemia de
apenas seis dias após o golpe: "Por maior que seja
nosso amor à democracia - dizia o órgão mais im-
portante da imprensa burguesa - sempre haverá de
nos consolar a alteração institucional que se encami-
nhe para a alteração de um regime putrefato, sem
valores morais de espécie alguma" .
I~ li? No campo das forças revolucionárias, por sua
vez, o Partido Socialista Popular, ferrenhamente per-
seguido, propunha a formação de uma Frente Demo-
crática Nacional com vistas a reunir todos os grupos
interessados em lutar contra a ditadura e resgatar a
Constituição de 1940, dando assim a tônica das pri-
meiras manifestações de rua em que os estudantes
voltariam a ter um papel destacado, semelhante ao
desempenhado na luta contra Machado.
"".'"Além da crise dos partidos tradicionais, um dos
fatos que contribuíràm para a radicalização da ju-
Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro
ventude cubana foi a morte do estudante Rúbem
Medina durante uma manifestação, inaugurando
assim a longa lista de vítimas de Batista que se cal-
cula em cerca de 20000. Neste processo de radica-,
lização teve papel central Fidel Castro. O jovem
advogado fazia parte então de um grupo ortodoxo
preocupado em fazer a crítica da trajetória do par-
tido após a morte de seu líder, Eduardo Chibás. O
grupo editava um pequeno jornal mimeografado -
O Acusador - onde, transcorridos apenas cinco me-
ses do golpe de Batista, podia-se ler, da lavra do
próprio- Fidel, a seguinte avaliação da situação: "O
momento é revolucionário e não político. A política é
a consagração do oportunismo dos que. têm meios e
recursos. A Revolução abre caminho ao mérito ver-
dadeiro, aos que têm valor e ideal sincero,aos que
expõem o peito descoberto e empunham o estan-
darte. A um partido revolucionário deve correspon-
der uma direção revolucionária, jovem e de origem
popular que salve Cuba".
,~tFidel já era sem dúvida uma pessoa incomum.
.Havia-se inscrito na Universidade de Havana em
1945, no curso de Direito. Em 1947 iniciou sua ati-
vidade política como ortodoxo e como vice-presidente
da associação de alunos da escola de Direito. Nesta
condição teve papel destacado num incidente entre o
governo de Grau e os estudantes, envolvendo a trans-
ferência de Manzanillo para Havana do "Sino de La
Demajagua" - uma relíquia histórica que simboli-
zava a libertação dos escravos e o início da guerra de
independência em 1868. O governo havia tentado se-
61
62
qüestrar a relíquia e fora repelido pela população
local. Em seguida Fidel, em nome da Federação de
Estudantes Universitários (FEU), participou da
transferência do sino para Havana e da organização
de uma manifestação que reuniu cerca de 30 mil
pessoas, roubando assim ao governo a oportunidade
de realizar um ato demagógico. Em abril de 1948,
esteve em Caracãs representando a FEU no con-
gresso estudantil latino-americano quando se deu Q
assassinato do presidentevenezuelano José Gaitan,
que desencadeou a famosa revolta popular conhecida
como Bogotazo, Fidel participou dos combates e se-
guiu ,a retirada dos insurgentes para as montanhas de
onde s6 Saiu quando as munições terminaram, sendo,

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