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Autor: Prof. Vanderlei da Silva Colaboradores: Profa. Amarilis Tudella Profa. Tânia Sandroni Política Setorial – Educação Professor conteudista: Vanderlei da Silva É especialista em EaD (UNIP, 2017), doutor em Educação (Uniso, 2013), mestre em Educação (Uniso, 2009), especialista em Direito do Terceiro Setor (FGV-SP, 2005) e advogado (Uniso, 2004). Atua como professor do curso de graduação em Serviço Social presencial e EaD na UNIP e de pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas EaD na mesma instituição. É também professor do curso de especialização MBA em Gestão Ambiental e Sustentabilidade na UFSCar. Também atua como gerente administrativo e financeiro do serviço de obras sociais na SOS Sorocaba, diretor de projetos do Lar Escola Monteiro Lobato, conselheiro fiscal da Fundação Ubaldino do Amaral (FUA), da Vila dos Velhinhos de Sorocaba e da Associação Protetora dos Insanos, e é sócio do Escritório de Advogados Ranuzzi & Silva, Vieira. É autor dos livros A participação da Loja Maçônica Perseverança III na educação escolar em Sorocaba e O terceiro setor e a escola. Foi participante convidado do Social Innovation and Global Ethics Forum (Sigef) 2014 e 2015, realizados em Genebra, na Suíça; do Sigef 2016, em Marrakesh, no Marrocos; e do Premios Latinoamérica Verde 2016, em Guayaquil, no Equador. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S586p Silva, Vanderlei da. Política Setorial – Educação / Vanderlei da Silva. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 144 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Política educacional. 2. Política social. 3. Educação. I. Título. CDU 37,01 U508.43 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Ingrid Lourenço Sumário Política Setorial - Educação APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 POLÍTICA DE EDUCAÇÃO: CONJUNTURA, ESTRUTURA E PERSPECTIVAS .................................. 11 1.1 A política de educação como direito ............................................................................................ 12 1.2 Educação no contexto das transformações da sociedade contemporânea ................. 16 2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: ASPECTOS SOCIOPOLÍTICOS E HISTÓRICOS .................................. 21 2.1 As reformas educacionais e os planos de educação .............................................................. 32 3 A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NO BRASIL............................................................................ 42 3.1 Conhecendo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei n. 9.394/1996 ......................................................................................................................................... 43 3.2 Política social, educação e cidadania ........................................................................................... 48 4 ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO ENSINO BRASILEIRO: ASPECTOS LEGAIS E ORGANIZACIONAIS ......................................................................................................................................... 50 4.1 Organização administrativa, pedagógica e curricular do sistema de ensino .............. 52 4.2 Níveis e modalidades de educação e de ensino ....................................................................... 56 4.3 Programas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)................... 68 Unidade II 5 SERVIÇO SOCIAL, QUESTÃO SOCIAL E EDUCAÇÃO ............................................................................ 77 5.1 A função social da escola e sua integração com a comunidade ...................................... 78 5.2 Escola, desigualdade social e políticas de inclusão ................................................................ 83 6 CIDADANIA, EMANCIPAÇÃO E O LUGAR DA ESCOLA PÚBLICA .................................................... 90 6.1 Assistência social e educação como políticas sociais ............................................................ 92 6.2 Educação e neoliberalismo ............................................................................................................... 99 Unidade III 7 A EDUCAÇÃO COMO ELEMENTO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ......................................111 7.1 Papéis e atribuições do assistente social na educação .......................................................113 8 A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PERMANENTE DO SUAS (PNEP/SUAS) ....................118 8.1 Produções acadêmicas e demais publicações do assistente social na área de educação .................................................................................................................................121 7 APRESENTAÇÃO Neste livro-texto, estudaremos o serviço social e a política de educação com aproximações e fundamentos teórico-metodológicos. Abordaremos a função social da escola, a construção profissional do assistente social na educação, o perfil profissional nessa política social e as dimensões pedagógica e socioeducativa do assistente social, realizando um debate contemporâneo da inserção do assistente social como profissional na escola. Temos como objetivos criar condições para que os alunos compreendam as condições históricas que envolvem a formulação das políticas setoriais brasileiras, conheçam as peculiaridades das políticas sociais na conjuntura brasileira e entendam a natureza das políticas sociais de educação no Brasil. Além disso, buscamos formar profissionais capazes de responder às demandas sociais na perspectiva de assegurar direitos e democratizar o acesso do cidadão às políticas sociais, por meio da instauração de práticas profissionais competentes, com potencial de produzir conhecimentos e propor alternativas para a transformação da realidade social. Procuramos também desenvolver no aluno conhecimentos e habilidades que possibilitem o bom exercício profissional e a devida informação ao cidadão usuário dos serviços sociais. INTRODUÇÃO Pesquisadores que analisam a questão do desenvolvimento do Brasil destacam que o país apresenta três problemas graves que impedem o seu crescimento e, principalmente, uma mudança social transformadora. Os problemas que precisam ser enfrentados são: • a imensa desigualdade social; • a violência existente na sociedade de uma forma geral; • a falta de confiança entre os indivíduos e entre as instituições do Estado. Essas questões precisam ser enfrentadas por todas as políticas públicas implementadas pelo Estado, pois trata-se de uma questão que transpassa todas elas. O que vamos apresentar neste livro-texto são possíveis formas de superaçãodesse cenário negativo a partir da educação e da participação do serviço social. Especificamente no âmbito educacional, o que veremos a seguir é que o Brasil ainda não encontrou o modelo ideal de educação que consiga superar um sistema pensado para atender determinados setores da sociedade e que agora tem sido cobrado para estender uma educação de qualidade para todos os segmentos da população. Também veremos que é necessário superar um modelo educacional que tem por finalidade principal a inclusão do indivíduo no mercado de trabalho, sendo que o emprego está diminuindo cada vez mais e que os que restam exigem um tipo de educação qualificada e abrangente. 8 Assim, torna-se primordial pensar numa educação que forme cidadãos políticos, preparados para uma nova sociedade que emerge do processo de globalização, em que novas habilidades e exigências são apresentadas ao público escolar. Nesse sentido, vamos refletir sobre vários aspectos da educação, que ainda é um processo em construção no qual vamos encontrar as marcas profundas da exclusão social, econômica e cultural de uma classe menos favorecida. Trata-se de uma educação sem investimentos e oportunidades a essa parcela da população e sob o domínio de organismos nacionais e internacionais, os quais direcionam os rumos da educação brasileira para uma ação mercantilista. Por esses motivos, é fundamental pensar no desenvolvimento de uma educação diferenciada, participativa e de qualidade. Educação que deve ser construída com o compromisso ético, com a paixão em socializar conhecimentos, a criatividade e a dinamicidade na construção do conhecimento pelos educadores. E para que isso seja, de fato, alcançado, é necessário pensar em estratégias que permitam a articulação da educação com outras disciplinas, especialmente com o serviço social, visando proporcionar uma educação de qualidade e inclusiva como forma de transformação social. Inúmeras pesquisas nacionais e internacionais apresentam dados que demonstram o que deve ser feito para que as escolas e os sistemas de ensino funcionem a contento e promovam o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos. O problema é que os resultados positivos dependem de muitos fatores que precisam ser manejados e gerenciados ao mesmo tempo para que as melhorias aconteçam e os resultados sejam significativos. Quando discutimos as questões relacionadas com os avanços que precisam ser alcançados no âmbito da educação, é preciso considerar que as escolas têm cada vez mais dificuldades para ensinar e promover o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, especialmente aqueles que vivem em comunidades e famílias vulneráveis que convivem com variadas formas de violência. Essas situações representam os fatores de risco que podem impor limitações à trajetória escolar de crianças e adolescentes e que estão presentes em um número cada vez mais amplo de territórios e espaços urbanos e rurais, e não apenas naqueles tipicamente considerados como regiões críticas. Para que esses obstáculos possam ser ultrapassados, torna-se fundamental a existência de relações de cooperação entre as políticas setoriais. A atual situação da educação no Brasil deixa evidente que o trabalho das escolas precisa ser apoiado por ações de outras políticas setoriais, tais como assistência social, saúde, cultura, esportes, trabalho e renda, segurança etc., pois somente com esse apoio é que a educação conseguirá ter mais chances de sucesso. Tal proposta não é nenhuma novidade, pois o princípio da articulação intersetorial já foi reconhecido em vários marcos legais e planos governamentais e vem sendo reafirmado em documentos recentes. É o que aponta o Plano Nacional de Educação (PNE) estabelecido para o período 2014-2024, que foi instituído pela Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Nesse documento está disposto que o alcance das metas de melhoria do acesso, da permanência e do aproveitamento das crianças e adolescentes na escola depende, entre outros fatores, da existência de ações conjuntas entre as áreas da assistência social, da saúde e da educação. O Plano também indica que uma boa integração entre essas áreas pode favorecer 9 a redução de problemas que limitam a trajetória escolar da população infantojuvenil, especialmente aquela parcela pertencente aos segmentos mais vulneráveis da população, que são beneficiários dos programas de transferência de renda. Outro desafio que se torna cada mais evidente para a melhoria da educação brasileira é a redução da tendência à evasão escolar entre a população de 15 a 17 anos, que é significativamente maior que a registrada em outras faixas etárias, fato que tem sido constatado pelas pesquisas divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se de um problema grave e cujo enfrentamento depende da existência de uma adequada articulação entre políticas setoriais. Assim, o principal objetivo deste livro-texto é apresentar os principais aspectos históricos da educação no Brasil e dos desafios que ela ainda enfrenta após a promulgação da Lei n. 9.394/1996 (LDB). A partir dos nossos estudos, vamos compreender que é necessário articular esforços que efetivamente promovam avanços no âmbito educacional. Os objetivos somente serão alcançados se houver o aprimoramento dos mecanismos de gestão das políticas setoriais, que deverão ser repensadas e reorganizadas para atuar de forma colaborativa. 11 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO Unidade I 1 POLÍTICA DE EDUCAÇÃO: CONJUNTURA, ESTRUTURA E PERSPECTIVAS Para o Estado brasileiro, a educação, nos últimos tempos, ocupou lugar de destaque nas esferas econômica, política e cultural, pois estamos no processo de construção de uma sociedade marcada pela tensão social e pelas disputas dos projetos societários de diferentes grupos e segmentos sociais, especialmente para conquistar-se a hegemonia política e cultural na sociedade. Observação Hegemonia cultural é um conceito formulado por Antonio Gramsci para descrever o tipo de dominação ideológica de uma classe social sobre outra, particularmente da burguesia sobre o proletariado. Nessa perspectiva, a Constituição Federal e as legislações vigentes têm como fundamento a defesa de uma educação que permita o acesso a todo cidadão, com qualidade e como propósito de inserção no mercado profissional e no mundo do trabalho. Porém, na prática, nem todos os discursos e nem todas as propostas legais se tornam realidade, pois milhares de crianças, adolescentes e jovens, mesmo matriculados em uma escola, permanecem excluídos de uma educação participativa, democrática, conscientizadora, dialógica, autônoma e afetiva. Existem sérios problemas na educação básica, que não consegue alfabetizar de maneira correta, fato que leva os jovens ao Ensino Médio sem a devida preparação e se torna motivo causador de uma alta taxa de evasão escolar. É preciso reconhecer a necessidade de se pensar em novas formas de relação entre escola, alunos e sociedade, uma relação mais integradora, em que o público interessado tenha espaço para uma maior participação nas decisões tomadas e que impactam todo o processo educacional. Nesse sentido, a participação do serviço social se coloca como um importante fator de colaboração na implementação das mudanças que são necessárias para transformar o ambiente escolar para que a escola consiga dar respostas mais significativas ao seu público, tornando-se um espaço de interlocução no qual os problemas são debatidos e as respostas são encontradas de forma conjunta entre todos os atores envolvidos no processo de educar. Em junho de 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua para a educação (PNAD..., 2019). Segundo essas estatísticas, 40% da população de 25 anos ou mais nem sequer concluíram o Ensino Fundamental, o que representa cerca de 53,4 milhões de pessoas. Essa taxa é importante para compor um cenário mais amplono qual se constata que mais da metade dessa população (52,6%) não completou a educação básica, ou seja, não chegou a se formar no Ensino Médio, o que corresponde a 70,3 milhões de pessoas. 12 Unidade I A mesma pesquisa demonstra que o Brasil ainda tem 11,3 milhões de analfabetos entre a população de 15 anos ou mais, número que corresponde a 6,8% dessa população. O dado diz respeito ao cenário identificado em 2018 e apresentou queda de 0,1 ponto percentual em relação a 2017, o que significa 121 mil analfabetos a menos, quando o país tinha 6,9% de pessoas nessa situação. As informações produzidas pela pesquisa são referentes ao ano de 2018 e, embora ainda mostrem um cenário negativo, apresentam evolução em relação ao alcançado em 2017, quando 40,9% da população não tinham o fundamental. Já o índice de pessoas que não terminaram a educação básica chegava a 53,8%. Também é importante observar na pesquisa que o Nordeste tem uma taxa de analfabetismo quatro vezes maior (13,9%) que a do Sudeste (3,5%). Diante desses dados, é possível concluir que, quatro anos depois do prazo estabelecido, o Brasil ainda não bateu a meta de alfabetização proposta nos planos educacionais do país, a qual deveria já ter sido alcançada em 2015. Assim, torna-se nítido para todos que o Brasil precisa avançar muito no campo educacional se, de fato, quiser cumprir com o projeto de país previsto em sua Constituição Federal, sendo que isso justifica a introdução de novas práticas educativas e novas formas de atuação, como a participação efetiva do serviço social nas escolas. Saiba mais Sobre o tema, leia a matéria a seguir: PNAD Contínua 2018: educação avança no país, mas desigualdades raciais e por região persistem. Agência IBGE, 19 jun. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013- agencia-de-noticias/releases/24857-pnad-continua-2018-educacao- avanca-no-pais-mas-desigualdades-raciais-e-por-regiao-persistem. Acesso em: 20 jun. 2019. 1.1 A política de educação como direito A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na Constituição Federal de 1988, não só pela expressa definição de seus objetivos, como também pela própria estruturação de todo o sistema educacional. A nossa Constituição (BRASIL, 1988) enuncia o direito à educação como um direito social no artigo 6º e especifica a competência legislativa nos artigos 22, XXIV e 24, IX. Além disso, dedica toda uma parte do título da Ordem Social para responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos e competências para os entes da federação. Porém, para que a política de educação seja garantida como um direito de todos, não basta apenas a sua inserção no texto constitucional, pois é preciso tratar das relações entre os problemas de acesso, 13 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO permanência e qualidade e a configuração histórica do Estado brasileiro, e, consequentemente, da política educacional que foi traçada a partir dessa configuração. Também é de fundamental importância entender as profundas desigualdades sociais e regionais e o correlato processo excludente quanto ao direito à educação no Brasil, tanto do ponto de vista normativo-político quanto do ponto de vista das dinâmicas intraescolares. Ao tratarmos da política de educação como um direito, é preciso recordar que enquanto em outros países, já no século XIX, os sistemas nacionais de educação começavam a se articular e a generalização da instrução elementar passava a ser entendida como uma tarefa precípua do Estado nacional, ainda não temos, no Brasil do século XXI, um sistema de educação que possa ser denominado nacional, dadas as profundas disparidades entre redes e sistemas de ensino entre estados e regiões. Essas disparidades impactam de forma negativa o sistema de ensino brasileiro, dificultando de uma forma sistemática que o direito à educação seja garantido a todos os brasileiros de forma igualitária, conforme o que está previsto na Constituição Federal. Apesar dessa consideração, não podemos negar que a legislação, ainda que insuficiente para mudar essa realidade, é importante para indicar os caminhos e orientar o cidadão e a sociedade sobre os seus direitos, proporcionando, consequentemente, condições para que possam exigir o que está contido nas leis. Nesse sentido, podemos considerar que o direito educacional como um conjunto de normas, princípios, leis e regulamentos que versam sobre as relações de alunos, professores, administradores, especialistas e técnicos, enquanto envolvidos, mediata ou imediatamente, no processo ensino-aprendizagem, possui um propósito bem definido, ou seja, de proporcionar uma educação de qualidade a todos os segmentos da população brasileira. Porém, a dificuldade se encontra em como conseguir superar os obstáculos políticos, sociais e econômicos para que isso se torne uma realidade entre nós. É necessário considerar, ainda, que nesse arcabouço jurídico está contido todo o conjunto de normas, de todas as hierarquias: leis federais, estaduais e municipais, portarias e regimentos que disciplinam as relações entre os envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Isso também é um problema a ser considerado, pois num país de proporções continentais como o nosso existem também enormes diferenças regionais que precisam ser consideradas pelo sistema educacional. Por esse motivo, é muito importante tratar também dos princípios reguladores do ensino no Brasil, e com essa finalidade iremos a seguir tratar de cada um deles. Dignidade da pessoa humana Quando tratamos dos princípios que regem a educação no Brasil, não podemos deixar de abordar um dos princípios que é considerado basilar do estado democrático de direito, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, é importante tratar da dignidade da pessoa humana como um princípio norteador de todos os outros princípios que norteiam o direito à educação. Quando a Constituição brasileira, seguindo as convenções internacionais, determinou que todo ser humano é sujeito de direito e deveres, que vivendo em comunidade possui o direito de uma subsistência 14 Unidade I digna, o Brasil assumiu o dever de garantir o mínimo indispensável à subsistência humana. Nesse sentido, o direito à educação integra essa parcela mínima indispensável à sobrevivência do homem. Igualdade de condições para o acesso e permanência escolar Esse princípio está tipificado no preâmbulo da Carta Magna e nos art. 3º, incisos I e IV e 5º, caput e também no inciso I do art. 206, tendo como premissa maior que a educação como dever do Estado deve ser fornecida a todos, e não a uma parcela da sociedade. Observação O preâmbulo tem por finalidade retratar os principais objetivos do texto constitucional, enunciando os princípios constitucionais mais valiosos, assim como as ideias essenciais que alimentaram o processo de criação da Constituição. Dessa forma, o texto constitucional determina que as condições de acesso à escola, bem como a permanência, devem ser igualitárias, sem qualquer discriminação, seja ela de cor, raça, sexo, idade ou condições financeira ou religiosa. Liberdades de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamentos, a arte e o saber Tal princípio está diretamente relacionado com os direitos fundamentais e individuais, previstos no art. 5º da Constituição Federal, que estabelece a liberdade geral como um de seus valores básicos. Assim, também ficou estabelecido o direito à inviolabilidade, à livre manifestação de pensamento, à liberdade de consciência, à vedação ao anonimato e à liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Dessa forma, quando a Constituição trouxe no inciso I do art. 206 a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamentos, a arte e o saber, ratificou os valores básicos de um estado democráticode direito. Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino Esse princípio tem sido muito discutido atualmente, quando se trata do que a escola deve ensinar, e encontra-se alicerçado na diversidade. É importante destacar que tal princípio está relacionado com a previsão do pluralismo político, descrito na Constituição Federal em seu art. 1º, inciso I. Tal princípio também é um dos fundamentos do estado democrático de direito, pois significa que não cabe ao Estado impor um único modelo a ser aplicado no processo de ensino. Principalmente no Brasil, com suas proporções continentais, não é possível a existência de uma única forma, preestabelecida, do processo de aprendizagem. Dessa forma, o modo de ensinar deve 15 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO obedecer a realidades regionais e ideológicas de cada escola, a qual buscará a forma mais adequada de ministrar as aulas tendo como foco o aluno, procurando sempre integrar a família e a comunidade nesse processo contínuo de aprendizagem. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais Essa determinação legal trata da inclusão do princípio da gratuidade da educação no rol dos princípios constitucionais, vedando qualquer possibilidade de que um projeto de lei venha a estipular que o ensino público deva ser pago. Nesse contexto encontram-se inclusos os Ensinos Fundamental, Médio e Superior. Valorização dos profissionais de educação escolar Visando dar condições para que a educação conte com a participação de profissionais motivados com a sua carreira pedagógica, a valorização do professor foi definida como princípio constitucional. Esse princípio também tem o objetivo de garantir que o magistério público se organize em plano de carreira, o que impossibilita que o quadro seja composto de forma isolada. O respeito a esse princípio garante a existência de mecanismos que possam fornecer ao profissional de educação maior empenho e melhor produção do ensino, através de melhorias salariais e de incentivos na continuidade da carreira do magistério. Nessa mesma linha, podemos destacar também a instituição do piso nacional de salário para o professor. Gestão democrática do ensino público É um princípio que também tem a sua origem nos princípios do estado democrático de direito, no art. 1º da Constituição Federal, tais como soberania popular, cidadania e pluralismo político. Como a educação é um dever constitucional do Estado brasileiro, deve estar centrada na democracia, ou seja, deve ser uma gestão escolar que envolva a comunidade escolar, não somente no processo de escolha dos seus dirigentes através de eleição, mas em toda administração, financeira e pedagógica. Pelo respeito a esse princípio, o processo educacional não pode ser imposto sem que se ouça a opinião das partes interessadas, uma vez que esse processo somente se concretiza com a participação de todos os entes envolvidos, participando efetivamente da gestão escolar. Dessa forma, podemos dizer que esse princípio tem dois sentidos objetivos: o de integrar e trazer para a escola a população, pois assim todos poderão usufruir, direta ou indiretamente, desse direito; e o de exercer o controle social da atividade, na sua qualidade, gestão e finalidades. Observação Controle social é uma forma de compartilhamento de poder de decisão entre Estado e sociedade sobre as políticas, um instrumento e uma expressão da democracia e da cidadania. 16 Unidade I Garantia de padrão de qualidade O legislador constitucional já havia percebido que não seria suficiente prescrever a educação como um direito de todos e ao mesmo tempo dever do Estado sem a garantia de que fosse assegurado um padrão de qualidade. Em todos os aspectos das políticas educacionais, será sempre a qualidade que garantirá que os objetivos da educação serão alcançados, possibilitando o pleno desenvolvimento da pessoa humana e viabilizando a sua inserção no mercado de trabalho e, acima de tudo, o pleno exercício da cidadania. Piso salarial para os profissionais da educação escolar pública Quando uma Constituição Federal é elaborada, não é possível prever todas as questões que ela precisa tratar. Por esse motivo é que existe a possibilidade de ampliar o seu alcance por meio das Emendas Constitucionais. Esse princípio foi introduzido na Constituição Federal pela EC n. 53/2006 e definiu que a regulamentação ficava a cargo de lei federal, cabendo ao Poder Executivo Federal a iniciativa legislativa. Porém, a devida regulamentação dessa Emenda somente ocorreu com a promulgação da Lei n. 11.738/08, de forma parcial. A Lei prescreve o piso inicial para o profissional federal, com carga horária de 40h mensais com formação em nível médio. Trata-se de um importante avanço no que se refere à valorização dos profissionais da educação e, consequentemente, melhor qualidade de ensino, constituindo este o objetivo do princípio. 1.2 Educação no contexto das transformações da sociedade contemporânea É sempre importante destacar que as políticas de educação no Brasil pós-Constituição de 1988 têm sido adotadas a partir dos parâmetros ditados pelo contexto da ideologia neoliberal, ou seja, são políticas sociais, porém vistas por viés econômico, como formação do capital humano. Dessa forma, a educação tem sido orientada como um modelo de formação, de sujeitos produtivos para o mercado, modelo que se tornou hegemônico e que está constituído pelas competências necessárias à empregabilidade. Porém, é necessário considerar que existe outra função da educação e que na maioria das vezes não tem sido devidamente observada: a construção de um modelo de educação que atenda às necessidades da população excluída dos direitos básicos da existência humana e dos princípios da formação de sujeitos críticos, conscientes e construtores de sua história. Pensando a educação nessa perspectiva, é fundamental recordar o legado deixado pelo educador Paulo Freire, que sempre procurou mostrar a importância de se ter uma educação a partir do conhecimento do povo e com o povo provocando uma leitura da realidade na ótica do oprimido, que ultrapasse as fronteiras das letras e se constitua nas relações históricas e sociais. É fundamental pensar a educação por essa perspectiva, pois a cada dia a sociedade contemporânea passa por significativas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que mudam a forma como os sujeitos se relacionam entre si e com a sociedade. 17 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO Os caracteres mais salientes e visíveis do mundo moderno são a necessidade de agitação incessante e de mudança contínua; a dispersão numa multiplicidade não mais unificada; a análise levada ao extremo; a fragmentação indefinida; a desagregação de todas as atividades humanas; a não aptidão à síntese e a impossibilidade de qualquer concentração (ROSSI, 1992, p. 20). Tais transformações são acarretadas, principalmente, em função dos avanços tecnológicos que passam a ocorrer numa velocidade espantosa a partir do início do século XXI. Nesse novo projeto de mundo tecnológico e conectado, a escola vem sendo cada vez mais questionada a respeito do seu papel numa sociedade que exige um novo tipo de trabalhador, mais flexível e polivalente, capaz de pensar e aprender constantemente e que atenda às demandas dinâmicas que se diversificam em quantidade e qualidade. Além disso, cobra-se da escola a capacidade de conseguir também desenvolver nos alunos conhecimentos, capacidades e qualidades para o exercício autônomo, consciente e crítico da cidadania. Para conseguir cumprir com essa gama de objetivos que estão sendo colocados como finalidade da educação, a escola deve articular o saber para o mundo do trabalho e o saber para o mundo das relações sociais. Porém, conforme os ensinamentos de Frigotto, nem sempre foi essa a expectativa que a sociedade colocava para a educação. Na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educação dos diferentesgrupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a função social da educação de forma controlada para responder às demandas do capital (FRIGOTTO, 1999, p. 26). No entanto, a sociedade globalizada coloca outras responsabilidades para uma escola que encontra dificuldades em acompanhar todas as mudanças que estão ocorrendo no mundo, principalmente nas escolas públicas, onde a burocracia do Estado dificulta a implementação de mudanças para mudar os paradigmas existentes. Esses novos paradigmas, em seu âmbito mais amplo, são questões que buscam apreender a função social dos diversos processos educativos na produção e reprodução das relações sociais. Já num plano mais específico, tratam das relações entre a estrutura econômico-social, ou seja, o próprio processo de produção, as mudanças tecnológicas, o processo e a divisão do trabalho, a produção e a reprodução da força de trabalho e os processos educativos ou de formação humana. É necessário que a escola consiga absorver tudo isso, pois vivemos uma nova realidade mundial, a qual é denominada “sociedade do conhecimento”. Hoje em dia, os métodos de aprendizado já não são baseados na divisão entre o pensamento e a ação, na fragmentação de conteúdos e na memorização, em que o livro didático era responsável pela qualidade do trabalho escolar. Agora, é possível aprender na rua, no smartphone, no computador e em qualquer outro lugar. Assim, houve uma significativa ampliação dos espaços educativos, o que não significa o fim da escola, mas que esta deve se reestruturar de forma a atender as demandas das transformações do mundo do trabalho e seus impactos sobre a vida social. 18 Unidade I Essas mudanças têm suas origens principalmente nas transformações técnico-científicas ocorridas no âmbito da economia e da política, como o fenômeno da globalização mundial com suas repercussões nos meios de produção, precarização e flexibilização do trabalho e o desemprego causado pela automatização da produção. Os avanços tecnológicos fizeram com que a escola precisasse desenvolver um novo método de qualificação do sujeito, tendo como responsabilidade a formação de indivíduo flexível e adaptativo para atender as necessidades do mercado. Assim, o ambiente de formação escolar passa a ter a função de setor de produção e de agente de transformação. Porém, todas essas transformações também possuem um aspecto negativo, que de certa forma também se reverbera na escola: o aumento do desemprego e da exclusão social, pois a maior parte das benesses resultantes das transformações sociais é usufruída por apenas uma pequena parcela da sociedade. Saiba mais Leia o texto a seguir: MEDEIROS, M. O mundo é o lugar mais desigual do mundo. Piauí, jun. 2016. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-mundo-e-o- lugar-mais-desigual-do-mundo/. Acesso em: 23 jun. 2019. Outro aspecto importante a ser destacado quando se procura entender a educação no contexto das transformações da sociedade contemporânea é a obrigação imposta ao ser humano de ter que estudar durante toda a vida se quiser manter-se atualizado e participante da sociedade do conhecimento. Estudar se tornou algo para fazer durante toda a vida, pois a sociedade do conhecimento requer que o profissional adquira novas habilidades o tempo todo para se manter produtivo e capaz de entender o mundo em que vive. Nesse sentido, qualquer tipo de profissional tem de seguir estudando e aprendendo novas habilidades ao longo da vida, não bastando apenas cursar o ensino tradicional, uma vez que vivemos em uma sociedade baseada na inovação e na qual, por isso, há a necessidade de se renovar e aprender coisas novas o tempo todo. A síntese dessa nova proposta de educação foi desenvolvida por Jacques Lucien Jean Delors, economista e político francês, que de 1992 a 1996 presidiu a Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, da Unesco. Observação A Representação da Unesco no Brasil foi estabelecida em 1964 tendo como prioridades a defesa de uma educação de qualidade para todos e a promoção do desenvolvimento humano e social. Durante o período em que esteve à frente da Unesco, Delors (2010) foi o autor do relatório “Educação: um tesouro a descobrir”, em que se exploram os quatro pilares da educação. Esse relatório apontou como principal consequência da sociedade do conhecimento a necessidade de uma aprendizagem ao 19 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO longo de toda a vida, fundamentada em quatro pilares, que são, concomitantemente, do conhecimento e da formação continuada. Como veremos a seguir, tais pilares e os saberes e competências a se adquirir são apresentados, aparentemente, divididos. Essas quatro vias não podem, no entanto, dissociar-se por estarem interligadas, constituindo interação com o fim único de uma formação holística do indivíduo. Como afirma Delors (2010), “À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permite navegar através dele”. Quadro 1 – Os quatro pilares da educação do século XXI Aprender a conhecer Essa aprendizagem se refere à aquisição dos ”instrumentos do conhecimento”, desenvolvendo nos alunos o raciocínio lógico, a capacidade de compreensão, o pensamento dedutivo e intuitivo e a memória. O importante é não apenas despertar nos estudantes esses instrumentos, como motivá-los a desenvolver sua vontade de aprender e querer saber mais e melhor. Aprender a fazer Essa aprendizagem confere ao aluno uma formação em que aplicará na prática seus conhecimentos teóricos. É essencial que cada indivíduo saiba se comunicar através de diferentes linguagens, assim como interpretar e selecionar quais informações são essenciais e quais podem ajudar a refazer opiniões e serem aplicadas na maneira de se viver e de redescobrir o tempo e o mundo. Aprender a conviver Esse domínio da aprendizagem atua no campo das atitudes e dos valores e envolve uma consciência e ações contra o preconceito e as rivalidades diárias que se apresentam no desafio de viver. Aprender a ser Essa aprendizagem depende das outras três, e dessa forma a educação deve propor como uma de suas finalidades essenciais o desenvolvimento do indivíduo, espírito e corpo, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal e espiritualidade. Fonte: Fundação Telefônica (s.d.). Saiba mais Sobre o tema, leia o texto a seguir: DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. Brasília, 2010. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000109590_por. Acesso em: 29 jul. 2019. A partir da compreensão do que estudamos a respeito da educação no contexto das transformações da sociedade contemporânea, podemos ver que a sociedade do conhecimento necessita também do conhecimento de processos, que em raras exceções as escolas tentam ensinar. Além disso, nessa nova realidade os sujeitos precisam aprender como aprender, sendo que nessa perspectiva as matérias podem ser menos importantes que a capacidade dos alunos de continuarem aprendendo e que a sua motivação para fazê-lo. A educação deve representar a consolidação de espaços que sejam utilizados como formas de participação e, principalmente, de inserção das famílias nos espaços escolares, pois o compartilhamento 20 Unidade I e o acesso às informações, assim como a valoração das realidades locais, deve ser aproveitado no processo de construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. O PPP é um instrumento que reflete a proposta educacional da escola. É através dele que a comunidade escolar pode desenvolver um trabalho coletivo, cujas responsabilidades pessoais e coletivas são assumidas para execução dos objetivos estabelecidos. Nessa perspectiva, a escola deve estar preparada para romper com todo o processo histórico que representou a sua construção como uma importante organização social, uma vez que o futuro lhe apresentanovos desafios. Para que a escola consiga atender às novas expectativas que a sociedade coloca para a educação, é fundamental que os atores escolares estejam preparados para a utilização das novas tecnologias da informação e da comunicação, pois são ferramentas que podem contribuir de forma significativa para as práticas escolares em todos os níveis do ensino. É importante considerar que boa parte dos alunos que frequentam as escolas já possui o conhecimento necessário para utilizar essas tecnologias, pois já o fazem no seu dia a dia. Porém, os atores escolares ainda têm dificuldades em conseguir fazer a junção entre o conhecimento que precisa ser transmitido e a capacidade dos alunos em aprender com a utilização de novas tecnologias, considerados por eles como muito mais interessantes que os métodos tradicionais. Saiba mais Colocando os desafios da escola em perspectiva, Leandro Petarnella, por meio dos indícios juntados no cotidiano escolar, propõe uma tarefa arriscada: constituir vetores ativos, num cenário precário de passagens, que promovam a reflexão sobre a “escola analógica” e cabeças digitais. Acesse o texto em: PETARNELLA, L. Escola analógica e cabeças digitais: o cotidiano escolar frente às tecnologias midiáticas e digitais de informação e comunicação. QUAESTIO, Sorocaba, v. 10, n. 1/2, p. 323-327, maio/nov. 2008. Disponível em: http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/quaestio/article/download/76/76/. Acesso em: 20 jun. 2019. Como podemos observar diante da realidade que se apresenta em nosso cotidiano, vivemos numa nova sociedade onde as mudanças ocorridas nas formas de comunicação e intercâmbio de conhecimentos, resultantes principalmente do uso generalizado das tecnologias digitais, exigem uma grande reformulação das relações de ensino e aprendizagem, no que diz respeito tanto ao que é feito nas escolas quanto a como é feito. Por esses motivos, os atores escolares precisam começar a discutir de que forma a utilização das novas tecnologias, especialmente da internet, podem ser utilizadas no processo educativo. Porém, antes é fundamental compreender quais são as suas especificidades técnicas e qual é o seu real potencial pedagógico. 21 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO Saiba mais Leia a obra a seguir: TEDESCO, J. C. O novo pacto educativo: educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna. São Paulo: Ática, 1998. 2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: ASPECTOS SOCIOPOLÍTICOS E HISTÓRICOS Para que possamos entender os aspectos mais relevantes das nossas políticas educacionais, precisamos primeiro compreender o processo de construção histórica da educação no Brasil. Nessa seara, para entender o presente é necessário conhecer o passado, uma vez que existe uma correlação direta entre as políticas educacionais pensadas para o país durante toda a sua história e a prática escolar existente na atualidade. Pela leitura da obra de Freitag (1986, p. 46), Escola, estado e sociedade, podemos classificar a história da educação no Brasil em três períodos, fazendo uma interface dos modelos educacionais aos ciclos econômicos vivenciados no país: o ciclo da agroexportação, o de substituição das importações e, finalmente, o de internacionalização do mercado interno. Segundo o autor, para compreender melhor essa classificação, podemos utilizar a seguinte divisão cronológica: • 1º período: de 1500 a 1930, abrangendo a Colônia, o Império e a Primeira República. • 2º período: de 1930 a 1960, aproximadamente. • 3º período: de 1960 em diante. A partir dessa divisão histórica, podemos iniciar uma breve apresentação dos processos pelos quais passou a educação escolar no Brasil. Por aproximadamente dois séculos, os padres jesuítas foram os educadores, quase que exclusivos, no Brasil. Essa era uma forma de a Igreja Católica divulgar os preceitos cristãos e os princípios da cultura europeia nos colégios e seminários dos jesuítas, contribuindo com os objetivos da colonização portuguesa. A História da Educação no Brasil inicia com a chegada dos padres jesuítas, responsáveis pelas bases de um vasto sistema educacional, ocorrendo por esse intermédio o desenvolvimento de um sistema educacional que seria o marco da educação brasileira, que evoluiu, progressivamente, com a expansão territorial da colônia, ou seja, como predomínio da Igreja Católica na definição do sistema educacional (PIANA, 2009, p. 59). 22 Unidade I Em 1554, com a intenção de ensinar e catequizar os indígenas que viviam no planalto de Piratininga, os jesuítas construíram a primeira escola, feita de pau a pique (técnica de construção com barro, bambu e palha). Nesse período, a economia do Brasil era baseada no modelo agroexportador, que foi implantado na maior parte das colônias portuguesas. Esse modelo tinha por finalidade oferecer lucro à metrópole, sendo que esse objetivo era atingido por meio da produção de produtos primários como açúcar, ouro, café e borracha. No Brasil Colônia, a estrutura social era formada basicamente por escravos, incluindo os trabalhadores, os senhores de engenho, os grandes latifundiários e os funcionários da Coroa. Nesse tipo de formação da estrutura social inexistia o que hoje denominamos política educacional de caráter estatal. O que tínhamos nesse período era um sistema educacional de elite, e não havia interesse em ampliar a escolarização para atingir a classe subalterna. Assim, o entendimento da gênese do modelo educacional brasileiro já nos leva a perceber que, desde a sua colonização, o país sempre valorizou um sistema educacional organizado e estruturado de forma excludente e seletiva. No ano de 1808, Portugal foi invadido pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte, e a família real e a corte transferem-se para o Brasil. Com a vinda da corte portuguesa para a colônia, foram introduzidas modificações no plano econômico, político e social. Tais mudanças também tiveram influências no âmbito da educação, adotada pelo governo português para o Brasil. Nesse sentido, foram inauguradas diversas instituições educativas e culturais e surgiram os primeiros cursos superiores de Direito, Medicina e Engenharia, mas não universidades. Observação Uma universidade é uma instituição de Ensino Superior pluridisciplinar e de formação de quadros profissionais de nível superior, de investigação, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano. É importante destacar que a introdução de cursos superiores no Brasil somente ocorreu aproximadamente cem anos depois da criação de cursos superiores nos Estados Unidos, sendo essa uma possível explicação para a diferença no nível de desenvolvimento dos dois países. Além dessas mudanças, houve a necessidade da formação de novos quadros técnicos e administrativos para atender à demanda dos serviços criados em função das inovações introduzidas por D. João VI. Fundaram-se escolas técnicas e academias, para atender à demanda, pois com a abertura dos portos, intensificou-se o contato com outros países e outras culturas. Nesse período, foram criadas: a Academia Real da Marinha, a Academia Militar, o curso de cirurgia, anatomia e, depois, o curso de Medicina. E ainda, foram criados os cursos de Economia, Agricultura, 23 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO Botânica, Química Industrial, Geologia e Mineralogia, e outros. Mas, cabe ressaltar, a maioria dos cursos eram rudimentares em sua organização, pois focavam somente a profissionalização (FREITAG, 1986, p. 48). Novas mudanças educacionais serão promovidas no país a partir de 1822, com a proclamação da Independência do Brasil. Os novos ideais foram discutidos pela Assembleia Constituinte, que defendia a importância da educação popular. Nesse sentido, em 1827 foi determinada na legislação que deveriam ser criadas escolas primárias em todas as cidades e vilas mais populosas. Porém, iniciava-se aí um dos grandes problemas que dificultam a evolução da educação no país, pois muitas das propostas previstas nas legislações acabaram por não serem implementadasde fato. E foi o que ocorreu na época, uma vez que em 1834 a responsabilidade pela educação primária foi transferida para a responsabilidade das províncias. Lembrete As províncias foram subdivisões do território brasileiro, criadas no Reino do Brasil e herdadas pelo Império do Brasil. Outra questão que demonstra a falta de interesse do Império pelas questões educacionais foi que a lei de 15 de outubro de 1827 vigorou até 1946 como a única lei geral para o ensino elementar, ou seja, não houve nenhum interesse político em modificar a situação que estava posta para a educação. No período de 1860 a 1890, a iniciativa particular no sistema educacional cresceu em oposição à situação de total abandono pelo Estado. Porém, mesmo assim, a Constituição de 1891 adotou em parte a mesma forma de administração do sistema escolar do Império. A expansão do ensino foi lenta e irregular, por falta de uma formulação da política educacional e mesmo com a proclamação da República, em 1889, quase não alterou esse cenário, mas houve somente investimento e expansão no Ensino Superior, por meio da criação de muitas escolas para a formação de profissionais liberais, em atenção aos interesses de uma classe dominante para a permanência no poder (PIANA, 2009, p. 63). No ano de 1890, foi criado o Ministério de Educação, Correios e Telégrafos, o qual teve curta duração, sendo passados os assuntos educacionais para o Ministério da Justiça. Um significativo avanço no âmbito educacional brasileiro foi registrado entre os anos de 1889 a 1930, quando foram fundadas algumas escolas superiores e construídas muitas escolas primárias e secundárias, mas substancialmente pouco se alterou o quadro do sistema educacional. Ocorre que, nesse período, o Estado apenas procurou garantir a manutenção dos estabelecimentos considerados como padrão para as demais escolas secundárias do país, mas não conseguiu atender aos anseios republicanos de ampliação das oportunidades educacionais, permanecendo ainda um 24 Unidade I sistema elitista, excludente e seletivo. Por esse motivo, foi a iniciativa particular que assumiu a responsabilidade sobre o ensino secundário, pois havia uma completa ausência do Estado nesse nível educacional. Porém, novas transformações ocorridas no setor econômico, político e social durante a Primeira República introduziram mudanças no setor cultural, pois a ideia de que a escolarização deve responder aos anseios das transformações sociais do século XX levou a um entusiasmo pela educação e a um otimismo pedagógico. Nesse sentido, a preocupação com a ampliação da escola primária, na década de 1920, foi o ponto principal das reflexões e das discussões dos educadores e políticos. Com a criação, em 1924, da Associação Brasileira de Educação (ABE) pelos educadores, intelectuais, políticos e figuras de expressão da sociedade brasileira, foi possível impulsionar as discussões em torno dos problemas educacionais, por meio desta organização, sendo promovidos cursos, palestras, semanas da educação e conferências, principalmente as Conferências Nacionais de Educação. No período de 1927 a 1929, foram realizadas três grandes Conferências Nacionais de Educação, ocorridas em Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo. Foi por meio das Conferências Nacionais de Educação que surgiu, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, contendo uma nova proposta pedagógica e trazendo em seu bojo uma proposta de reconstrução do sistema educacional brasileiro, visando a uma política educacional do Estado. Assim, a política educacional começa a modificar-se após a Primeira Guerra Mundial, quando surge uma geração de grandes educadores, em destaque Anísio Teixeira; ocorrem, nesse período, várias reformas do ensino nos Estados. Na década de 1930, surgem as primeiras universidades brasileiras e amplas reformas do ensino nos demais níveis, consideradas importantes, embora decorrentes da implementação de um regime autoritário (GHIRALDELLI JUNIOR, 2003, p. 21). O Manifesto dos Pioneiros da Educação, ou Movimento Escolanovista, apresentou os aspectos centrais para uma ampla reforma nacional que influiu fundamentalmente nas mudanças posteriores e denunciou o atraso do sistema de educação no Brasil e a não inclusão da população a um amplo processo de educação escolarizada. Todos esses movimentos promoveram grandes mudanças no campo educacional brasileiro, tendo início um período importante para a educação, pois aí se desenhou uma certa democratização no ensino, principalmente, em virtude de alguns fatores, entre eles a discussão em torno da “escola ativa” de Dewey, tendo como seguidores, no Brasil, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Francisco Campos. John Dewey é o principal representante da corrente filosófica que ficou conhecida como pragmatismo, embora Dewey desse o nome de instrumentalismo, pois para esse filósofo as ideias somente têm importância quando servem de instrumento para a resolução de problemas reais. 25 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO No campo específico da pedagogia, a teoria de Dewey se inscreve na chamada educação progressiva. Um de seus principais objetivos é educar a criança como um todo. Nesse sentido, essa forma de educação parte do princípio que os alunos aprendem melhor realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados. Por esse motivo, as atividades manuais e criativas ganharam destaque no currículo. Além desses conceitos ligados diretamente ao processo pedagógico, Dewey também defendia a democracia não só no campo institucional, mas também no interior das escolas. 85 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade o da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional”. É com essa frase que o educador Fernando de Azevedo (1894-1974) abre o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, documento lançado em 1932 e reconhecido como um dos grandes marcos da educação brasileira. Em 2019, completaram-se 87 anos do lançamento desse importante manifesto e estamos novamente discutindo a importância da educação para o desenvolvimento do país. Assim, é fundamental conhecermos melhor as propostas apresentadas pelos Pioneiros da Educação Nova e confrontarmos com a nossa realidade, para verificarmos os nossos avanços e retrocessos no âmbito das políticas educacionais. Fonte: Fundação Telefônica (2017). Quadro 2 – Principais reformas educacionais que ocorreram no Brasil entre os anos de 1827 e 1959 Ano Reforma promovida 1827 Lei Geral do Ensino do Brasil. Estabeleceu as primeiras diretrizes para o ensino público no país. 1834 Ato adicional que delegou às províncias a organização de seus sistemas organizacionais. 1924 É fundada a Associação Brasileira de Educação. 1930 Ocorre a instalação da Nova República e a criação do Ministério da Educação (MEC), pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas. 1931 A Associação Brasileira de Educação organiza a IV Conferência Nacional de Educação. 1931 Em 30 de abril de 1931, por meio de um decreto, é instituído o ensino religioso facultativo nas escolas públicas do país. 1932 Em 24 de fevereiro de 1932, as mulheres conquistam o direito ao voto feminino. 1932 Em 19 de março de 1932 ocorre, nos principais jornais do país, a publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. 1932 Ocorre a Revolução Constitucionalista de 1932. 1959 Em 1º de julho de 1959 ocorre o lançamento de novo manifesto com o título “Mais uma vez convocados”. Adaptado de: Fundação Telefônica (2017). 26 Unidade I A criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, foi a medida educacional mais importante surgida nesse período, pois tinha como papel fundamental orientar e coordenar, como órgão central, as reformas educacionais que seriam incluídas na Constituição de 1934, tendo como seu titular Francisco Campos. Por esse motivo, essas reformas levaram o nomede Reforma Francisco Campos e, de fato, contaram com elementos importantes, como a integração entre as escolas primária, secundária e superior e, ainda, a elaboração do estatuto da universidade brasileira. Nesse período, também foram introduzidos o ensino primário gratuito e obrigatório e o ensino religioso facultativo. Como um processo histórico construído pela própria sociedade possui um movimento inercial difícil de ser freado, a Constituição de 1937 absorveu parte das propostas educacionais já existentes na legislação vigente e introduziu ainda o ensino profissionalizante. Referente à profissionalização dos trabalhadores, esse tipo de formação tornou-se obrigatória para as indústrias e sindicatos, que tiveram que iniciar um processo visando à criação de escolas na esfera de sua especialidade para os filhos de seus operários ou associados. Como o foco educacional nesse período era basicamente preparar os filhos dos operários para trabalhar nas indústrias, em 1942 foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), e em 1946, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Assim, o ensino industrial passou a assumir um papel relevante na formação da mão de obra brasileira, principalmente no contexto da industrialização do país, ocorrida a partir de 1930. Tal foi sua importância que verificamos, a partir de 1942, tanto o Estado como a Confederação Nacional das Indústrias patrocinando esse ensino. Havia, pois, dois tipos de ensino industrial: um que compreendia a aprendizagem sob o controle patronal, ligado ao Senai, e outro sob a responsabilidade direta do Ministério da Educação e Saúde, constituído pelo ensino industrial básico. Também no ano de 1942 foi decretada a Reforma Capanema, relativa ao ensino secundário. A chamada “redemocratização” do Brasil, no pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945, com a promulgação da Constituição de 1946 e o surgimento do Estado populista desenvolvimentista, trouxe novas reformas, um longo período de reivindicações, surgindo um movimento em prol da escola pública, universal e gratuita, que repercutiu diretamente no Congresso Nacional e culminou com a promulgação, em 1961, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. As discussões em torno dessa Lei contribuíram para conscientizar o poder político sobre os problemas educacionais (PIANA, 2009, p. 66). 27 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO Saiba mais Reforma Capanema foi o nome dado às transformações projetadas no sistema educacional brasileiro em 1942, durante a Era Vargas, liderada pelo então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, que ficou conhecido pelas grandes reformas que promoveu, entre elas, a do ensino secundário e o grande projeto da reforma universitária, que resultou na criação da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. GUSTAVO Capanema. Brasil: TV Escola, 2011. 25 minutos. Disponível em: https://tvescola.org.br/videos/educadores-gustavo-capanema. Acesso em: 12 dez. 2019. Dentro de todo esse cenário que se formou durante a chamada Era Vagas, foram se criando as bases para que houvesse a elaboração e a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 4.024/61. A promulgação da lei ocorreu em meio a uma ampla discussão teórica sobre as mudanças necessárias para que a educação brasileira se modernizasse. No entanto, as prescrições referentes ao currículo escolar apareceram de forma pouco elaborada no texto legal, impedindo que a oportunidade de haver uma ampla renovação educacional se consumasse. A Lei n. 4.024/61, que fixou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabeleceu que o ensino no Brasil de nível primário poderia ser ministrado pelo setor público e privado, extinguindo a obrigatoriedade do ensino gratuito nesses anos escolares. Permitiu também ao Estado subvencionar os estabelecimentos de ensino particulares, por meio de bolsas de estudo e empréstimos, e a construção, as reformas e a infraestrutura da escola. Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional passou a ser compreendida como a medida mais importante assumida pelo Estado em relação à política educacional. Porém, a partir do ano de 1964, o Brasil passou a ser governado pelo Regime Militar e houve uma significativa diminuição do debate popular sobre a educação. Por outro lado, é necessário reconhecer que houve uma ampliação do sistema de ensino por parte do Estado durante esse período, inclusive no âmbito do Ensino Superior. Foi também nessa época que ocorreu a criação de agências de apoio à pesquisa e à pós-graduação. O ensino obrigatório foi ampliado de quatro para oito anos e foram promulgadas várias leis que introduziram reformas importantes nos diferentes níveis de ensino. Sobre esse período, também é importante destacar o papel do educador Paulo Freire, reconhecido internacionalmente como o criador de um novo método pedagógico de alfabetização e educação de base. O método educacional proposto por Paulo Freire visava a um processo de conscientização e de participação política por meio da aprendizagem das técnicas da leitura e da escrita. 28 Unidade I Dessa forma, o pensamento de Freire exerceu profunda influência nos profissionais da educação, pois seu método fundamentava-se na prática pedagógica não diretiva, que consistia em passar o homem da condição de “objeto” para a de “sujeito” (PIANA, 2009, p. 67). Apesar de todas as questões políticas e sociais que envolviam as relações do Regime Militar com a Sociedade Civil, a legislação brasileira evoluiu na direção da garantia do direito à educação, até sua consagração como direito público subjetivo, na Constituição Federal de 1988. Assim, os anos que se seguiram ao fim do regime militar foram marcados por grande entusiasmo democrático, pois, após longo período de restrições às liberdades civis e políticas, iniciava-se uma nova fase histórica no Brasil, cujo traço essencial seria, conforme sentimento bastante difundido entre as elites intelectuais e políticas, a de uma participação mais ativa dos cidadãos e da sociedade na condução dos rumos do país. Esse movimento também impactou no âmbito das políticas educacionais e na forma como a educação foi tratada pelo Legislador Constituinte. Seguindo esse movimento, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, as propostas educacionais no âmbito do Estado e da sociedade civil passam a fazer parte dos direitos constitucionais. Inicialmente garantida apenas para o Ensino Fundamental, a universalização do atendimento e a gratuidade foram sendo aos poucos expandidas para as outras etapas do ensino básico. Exemplo dessa expansão foi a Emenda Constitucional n. 59, de 2009, que determinou a universalização dos Ensinos Infantil e Médio, garantindo acesso à escola para todos os jovens, dos quatro aos dezessete anos de idade. Porém, é nítido que as tendências vigentes nesse período levavam a um projeto hegemônico de política educacional para o Brasil contemporâneo, representado pelos ideários neoliberais e de privatização do sistema, principalmente no que se refere ao Ensino Superior. Também é importante destacar que a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Brasileira, de 1996, foi a primeira lei geral da educação promulgada desde 1961, tendo uma ampla repercussão sobre o sistema escolar. A partir dessas legislações, a União assume a definição da política educacional como tarefa de sua competência, descentralizando sua execução para Estado e municípios. Visando melhorar a qualidade do ensino, o controle do sistema escolar passa a ser exercido por meio de uma política de avaliação para todos os níveis de ensino. Para podermos conhecer de forma um pouco mais aprofundada a questão da avaliação escolar, trataremos a seguir dos exames de larga escala aplicados para cada etapa da educação básica. Essas avaliações têm por objetivo dar condições para que os governantes consigam ter um panorama do quanto as crianças e jovensespalhados pelas escolas de todo o território nacional estão de fato aprendendo. O Brasil faz isso por meio dos chamados exames padronizados, também chamados de exames de larga escala e avaliações externas, que são aplicados pelo Instituto Nacional de Estudos e 29 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A partir dos diagnósticos produzidos por essas provas, é possível aos técnicos da educação traçarem estratégias para melhorar a qualidade da educação do país inteiro, de uma região ou de uma escola específica. A seguir, vamos tratar das principais avaliações em larga escala aplicadas na educação básica do Brasil, de acordo com cada etapa de ensino. Educação Infantil Em 2019, foi implantada uma avaliação dos insumos ofertados nas escolas de Educação Infantil: o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) de Educação Infantil. Tal iniciativa já estava prevista desde 2010 nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. A avaliação também está prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), e deveria ter sido implantada em 2016. Anos iniciais do Ensino Fundamental Durante os anos de 2013, 2014 e 2016, o Governo Federal utilizou a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) como uma forma de verificação externa que objetivava aferir os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa (leitura e escrita) e Matemática dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas. As provas aplicadas aos alunos forneceram três importantes resultados: desempenho em leitura, desempenho em matemática e desempenho em escrita. Porém, em 2019 o ministro da Educação informou que os testes do Saeb de Ciências da Natureza e Ciências Humanas para estudantes do 9º ano e a avaliação da alfabetização do 2º ano do Ensino Fundamental serão feitos por amostragem, e não de forma universal, como ocorria até 2016. Saiba mais Leia a portaria a seguir, a qual estabelece as diretrizes para a nova forma de avaliação: BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Portaria n. 366, de 29 de abril de 2019. Estabelece as diretrizes de realização do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) no ano de 2019. Brasília, 2019b. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n%C2%BA-366-de-29-de-abril- de-2019-86232542. Acesso em: 19 ago. 2019. Anos finais do Ensino Fundamental Em 2019 também foram apresentadas novas diretrizes para a realização da avaliação por meio do Saeb, o qual conta desde então com aplicações censitárias e amostrais. 30 Unidade I A aplicação censitária ocorre em todas as escolas públicas localizadas em zonas urbanas e rurais que tenham dez ou mais estudantes matriculados nos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e nas 3ª e 4ª séries do Ensino Médio (tradicional e integrado). No recorte amostral do Saeb, são avaliadas escolas privadas que tenham dez ou mais estudantes matriculados em turmas de 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e de 3ª e 4ª séries do Ensino Médio (tradicional e integrado). Também há amostra de escolas públicas e privadas que tenham dez ou mais estudantes matriculados em turmas do 9º ano do Ensino Fundamental para aplicação dos testes de Ciências da Natureza e Ciências Humanas e de escolas públicas e privadas que tenham dez ou mais estudantes matriculados em turmas de 2º ano do Ensino Fundamental para aplicação dos testes de Língua Portuguesa e Matemática. Uma amostra de instituições públicas ou conveniadas com o setor público que tenham turmas de creche ou pré-escola da etapa da Educação Infantil participará ainda da aplicação de questionários. Saiba mais Leia o detalhamento da população e os resultados do Saeb 2019 no link a seguir: BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Saeb. [s.d.]. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/saeb. Acesso em: 20 ago. 2019. Ensino Médio Assim como os alunos de 5º e 9º anos do Fundamental, os estudantes do 3º ano do Ensino Médio da rede pública também prestam o Saeb, respondendo a itens de português e matemática e também a um questionário socioeconômico. Até 2015, a prova era amostral, isto é, só avaliava um pequeno grupo de jovens que representavam toda a nação; a partir de 2017, no entanto, o exame se tornou censitário, ou seja, todos os alunos prestam. Essa prova, contudo, não fornece resultados individuais. É importante destacar que essa etapa de ensino tem outra avaliação, que é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O Enem foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar os sistemas de ensino, mas se tornou peça-chave nos vestibulares, a partir de sua incorporação aos programas de seleção para a universidade do Governo Federal, pois o desempenho por aluno se tornou critério para preencher vagas em faculdades privadas e públicas. O primeiro programa a incorporar os resultados do exame foi o Programa Universidade para Todos (ProUni), em 2004, como um dos requisitos para conseguir bolsas de estudo em universidades privadas. 31 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO No entanto, o caráter de vestibular foi intensificado a partir de 2010, quando a nota passou a ser utilizada como único critério de seleção via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A partir de 2014, agora com o propósito de assegurar financiamento para o custo das instituições superiores privadas, os resultados passaram a integrar o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Diferentemente do Saeb, o Enem é opcional, ou seja, os estudantes que desejam fazer a prova precisam se inscrever. Ensino Superior O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) analisa as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes. O processo de avaliação leva em consideração aspectos como ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, gestão da instituição e corpo docente. O Sinaes reúne informações do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e das avaliações institucionais e dos cursos, e o Enade avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação, em relação aos conteúdos programáticos, habilidades e competências adquiridas em sua formação. O exame é obrigatório e a situação de regularidade do estudante no exame deve constar em seu histórico escolar. A primeira aplicação do Enade ocorreu em 2004, e a periodicidade máxima da avaliação é trienal para cada área do conhecimento. As informações obtidas são utilizadas para orientação institucional de estabelecimentos de Ensino Superior e para embasar políticas públicas. Os dados também são úteis para a sociedade, especialmente aos estudantes, como referência quanto às condições de cursos e instituições. Os processos avaliativos do Sinaes são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). A operacionalização é de responsabilidade do Inep. Diante do exposto, podemos notar que o processo de construção de um projeto de educação para o Brasil é fruto de discussões em vários setores da sociedade. Também é importante destacar que apesar dos apelos neoliberais em relação ao projeto educacional, muitos avanços foram conquistados, como o acesso à educação. Assim, não podemos negar que hoje a escola tem um caráter mais universal, o que não ocorria no passado, mas também é preciso aceitar que a qualidade do ensino tem deixado muito a desejar. É necessário continuar o aperfeiçoamento do nosso sistema educacional, pensando sempre que educação é uma política pública prevista na Constituição Federal como dever do Estado e direito do cidadão, que deve ser prestada como qualidade para todos. 32 Unidade I 2.1 As reformas educacionais e os planos de educação Ao tratarmos da questão das reformas educacionais no Brasil, precisamos observar que elas sempre ocorreram em momentos de crises nacionais e internacionais do sistema capitalista. Posto isso, é possível perceber que poucas vezes houve a intenção real de democratizar o ensino e, consequentemente, torná-lo acessível aos mais desfavorecidoseconomicamente. Outra questão que precisa ser levantada é que nunca foi uma prioridade nacional investir na melhoria da qualidade do ensino. Tal fato se torna evidente quando percebemos a falta de preocupação dos governantes com o acesso de todos a um sistema educacional de qualidade. De um modo geral, podemos considerar que isso tem a ver com a questão ideológica, pois é notório que a educação sempre foi colocada a serviço de um modelo econômico de natureza concentradora de rendas e socialmente excludente. Para que possamos compreender melhor a questão ideológica da educação, apresentamos uma definição de ideologia. Ideologia. Conjunto de ideias ou crenças que refletem as necessidades e aspirações sociais de um indivíduo, grupo, classe ou cultura particular: Já anunciaram diversas vezes o fim das ideologias, mas o homem não precisa só de pão, precisa também de sonhos (Edgar Morin, filósofo francês) (IDEOLOGIA, 2010). Outra questão importante sobre as prioridades do Estado brasileiro é que tal processo não ocorreu somente no âmbito da educação, mas em todas as políticas sociais do Brasil. Ou seja, a implementação dessas políticas possui uma relação direta com as condições vigentes no país em nível econômico, político e social. Diante dessa realidade, o Estado somente intervém nas questões sociais por meio de medidas pontuais, com o objetivo, em primeiro lugar, de manter a ordem social. A política social brasileira compõe-se e recompõe-se, conservando em sua execução o caráter fragmentário, setorial e emergencial, sempre sustentada pela imperiosa necessidade de dar legitimidade aos governos que buscam bases sociais para manter-se e aceitam seletivamente as reivindicações e até as pressões da sociedade (VIEIRA, 1995, p. 68). O que observamos no Brasil é o desenvolvimento de políticas sociais focalizadas na perspectiva neoliberal, pois as políticas sociais focalizadas são consideradas as mais eficientes e adequadas para a concepção da política econômica neoliberal por terem como alvo as famílias e os indivíduos mais pobres. Porém, a focalização de políticas sociais divide os trabalhadores em diferentes categorias (miseráveis, pobres) e estimula a disputa no âmbito interno da classe trabalhadora para a entrada nos programas de transferência de renda. As políticas sociais focalizadas também transformam o cidadão portador de direitos em cidadãos carentes, pobres e tutelados, por meio da transferência direta de renda cujos critérios de elegibilidade de seus beneficiários baseiam-se na carência. 33 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO Ocorre que, com a promulgação da nova Constituição Federal em 1988, nascida após amplo movimento de redemocratização do país, ampliam-se as responsabilidades do Poder Público e da sociedade em geral para com a educação, ou seja, mesmo que os governos tenham adotado uma postura neoliberal de distanciamento do Estado das questões sociais, existe uma obrigação constitucional para que sejam adotadas políticas públicas que propiciem a inclusão social. Cabe destacar que a Constituição Federal de 1988 foi a que trouxe o mais longo capítulo sobre a educação de todas as constituições brasileiras. Ela apresenta dez artigos específicos (art. 205 a 214) que detalham a matéria, a qual também figura em quatro artigos do texto constitucional (art. 22, XXIV; 23, V; 30, VI e 60-61 das disposições transitórias). Saiba mais Para que possamos compreender melhor como a Constituição Federal de 1988 tratou das questões ligadas à educação, é fundamental a leitura dos artigos 205 ao 214, pois são esses os artigos constitucionais que tratam de modo específico da educação no Brasil. Se não tivermos um conhecimento aprimorado desses artigos, dificilmente vamos conseguir compreender as reformas educacionais e os planos de educação que foram sendo criados a partir dos novos parâmetros constitucionais, e o motivo disso é que esses artigos conferem ao direito à educação um espaço normativo mais preciso e delimitado. Acesse: BRASIL. Constituição (1988). Brasília, 1988. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 ago. 2019. Se por um lado o direito social à educação previsto no artigo 6º, que apresentaremos a seguir, não se confunde ou não se limita às imposições constitucionais dos artigos 205 a 214, por outro não há como negar a conexão óbvia entre esses dispositivos constitucionais que, em última análise, são capazes de determinar o mínimo de atuação estatal necessária para que se implemente o direito à educação. De certa maneira, a Constituição delimita o núcleo essencial do direito à educação, colocando-o como um dos direitos sociais. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 90, de 2015) (BRASIL, 1988). Porém, a efetividade do direito à educação depende da existência de toda uma estrutura que permita a organização do sistema educacional. Assim, especificamente no que se refere às políticas educacionais, mesmo que se tenha respondido com algumas reformas legais aos direitos da população infantojuvenil, depois da Reforma Constitucional de 1988, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 34 Unidade I Federal n. 8.069/90, e da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), Lei Federal n. 9.394/96, sempre nos deparamos com uma enfraquecida política educacional, e os programas existentes não superam a demanda e tampouco garantem o efetivo direito à educação previsto nas leis brasileiras. Podemos afirmar isso pelo fato de que as pesquisas realizadas para avaliar a educação no Brasil apresentam dados que demonstram que ainda estamos distantes de alcançar as metas estipuladas pela Emenda Constitucional n. 59, de 2009, que são: • erradicação do analfabetismo; • universalização do atendimento escolar; • melhoria da qualidade do ensino; • formação para o trabalho e promoção humanística, científica e tecnológica do país. Por outro lado, reconhecemos que o cumprimento enfocado pela Constituição Federal deu-se principalmente a partir da LDB, criada em 1996, que foi influenciada por várias lutas sindicais, políticas, sociais e econômicas. Logo em seu primeiro artigo, a LDB apresenta uma importante proposta para a educação brasileira: Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social (BRASIL, 1996). Por esse motivo é que, com embasamento na LDB, se definiu o Plano Nacional da Educação, com o objetivo de se fazer uma regulamentação global de como deve ser estruturada a educação básica no Brasil, cumprindo assim uma determinação que já estava expressa no artigo 87 da LDB, como segue: Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. § 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 1996). Cumprindo a determinação expressa nesse artigo da LDB, a partir do Plano Nacional da Educação o governo elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). É necessário ressaltar aqui que os 35 POLÍTICA SETORIAL – EDUCAÇÃO parâmetros foram elaborados sem a participação da sociedade, mas com o importante apoio de especialistas do ramo da educação. Os
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