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Raquel Bueno 73 A Patologia Médica I Aspectos de normalidade do estômago • Órgão em formato de bolsão localizado entre o esôfago e o duodeno na porção superior do abdome • Funções: armazenamento e digestão • Dividido em regiões: Cárdia: região de transição entre o esôfago e o estômago Fundo Corpo Antro • Piloro faz parte do antro • Microscopia: Mucosa: com epitélio (colunar simples e mucossecretor), lâmina própria com algumas glândulas e muscular da mucosa Submucosa Muscular própria: circular interna e longitudinal externa Serosa: tecido conjuntivo revestido por mesotélio • Mucosa oxíntica: Corpo e fundo gástricos Revestida por epitélio colunar simples mucossecretor Células parietais (mais rosinha): ricas em mitocôndria; produz HCl e FI (fator intrínseco; muito importante na absorção de vitamina B12) Células principais/zimogênicas (mais roxas): produzem pepsinogênio (enzima em formato inativo que vai ser ativada em pepsina para ajudar na digestão de proteínas) Células neuroendócrinas (ECL = enterocromafim): produz histamina (estimula a célula parietal a produzir HCl e FI) • Mucosa antral: Antro gástrico Células mucossecretoras: produtoras de muco e bicarbonato (ajuda na proteção do estômago) Revestida por epitélio colunar simples mucossecretor Células G: produz gastrina (estimula a célula parietal a produzir HCl/ suco gástrico) Células D: produzem somatostatina (efeito inibitório na célula parietal) • Obs.: há um mecanismo de feedback entre as células parietais e as células G. A gastrina produzida pelas células G estimula as células parietais a produzirem HCl. Altos níveis de HCl provocam inibição da produção de gastrina pelas células G. • Fatores de proteção da mucosa gástrica: Camada de muco Bicarbonato Barreira epitelial Fluxo sanguíneo Prostaglandinas: produzem muco e bicarbonato; inibem a secreção de HCl; promovem a vasodilatação aumentando o fluxo sanguíneo Gastrites • Processo inflamatório da mucosa gástrica (antral e/ou oxíntica) • Condição histopatológica sem quadro clínico específico • Para ser confirmada é ideal: clínica + histologia + endoscopia • Obs.: um possível diagnóstico diferencial é a dispepsia funcional (dor epigástrica em queimação / desconforto abdominal sem lesão morfológica) • Obs.: quando células inflamatórias são raras ou estão ausentes, o termo gastropatia é aplicado Classificação das gastritres: • Topografia: Antral Oxíntica Pangastrite (antral + oxíntica) • Etiologia: álcool; medicamentosa (AINEs); autoimune; infecciosa (bacteriana: Helicobacter pylori)... • Tempo de duração: Aguda Crônica Gastrite aguda • Agressão aguda ou de curta duração à mucosa gástrica • Causas: Álcool: lesa a barreira epitelial e cliva o muco Isquemia: reduz o fluxo sanguíneo (obs: tabagistas tem o fluxo sanguíneo diminuído em vários locais do corpo); menor aporte de nutrientes; lesão celular AINEs: inibem a COX-1 e COX-2; a COX-1 é a principal produtora de prostaglandinas no estômago; os AINEs vão provocar uma diminuição da produção de prostaglandinas, o que reduz a produção de muco e de bicarbonato, aumenta a secreção de HCl e promove vasoconstrição dificultando o fluxo sanguíneo Agentes que inibem a síntese de DNA ou o aparelho mitótico (como os utilizados na quimioterapia) podem causar danos generalizados na mucosa, devido à renovação epitelial insuficiente • Microscopia: infiltrado com neutrófilos, hiperemia, edema, erosões. Lâmina própria com edema e congestão vascular. Hiperplasia de células foveolares • Endoscopia: hiperemia, edema, erosões, hemorragia • Clínica: maioria assintomática ou dor epigástrica, náuseas, vômitos, hemorragia Micro: glândulas sendo agredidas, área de erosão; muitos neutrófilos intraepiteliais agredindo as glândulas gástricas Gastrite crônica • Agressão crônica ou de longa duração à mucosa gástrica • Forma mais comum • Causas: Bacteriana: Helicobacter pylori (80%) Doença auto-imune (10%) Outras (lesão por radiação, refluxo biliar, doença de crohn, AINEs, álcool, tabagismo...) • Clínica: Maioria assintomático Sintomas dispépticos: dor abdominal geralmente em queimação (azia), empachamento pós-prandial, saciedade precoce, náuseas/vômitos (menos comuns) Gastrite crônica autoimune • Agressão crônica ou de longa duração à mucosa gástrica, de natureza autoimune • Causa mais comum de gastrite atrófica difusa • Forma mais comum de gastrite crônica em pacientes sem infecção por H. pylori • Mulheres, 50 a 60 anos (lembrar que doenças autoimunes geralmente afetam mais as mulheres) • Auto-anticorpos contra as células parietais (mucosa oxíntica); antro é poupado, já que nele não há células parietais • Redução da massa de células parietais, resultando em: Hipocloridria (redução do HCl) Alcalinização do Ph Redução da produção de FI, o que reduz a absorção de vitamina B12 levando a anemia perniciosa (megaloblástica) e a neuropatias Fisiopatologia da gastrite crônica autoimune • Presença de anticorpos anticélula parietal→ inibição da produção de HCl → hipocloridria (aumento do pH) → aumento da atividade das células G (hipertrofiam e pode ter hiperplasia) → aumento da produção de gastrina (hipergastrinemia) → bloqueio do feedback → há um constante estímulo para as células parietais produzirem HCl, mas essas células foram destruídas → também há estímulo para as células ECL (que produzem histamina), o que pode resultar em um tumor neuroendócrino (carcinoide) • Resumo: gastrite autoimune é fator de risco para o surgimento de neoplasia neuroendócrina • Endoscopia: atrofia difusa de mucosa oxíntica (corpo/fundo) com redução de sua espessura e pregueamento habitual • Microscopia: infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear (linfócito, macrófago e plasmócito); atrofia (destruição de glândulas); metaplasia intestinal; hiperplasia de células neuroendócrinas Obs.: na ponta da seta da imagem a direita é possível ver as células ECL (em condições normais elas não são visíveis) Gastrite crônica por H. pylori • Infecção pelo Helicobacter pylori • Bactéria; bacilo espiralado • Principal causa de gastrite no mundo • Relacionada a baixos índices socioeconômicos, uma vez que a transmissão é via fecal-oral e está associada a más condições sanitárias e de higiene • Geralmente é adquirida na infância • No Brasil está presente em 60% da população • Fatores de virulência do H. pylori: Morfologia espiralada que permite movimentos de rotação e aprofundamento no muco gástrico Flagelos: motilidade Adesinas: permitem que a bactéria se ancore nas células colunares do epitélio gástrico (lembrar que a bactéria não penetra na mucosa, mas sim, fica aderida) Cepas mais virulentas: CagA+ e VacA+ Alta produção da enzima urease (que cliva a ureia em amônia e CO2) Fisiopatologia da gastrite por H. pylori • O H. pylori tem preferência pela mucosa antral (dica: pylori de piloro, que está no antro!) • Inflamação da mucosa gástrica antral pelo H. pylori → alta produção de urease na mucosa antral, que vai clivar a ureia em amônia e CO2 → a amônia é básica, então haverá uma elevação constante do pH da mucosa antral → a alcalinização do antro atua como um constante estímulo para as células G produzirem gastrina→ era pra ocorrer um bloqueio do feedback negativo em razão do aumento da produção de HCl pelas células parietais (estimuladas pelas células G), mas como continua ocorrendo a produção de amônia no antro há um constante estímulo para a mucosa oxíntica produzir HCl, o que leva a uma hipercloridria → conteúdo gástrico hiper-ácido que posteriormente será liberado para o duodeno→ úlcera péptica duodenal• Aspecto endoscópico: achados inespecíficos, áreas mais edemaciadas e hiperemiadas • Microscopia: muitas células inflamatórias (muito neutrófilo) na lâmina própria; algumas células inflamatórias entram no epitélio e nas glândulas. Neutrófilos podem se acumular na luz nas criptas gástricas para criar abscessos de criptas • O H. pylori exibe um tropismo pelo epitélio gástrico e geralmente não é encontrado em associação com a metaplasia intestinal ou com o epitélio duodenal • Mais comumente o H. pylori fica restrito ao antro: Hipotrofia da mucosa (em decorrência da lesão das glândulas) e metaplasia intestinal (sempre focais) Associa-se à hipersecreção ácida Muitas vezes associada a úlcera péptica duodenal • Antro e corpo (pangastrite): Quando o H. pylori afeta tanto o antro quanto o corpo Evolução mais rápida para hipotrofia mucosa e metaplasia intestinal (focos múltiplos; gastrite crônica atrófica multifocal) Hipocloridria (em decorrência da destruição de células parietais na mucosa oxíntica) Associação com úlcera péptica gástrica, o que aumento risco para carcinoma gástrico • Diagnóstico: EDA; biópsia (identificação direta da bactéria) Teste rápido da urease Teste respiratório: simples e não invasivo; paciente ingere bebida com ureia e depois expira Outros: PCR, sorologia, cultura... • Tratamento: inibidor de bomba de prótons mais associação de 2 antibióticos • Complicações: úlcera péptica e carcinoma gástrico (existem cepas com maior predisposição pra úlceras pépticas e cepas com mais predisposição pra carcinoma) Úlcera péptica • Lesão escavada na mucosa/ parede gástrica ou duodenal • Digestão ácido-péptica (por HCl e enzimas) • Afeta mais homens entre 30-50 anos • Causas: H. pylori (principal), AINEs, tabagismo... • Incidência vem reduzindo • Surge por um desbalanço entre os mecanismos de defesa e a agressão a mucosa gastroduodenal • UPD: geralmente pelo aumento do ataque a mucosa • UPG: geralmente pela diminuição dos mecanismos de defesa Úlcera péptica duodenal • Aumento da agressão por níveis elevados de secreção ácida e de pepsinogênio • Esvaziamento gástrico rápido: contato mais prologado de HCl e pepsinogênio com a mucosa • Maior número de células parietais • Maior sensibilidade das células parietais à gastrina • Hipergastrinemia: principalmente por H. pylori Úlcera péptica gástrica • Queda dos mecanismos de defesa • Geralmente na incisura angular • H. pylori: gera toxinas que lesam o epitélio e clivam o muco • AINEs: agressão epitelial direita e inibição de COX reduzindo as prostaglandinas • Álcool: agressão epitelial direita • Tabagismo: vasoconstrição • Refluxo duodenal: sais biliares • Quebra da barreira de defesa → retrodifusão de íons H+ e pepsina para o interior da mucosa →digestão ácido-péptica da mucosa predispondo a formação de úlcera • Macro: área de escavação da mucosa com fundo limpo e homogêneo recoberto por fibrina; redondo ou oval, bordas regulares; 0,5 a 2 cm • Tipos de úlcera péptica: classificada de acordo com a profundidade Superficial: chega até a submucosa Profunda: chega até a muscular própria Perfurada: passa por todas as camadas e perfura a parede Terebrante: perfura a parede e atinge outro órgão (pâncreas); conteúdo gástrico vai digerir o pâncreas levando a uma pancreatite aguda • Microscopia: escavação da parede; 4 camadas 1. Debris celulares e PMNs 2. Necrose fibrinóide 3. Tecido de granulação 4. Fibrose • Clínica: Dor epigástrica, em queimação, que surge 2 a 3 horas após refeições Melhora com antiácidos e alimentação (alimento tampona região da úlcera) Náusea, vômitos, distensão abdominal e perda de peso • Complicações: Hemorragia: maciça (hematêmese ou melena) ou discreta (anemia crônica) Perfuração levando a peritonite Cicatrização levando a estenose (obstrução) Malignização (complicação rara) • Tratamento: tratar o H. pylori (principal causador) Neoplasias gástricas malignas • Condições pré-cancerosas: situações em que o portador tem maior risco de desenvolver câncer gástrico; atrofia e MI • Metaplasia intestinal surge como adaptação à agressão provocada pelo H. pylori e pela secreção ácida aumentada Células caliciformes, orla em escova e células de Paneth (função de defesa) Tipo completa (MI do tipo I) Tipo incompleta (MI dos tipos II e III) • MI tipo I: menor chance de desenvolver câncer • MI tipo III: maior risco de desenvolvimento de carcinoma gástrico • Lesões pré-câncerosas: lesões morfológicas específicas nas quais o risco de transformação para câncer gástrico é maior Displasia: aumento da proliferação célular; figuras de mitose típicas e atípicas Atipias celulares e arquiteturais: pleomorfismo/hipercromasia e estratificação Carcinoma gástrico • Representa 90 a 95% das neoplasias malignas gástricas • Países com baixo nível socioeconômico • Padrão de dieta e infecção por H. pylori • Importante causa de óbito • Fase inicial assintomática ou sintomas inespecíficos (semelhantes ao das gastrites): apenas 10 a 20% dos casos são diagnosticados • Fase avançada: diagnóstico da maioria dos casos • Prognóstico geralmente ruim • Doença multifatorial: fatores ambientais + fatores do indivíduo Tipos de carcinomas gástricos: • Carcinoma tipo intestinal Relacionado ao H. pylori, dieta... Proliferação de glândulas atípicas justapostas (back to back) • Carcinoma tipo difuso Proliferação de células isoladas contendo muco (anel de sinete) que infiltram difusamente a parede gástrica; núcleo desloca pra periferia da célula 2 imagens acima: carcinoma gástrico do tipo intestinal; observar que no macro ele se manifesta ou como uma lesão vegetante/polipoide ou como uma lesão que ulcera 2 imagens acima: carcinoma gástrico do tipo difuso; macro: célula cresce no interior da parede e a envolvendo toda; não cresce formando uma massa mas cresce espessando difusamente a parede • O tipo IV é típico do carcinoma difuso Observar a linite plástica; espessamento da parede no tipo difuso • Observar as metástases nas imagens abaixo: • Padrões de disseminação: • Consequências e complicações: Diagnóstico tardio: perda de peso, anorexia, intolerância alimentar, dor, anemia, vômitos Obstrução gástrica: lesões volumosas de crescimento pra luz gástrica Hemorragia: levando a hematêmese (HDA) ou melena (HDB); ulceração e necrose tumoral podendo levar a choque hipovolêmico Perfuração da parede gástrica pode gerar: disseminação da neoplasia na cavidade peritoneal (carcinomatose peritoneal); infiltração por contiguidade para órgãos abdominais; peritonite gerando SIRS, sepse e choque séptico Referências: Robbins & Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças - 9ª edição – Elsevier; Site Anatpat – Unicamp (http://anatpat.unicamp.br/pecasdc.html); Aulas de patologia médica I da FCMMG
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