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==lIITURAS~=-lill~[(]~ Abelardo Blanco Carlos A. Dória • Acumulação Dependente e Subdesenvolvimento - André G. Fmnk ~ • A Igreja dos Pobres na América Latina - Fund. SP/PUC • Desafios ao Capitalismo - John G. Gurley • Historiografia do Imperialismo - Cad. História 4 • Questão Nacional e Marxismo - Jaime Pinsky Coleção Primeiros Passos • O que é Comunismo - Ama/do Spinde/ • O que é História - Vavy Pacheco Borges • O que é Imperialismo - Afrânio Mendes Catani • O que é Revolução - F/orestan Femandes • O que é Socialismo - Ama/do Spinde/ • O que é Subdesenvolvimento - Homcio González Coleção Tudo é História • A Afro-América: A Escravidão do Novo Mundo - Ciro F/amarion Cardoso • A Formação do 3? Mundo - Ladis/au Dowbor • A Guerra Fria - Déa R. Fene/on • As Independências na América Latina - Leon Pomer • A Nicarágua Sandinista - Marisa Marega • América Central: Da Colônia à Crise Atual - Héctor P. Brigno/i • O Populismo na América Latina - Maria Lígia Prado • Militarismo na América Latina - Clóvis Rossi Coleção Primeiros Vôos • Acumulação Capitalista na América Latina - Hector Bruit REVOLUÇÃO CUBANA: ~ DE JOSÉ MARTI A FIDEL CASTRO (1868-1959) 1~ edição 1982 2~ edição jal3 4OanosdeboVv~ I C A M P R I B LI O T E C;\ ( f. rJ T R A l Copyright ©Abelardo Blanco/Carlos A. Dória Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos Caricatura: Emílio Damiani Revisão: José E. Andrade C 1 a 88 i f .pf2.,~Jqç,4 A u t o r T:..§.;)..3..~ . V ~:.I.:-:.~ ..: Ex . T..olIl.b.Q... BC/ ..l..'S.~~..ª.~. --:c-Fc W1353~,.--_ ........................•.....••••..... ,.- "' . 1)'N ...~~ ?.~\t ~60 lw editora brasiliense s.a. 01223 - r. general jardim, 160 são paulo - brasil INDICE Introdução 7. A guerra de independência e a presença ame- ricana 11\ O pós "guerra e a ditadura de Machado 28 Do "Governo dos Cem Dias" ao golpe de Batista 45 A luta revolucionária contra Batista .. . . . . . . . . 58 A guerrilha implanta-se na Sierra Maestra 74 A ofensiva final e a tomada do poder 92 Indicações para leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 106 1t , Para Hélio Dutra, cúmplice deste livro Para Fernanda e Marion INTRODUÇÃO "Venga mi caballero Por esta senda! Êntrese mi tirano Por esta cueva!" José Martí, Príncipe Enano) A história de Cuba é a história ~e um povo em luta incessante Ipela autodeterminação. De todas as repúblicas latino-americanas foi a que conheceu a dominação colonial mais prolongada e, quando se li- bertou do jugo espanhol, o mundo já entrava na fase do imperialismo. Por determinação histórica e geo- gráfica, sofreu dramaticamente os efeitos da incon- tida expansão do império norte-americano. Não seria portanto exagero atribuir ao caráter permanente desta luta a projeção continental dos líderes que nela se destacaram em suas várias fases, como José Martí, Che Guevara e Fidel Castro. Estes heróis da história cubana tornaram-se, assim como Simon Bolívar, 8 símbolos e portadores de uma esperança universal num continente que ainda hoje se debate na luta contra a dominação estrangeira. No entanto, a impressionante capacidade de li- derança destes expoentes da revolução cubana de- corre do fato de terem sido, permanentemente, intér- pretes fiéis dos sentimentos populares, capazes de identificar, mesmo nos reveses temporários, os sinais dos novos caminhos a trilhar. Do lado das forças populares, é bem provável que o negro fugido que compunha o Exército Mampi em luta contra os espa- nhóis, no século passado, desejasse a mesma coisa que o camponês que aderiu ao Exército Rebelde para colocar fim à ditadura de Fulgêncio Batista, em 1959. Ê por isso que na história de Cuba não se encontram grandes soluções de continuidade na orientação daqueles que dirigiram a luta emancipa- cionista. Fidel Castro, em seu curto exílio após o ataque ao quartel de Moncada, cumpriu deliberada. mente o mesmo roteiro antes feito por José Martí. Quando desembarcou do iate Granma em 1953, pro- veniente do México, estava realizando um plano frus- trado concebido pelo dirigente comunista Júlio An- tonio Mella cerca de duas décadas antes. Sem dú- vida, parcelas expressivas do povo cubano viam nos combatentes do Movimento 26 de Julho os continua- dores da obra daqueles heróis e nada mais natural, portanto, que eles também se vissem assim. Mas o propósito deste pequeno livro não se re- sume a mostrar a continuidade histórica que há na luta do povo cubano no último século. Procura-se Revolução Cubana: deJosé Marti a Fidel Castro também evidenciar que a ruptura conquistada frente ao imperalismo não foi, ao contrário do que vulgar- mente se pensa, obra de um pequeno grupo de abne- gados que, 'sob uma disciplina férrea e com grande determinação, soube levar o povo à vitória militar. Desde a década de 30 Cuba viveu uma crise revolu- cionária mais ou menos permanente onde as gran- des. massas, rurais e urbanas, sempre estiveram à frente das principais conquistas arrancadas à débil burguesia tributária do imperialismo. Quando o movimento de massas arrefecia, era à custa de uma repressãe cruel que encontra paralelos na história de poucos países. Além disso, acreditamos que Cuba não gerou um "modelo de revolução" que fosse exportável. Esta imagem falsa da revolução deve-se, por um lado, à propaganda ideológica patrocinada pelos enormes interesses mundiais contrariados pela revolução e, por outro, às esperanças que ela despertou em imen- sas parcelas da juventude latino-americana durante a década de 60. Tentando desencadear outras "revo- luções cubanas" na América Latina a partir da re- criação da experiência guerrilheira de Sierra Maestra - onde o exército de Fidel Castro pôde reunir as condições necessárias para o assalto final a Batista -, -rnilhares de jovens que viviam em países igual- mente miseráveis deram suas vidas numa experiência generosa, mas historicamente fadada ao fracasso. O próprio Che Guevara, destacado comandante de Sierra Maestra, sucumbiu vítima deste equívoco, em terras bolivianas. 10 Abe/ardo Blanco /Carlos A. Dória As experiências históricas não se repetem por- que nunca se pode reunir novamente, como num laboratório, a infinidade de determinações que pro- duziram um fato singular. Mas, apesar do fracasso da experiência' guerrilheira latino-americana dos anos 60, não se pode dizer que a esperança tenha morri do com Che Guevara. Ao contrário, vários paí- ses - especialmente na América Central e no Caribe - têm encontrado seus caminhos próprios de liber- tação, como' é o caso da revolução sandinista na Nicarágua. Para estas revoluções foi e é fundamental o exemplo e o apoio de Cuba. E é por isso que os Estados Unidos tentam recriar a política da guerra fria no continente e novamente isolar e estigmatizar Cuba, procurando evitar que aos poucos vá fir- mando-se a autodeterminação dos povos como condi- ção para se atingir uma forina superior de unidade de interesses e cooperação. Uma maior aproximação entre os povos latino- americanos exige, porém, um maior conhecimento mútuo e, no caso de Cuba, que se rompa defini- tivamente o manto de silêncio e desinformação que recobre ahistória recente de seu povo. Se é verdade que Cuba não exportou nenhum "modelo" de revo- lução, também é verdade que paga, até hoje, o alto preço de ter sido o primeiro país socialista nas Amé- ricas e por isso enfrenta, há mais de duas décadas, um pesado bloqueio econômico, cultural e político por parte dos interesses norte-americanos e dos go- vernos que a eles se perfilam. A GUERRA DE INDEPEND~NCIA E A PRESENÇA AMERICANA " No último século a história de Cuba confunde-se com a luta de seu povo pela autodeterminação. O desmoronar do império colonial espanhol a partir das guerras napoleônicas não significou, para a pe- quena ilha, sequer a conquista da independência formal nos moldes conseguidos por outras ex-colô- nias. A proximidade geográfica com os Estados Uni- dos não só favoreceu a expansão da indústria e do comércio do açúcar e do tabaco, como também pas- sou a ser o mais forte condicionante de seu desen- volvimento político.De fato, a anexação de Cuba sempre foi uma tentação para a política norte-ameri- cana, Já no século XVIII, os colonos ingleses do Novo Continente tomaram parte em expedições contra Cuba. Na conquista de Havana pelos ingleses, em 1762, um quarto dos efetivos provinha das colônias norte- americanas. -12 ~ Com a independência dos Estados Unidos as- siste-se à expansão em direção ao Oeste e ao Sul, cujos objetivos eram a Louisiana, a Flórida e o Texas, mas não pode passar despercebido o fato de que o primeiro governador da Louisiana - a qual os Esta- dos Unidos compraram à França em 1803 - assim se manifestou, por carta, a Jefferson: "Cuba é a verdadeira desembocadura do Mississipi e a nação que a possuir -poderá provavelmente dominar, no futuro, a região ocidental. Mas que a ilha seja nossa, e a União americana será incontestável!". Na mesma linha, em 1823 o Secretário de Estado norte-ameri- cano escreveria o seguinte: "Existem leis de gravita- ção política assim como existem leis de gravitação física. E assim como uma maçã, separada de sua árvore por força do vento, não pode, ainda que quei- ra, deixar de cair ao solo, da mesma forma Cuba, uma vez separada da Espanha e rompida a conexão artificial que as vinculam, tem que gravitar necessa- riamente em torno da União norte-americana, e em torno dela exciusivamente, enquanto que à própria .União, em virtude da lei, será impossível deixar de admiti-Ia em seu seio". No mesmo ano o próprio Jefferson reconheceria que a anexação de Cuba seria a melhor maneira de promover o poderio norte-ame- ricano "até o limite de seu máximo interesse". ~Mas a cobiça norte-americana que, além das razões econômicas, expressava a convicção no "des- tino manifesto" dos Estados Unidos para "civilizar" todo o continente, era apenas mais um elemento Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro <~ ~~:Ici-t:)0 ~-i: Q) 0.0 1;:1 ê- ~ ~ I V) ~-l f <r: ::l I Vl .8 ::l-lI<r: = o (1$ " O ~;"E0:- .,o o: c c:: a g.·~H""O ~ "'0:"0 ~~~ § '·11~, Jo~ .- •...~ §' « ~ 6w,~ "'<a.\..08zt=<r: Z ~ ~I<r: . U-l Of-<<r: fI'<f! ~ ~/-r?' ""Cl·~ , .....-... , v «:: " ' ~• ~os: ~ o O~OU-lo><8 I~::E 14 complicado r na crise do sistema colonial na região do Caribe, já que, na realidade, os Estados Unidos te- miam que o desmoronar do império espanhol desse lugar ao predomínio britânico na área. Temiam, além disso, que uma vez desencadeado o processo de I independência, a aristocracia criolla não fosse.capaz de controlar as energias liberadas, particularmente a I· I agitação dos ejcravos e da classe baixa branca das .: cidades. <. '< A primeira guerra de independência de Cuba, conhecida como a Guerra dos Dez Anos (1868-1878), foi esmagada de forma sangrenta pelos espanhóis capitaneados pelo General Valeriano Weyler. Apesar disso, houve promessas de reformas que evidente- mente não foram cumpridas. Mas o general rebelde Máximo Gómez não se deixou iludir e recusou o tratado de El Zaniôn, exigindo, em vez da mera suspensão das hostilidades, a independência total de Cuba. Assim como Gómez, o generaL mulato Anto- nio Maceo continuou com o movimento militar, pre- ferindo posteriormente, por falta de recursos, exilar- se a aceitar a rendição. Em que pese este aparente fracasso dos emancipacionistas, prosseguiram du- rante os dezessete anos seguintes - que Martí cha- maria de "repouso turbulento" - os esforços dos patriotas em prol da independência. Na formação da consciência nacional contribuíram, nesta etapa, vários' escritores, oradores e pensadores cubanos como Enrique José Varona, Manuel Sangui1y e o próprio José Martí - figura mais destacada daquela Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro geração. \\ Martí era filho de pai espanhol e nascera em Havana em 1853. Com apenas 17 anos foi condenado a seis anos, de prisão por ter participado de atividades independentistas, sendo que, posteriormente, a pena foi transformada em desterro na Espanha. Mais tarde viria a participar de forma decisiva na fun- dação do Partido Revolucionário Cubano, concebido como um instrumento da guerra de independência e que logrou atrair novamente para a luta uma série de cubanos exilados, especialmente os dois generais que haviam-se destacado na Guerra dos Dez Anos. ,\ Por volta de 1894 o Partido Revolucionário Cu- bano havia terminado os preparativos para a insur- reição e já contava com a cooperação dos núcleos de trabalhadores cubanosresidentes no exterior, o apoio dos negros emancipados, dos camponeses e de nume- rosos pequenos proprietários e profissionais liberais. Em fins de março de 1895, com a guerra já reini- ciada, Martí, na qualidade de delegado do PRC, e Máximo Gómez, como chefe do Exército Libertador, firmaram em São Domingos o Manifesto de Monte- cristi, que expressava a unidade dos esforços civis e militares para pôr fim à dominação colonial. O mani- festo expunha os propósitos daquela guerra "neces- sária e justa" e dava corpo à plataforma ideológica da revolução. Nele se pregava a necessidade da guerra como forma de expulsar os espanhóis ao mes- mo tempo em que se fazia um estudo das desafor- tunadas repúblicas da América hispânica, atribuin- do-se os fracassos freqüentes ao erro de se quererem ajustar a "modelos estranhos" (numa clara alusão aos Estados Unidos); fazia uma análise das relações raciais e destacava a amplitude cultural do povo cubano; "exortava os espanhóis residentes em Cuba a se tornarem cidadãos cubanos e concluía: "Os cuba- nos estão preparados para serem livres e governarem- se a si próprios" . ,) Em abril do mesmo ano os revolucionários de-I' . sembarcaram em Cuba, procedentes do exílio. Martí, infelizmente, veio a morrer um mês depois na bata- lha de Dos Rios. Apesar desta perda fundamental, o movimento era agora de tal amplitude que as forças rebeldes venceram rapidamente as principais bata- lhas contra os espanhóis, passando a controlar boa parte do território da ilha e organizando, em Cama- güey, o novo Governo da República ~m Armas, diri- gido pelo General Máximo Gômez, o, No curso deste processo foram vári'as as .tenta- ti~as do governo norte-americano de funcionar como uma espécie de mediador entre as partes em conflito. A negativa da Espanha em aceitar este papel por parte da potência emergente foi comunicada ao go- verno norte-americano por seu embaixador em Ma- dri de forma desolada e com as seguintes palavras: "A Espanha poderá ser impelida a abandonar Cuba, mas nunca venderia ou cederia a ilha aos Estados Unidos. Nunca poderão os Estados Unidos adquirir a ilha com o consentimento espanhol. Se queremos a ilha, teremos que nos apoderar dela pela conquista". ~ Certa vez Martí escreveu a um amigo dizendo que era necessário impedir a tempo, com a indepen- Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro 17 dência de Cuba, que os Estados Unidos se expan- dissem pelas Antilhas para depois caírem, "com mais força, sobre nossas terras da América". Contudo, sua advertência fora em vão. A oportunidade que os norte-americanos esperavam surgiu a IS de fevereiro de 1898 quando seu encouraçado Maine foi bombar- deado no porto de Havana. Em abril o Congresso norte-americano resolveu que Cuba devia ser "livre e soberana"; no dia 23 os Estados Unidos declaravam guerra à Espanha e desembarcavam os marines em Cuba. A "guerra" foi fulminante e não se limitou à ilha de Cuba, estendendo-se a Porto Rico e às distan- tes Filipinas. Embora Cuba não tenha sido anexada ao território norte-americano, ficou sujeita a seu do- mínio até que nela se restabelecessem "instituições políticas estáveis ... ". \~ O general norte-americano Leonardo W ood foi nomeado Governador Militar de Cuba. Este fato sig- nificou na prática a capitulação da Espanha que, pelo Tratado de Paris (janeiro de 1899), renunciou a seu direito de propriedade e soberania sobre Cuba e os demais territórios. Lênin referiu-se mais tarde à guerra entre Estados Unidos e Espanha como sendo uma das crises mais importantes no surgimento do imperialismo contemporâneo e na preparação da Pri- meira Guerra Mundial.\ \ Assim que entrou em Santiago de Cuba, o pri- meiro ato do general Wood foi decretar a diminuição dos impostos que gravavam a importação de pro- dutos americanos. Além disso, seus esforços concen- traram-se em promover o desarmamento do Exército 18 Libertador. Para tanto, os norte-americanos ofere- ceram a quantia de três milhões de dólares a serem repartidos entre os soldados que depusessem as ar- mas, a título de "compra" de seus rifles e munições. A resistência de Máximo Gómez ao desarmamento foi logo neutralizada a partir de uma moção votada pela Assembléia de Santa Cruz - que representava as forças cubanas vitoriosas - destituindo o Chefe do Exército e expressando assim a disposição de cola- boração de significativas parcelas das forças liberta- doras. A manobra, coroada de sucesso, havia sido duplamente interessante para os americanos. Serviu, por um lado, para dividir as forças revolucionárias e isolar Máximo Gómez ~, por outro, provocou pro- testos populares que acabaram por corroer a própria autoridade da Assembléia, que concordou em se dis- solver em abril de 1899. A vitória sobre o colonia-. lismo espanhol havia sido completamente apropriada pelo imperialismo nascente. -éo Em fins de 1899, o presidente Machkinley afir- mou em sua Mensagem ao Congresso dos EUA que Cuba ficaria necessariamente ligada aos Estados Unidos por vínculos especiais e que tais vínculos poderiam ser orgânicos ou convencionais, sendo que somente o futuro diria até onde o destino de Cuba haveria de ser irrevogavelmente unido ao dos Estados Unidos. Cumprindo esta orientação política, o gene- ral Wood convocou em Cuba, por decreto de julho de 1900, uma Assembléia Constituinte para redigir uma Constituição para o povo de Cuba e, como parte dela, "acordar com os Estados Unidos no que diz Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro respeito às relações que haverão de existir entre aquele governo e o governo de Cuba". \~ A Constituinte, por influência de um grupo de parlamentares liberais, procurou desdobrar habil- mente as duas tarefas e apenas redigir a Constitui- ção, deixando a segunda tarefa para uma Comissão que se pronunciou contra a inclusão como apêndice constitucional de um documento que definisse a natureza das relações com os EUA. Diante de tal fato o senador norte-americano Orville H. Platt apresen- tou ao Congresso de seu país, a pedido do presidente, uma emenda que definia o estatuto das relações cu- bano-americanas. Em seguida, o governo norte-ame- ricano fez ver a Cuba que a não incorporação dá "Emenda Platt" na Constituição da ilha significaria a manutenção indefinida da ocupação e do governo militar como única garantia do "direito" dos EUA de submeter a ilha frente à cobiça de outras potências estrangeiras. -ro Finalmente, a 12 de junho de 1901 foi aprovada, por estreita maioria, a "Emenda Platt" como apên- dice constitucional. Segundo seu texto, Cuba admitia a tutela econômica e militar dos Estados Unidos; postergava a discussão sobre a inclusão da Ilha de Pinos em seu território; comprometia-se a vender ou arrendar terras para que os Estados Unidos nelas instalassem bases militares e portos; admitia a inge- rência americana em seus planos de vigilância epide- miológica e sanitária a fim de' evitar que enfermi- dades se propagassem pelo sul dos Estados Unidos e obrigava-se também a firmar tratados permanentes 20 com os Estados Unidos. Em 1903 foi de fato firmado um Tratado Permanente de Arrendamento de Bases Navais e Militares, cedendo Cuba "pelo tempo neces- sário" a região de Guantanamo aos EUA. Sobre o acordo em torno da "Emenda Platt" assim se expres- sou o general Wood: "Com o controle que temos sobre Cuba, um controle que sem dúvida logo se transformará em possessão" em breve praticamente controlaremos o éomércio do açúcar no mundo. Creio que esta é uma aquisição muito desejável para os Estados Unidos. A ilha se norte-americanizará gradualmente e, a seu devido tempo, contaremos com uma das mais ricas e cobiçadas possessões que há no planeta". 1\,\ O projeto de "norte-americanização" de Cuba seria, assim, uma espécie de preâmbulo para a ane- xação. De fato, no terreno econômico foi onde mais prosperou esta política durante a década de 1910- 1920, sendo que o Tratado de Reciprocidade Comer- cial, também assinado entre os dois países em 1903, foi o mecanismo privilegiado desta investida. Se- gundo este tratado, os produtos que até aquela data tinham entrada livre nos dois países continuariam gozando desta regalia; outros produtos, fixados em lista especial e importados pelos EUA, gozariam de uma tarifa 20% inferior à aplicada a produtos simi- lares de outras procedências que não Cuba; inversa- mente, Cuba concedia uma tarifa de 25% a 40% inferior para uma série de produtos provenientes dos Estados Unidos. Para que se tenha uma idéia acerca da importância desta medida, basta lembrar que no Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro período 1902-06 cerca de 45% do comércio exterior de Cuba era feito com os EUA, cifra que atingiu 74% no período 1917-21. l'V Desde os anos 80-90 vinha mudando a quali- dade das relações EUA-Cuba, pois foi naquele pe- ríodo que a indústria refinadora de açúcar norte- americana transformou-se erl1-~' A partir de então as inversões feitas em CUba passaram a ser inversões diretas de capital financeiro, promovendo a concentração da indústria açucareira através da compra de vários engenhos por norte-americanos, de tal sor.te que, em 1905, apenas 29 deles respondiam por 21 % das safras cubanas. Além disso, a dife- renciação também ficou bem marcada no terreno da produtividade, pois os engenhos de propriedade nor- te-americana produziam, em média, cem mil sacas por moinho, ao passo que os de propriedade cubana apenas cinqüenta mil sacas. O impulso da produção açucareira para sustentar o truste de refinarias ame- ricanas foi enorme; em 1908 o açúcar mascavo era responsável por 54% do valor total das exportações cubanas, chegando a atingir a cifra de 88,60/0 dez anos depois. r,,) Mas os interesses americanos não se limitaram à indústria açucareira. O lema de "americanizar Cuba" determinou grandes inversões na agricultura, nos negócios do tabaco, na mineração, no setor de transportes, na geração de energia, etc., atingindo o próprio sistema bancário, especialmente após a que- bra nos preços do açúcar em 1920. Enfim, data da- quela época a caracterização da economia cubana 22 como uma espécie de "economia de sobremesa" _ produtora de açúcar, tabaco, licores e frutas - a tal ponto que, até 1915, Cuba não possuiu sequer moeda própria. rv'" A vida política da pequena república natural- mente refletia este caráter tributário do imperia- lismo. A intervenção do exército americano e a "Emenda Platt", praticamente fizeram evaporar os sonhos de uma vidá independente, uma vez que foi impossível resistir ao desmantelamento do Exército Libertador. Até a delegação do Partido Revolucio- nário Cubano em Nova Iorque autodissolveu-se e desmobilizou seus organismos, sendo que seu chefe, Tomás Estrada Palma, tornou-se o primeiro presi- dente de Cuba com uma plataforma simplesmente de "austeridade", sepultando temporariamente os ideais de José Martí. Para se eleger, Estrada Palma havia constituído o seu próprio partido - o Partido Republicano, de vida efêmera -, ingressando a seguir no Partido Moderado, Cle perfil conservador, para tentar reele- ger-se. No primeiro embate com a oposição liberal, capitaneada pelo General José Miguel Górnez, insta- lou-se uma profunda crise política no país. Em se- tembro de 1905 foi assassinado, num ato de provo- cação, o dirigente oposicionista Enrique Villuedas. O fato produziu uma série de agitações que levaram Estrada Palma a suspender as garantias constitucio- nais e solicitar a proteção de tropas americanas para seu governo. Washington decidiu então, além da força militar. expedir para Cuba o seu secretário da Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro Guerra, William Taft, e o subsecretário de Estado. Em outubro de 1906 EstradaPalma literalmente en- tregou o poder a Taft e seus 5 000 marines . 1,7 Após o curto "governo" de Taft o poder foi entregue a Charles A. Magoon, norte-americano de vasta folha de serviços prestados a seu país e que já havia sido inclusive ministro no Panamá e governa- dor da zona do Canal. O programa do governo provi- sório de Magoon era bastante simples: acertar as diferenças entre os cubanos, realizar eleições e devol- ver o poder aos cubanos, evitando assim um exces- sivo desgaste do prestígio norte-americano entre as nações do continente. Magoon, ao que parece, conse- guiu seu intento através da corrupção política. Ficou célebre durante o seu governo a recuperação de uma instituição colonial, a botel/a, que consistia em dis- tribuir cargos públicos---para que os titulares recebes- sem salários sem trabalhar, dividindo-os com seus protetores políticos. 1,(p Finalmente, nas eleições gerais de 1908 triunfou o liberal general José Miguel Górnez. Seu programa oferecia uma nova esperança ao país: procurar rea- lizar a república democrática e independente frus- trada em 1898. Este programa obviamente não se concretizou, naufragando em meio às negociatas comandadas por interesses americanos. Seguiu-se a ele o governo conservador do general Mário G. Me- nocal, que havia sido chefe de polícia no período Wood e se dedicava a administrar os bens da Cuban American Co.. Sob o seu governo, e apesar da fraude eleitoral. o Partido Conservador sofreu duro revés 24 Abelardo Blanca/Carlos A. Dória nas eleições parciais de 1914. Com base na evidência de que seu partido seria derrotado também nas elei- ções presidenciais, Menocal manobrou e modificou a própria legislação para poder candidatar-se a um segundo mandato. A manobra, que contou com o apoio norte-americano, foi coroada de sucesso. A fraude eleitoral garantiu Menocal em seu cargo numa conjuntura $m que, graças à Guerra Mun- dial, pôde se tornar um virtual ditador a quem a oposição se referia como o kaiser de Cuba. Frente aos Estados Unidos, Menocal não possuía sequer o senso do ridículo. Quando o império declarou guerra à Alemanha, o governo cubano, no dia seguinte, imitou a metrópole. Ao terminar a guerra este gesto foi recompensado com a presença de uma delegação cubana entre as potências vitoriosas durante a dis- cussão do tratado de Versalhes ... Il,;" Do ponto de vista das forças populares pode-se considerar o período que vai do começo do século até o final da Guerra como uma época de superação dos traumas que se seguiram à manobra norte-americana para se apropriar da 'vitória do povo cubano con tra a Espanha: Com o movimento oposicionista dividido, em parte cooptado pela nova dinâmica político-elei- toral, as forças populares ficaram entregues à pró- pria sorte. Talvez a primeira manifestação de impor- tância tenha sido a greve geral de 1902 em favor da jornada de trabalho de oito horas e da melhoria das condições de vida do operariado. Outro foco impor- tante de insatisfação social à época foi o destino dado aos antigos componentes do Exército Libertador. Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro <11..9 6 '" " ><II",~;:s~_ ~~ :>. ai I::: ai.S:! c:t'-õ S E =<o ~ (I) u ..:] ~ ~ 8-.•.•$ (I) == s c ~Óãj (,I<....::.= ~,J:J~e '6-~..9 (I) •••••• 1:11:: ;:s '" til •ts~~&) .~ ~ "I:i ~ ~ o I::: • U '" <li tl() 13'~ ti ~..•••••••••• ?r- ~~ ~.-~uQ:;d c 'oo I::: <11'(3-~"-l:::li! <4 .9 --.,~ -.••• ~ ;:s 0't:5. '<li ~: •. '- t:S 'o '" 'O 113 ~ '"!:; Q.; ~ ~.g ·5 .g I§ ~ '"I:l.~~;... E <li c:s..C) ;:s O ;:s C\() '" <li],~ "tt '- <li o;:::.. •....•..• ;:s~ ;... O ~ ~: ••• I::: Abelardo Blanco/Carlos A. Dória Além dos 3 milhões de dólares que haviam sido repartidos em troca da deposição de armas e des- mantelamento do Exército, seus antigos componen- tes, em geral camponeses e trabalhadores urbanos miseráveis, faziam jus a um pequeno pedaço de terra "" e r,ma pensão. Com o tempo estas terras foramI 'ef,-oulhadaSê as pensões devidas aos veteranos se tor- nar.am objeto de -negociatas escandalosas entre polí- ticos corruptos. Em decorrência, durante os anos 1906 a 1912 houve em várias cidades uma série de levantamentos promovidos por veteranos, ao passo que no campo assistiu-se a um grande incremento do banditismo social. Mas, sem dúvida, mais impor- tante do que estes levantamentos foi a sublevação do Partido Independente de Cor em maio de 1912. tc\' A hostilidade contra o Partido Independente de Cor surgiu em 1910 quanto este se constituiu para concorrer às eleições daquele ano e fazer frente ao aguçamento do racismo desde a ocupação norte- americana. Para combater esta iniciativa dos negros um senador propôs uma emenda à lei eleitoral proi- bindo "partidos raciais ou de classe". Entre os negros foi então crescendo a tese de que era preciso lançar- se à luta armada para pressionar o Congresso a revo- gar a medida. Alguns grupos sublevaram-se em Pinar del Rio, em Havana, Las Villas e Oriente, sendo que o líder do partido, Evaristo Estenoz, pre- feriu suicidar-se a ser preso. O programa social do partido era extremamente interessante e avançado para a época: propunha o fim da discriminação racial; o fim da pena de morte; a jornada de oito Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro horas; a formação de tribunais do trabalho; a distri- buição das terras do Estado; a revisão das posses de todas as terras, etc. rv'\ No 'que tange ao movimento operário urbano, apesar de incipiente, realizou seu primeiro congresso em 1914, em Havana, onde ficou clara a consciência dos operários de que a situação de Cuba continuava "como antes", apesar da Constituição de 1901 e da luta de Martí; lançou-se uma ampla campanha con- tra a alta do custo de vida e os delegados operários revesaram-se em discursos que condenavam a polí- tica burguesa e os abusos cometidos contra os traba- lhadores. A partir de 1917 uma série de greves espo- caram por todo o país à luz do agravamento da situação da classe operária, que atingiria seus extre- mos em decorrência da crise do início da década de 20. Em termos de consciência política foi também neste período que se fizeram sentir as primeiras mu- danças significativas. A influência estrangeira trou- xera para Cuba o ideário anarquista e ao lado dele começavam a repercutir os ecos da Revolução Russa. Em termos gerais, o período configuraria uma tran- sição para uma nova consciência popular que se manifestaria com todo o vigor a partir dos anos 20. ) r ." o POS-GUERRA E A DITADURA DE MACHADO o ") No período que vai do começo da década de vinte até o final da ditadura de Machado, em 1933, a economia açucareira cubana atravessou duas gra- ves crises. A primeira delas em 1920-1922, com a depressão dos preços do açúcar no mercado inter- nacional, o que teve efeitos decisivos para a economia do país. Até 1924, procurou-se contornar esta crise de forma especulativa, sem que isso provocasse re- duções substanciais nas inversões feitas na indústria açucareira. Entre 1925 e 1928 mudou-se de política através da adoção de restrições à produção e da centralização das vendas mediante acordos com ou- tros produtores, especialmente europeus. A segunda crise deu-se em conseqüência do crack da bolsa de Nova Iorque e durou até 1933, período em que pre- ços, exportações e produção caíram a níveis que cor- respondiam aos dos primeiros anos do século XX. Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro Em conseqüência das quebras de 1920-22 numerosos engenhos foram transferidos para o controle dos bancos, aumentando assim enormemente o domínio econômico norte-americano sobre Cuba. Este fato tornaria ainda mais aguda a repercussão da crise de 1929 sobre a economia da ilha. ',1 Alguns números mostram bem a gravidade desta longa crise da década de 20. A safra açucareira co- meçou a se reduzir a partir de 1927, e em 1933 representava apenas 50% da de 1922. No que diz respeito ao comércio exterior, em 1933 as exporta- ções atingiam um valor correspondente a 18% da- quele verificado no período 1919-23. Em conseqüên- cia deste estrangulamentodo setor externo a miséria do povo cubano se agravou ainda mais. A duração da safra de açúcar caiu de 120 para 66 dias anuais, o que elevou o desemprego a níveis inéditos e atirou na mais absoluta miséria mais de um milhão de pes- soas numa população de cerca de 4 milhões de habi- tantes. O salário médio do homem do campo estava reduzido a meio dólar diário, ao passo que o salário urbano girava em torno de um dólar, ou seja, a níveis inferiores aos existentes em 1910. 'I 'V Esta situação de penúria significava também a 6rópria bancarrota do Estado cubano. Durante o governo de Zayas (1921-25) Cuba teve que suportar a extrema humilhação de praticamente ser governada pelo general Enoch H. Crowder, tepresentante norte- americano que, como eminência parda de Wash- ington' lá estava para garantir os interesses de seus compatriotas frente às leis de moratória e de liqui- Abelardo Blanco/Carlos A. Dória dação bancária. Quando o general Gerardo Ma- chado assumiu o poder (1925), propondo grandes obras públicas para dinamizar a economia, o Estado sequer tinha condições de pagar seus funcionários, sendo obrigado a recorrer a vultosos empréstimos junto ao Chase. ~ "? Ê nesse período, por sinal, que a "burguesia nacional" começa- a se mover com as próprias per- nas, e Machado tentará conciliar estes interesses emergentes com os do imperialismo, ao mesmo tem- po emque se iniciava uma brutal repressão contra as forças populares. Em 1927, por exemplo, foi modifi- cada a legislação alfandegária, com vistas a assumir um caráter protecionista em relação ao comércio com os Estados Unidos. Por outro lado, correspondendo a este tímido projeto de "desenvolvimento nacional", fortaleceu-se em meio à burguesia um nacionalismo . de direita de tipo reformista cujo programa era a "regeneração" da república e que começara a tomar forma nas manifestações de protesto contra o go- verno de Zayas. O desdobramento desse naciona- lismo de direita no terreno popular propiciou o sur- gimento, em 1924, da Associação Nacional da In- dústria Açucareira, justamente no momento em que ocorriam grandes movimentos grevistas nos enge- nhos de Oriente. A Associação pregava, como dou- trina, o solidarismo, que consistia em negar a exis- tência de classes sociais e a necessidade de congre- gação dos trabalhadores independentemente de sua .situação social e, por isso, apoiava os movimentos grevistas ao mesmo tempo em que combatia o reco- RevoluçãoCubana: de José Martí a Fidel Castro nhecimento dos delegados sindicais nas fábricas. '1/\ .Outra iniciativa importante, esta no terreno do liberalismo, foi a campanha pública da Junta de Renovação Nacional Cívica, fundada em 1923 e diri- gida por Fernando Ortiz. Seu programa de reformas baseava-se na luta contra a corrupção e a fraude fiscal; pela atenção do governo frente aos problemas populares, especialmente saúde e analfabetismo; contra o uso político do Exército; contra as fraudes eleitorais e pelo fortalecimento do Congresso. Mais importante do que a Junta, porém, foi o chamado mo- vimento dos "Veteranos e Patriotas" pela regulariza- ção das pensões que, aos poucos, mudou de caráter e passou a empunhar um programa de reformas polí- tico-administrativas. Pela sua amplitude em termos de movimento de opinião pública várias forças polí- ticas dele se aproximaram, tentando, inclusive, ins- trumentalizâ-lo como recurso político-eleitoral. Ape- sar disso, teve grande importância na formação polí- tica da ala radical dos jovens cubanos que dele se aproximaram, como foi o caso de. Júlio Antonio Mella, pelo seu caráter de movimento situado à mar- gem da política partidária tradicional. '\.)7 No terreno das forças revolucionárias, a crise da república, as greves de 1917 a 1919, as primeiras repercussões da Revolução Russa e os estímulos da Reforma Universitária contribuíram para formar uma nova geração que romperia com o liberalismo e o reformismo e que constituiria a espinha dorsal da luta contra a ditadura de Machado . (\.,<0 Neste contexto, o movimento pela Reforma Uni- 31 32 Abelardo Blanco/Carlos A. Dária versitária merece destaque. Ele teve início em Cór- doba (Argentina) em princípio de 1918. Rapida- mente se propagou por toda a América espanhola, numa demonstração da validade das idéias de Bolí- var sobre uma hispano-américa unitária, acima dos particularismos; atingiu o Peru (1919), o Uruguai (1919), o Chile (1919) e a Colômbia (1922), chegando a Cuba em 1923. Por toda parte os estudantes pro- testavam contra os mesmos males: governos ditato- riais, miséria social, corrupção administrativa, domi- nação estrangeira. ,,? Em Cuba, seu líder inconteste foi Júlio Antonio Mella, que havia entrado na Universidade de Havana em 1921. Aí tinha tomado contato com alguns textos de Lênin e chegou a ser galvanizado pela Aliança Po- pular Revolucionária Americana, movimento anti- imperialista de características pequeno-burguesas fundado por Haya de Ia Torre no Peru. Mella já se encontrava na Universidade quando esta foi visitada pelo Dr. Arce, professor que encabeçara a reforma em Córdoba e que difundiu grande entusiasmo entre os estudantes de Havana ao falar da "nova univer- sidade". Foi nesta época que se deu o primeiro acon- tecimento que rompeu com a modorra da Univer- sidade: os estudantes organizaram uma série de manifestações de protesto contra a tentativa de se conceder ao representante do imperialismo, Enoch Crowder, o título de doutor honoris causa e, em suas passeatas, foi grande o entusiasmo estudantil frente à simpatia angariada junto ao povo. ~ Em fins de 1922 desencadeou-se uma greve de 1 I1 J I I, Revolução-Cubana: de José Marti a Fidel Castro estudantes de medicina exigindo o afastamento dos professores botelleros. No mesmo ano criou-se a Federação cte1tsÍudantes e M~lla foi eleito secretário. No ano seguinte, em meio a greves e ocupações da Universidade de Havana, o governo cedeu e consa- grou alguns princípios da reforma universitária; foi criada, além disso, uma comissão interna de profes- sores e alunos - da qual Mella fez parte - desti- nada a expurgar a Universidade dos hotel/eros. Aí, então, já se tornava clara sua opção pelo socialismo, formulando da seguinte maneira o seu projeto: "Lu- tamos por uma Universidade mais vinculada com as necessidades dos oprimidos, por uma Universidade mais útil à ciência e não às castas plutocráticas, por uma Universidade onde a moral e o caráter do estu- dante não se moldem ao velho princípio do magister dixit nem ao princípio individualista das U niversi- dades da América Latina ou dos Estados Unidos. Queremos uma Universidade nova que realize no campo da cultura o que no da produção farão as fá- bricas do amanhã, sem acionistas parasitários nem capitalistas exploradores". ')0.., Ainda em 1923 foi realizado o Congresso Nacio- nal de Estudantes, que se pronunciou contra o impe- rialismo, solidarizou-se com a Revolução Russa e com a luta dos operários cubanos. No Congresso Mella propôs a criação da Universidade Popular José Martí para aprofundar a unidade do estudantado com a' classe operária. A idéia da Universidade Popular correspondia à concretização do conteúdo da declaração dos direitos dos estudantes aprovada Abelardo Blanco/Carlos A. Dória naquele congresso e que colocava em primeiro plano o "dever de difundir a instrução entre os proletários". Esta iniciativa durou até 1927, quando seus cursos foram desmantelados pela ditadura de Machado. '-\,0 O processo de organização revolucionária, po- rém, não se limitava à Universidade. Em 1925 reali- zou-se na cidade-de Cinfuegos o Congresso do Traba- lhador Nacional que fundou a Confederação Nacio- nal dos Trabalhadores de Cuba (CNOC), que seria a organização dirigente da classe operária contra a ditadura de Machado. Neste mesmo período difun- diam-se os grupos socialistas de caráter marxista em Havana, Guanabacoa, San Antonio de los Bafios e Manzanillo. Ainda em 1925 Mella,que havia-se dis- tanciado de Haya de Ia Torre, e o revolucionário Carlos Balifío, que havia organizado ostrabalhado- res emigrados nos Estados Unidos, uniram-se para fundar o Partido Comunista de Cuba (PCC) através de uma Conferência realizada em Havana. ;, Frente ao avanço do movimento popular e da oposição dos setores burgueses e pequeno-burgueses nacionalistas, as classes dominantes cubanas ingres- sam numa crise para a qual tinham como resposta apenas uma política de mano dura. O homem mol- dado para este figurino seria o general Gerardo Ma- chado. Em sua biografia consta que foi membro do Exército Libertador com uma folha de serviço de valor duvidoso e, posteriormente, ocupou cargos pú- blicos de expressão provincial, ligado ao governo de Gómez. Por volta de 1920 estava vinculado à General Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro José Marti. Abelardo B/anco/Carfos A. Dória Electric Co., que chegou a contribuir com meio mi- lhão de pesos para sua campanha política. Na análise de sua ascensão ao poder não·se pode esquecer o tom populista de sua campanha; sua palavra de ordem era "água, caminhos e escolas", ou então "a pé", para se diferenciar do grito de guerra dos partidários de Menocal que, simbolizando as condições de man- do vigentes nos domínios açucareiros, proclamavam "a cavalo". Além disso Machado, uma vez eleito, tratou de visitar os Estados Unidos e fazer crer que sua iniciativa buscava preparar condições para a revogação da "Emenda Platt". Com isto pretendia estar correspondendo aos anseios nacionalistas de se- tores da burguesia mas, na verdade, fora garantir aos americanos que sob seu governo as greves "não dura- riamvinte e quatro horas". v-,'\.r Durante o próprio ano de 1925 as oposições populares tiveram oportunidade de, conhecer seu es- tilo político. Vários líderes operários foram assassi- nados, entre eles Alfredo López, que era dirigente da . Federação de Trabalhadores de Havana e amigo de Mella. Assim como López, outros comunistas foram atirados aos tubarões com enormes pesos atados aos pés. Apesar desta política de terror contra os comu- nistas e a decretação da ilegalidade da Federação Estudantil Universitária, prosseguiram as manifes- tações de rua e Júlio Antonio Mella caiu prisioneiro ao final do ano. Logo se formou um amplo Comitê Pró-Liberdade de Mella que evidenciava o enraiza- mento popular do movimento revolucionário. Mella na prisão realizou uma greve de fome que quase o Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro levou à morte, mas que, combinada com o movi- mento popular, obrigou Machado a colocâ-lo em liberdade. Exilou-se então no México, viajando a se- guir para a União Soviética e a Europa, onde parti- cipou do Congresso da Liga Antiimperialista em Bru- xelas (1928), rompendo definitivamente com Haya de Ia Torre. De volta ao México foi assassinado a mando de Machado, quando preparava uma expedição ar- mada para desembarcar em Cuba. Mella foi morto com apenas 2S anos, tempo suficiente para se colocar entre as principais figuras da luta pela emancipação cubana. Em seu último texto, que só viria a ser conhecido em Cuba anos mais tarde, Mella afirmava com singular lucidez: "Cuba necessita de uma revo- lução democrática, liberal e nacionalista, mas ela não se dará nos próximos dois ou três anos. Cuba continuará sob o jugo do imperialismo até a era das revoluções proletárias sobre o continente". ~J Antes, porém, da morte de Mella a luta popular tomaria novo impulso. Entre 1925 e 1927 as forças políticas que apoiavam Machado realizaram uma série de manobras com o objetivo de manter o status quo eleitoral. Suspendeu-se o processo em curso de reorganização dos partidos,de modo a prorrogar os mandatos das assembléias municipais, provinciais e nacional e preparar a perpetuação de Machado no poder através da campanha por um "candidato úni- co" nas eleições. Esta manobra foi coroada de su- cesso, pois estava embutida num processo de reforma da constituição de 1901 - reivindicada por vários setores políticos - e contou com o apoio tanto do Abelardo Blanco/Carfos A. Dória Partido Conservador como do Liberal. Em março de 1927 foi promulgada a legislação golpista, ao mesmo tempo em que os estudantes saíam às ruas e era fundado o Diretório Estudantil contra a Prorrogação de Poderes - conhecido simplesmente como Dire- tório Estudantil. O Diretório não nascia circunscrito ao âmbito universitário, mas sim articulado com a luta democrática--mais geral, e por esta razão Ma- chado cairia sobre ele com enorme violência, ocu- pando militarmente a Universidade e expulsando dela uma série de combatentes. Apesar da dura re- pressão que sofriam o Partido Comunista e o Dire- tório Estudantil, estes organismos conseguiram se articular clandestinamente com a direção do movi- mento operário (a CNOC) e desencadear, uma série de greves, como a dos sapateiros, a dos têxteis, dos chapeleiros e a da União de Trabalhadores da fá- brica "La Mundial". I,IA Em 1928 Machado é "reeleitc" por um período de seis anos pela própria Assembléia que havia sido declarada "constituinte" para reformar a constitui- ção de 1901. A crise de 29 e o assassinato de Mella no México aprofundam a agitação social e o isolamento de Machado, que opta por ampliar o terror e orga- niza uma polícia política para "lutar contra o comu- nismo", reprimindo manifestações e a contestação à ditadura. Em março de 1930, contudo, tem lugar a primeira grande batalha contra seu regime através de uma greve geral que mobilizou cerca de 200 mil operários. ""'~Machado alardeava que não toleraria cinco mi- Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro nutos de greve, no entanto teve que suportá-Ia por 24 horas enquanto ela se estendia de Havana a Manza- nillo e Santa Clara. Na manifestação organizada pelos grevistas falou o poeta Rubén Maritinez Vil- lena, líder do movimento, incentivando a luta dos trabalhadores e desafiando Machado. A polícia ata- cou a manifestação mas Villena conseguiu escapar. Atemorizado pela demonstração de força popular, Machado ordenou o assalto ao Centro Trabalhador e a repressão violenta a toda organização popular, o que obrigou Villena a se exilar. Pouco depois, alguns comícios organizados pela União Nacionalista Cen- tral em Havana e em Artemisa foram dissolvidos a tiros, produzindo-se várias mortes. Frente à denún- cia levada aos tribunais contra o chefe de polícia, os juizes declararam-se incompetentes para julgar uma ordem do presidente da república. \.\~ Seis meses depois foi a vez dos estudantes saírem às ruas. A repressão foi violenta e morreu Rafael Trejo, um dos líderes mais conhecidos. Em seguida, o governo mandou prender todos os membros do Di- retório Estudantil, instaurou a censura à imprensa e nomeou governadores militares em cinco das seis províncias de Cuba. Os prisioneiros políticos conta- vam-se aos milhares. Em janeiro de 1931 uma mani- festação do movimento feminino em frente ao palácio governamental foi atacada pela polícia. Carlos Ma- nuel de Ia Cruz, político conservador, pediu então a Machado que renunciasse, abrindo a possibilidade de uma solução "política" para a crise. \/\.'\ Mas, para ganhar tempo face à força crescente Abelardo Blanco/Carlos A. Doria dos movimentos de contestação, Machado decidiu ceder aos apelos em favor dos milhares de presos e decretou uma anistia. Apesar deste gesto não con- seguiu evitar as primeiras fissuras no seio do pró- prio bloco dominante. Datam desta época, por exemplo, uma série de tentativas de insurreição comandadas por militares e políticos burgueses como o general Peraza, veterano de 1895 que foi assas- sinado com todo o seu grupo, ou mesmo Menocal e Mendita, que foram dominados pelo exército em Pinar DeI Rio. O fracasso destas tentativas deu ori- gem à formação de uma nova frente política que pre- tendia apresentar-se apartada da política tradicional em busca de soluções "substanciais". Este novo movi- mento de caráter clandestino, de organização celular e de tática confessadamente terrorista chamava-se "ABC". Seu programa, de caráter nacionalista, apontava em direção do fascismo e do corporati- vismo, pregava o fomentoda pequena propriedade e a eliminação gradual do latifúndio, a nacionalização dos serviços públicos e sustentava a tese de que o socialismo era impossível em Cuba dada. a presença norte-americana. A crise política provocaria também um reagrupamento de forças à esquerda. Logo após a anistia os estudantes saídos da cadeia provocam uma cisão no Diretório Estudantil, fundando a Ala Esquerda Estudantil, uma organização que tinha como objetivo a luta antiimperialista e a vinculação estreita entre o movimento estudantil e o movimento operário revolucionário. v..~ Neste contexto de luta violenta e grande con- Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro fusão política adquiriu realce a figura de Antonio Guiteras. Ele havia tentado, em 1927, sublevar a população de Rio Verde, na província de Oriente; chegou mesmo a instalar bases revolucionárias em Manzanillo, mas acabou preso depois de as revoltas de 1931 terem fracassado. Ficou detido inicialmente no quartel de Moncada e, depois, foi transferido para Guantanamo. Quando saiu da cadeia dedicou- se a restabelecer os contatos entre os grupos revo- lucionários para uma nova tentativa insurrecional. Guiteras falava como representante do Diretório Es- tudantil mas, como não obteve apoio para sua idéia, pôs-se a agir só. Seu plano passava pela tomada do quartel de Moncada e tentou levá-lo adiante com um punhado de companheiros, mas o ataque foi frus- trado porque o grupo não conseguiu apossar-se, no aeroporto de San Luis, de um avião militar de que necessitava. Anos mais tarde, Fidel Castro tentaria realizar esta proeza. V\f.\ De qualquer forma, essa tática parecia impró- pria para o movimento revolucionário. Enquanto os terroristas do ABC produziam uma série de aten- tados em Havana e em várias províncias durante o ano de 1932, as forças revolucionárias - notada- mente o Partido Comunista, a Juventude Comunista e. a Ala Esquerda Estudantil - esforçavam-se para mobilizar as massas e articular greves e manifesta- ções de rua, como a greve dos condutores de bonde e a greve geral de março daquele ano, que durou 45 dias. ~o No início de 1933, porém, a ditadura de Ma- -I Abelardo Blanco/Carlos A. Dória chado chegava a seu esgotamento. Os agrupamentos políticos burgueses formaram uma Junta Revolucio- nária em Nova Iorque, a qual, excluindo o Partido Comunista e as organizações sindicais, pretendia criar condições para a queda de Machado sem que isto comprometesse seus interesses. Roosevelt, novo presidente americano, suspeitando da proximidade de uma revolução- em Cuba, substituiu seu embai- xador em Havana e nomeou Summer Welles com o objetivo precípuo de promover a mediação entre Ma- chado e a oposição. A União Nacionalista aceitou os "bons serviços" de Welles e se comprometeu a atrair os demais grupos. Logo se deu a adesão do ABC, que suspendeu os atos terroristas contra os objetivos norte-americanos. Criou-se então uma comissão de negociação que, para fazer crer que a "mediação" beneficiava os interesses populares, restabeleceu de imediato as garantias constitucionais, concedeu li- berdade a alguns presos políticos e suspendeu a cen- sura à imprensa. . ') \ Mas a Ilusão logo se desfez. No dia 7 de agosto espalhou-se o boato da queda do ditador. Uma enor- me multidão saiu às ruas para festejar mas a polícia reprimiu violentamente a manifestação atirando con- tra o povo. Completamente isolado, Machado mano-- brou desesperadamente cedendo às organizações sin- dicais diante de todas as suas reivindicações econô- micas, na tentativa de despolitizar o movimento. As forças organizadas de oposição hesitavam, mas os trabalhadores dos transportes de Havana; reunidos em assembléia, gritavam -em uníssono: que se vaya el Revolução Cubana: de José Marti.a Fidel Castro animal! ~t Chegava-se ao limiar da revolução. Pressionado por Sumrner Welles o próprio exército obrigou Ma- chado a fugir com seus amigos e colaboradores mais próximos para Nassau, nas Bahamas. Em seu lugar o embaixador norte-americano tentou entronizar Car- Ias Manuel Céspedes cujo curto mandato de um mês foi consumido nas ruas pelas manifestações popula- res. Como parte desta agitação o Diretorio Estu- dantillançou a 22 de agosto um manifesto exigindo a constituição de um governo provisório revolucionário que realizasse o programa radical esperado pelo povo cubano. A agitação acabou chegando aos quartéis e a 4 de setembro o embaixador Welles foi surpreendido por um pronunciamento militar no quartel Colúmbia que punha fim ao governo de Céspedes. O motim foi 9 .'I' comandado, entre outros, pelo sargento Fulgêncio I f-1-~_e por alguns civis IÍgaaos ao Alrê- que for- maram uma "Junta de Defesa" também conhecida por "União Militar Revolucionária". Os oficiais fo- Oram afastados de seus comandos sob a acusação de terem sustentado o governo de Machado e as tropas passaram a ser comandadas pelos sargentos ou cabos mais audazes. Rapidamente Batista tomou o estado- maior do exército e promoveu-se a coronel além de nomear 527 novos oficiais recrutados entre os que haviam participado da sublevação, ~') No dia seguinte organizou-se um governo cole- giado composto por Sérgio Cambó, Guillermo Por- ~;1 tela, Ramón Grau San Martin, Porfirio Franca e José Miguel Irisarri - conhecido como "governo da Pen- 43 44 Abelardo Blanco /Carlos A. Dória tarquia". A reação dos grupos conservadores, inclu- sive o ABC, foi imediata: percebendo que o poder lhes escaparia das mãos, passaram a clamar pela intervenção armada norte-americana e a conspirar com Welles. O embaixador americano, por sua vez, ao mesmo tempo em que procurava romper a uni- dade do novo governo, tentava conseguir o apoio de vários países Iatinô-americanos para uma ação con- tra Cuba. Chegou a conquistar para isso o apoio da Guatemala, Honduras, Paraguai e San Domingos mas, esbarrando na decidida oposição do México, Argentina, Brasil e Chile, o governo norte-americano foi obrigado a recuar. Vi' Neste quadro produziu-se a primeira crise da . "Pentarquia", levando à renúncia de Porfírio Franca e José Miguel Irisarri. Isto permitiu que, a 10 de se- tembro, fosse designado presidente provisório o Dr. Ramón Grau San Martin, dando início ao que é conhecido na história cubana como o "Governo dos Cem Dias", no qual se destacaram as figuras do próprio Grau, de Guiteras e de Batista. Ao ser cons- tituído, o governo de Grau se negou a jurar a Consti- tuição de 1901 perante o Tribunal Supremo da Repú- blica, visto que ela trazia como apêndice a "Emenda Platt", preferindo fazer o juramento perante as mas- sas congregadas em frente ao palácio 90 governo. lt DO "GOVERNO DOS CEM DIAS" AO GOLPE DE BATISTA ir;'7 Durante o "Governo dos Cem Dias" o movi- mento revolucionário atingiu seu ápice. Várias cen- trais açucareiras foram ocupadas pelos trabalhadores e em várias delas (Hormiguero, Senado e Maby) os operários instauraram sovietes. Em meio ao élan revolucionário várias medidas populares foram ado- tadas, entre elas: criação da Secretaria do Trabalho; dissolução dos antigos partidos políticos; concessão da autonomia universitária; criação de tribunais para julgar os "machadistas"; intervenção governamental na Cia. de Eletricidade; instauração da jornada de trabalho de oito horas; organização de um novo cor- po militar; reconhecimento do direito de voto das mulheres, etc. A intervenção na companhia eletrici- tária foi comandada pessoalmente por Antonio Gui- teras, que ocupava o cargo de ministro do Interior. S~ OS comunistas, por sua vez, gozando de relativa liberdade de expressão, preconizavam com irrea- lismo a formação de um "governo de operários e camponeses, apoiado por soldados e marinheiros". O movimento revolucionário alastrou-se, atingindo os trabalhadores do tabaco nas províncias do Leste, e os trabalhadores do café, no Oriente. Entretanto, nas cidades ele entrava em descenso. Nem os estu- dantes nem os trqbalhadores dos serviços de Havana acompanharam a radicalização dos trabalhadores rurais. Guiteras, com razoável senso de realidade, advertia: "As empresasestrangeiras, inimigas do tra- balhador, reduzem suas jornadas e despedem os empregados, e o trabalhador, frente a esta provo- cação, sem se dar conta da verdadeira realidade, lança-se à greve. Mas seria impossível as massas apoderarem-se dos poderes e por isso, em vez de se enfrentarem com o governo revolucionário, deveriam colaborar com ele para conquistar as reivindicações imediatas e necessárias à classe operária, sem se tor- narem um obstáculo a serviço das empresas imperia- listas" . {.1"t Nesta situação ficou clara a paradoxal composi- ção do governo: por um lado Guiteras pressionava para que fossem satisfeitas as reivindicações econô- micas dos grevistas e, por outro, Batista intervinha com seu exército e reprimia o movimento. Guiteras, ,apoiado rio movimento de massas, dizia que não fazer avançar a revolução era a mortee pressionava para a adoção de novas medidas: o salário mínimo; a abolição dos privilégios que favoreciam os espanhóis para a obtenção de emprego e na taxação dos impos- Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro tos; regulamentação da assistência social e da apo- sentadoria, até então inexistentes; expropriação dos bens e das terras dos principais dirigentes políticos machadistas; medidas para limitar a usura; etc. Mas a derrota do movimento revolucionário e dos traba- lhadores aproximava-se. 0<t:. Em setembro de 1933, com o retorno das cinzas de Mella, foi organizada uma grande manifestação popular. Villena, com a saúde comprometida pela tuberculose, dirigiu-se à massa, pela última vez, nos seguintes termos: "Camaradas e companheiros, Mel- Ia está entre nós, mas não neste amontoado de cin- zas. Ele está aí, nesse formidável deslocamento de forças". Enquanto isso Batista havia disposto vários pistoleiros sobre os telhados que. dominavam o per- curso do cortejo. Repentinamente, uma saraivada de balas abateu-se sobre a multidão. Seis pessoas mor- reram e mais de trinta ficaram feridas. Embora não fosse o responsável direto pelo acontecimento, o go- verno de Grau San Martin estava definitivamente comprometido. As massas abandonavam-no enquan- to Batista e os norte-americanos conspiravam contra ele. A 14 de janeiro de 1934 Grau renunciou en- quanto Guiteras, mais uma vez, refugiava-se na pro- víncia de Oriente para organizar os grupos de ação de-seu movimento, denominado.Tovem Cuba. tJo.., Mas a ofensiva reacionária não pararia aí. A Grau San Martin sucedeu o coronel Carlos Men- dieta, apoiado pelo já então homem forte do regime, Fulgêncio Batista. Mas apesar desta troca de coman- dos o movimento popular dava mostras de pretender 47 48 Abelardo Blanco/Carlos A. Dória seguir no caminho da revolução ao IV Congresso Operário e à Il l Conferência dos Trabalhadores da I Indústria do Açúcar, que reuniu em Havana os dele- gados de 103 centrais açucareiras. Destas iniciativas surgiu a central sindical cubana unitária (CTC). Em março uma greve abalou Havana e várias centrais açucareiras. Data desta época a famosa frase de Ba- tista: "haverá safra ou haverá sangue" - e o sangue correu nas centrais de Jaronú, Senado, Tacajó e Me- dia Luna ... ~~ Para o imperialismo, era conveniente fazer crer I que os tempos haviam trazido mudanças importan- tes. Por um lado procurava negociar um novo Con- vênio que substituísse o Tratado de 1902 num sentido que aparentasse beneficiar Cuba; por outro, refor- çava a posição do grupo no poder, negociando com ele um novo Tratado de Relações que anularia o "direito de intervenção" consagrado na "Emenda Platt". O próprio Presidente Roosevelt havia prome- tido solenemente, em meio à agitação de 1933, que tão logo Cuba tivesse um governo reconhecido pelos EUA trataria de libertar a ilha da "carga política e moral" representada por aquela odiosa emendacons- titucional. Os Estados Unidos não haviam reconhe- cido o governo de Grau, mas durante o governo Men- dieta foi possível, finalmente, revogar aquele diploma legal. Afinal a revolução e a nova conjuntura inter- nacional já não permitiam que os Estados Unidos continuassem acalentando o sonho anexionista. lqD Em março de 1935 a central sindical (CTC) desencadeou uma greve geral em Havana, logo em Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro seguida a uma greve de professores. O próprio Gui- teras havia participado de sua preparação. A repres- são, como era de se esperar, foi brutal. Guiteras, apesar de procurado, conseguiu escapar, para em maio tentar embarcar para o exterior, de onde pre- tendia voltar à frente de uma expedição armada, tal e qual o plano de Mella que finalmente seria realizado, vários anos após, por Fidel Castro. Traído, Guiteras foi preso e assassinado friamente próximo a Matan- zas. Encerrava-se assim esta fase da revolução cu- bana, consolidando-se a partir de então a ofensiva das forças reacionárias tendo à frente Fulgêncio Ba- tista. Além disso, a derrota da greve de 1935 e o assassinato de Guiteras fizeram com que as teses insurrecionais caíssem em descrédito, perdendo a pouca significação revolucionária que "tiveram, pro- vocando também o declínio do prestígio do ABC. A partir de então, e até a Constituinte de 1940, a postura da oposição liberal burguesa seria o absten- cionismo eleitoral. ,,\ Mas a burguesia necessitava de uma aparência de legalidade e de normalidade política. Em 1933 o próprio Grau San Martin havia anunciado uma Constituinte para estabelecer a forma jurídica do Estado. democrático. Mas, como os fatos provaram, o projeto das classes dominantes só seria viável após sufocar a insubordinação popular. Assim, os setores mais reacionários, e entre eles Batista e Menocal, jogavam com a postergação indefinida da Consti- tuinte, dizendo que antes era necessário "ordenar" o país. Para contornar a situação promulgou-se em 49 I, 50 Abelardo BlancolCarlos A. Dória junho de 1935 uma Lei Constitucional que colocou o país novamente sob a Constituição de 1901, o que de modo algum poderia servir de base para a conso- lidação das conquistas populares. Esta manobra, que se tornou conhecida como "pacto institucional", não só levou o desencanto à oposição como assegurou a realização de eleisões parlamentares de perfil nitida- mente conservador em novembro do mesmo ano. Face aos resultados das eleições, Mendieta renun- ciou, sendo substituído por José A. Barnet, que go- vernou até as eleições presidenciais de 1936, quando foi eleito Miguel Mariano Gómez Arias. \( Enquanto isto Batista fortalecia-se mediante a utilização política do exército e lançava um pro- grama demagógico para erradicar "os males de Cuba", que consistia numa agressiva campanha pela educação rural, pela repartição de terras e pelo "equilíbrio" entre o capital e o trabalho. Para reali- zar um de seus projetos, relativos às escolas rurais, Batista idealizou criar um imposto de 0,09 dólar por saca de açúcar produzido. Mas Mariano Gómez vetou a lei, aprovada pelo Congresso já totalmente dominado por Batista. Este, a seguir, fez com que os congressistas julgassem e depusessem o presidente, substituindo-o pelo vice, Federico Loredo Brú. Este ~gundo golpe de Batis~_ ~~ No campo oposicionista, por sua vez, as princi- pais forças eram compostas pelos partidários de Grau San Martin, que haviam fundado o Partido Revolu- cionário de Cuba (PRC ou Autêntico) e que conta- vam com o apoio de militantes do Diretório Estu- '0~. Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro dantil e do Partido Comunista. Este, até então,havia adotado uma tática bastante sectária, tentando apli- car à ilha o modelo da revolução soviética. Carac- terizou-se por uma atitude estreitamente obreirista, evitando aproximar-se de forças democráticas ou na- cionais-revolucionárias e, por isso, alimentou du- rante muito tempo uma série de desconfianças com relação a Guiteras e seus seguidores. No entanto, a partir de 1937, o PCC mudou sua orientação de forma surpreendente. Em parte isto se explica pelas alterações ocorridas na orientação da Internacional Comunista, que em seu VII Congresso (Moscou, 1935) adotou a política das frentes popularespara substituir a tática sectária anterior, responsável pela desastrosa derrota dos comunistas alemães frente ao nazismo. Progressivamente, porém, o movimento comunista. internacional foi concentrando suas ener- gias na luta contra o crescente perigo que represen- tava a ascensão do nazismo e do fascismo. Preocu- pados em abrir sua política para amplas massas anti- fascistas, a maioria dos partidos comunistas, .sobre- tudo aqueles dos países dependentes ou dominados por grandes potências, passaram a deixar em se- gundo plano a luta antiimperialista. (/" Substituindo o inimigo tradicional do povo cu- bano - o imperialismo norte-americano - por um adversário novo e distante - o fascismo europeu -, o Partido Socialista Popular (este era, agora, o novo . nome do antigo PCC) aproximou-se do PRC com vis- tas a formar uma vasta frente popular para lutar pela convocação da Assembléia Constituinte "livre e 51 Abelardo Blanco/Carlos A. Dória soberana". Grau San Martin, até então ferrenho abstencionista, opunha-se à política de frente popu- lar, mas concordou em estabelecer um acordo tem- porário com os comunistas. ~, Pelo lado do governo, a mobilização de massas na luta antifascista, especialmente o comício Pró- República Espanhola realizado no Estádio Tropical; a celebração do 1?'de maio e outras campanhas como a da anistia funcionaram como indícios de que era chegada a hora de adotar medidas mais populares para evitar o ressurgimento da crise revolucionária. Loredo Brú promoveu uma entrevista entre Grau San Martin e Batista, onde se firmaram as bases para um acordo em torno da convocação da Constituinte.tEm abril de 1939 foi aprovado um novo código eleitorãl e em novembro foram convocadas as eleições para a Constituinte. /p(P As eleições se realizaram com o agrupamento de forças políticas em dois blocos: a Coalizão Socialista Popular, que incluía os partidos tradicionais, inclu- sive as forças de Batista, e o Partido União Revolu- cionária Comunista, que representava os comunistas no plano legal; por outro lado, o bloco de oposição preferira uma política de contemporização com Ba- tista a aprofundar sua aliança com os autênticos de Grau San Martin; mas apesar disso a União Revo- lucionária Comunista conseguiu eleger 6 delegados em 36 da Coalizão, contra 4S delegados da oposição. Grau San Martin, representante da maioria oposi- cionista, foi eleito presidente da Constituinte mas só permaneceu neste cargo pouco tempo, até que Me- Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro nocal se passou para o lado do governo, transfor- mando a minoria em maioria. A nova constituição foi promulgada em julho de 1940. No mesmo mês reali- zaram-se eleições das quais Fulgêncio Batista saiu eleito, derrotando Grau San Martin. L"\ Os comunistas, que haviam tido 97000 votos na Constituinte, jogaram sua força eleitoral para consa- grar Batista. Por isso, foram chamados a participar de seu governo, mas ficaram de mãos atadas. O Par- tido Socialista Popular considerava que a União So- viética havia estabelecido uma aliança de guerra com as chamadas "democracias ocidentais" - Estados Unidos, França e Inglaterra - para combater o nazi- . fascismo. Cuba, estreitamente integrada ao sistema imperialista norte-americano, participava desta aliança; Batista era, inclusive, favorável à partici- pação cubana na guerra e, portanto, nada mais na- tural do que apoiá-lo, Apesar de se contar com uma Constituição relativamente progressista, o ~treíã0- me-;rtodas forças revolucionárias ao governo impediu a-ãcíoção de medidas populares. A especulação com o comércio de guerra provocou enorme inflação, os aumentos salariais reclamados pelos sindicatos fo- ram boicotados pelas forças reacionárias e o descon- tentamento das massas trabalhadoras foi tamanho que, ao cabo de quatro anos do governo de Batista, em vez de votarem em seu candidato, Saladrigas, elas preferiram eleger Grau San Martin. lr" Com a eleição de Grau o PRC chegou ao poder praticamente sozinho, sem alianças com qualquer outro partido. Isto não impediu, porém, que os 54 Abelardo Blanco/Üarlos A. Dória comunistas, seguindo a linha dos demais partidos congêneres no mundo, procurassem colaborar com o desenvolvimento da economia nacional que, em certa medida, correspondia à tradução para os países sub- desenvolvidos dos esforços de reconstrução no pós- guerra. Blas Roca, principal dirigente do PSP, de- fendia como pontos básicos para os comunistas: apoio a todas as medidas progressistas do governo, constituição de um organismo de unidade nacional e rejeição de toda oposição inconseqüente. Outros diri- gentes, porém, opunham-se a' esta orientação, des- confiados de que Grau se juntaria aos comunistas para enfrentar o problema do exército, ou seja, en- fraquecer Batista, e depois acabaria voltando-se con- tra os próprios comunistas. ~c...Foi de fato o que aconteceu. Grau San Martin afastou dos altos cargos do exército todos aqueles que haviam acompanhado Batista desde 1934. Em seguida, a par de algumas medidas demagógicas contra a especulação com o suprimento de gêneros alimentícios e contra a alta do custo de vida, atirou- se de corpo e alma numa ampla manobra com vistas a dividir o nTovimento sindical e isolar os comunistas, quebrantando assim o movimento de massas. Grau se aproveitou da política justa da unidade para íntro- . duzir elementos seus na direção da central sindical, especialmente Eusébio Mujal, que pouco depf3~- mandaria a formação de uma outra central pelega. Mas esta vasta operação de ruptura da unidade sin- dical não parou aí, incluiu' também o assassinato de Jesús Menendez - o popular dirigente da Federação Revo/ução Cubana: de José Marti a Fide/ Castro dos Trabalhadores da Indústria do Açúcar, chamado pelo poeta Nicolás Guillén de "general da cana-de- açúcar" .. Quando o governo de Grau terminou, a maioria dos sindicatos havia sido aniquilada ou havia passado para o controle dos pelegos dirigidos pelo ministro do Trabalho, Carlos Prio Socarras. O go- verno Grau San Martin revelou-se pois uma enorme decepção. A corrupção e a violência haviam-se tor- nado normas da vida .política a tal ponto que o pró- prio Grau era acusado do escandaloso roubo do dia- mante do Capitólio e de incentivar oficialmente o gangsterismo. Em decorrência deste clima produ- . ziu-se uma séria cisão no PRC, comandada por Eduardo Chibás, um de seus dirigentes históricos, cuja campanha contra o governo galvanizaria de novo toda a oposição. Na verdade, à parte os escândalos e a corrupção reinante no governo de Grau, ele simbo- lizava a adoção da estratégia da guerra fria, o macar- thismo e o anticomunismo. Seu sucessor, Prio Socar- ras, eleito em 1948, seguiria basicamente a mesma política. Mas naquela eleição já se tornaria claro que o PRC havia perdido seu enorme caudal eleitoral, uma vez que os votos conseguidos por Prio foram uma minoria frente à soma dos votos dos demais partidos, inclusive os do PSP que compareceu com a candidatura de Juan Marinello. . :\o Foi durante o governo de Prio que se deu a cisão na central sindical (CTC). Sob o pretexto de que muitos dirigentes sindicais não estavam de acordo com as resoluções da V Congresso de Trabalhadores -realizado em 1947 pela CTC, o governo promoveu Abelardo Blanco/Carlos A. Dória outro congresso de onde nasceu uma CTC oficialista, dirigi da por Mujal e reconhecida pelo governo, mas chamada popularmente "CTK" - com isso que- rendo-se assinalar a presença do capital em sua cons- tituição. 1).' O que caracterizou o período do governo de Prio foi uma certa retomada dos protestos populares, que teve início a propósito de um projeto de aumento dos preços dos transportes urbanos e das tarifas elétricas. Para combater a agitação Prio apelou para a repres- são e a censura. Além do empastelamento do jornal Hoje, dos comunistas, Chibás e Garcia Aguero foram proibidos de prosseguir com o programa radiofônico que mantinham e que era uma das principais tribu- nas contra o governo. O próprio Chibás chegou a ser preso e condenado aseis meses de detenção. Mais grave, porém, foi a criação de milícias paramilitares intituladas Grupo de Repressão às Atividades Sub- versivas (GRAS) e que, teoricamente, destinavam-se a combater o gangsterismo que o próprio governo de Grau incentivara. ,\'V Apesar da ofensiva repressiva, o governo estava em má situação. Um senador trouxe a público uma ampla denúncia contra o governo de Grau provando que ele havia desviado cerca de 74 milhões de pesos, através de uma falsa incineração do dinheiro tirado de circulação, o que obrigou Carlos Prio a romper publicamente a aliança com Grau. Além disso, Chi- bás havia conseguido organizar com sucesso seu Par- tido do Povo Cubano (Ortodoxo) - no qual o próprio Fidel Castro militaria no início de sua vida política - Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro de forma a se tornar praticamente imbatível nas elei- ções. Mas Chibás, a 5 de agosto de 1951, após fazer um dramático discurso pelo rádio, suicidou-se diante dos microfones. Sua morte dramática, em pleno pe- ríodo eleitoral, aumentou ainda mais o prestígio do Partido Ortodoxo. Contra ele concorreria Fulgêncio Batista, que havia:!?o eleito senador, e que para tanto fundara o.anôdin Partido de Ação Unitária./' Mas, diante do possív apoio dos comunistas ao can- didato ortodoxo, Agromonte, Batista sabia que não teria chances. O imperialismo não desejava correr riscos. No dia 10 de março de 1952 Batista entrou no quartel Colúmbia, sede do Estado-Maior do Exér- cito, para ultimar o golpe. Um oficial do exército norte-americano acompanhou de perto os momentos decisivos da operação. Seria este o terceiro e último golpe de Batist~... - \ • r '" A LUTA REVOLUCIONÁRIA CONTRA BATISTA "J . ~ "Numa manhã a cidade despertou estremecida: nas sombras da noite os espectros do passado ha- viam-se conjurado enquanto ela dormia, e agora a tinham agarrada pelas mãos, pelos pés e pelo pes- coço. Aquelas garras eram conhecidas, aquelas bo- tas ... ". Assim Fidel Castro se referiria tempos de- pois, em seu famoso A História me absolverá, ao golpe de Batista que sepultou definitivamente as esperanças do povo cubano de constituir um governo renovador através das urnas. O putsch militar, diri- gido contra o triunfo potencial do partido "Orto- doxo", só interessava aos Estados Unidos e seus ser- .vidores internos. Através dele Batista prestava vassa- [agem à estratégia da guerra fria como, aliás, não se .pejaria em confessar: "O movimento revolucionário (isto é, o golpe que comandou) tinha como propósito reforçar, o sistema democrático de nossa pátria e Revolução Cubana: de José Martí a Fidel Castro estreitar as relações com o mundo livre, e por isso nos dispusemos a servir de dique às atividades verme- lhas". Em segundo lugar, interessava aos negócios de seu grupo mais próximo e à Máfia, como facilmente se depreende da análise de seu "plano econômico". "')\ O balanço que se pode fazer de seu pomposo programa de "inversões reprodutivas" acabou resu- mindo-se ao seguinte: ampliação de uma -parte do Malecón - a avenida à beira-mar de Havana; cons- trução de uma cidade esportiva; construção de um aeroporto militar no quartel de Colúmbia e aquisição de quatro jatos e um sistema de telecomunicações para o exército; reforço à empresa de transportes, que era um monopólio norte-americano; financia- mento à construção de vários hotéis de luxo de inte- resse da Máfia norte-americana e a construção de um túnel sob a baía de Havana ao custo astronômico de 3S milhões de dólares. Todas estas inversões corres- pondiam ao fato de Cuba haver se convertido, após a Segunda Guerra, num imenso balneário norte-ameri- cano em larga medida destinado a abrigar as ativi- dades da Máfia que eram reprimidas nos Estados Unidos. Para se ter uma idéia da extensão deste ne- gócio basta recordar que, sob o seu governo, foram rêcenseaÕàs" 11 SOO prostitutas e 27000 agentes de jogo; ao passo que os trabalhadores das minas cu- banas não atingiam sequer a cifra de 10000. "i() No plano político, Batista iniciou seu governo revogando logo em abril a Constituição de 1940. Este fato, somado à adoção do "Plano Truslow" - rela- tório sobre a economia cubana realizado em 1949 por 59 uma missão do Banco Mundial-, provocou um rá- pido reagrupamento de forças. Os elementos mais reacionários dos velhos partidos tradicionais reuni- ram-se em torno de Batista, ao passo que os que a ele se opunham, especialmente os ortodoxos, retorna- ram às velhas teses abstencionistas e insurrecionais. Em decorrência desta falta de perspectiva da oposi- ção burguesa nãe tardou a que se assistisse ao com- pleto esfacelamento do partido "Ortodoxo", quando um grupo dele se destacou para formar outro agru- pamento inconseqüente chamado Partido do Povo Livre. Na verdade a burguesia cubana estava prisio- neira de sua própria falência política como atesta, por exemplo, um editorial da revista Bohemia de apenas seis dias após o golpe: "Por maior que seja nosso amor à democracia - dizia o órgão mais im- portante da imprensa burguesa - sempre haverá de nos consolar a alteração institucional que se encami- nhe para a alteração de um regime putrefato, sem valores morais de espécie alguma" . I~ li? No campo das forças revolucionárias, por sua vez, o Partido Socialista Popular, ferrenhamente per- seguido, propunha a formação de uma Frente Demo- crática Nacional com vistas a reunir todos os grupos interessados em lutar contra a ditadura e resgatar a Constituição de 1940, dando assim a tônica das pri- meiras manifestações de rua em que os estudantes voltariam a ter um papel destacado, semelhante ao desempenhado na luta contra Machado. "".'"Além da crise dos partidos tradicionais, um dos fatos que contribuíràm para a radicalização da ju- Revolução Cubana: de José Marti a Fidel Castro ventude cubana foi a morte do estudante Rúbem Medina durante uma manifestação, inaugurando assim a longa lista de vítimas de Batista que se cal- cula em cerca de 20000. Neste processo de radica-, lização teve papel central Fidel Castro. O jovem advogado fazia parte então de um grupo ortodoxo preocupado em fazer a crítica da trajetória do par- tido após a morte de seu líder, Eduardo Chibás. O grupo editava um pequeno jornal mimeografado - O Acusador - onde, transcorridos apenas cinco me- ses do golpe de Batista, podia-se ler, da lavra do próprio- Fidel, a seguinte avaliação da situação: "O momento é revolucionário e não político. A política é a consagração do oportunismo dos que. têm meios e recursos. A Revolução abre caminho ao mérito ver- dadeiro, aos que têm valor e ideal sincero,aos que expõem o peito descoberto e empunham o estan- darte. A um partido revolucionário deve correspon- der uma direção revolucionária, jovem e de origem popular que salve Cuba". ,~tFidel já era sem dúvida uma pessoa incomum. .Havia-se inscrito na Universidade de Havana em 1945, no curso de Direito. Em 1947 iniciou sua ati- vidade política como ortodoxo e como vice-presidente da associação de alunos da escola de Direito. Nesta condição teve papel destacado num incidente entre o governo de Grau e os estudantes, envolvendo a trans- ferência de Manzanillo para Havana do "Sino de La Demajagua" - uma relíquia histórica que simboli- zava a libertação dos escravos e o início da guerra de independência em 1868. O governo havia tentado se- 61 62 qüestrar a relíquia e fora repelido pela população local. Em seguida Fidel, em nome da Federação de Estudantes Universitários (FEU), participou da transferência do sino para Havana e da organização de uma manifestação que reuniu cerca de 30 mil pessoas, roubando assim ao governo a oportunidade de realizar um ato demagógico. Em abril de 1948, esteve em Caracãs representando a FEU no con- gresso estudantil latino-americano quando se deu Q assassinato do presidentevenezuelano José Gaitan, que desencadeou a famosa revolta popular conhecida como Bogotazo, Fidel participou dos combates e se- guiu ,a retirada dos insurgentes para as montanhas de onde s6 Saiu quando as munições terminaram, sendo,
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