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Metodologia do ensino de lutas LEONARDO VIDAL ANDREATO Este livro tem como objetivo promover um estudo refle- xivo das metodologias para a prática educativa das lutas, artes marciais e outras modali- dades esportivas de combate, pau- tando-se nos seus aspectos didáticos e pedagógicos, bem como técnicos e táticos. Além disso, busca discutir o histórico de cada uma dessas modalidades e sua inserção nos con- teúdos da Educação Física no âmbito dos ensinos curricular e não curricular. O objetivo desta obra não é tornar o leitor um especialista em cada uma das modalidades de luta analisadas, mas ajudá-lo a compreender as- pectos relacionados ao desenvolvimento histórico dessas modalidades, conhecer suas principais características e conduzir aulas e dinâmicas que contemplem essas importantes práticas. Código Logístico 59566 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6682-7 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 8 2 7 Metodologia do ensino de lutas Leonardo Vidal Andreato IESDE BRASIL 2020 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A574m Andreato, Leonardo Vidal Metodologia do ensino de lutas / Leonardo Vidal Andreato. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 106 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6682-7 1. Luta (Esporte) - Estudo e ensino. 2. Artes marciais - Estudo e ensino. I. Título. 20-65391 CDD: 796.8 CDU: 796.8 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: master1305/EnvatoElements Leonardo Vidal Andreato Doutor em Ciências do Movimento Humano pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Fisiologia do Exercício pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Conceitos, história e filosofia das lutas 9 1.1 Conceitos 10 1.2 Produção acadêmica 16 1.3 Formação e atuação profissional 20 1.4 Aspectos contemporâneos 23 2 Ensino das lutas na escola 30 2.1 Políticas públicas educacionais 31 2.2 As lutas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 37 2.3 Propostas pedagógicas 43 2.4 Aspectos didáticos e pedagógicos 48 3 Lutas no Oriente 53 3.1 Lutas, espiritualidade e bushido 54 3.2 Wushu 58 3.3 Karatê 61 3.4 Judô 65 4 Lutas no Ocidente 71 4.1 Lutas, olimpismo, esporte e espetáculo 72 4.2 Boxe 76 4.3 Esgrima 79 4.4 MMA 82 5 Lutas no Brasil 87 5.1 Huka-Huka 88 5.2 Capoeira 91 5.3 Jiu-jitsu brasileiro 96 5.4 Luta marajoara 101 6 Gabarito 105 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Este livro tem como objetivo promover um estudo reflexivo das metodologias para a prática educativa das lutas, artes marciais e outras modalidades esportivas de combate, pautando-se nos aspectos didáticos e pedagógicos, bem como técnicos e táticos, das referidas modalidades. Além disso, busca discutir o histórico de cada uma delas e sua inserção nos conteúdos da Educação Física no âmbito dos ensinos curricular e não curricular. Desse modo, ao final da leitura deste livro, você, futuro docente, terá adquirido conhecimentos para embasar e conduzir aulas que contemplem o conteúdo das lutas. Para tanto, esta obra foi dividida em cinco capítulos. O primeiro capítulo pode ser considerado introdutório, pois apresenta uma discussão geral sobre as lutas, definindo conceitos importantes para a temática e explicitando as distinções entre termos como lutas, artes marciais, esportes de combate, brigas e guerras. Também são apresentadas informações relativas ao estado da arte da produção acadêmica relacionada às lutas, buscando identificar o papel do Brasil nesse cenário. Na sequência, são abordadas informações relevantes sobre o processo de formação e atuação dos profissionais que irão trabalhar com as lutas. Por fim, a última parte do primeiro capítulo é destinada à compreensão de como as lutas estão inseridas dentro da nossa sociedade atualmente. No segundo capítulo, iremos centrar nosso estudo nas lutas na escola. O primeiro passo será entender como estão organizadas as políticas públicas educacionais brasileiras. Na sequência, entenderemos como as lutas estão inseridas dentro dessas políticas públicas educacionais, com especial atenção à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Feito isso, analisaremos algumas propostas pedagógicas e conheceremos alguns aspectos didáticos e pedagógicos relacionados ao ensino das lutas, de modo a proporcionar possibilidades de abordagem desses conteúdos, mesmo que o professor não seja praticante de alguma dessas modalidades. Os capítulos seguintes serão destinados às informações relativas às lutas, diferenciando-as quanto à origem e à posição geográfica. Nesse sentido, o terceiro capítulo irá expor informações relacionadas ao desenvolvimento, à evolução e às características técnicas de lutas de origem oriental, com análises do wushu, do karatê e do judô. O quarto capítulo também realiza o mesmo tipo de apreciação, mas com enfoque em lutas de origem ocidental, APRESENTAÇÃO 8 Metodologia do ensino de lutas elencando para isso o boxe, a esgrima e o mixed martial arts (MMA). Por fim, no quinto capítulo, nosso olhar será direcionado às lutas no Brasil, com análises da huka-huka, da capoeira, do jiu-jitsu brasileiro e da luta marajoara. Durante esta obra, você irá perceber que o objetivo não é que você se torne um especialista em cada uma das modalidades analisadas, mas que compreenda aspectos relacionados ao desenvolvimento histórico dessas modalidades, conheça as principais características técnicas e táticas presentes nessas lutas e consiga conduzir aulas e dinâmicas para contemplar essas importantes práticas de lutas orientais e ocidentais. Bons estudos! Conceitos, história e filosofia das lutas 9 1 Conceitos, história e filosofia das lutas Durante este livro, iremos falar sobre lutas, artes marciais e es- portes de combate. Para uma correta compreensão do conteúdo a ser trabalhado, é fundamental que ocorra um ajuste em nossa comunicação. Temos de falar a mesma língua. Para tanto, utilizare- mos a primeira seção deste capítulo para conhecer alguns concei- tos importantes sobre a temática (por exemplo: o que são lutas? O que são artes marciais? O que são esportes de combate? Existem diferenças de significado entre esses termos?). Após compreendermos as questões terminológicas, iremos co- nhecer o estado da arte na área de lutas, ou seja, o quanto existe de produção acadêmica, como é a qualidade dos estudos e qual é o papel do Brasil na produção de conhecimento relativo às lutas. Esse entendimento é importante para sabermos o grau de confia- bilidade das informações que serão discutidas. Na terceira seção iremos fazer uma análise sobre formação e atuação profissional nas lutas. Quem pode atuar com as lutas na escola?Quem pode atuar com elas fora da escola? Quais as prin- cipais dificuldades na formação do profissional que atua utilizando as lutas? Essas perguntas serão o tema da nossa análise. Por fim, a última seção irá abordar as lutas atualmente. O nosso objetivo será conhecer a realidade da inserção delas (principalmente dos espor- tes de combate) na nossa sociedade. Tal análise será fundamental para compreendermos a necessidade da aptidão para trabalhar com o ensino das lutas. Este capítulo é introdutório, com abordagens conceituais e re- lativas ao entendimento do cenário atual no que se refere a lutas, artes marciais e esportes de combate. Tome notas, pois isso facili- tará a sua aprendizagem. 10 Metodologia do ensino de lutas 1.1 Conceitos Vídeo No dia a dia, ouvimos e utilizamos os termos lutas e artes marciais em referência a diferentes situações, como “matriculei meu filho no judô porque acho que uma arte marcial vai trazer mais disciplina a ele” ou “sábado à noite assisti a uma luta que passou na TV”. Mas será que o emprego desses termos nos dois exemplos está correto? Existem dife- renças entre lutas, artes marciais e esportes de combate? A seguir, ire- mos discutir essas questões, mas de antemão já adiantamos que não existe um consenso entre os autores e pesquisadores da área. Alguns pontos ainda são alvo de discussões, os ditos dissensos. Por isso, iremos analisar os pontos comuns, que permitem realizar uma caracterização de cada termo. Existe também o uso do termo lutas em diferentes situações do nosso cotidiano, como “vou lutar por seu amor”, “você deve lutar con- tra essa doença”, “mais um dia de luta”, “está ocorrendo uma luta de classes” ou “estou lutando contra um vício”. Porém, essa abordagem é geral e não é foco de nossa análise, pois nos limitamos à discussão das lutas no que se refere às práticas corporais. LUTE POR SEUS DIREITOS Pa ul C ra ft/ Sh ut te rs to ck Lute como uma garota Go rb as h Va rv ar a/ Sh ut te rs to ck JUNTOS NA LUTA CONTRA A COVID-19 M uc hM an ia /S hu tte rs to ck Exemplos de lutas em outros contextos. Conceitos, história e filosofia das lutas 11 De início, vamos conhecer a definição de lutas apresentada nos Pa- râmetros Curriculares Nacionais (PCN) 1 . As lutas são disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser sub- jugado(s), mediante técnicas e estratégias de desiquilíbrio, con- tusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa. Caracterizam-se por uma regulamentação específica, a fim de punir atitudes de vio- lência e deslealdade. (BRASIL, 1997, p. 37) Vamos analisar dois pontos-chave dessa definição apresentada nos PCN. O primeiro aspecto que deve ser assimilado é a ideia de domina- ção, a qual é expressa na afirmação de que “o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s)”. Portanto, precisamos ter claro em mente que as lu- tas envolvem a noção de combate/confronto/disputa entre duas ou mais pessoas. O alvo deve ser sempre o corpo do adversário. Para que o domínio ocorra, podem ser utilizados diferentes técnicas, como bem apontado na definição dos PCN. Inclusive, podem ser utilizados equipa- mentos, como uma espada. Afinal, um confronto em batalha medieval com uso de espadas também pode ser considerado uma luta. Ainda, devemos entender que esse domínio pode ou não levar à morte. Em uma guerra, o objetivo central de um combate é tirar o inimigo do con- fronto; já em uma luta de boxe, o objetivo é fazer o adversário desistir da disputa, mas existem regras e um árbitro para zelar pela integridade física dos combatentes. O segundo aspecto a ser observado é a ideia de imprevisibilidade, a qual é expressa na afirmação de que o confronto envolve uma “combi- nação de ações de ataque e defesa”; ou seja, existe uma imprevisibili- dade, a disputa pode ser encerrada a qualquer momento (ex.: um soco, um chute, uma queda, uma chave articular), e a todo o momento os oponentes podem atacar e ser atacados simultaneamente. Isso difere de muitos esportes, como em um jogo de basquetebol, no qual o time que está com a posse da bola é quem ataca; para o outro time atacar, precisa tomar a bola. Nas lutas, ambos os atletas podem atacar e defi- nir o combate a qualquer momento. Pensando como telespectador, tal- vez esse seja um dos pontos mais atrativos em assistir a um combate, o resultado pode mudar a qualquer momento. No contexto pedagógico, é comum a realização de atividades envol- vendo um aluno apenas atacando e o outro unicamente defendendo. Nesse caso, o mais correto seria dizer que estamos trabalhando com Embora os PCN tenham dado espaço para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), utili- zamos o primeiro por apresentar uma definição concreta de lutas, diferentemente do segundo documento, o qual discute mais detalhadamente como abordar as lutas, mas não apresenta uma definição. 1 12 Metodologia do ensino de lutas jogos de lutas, os quais têm por objetivo desenvolver um aprendizado nas lutas. No entanto, uma característica elementar das lutas, a impre- visibilidade, não está sendo englobada. Embora os PCN apresentem uma definição sensata de lutas, a parte que aponta alguns exemplos pode ser questionada. Analise: “podem ser citados como exemplo de lutas desde as brincadeiras de cabo-de-guerra e braço-de-ferro até as práticas mais complexas da capoeira, do judô e do caratê” (BRASIL, 1997, p. 37). Pense e reflita: a disputa de cabo-de-guerra pode ser con- siderada uma luta? Existe um domínio do adversário? O alvo é o corpo do adversário? Outro termo a ser compreendido é arte marcial. No início desta seção, fizemos uma pro- vocação para você refle- tir se era adequado o uso do termo arte marcial na fala de uma mãe que dizia que havia matriculado o filho no judô, pois acreditava que uma arte marcial iria ajudar o filho a desenvolver mais disciplina. De fato, é mais bonito e atrativo dizer que o fi- lho está praticando uma arte marcial do que dizer que o filho está praticando um esporte de combate. No entanto, esse ter- mo faz referência a Marte, o deus da guerra na mitologia romana. Ele recebe esse nome por conta da cor vermelha do planeta, sendo o vermelho associado a sangue e agressividade. Portanto, o con- ceito de arte marcial faz referência direta às artes de guerra (FRANCHINI; DEL VECCHIO, 2012). Para afirmar que um sistema de técnica de lutas (ex.: karatê, judô) é ou não uma arte marcial, é necessário conhecer a história de cada uma delas, o que não é o nosso objetivo agora. Esse tipo de reflexão e análise será possível quando você realizar alguma leitura sobre o contexto histórico das modalidades. O importante agora é você compreender que o termo marcial faz referência direta às guerras. Exemplo de arte marcial. lu ce lu ce /S hu tte rst oc k Representação do deus romano Marte. ite ch no /S hu tte rs to ck Conceitos, história e filosofia das lutas 13 Este é o ponto que gera mais discussão: o que é considerado ou não uma arte marcial? Alguns autores justificam o uso do termo arte marcial para as modalidades que carregam consigo uma herança dos princípios históricos e filosóficos do sistema marcial (RUFINO, 2012). Nesse sentido, tenha claro em mente que o uso do termo arte marcial para se referir a modalidades que não foram usadas em guerras pode ser alvo de críticas. Assim, em textos mais técnicos e acadêmicos vale tomar cuidado. O terceiro conceito a ser analisado é esportes de combate ou mo- dalidades esportivas de combate. Seu entendimento é simples, pois se refere à manifestação das lutas em seu modelo “esportivizado”, ou seja, envolve as características do esporte como uma manifestação cultural que tem regras pré-definidas, possui uma en- tidade reguladora e um sistema claro de classificação/ ranking (FRANCHINI; DEL VECCHIO, 2012). Por exem- plo, o judô é uma modalidade olímpica, a qual tem as regras bem estabelecidas. Os atletas entram na disputa e sabem que oobjetivo é projetar e dominar o oponente, e que receberão pontuações específicas de acordo com a efe- tividade das técnicas. No entanto, todos sabem (ou deveriam saber) que não é permitido segurar os dedos, puxar o cabe- lo, colocar o dedo no olho, morder o oponente ou proferir ofensas verbais. Essas regras são fiscalizadas por árbitros qualificados para a função. A modalidade segue as diretrizes de sua principal agência regula- dora, a Federação Internacional de Judô (FIJ). De acordo com a efetividade das técnicas, será definido um vencedor. Conseguiu perceber que a descrição do parágrafo anterior contem- pla características que são semelhantes a outros esportes? O mesmo não poderia ser aplicado ao futebol? Nesse esporte, existem 11 pes- soas de cada lado, uma bola e uma meta. O objetivo é, usando os pés, fazer a bolar passar por entre as traves. Cada vez que esse objetivo é alcançado, considera-se um gol. Não valem dedo no olho, puxão, mor- didas ou arranhões. Alguns árbitros fiscalizam o jogo. No Brasil, quem rege a modalidade é a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que por sua vez é subordinada à Federação Internacional de Futebol (FIFA). Quem fizer mais gols, vence o jogo; e quem tiver o melhor desempenho numa competição, é o campeão geral. Exemplo de esporte de combate. ssortsoint/Shutterstock 14 Metodologia do ensino de lutas Todas essas propriedades caracterizam uma modalidade como esporte. No caso das lutas, é preciso observar se uma modalidade cumpre esses requisitos para ser classificada como esporte de com- bate. O krav maga, por exemplo, é um sistema de combate desen- volvido pelos israelenses para ser utilizado em situações de guerra. As técnicas envolvem uso de facas e bastões e quase sempre o alvo são os pontos vitais, sendo permitidos dedo no olho e golpes nos genitais. Devido a essas características, é quase que inimaginável uma competição de krav maga. Além da compreensão dos conceitos de lutas, artes marciais e es- portes de combate, é relevante que você conheça os juízos relacio- nados a guerra e briga, pois muitas vezes esses termos também são empregados nas discussões sobre lutas. O termo guerra faz referência ao confronto entre povos ou nações. A Primeira Guerra Mundial foi iniciada entre dois grupos, os países da tríplice aliança (Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro) e os países da tríplice entente (Reino Unido, França e Império Russo). As guerras possuem motivos que vão além dos motivos particula- res e normalmente envolvem questões ideológicas, territoriais ou comerciais. É preciso compreendermos que quando se decreta uma guerra, o país inteiro entra nela. Para muitos de nós, é difícil com- preender um atentado/ataque contra pessoas que classificamos como inocentes, por não estarem pegando em armas. Contudo, a visão pode ser mais abrangente. Durante a Segunda Guerra Mundial, houve o Projeto Manhattan, destinado a desenvolver as primeiras bombas atômicas. Alguns rela- tos sugerem que esse projeto empregou diretamente mais de 13 mil pessoas, mas há quem estime que mais de 100 mil pessoas estiveram envolvidas direta e indiretamente no projeto. Nem todas essas pes- soas trabalharam especificamente no desenvolvimento da cápsula atômica. A maioria estava trabalhando no suporte do projeto, com alimentação e produção de roupas e equipamentos. Além disso, o su- porte financeiro do projeto era oriundo do pagamento de imposto do cidadão comum, que continuava trabalhando em seu pequeno co- mércio (padaria, restaurante, armarinho). Nessa visão mais ampla, podemos ver a interdependência de toda uma nação. No momento em que foram disparados os misseis Em um dos capítulos do livro A pedagogia das lutas: caminhos e possibi- lidades, o professor Dr. Luiz Gustavo Bonatto Rufino discute os consensos e dissensos relacionados ao uso dos termos lutas, artes marciais e modalidades esportivas de combate. RUFINO, L. G. B. Jundiaí: Paco Editorial, 2012. Livro Conceitos, história e filosofia das lutas 15 que bombardearam Hiroshima e Nagasaki, no Japão, as consequên- cias da ação não entraram na conta apenas do piloto que fez o dis- paro ou do comandante que deu a ordem da missão. A conta das mortes e o sofrimento foram compartilhados entre toda a nação, que trabalhou direta ou indiretamente no desenvolvimento da bom- ba atômica. Além do envolvimento de nações/povos, uma das características da guerra é liquidar o oponente o mais rápido possível, usando todos os meios disponíveis 2 . É importante destacar que nem toda arte marcial envolve luta corporal (ex.: tiro, arco e flecha). Diferentemente de guerra, as brigas são confrontos de pequeno porte, envolvendo duas pessoas ou um grupo pequeno de pessoas. Os motivos comumente são fúteis (ex.: brigas entre vizinhos, traições afetivas, desentendimento em bares). Não há regras em uma briga, po- dendo ser em condição de desigualdade (duas pessoas contra uma, uma pessoa armada contra outra desarmada). Agora que você domina os conceitos de lutas, artes marciais e esportes de combate, você também deve compreender que esses conceitos podem ser com- plementares, ou seja, um sistema de técnicas pode receber mais de uma classificação. Desde que respei- tada a característica básica de haver uma disputa direta na qual o corpo do oponente é o alvo, todas as mani- festações são classificadas como luta. Por essa razão, é comum um livro como este, que discute a metodo- logia do ensino das lutas, sem divisões iniciais entre lutas, artes marciais e esportes de combate. No entanto, uma luta também pode ser uma arte marcial, como o caso do karatê 3 , que foi utilizado como sistema de defesa de um povo (os camponeses de Okinawa). Portanto, o karatê é uma luta, mas também é uma arte marcial. Além disso, o karatê também possui seu modelo esportivo (re- gras, entidades reguladoras, sistemas de classificação), o que também faz dele um esporte de combate. Embora essa discussão possa ser considerada secundária, é neces- sário que você, durante sua formação, seja apresentado a ela, pois é algo existente na área de lutas. Exemplo de briga. Isso pode acontecer na escola, e o professor deve interferir. GrashicsGGGcoG /Shutterstock Desde 1863, foram realizadas convenções e tratados para de- finir normas e condutas a serem seguidas mesmo em tempos de guerra. Apesar disso, em tempos de guerra, muitas infrações são cometidas. Um bom exemplo é o Holocausto, provocado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. 2 Utilizaremos karatê (e não a forma aportuguesada, caratê), pois é o termo usado pelas federações brasileiras mais conhecidas. 3 16 Metodologia do ensino de lutas 1.2 Produção acadêmica Vídeo Para uma melhor compreensão acerca de uma área de conhecimen- to, é imprescindível que se saiba qual o estado/cenário de pesquisas relacionados a essa área. Tal apreciação permite visualizar o quanto se sabe sobre o tema, ou seja, se existem muitas pesquisas sobre o tema. Naturalmente, alguns assuntos são mais pesquisados ou mais novos do que outros, e isso impacta diretamente a compreensão geral de cada assunto. Além disso, essa análise crítica permite conhecer o grau de confiabilidade das informações, ou seja, qual a qualidade metodoló- gica das pesquisas existentes. A depender da qualidade das pesquisas, podemos creditar maior ou menor nível de evidência, depositando as- sim mais ou menos confiança com base nas informações disponíveis. Esse modelo de exame comumente recebe o nome de análise do estado da arte. Algumas décadas atrás, vivíamos uma fase de dificuldade de aces- so às informações (científicas ou não). Atualmente, vivemos em uma era de informação, na qual o mais complicado é saber em que confiar. Por conta disso, é fundamental desenvolvermos uma capacidade crí- tica das informações que recebemos. Não adianta cobrar apenas das mídias, do governo ou das entidades reguladores para que sejam ado- tadas medidas para inibir divulgações de notíciasfalsas, tendenciosas e/ou distorcidas. É fundamental que o receptor das informações seja apto a avaliar criticamente o conteúdo que recebe. Agora, vamos analisar o número de estudos publicados envolven- do lutas. Uma revisão bibliométrica, publicada em 2010, buscou in- vestigar como se dava a produção acadêmica abrangendo as lutas nos principais nos principais periódicos (revistas científicas/acadêmicas) brasileiros na área de Educação Física. Como resultado, foi obser- vado que de todos os 2.561 artigos, apenas 75 abordavam as lu- tas, ou seja, 2,9% de toda a produção científica nacional (CORREIA; FRANCHINI, 2010). Com base nesses números, podemos afirmar que a produção na área de lutas ainda é baixa? Embora tenham sido encontrados apenas 75 estudos, esse número considera apenas a produção nacional. Como o pesquisador sempre busca dar maior visibilidade para sua pesquisa, existe a tendência de buscar uma publicação internacional, pois assim é superada a barrei- revisão bibliométrica: é um tipo de estudo que tem como objetivo identificar o estado da arte de uma área, apresentando número de estudos, tipo de estudos, países e autores com maior produção acadêmica, entre outras variáveis relaciona- das à publicação e divulgação científica. Glossário Conceitos, história e filosofia das lutas 17 ra do idioma português, restrito a poucos países. Logo, teríamos de investigar a produção internacional antes de fazer tal afirmação. Além disso, há um outro aspecto importante a ser considerado, que é quan- do a investigação foi conduzida. Na pesquisa em questão, de Correia e Franchini (2010), a bibliometria contemplou o período de 1998 a 2008, indicando o cenário daquele período. Vamos, então, analisar como se dá essa produção de conhecimento em um período mais recente. A Figura 1 mostra o número de estudos científicos publicados na base de dados Web of Science entre 2001 e 2019. Figura 1 Produção científica de estudos publicados referente às lutas Fonte: Elaborada pelo autor com base em Clarivate, 2020. 300 250 200 150 100 50 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 0 Na Figura 1, é possível observar que houve um aumento expressivo da produção nos últimos anos, especialmente a partir de 2011. No to- tal, o gráfico contempla o montante de 2.424 estudos científicos inde- xados apenas na Web of Science. Além dessa base de dados, um elevado número de estudos também é observado em outras bases científicas, como o PubMed, com 1.869 estudos, a base Scopus, com 3.807 estudos, e a base SPORTDiscus, com 3.001 registros em revistas acadêmicas. Nesse tocante, temos de considerar que nem todo estudo identifi- cado em nossa busca teve como objetivo direto a investigação sobre as lutas, tendo em vista que em muitos deles as lutas foram usadas como meio indireto, com a participação de praticantes ou atletas de esportes de combate sendo voluntários em pesquisas sem relação direta às lu- tas. Mesmo assim, podemos concluir que existe um número considerá- vel de estudos científicos abrangendo lutas, artes marciais e esportes de combate, contando com um crescimento expressivo a cada ano. 18 Metodologia do ensino de lutas Além de analisar o total de produção científica, é preciso especificar a análise, observando como é a produção em cada subárea, pois alguns temas são mais estudados que outros. Por exemplo, entre 1998 e 2008 os estudos que compunham a produção científica nacional na área de Educação Física envolvendo as lutas (75 artigos, equivalente a 2,9% de toda a produção) abordavam diferentes temas, sendo 40% inseridos na área de Biodinâmica, 32% nos Estudos Socioculturais do Movimento Humano, 10,7% na Pedagogia do Movimento Humano, 8% no Compor- tamento Motor, 8% no Treinamento Esportivo e 1,3% na Administração Esportiva (CORREIA; FRANCHINI, 2010). Além de considerar as subáreas de investigação, é preciso levar em conta qual modalidade de luta está sendo estudada. Na Tabela 1, é apresentado o estado da produção científica diferenciando as mo- dalidades esportivas de combate, sendo possível evidenciar que há uma variação muito ampla de produção entre as modalidades (ex.: 71 estudos envolvendo o kickboxing x 1.595 estudos envolvendo o judô). Afirmar que há muitos ou poucos estudos na área de lutas é abordar o tema de modo genérico. No entanto, cabe ressaltar que algumas mo- dalidades de combate possuem similaridades, permitindo, em partes, a transferência do conhecimento entre modalidades. Tabela 1 Produção científica de estudos publicados referentes a diferentes modalidades de lutas Fonte: Elaborada pelo autor com base em Clarivate, 2020. Modalidade Número de estudos Boxe* Jiu-jitsu brasileiro Judô Kickboxing Taekwondo Karatê Muay thai MMA (mixed martial arts – artes marciais mistas) Wushu 198 102 1.595 130 854 1.155 71 303 247 * Busca combinada dos termos boxe amador e boxe profissional. Conceitos, história e filosofia das lutas 19 No cenário de produção científica, o Brasil ocupa um papel de des- taque, tanto considerando as lutas de maneira geral quanto estrati- ficando a análise por modalidade esportiva. O Brasil aparece como o quarto país que mais produz conhecimento nas lutas em geral (Tabela 2). Esse é um dado muito relevante, o qual demonstra que mesmo com todas dificuldades que enfrentamos para fazer ciência, conseguimos ser uma referência mundial no meio científico. A tabe- la a seguir mostra o top 5; completando o top 10, constam Canadá, Espanha, Austrália, Alemanha e Coreia do Sul. Tabela 2 Ranking por países da produção científica de estudos publicados referente às lutas (top 5) Estados Unidos da América País Número de estudos % do total 503 20,8% China 340 14,0% Brasil 240 9,9% Polônia 299 12,3% Inglaterra 137 5,7% Fonte: Elaborada pelo autor com base em Clarivate, 2020. Em algumas modalidades como o judô e o jiu-jitsu brasileiro, o Brasil ocupa a liderança na produção científica. No judô, o Brasil ocupa a pri- meira posição entre os países mais produtivos (seguido de Polônia, Es- tados Unidos da América, Espanha e Japão), com dois autores entre os cinco mais produtivos no mundo (Emerson Franchini e Bianca Miarka). No jiu-jitsu brasileiro, o Brasil também ocupa a primeira posição entre os países mais produtivos (seguido de Estados Unidos da América, Aus- trália, Noruega e Polônia), com quatro autores entre os cinco mais pro- dutivos do mundo (Emerson Franchini, Leonardo Vidal Andreato, João Victor Del Conti Esteves e Solange Marta Franzói de Moraes). Por fim, além de considerar a quantidade de estudos, é preciso analisar a qualidade dessa produção. Nesse sentido, a análise acaba ficando mais subjetiva, pois não há estudos que fizeram tal análise de modo amplo. Apesar disso, podemos observar que, principalmente nos últimos anos, muitos estudos foram aceitos e publicados nos principais periódicos científicos da área de Ciências do Esporte. Contudo, isso não Para conhecer o estado da arte de uma área de conhecimento, além de consultar pesquisas bibliográficas publicadas em revistas acadêmicas, é possível realizar buscas na base de dados Web of Science. A base não é de livre acesso, mas estudantes brasileiros conseguem acesso gra- tuito por meio do Portal de Periódicos da Capes. Disponível em: https://www. periodicos.capes.gov.br. Acesso em: 3 jul. 2020. Site https://www.periodicos.capes.gov.br https://www.periodicos.capes.gov.br 20 Metodologia do ensino de lutas significa que a maioria dos estudos apresenta uma elevada qualidade metodológica. Na realidade, ainda hoje a maior parte das pesquisas não atende às recomendações metodológicas de diferentes instrumen- tos de avaliação de qualidade de pesquisa. Assim, embora o montante total de produção acadêmica possa ser considerado expressivo, o nú- mero de pesquisas de alta qualidade metodológica ainda é pequeno. 1.3 Formação e atuação profissional Vídeo Antes deanalisarmos os aspectos relacionados à formação profis- sional e à intervenção de quem atua na área de lutas, é preciso con- siderar a história do ensino superior e da Educação Física no Brasil. O primeiro curso superior do Brasil foi iniciado em 1808, com a Esco- la de Cirurgia da Bahia. Mundialmente, a universidade, no estilo que conhecemos hoje, apresenta registros bem mais antigos, como a Uni- versidade de Bolonha (1088), a Universidade de Oxford (aproximada- mente 1096) e a Universidade de Paris (1170). Diante disso, já podemos observar que a tradição das universidades brasileiras é bem mais re- cente do que muitas das universidades mundialmente conhecidas. No mesmo sentido, o primeiro curso brasileiro voltado à preparação de profissionais da Educação Física se deu em 1910, pela Polícia Militar. O primeiro curso de caráter civil foi criado em 1934, na Universidade de São Paulo (USP), com reconhecimento em 1940 pelo Decreto n. 5.723 (SÃO PAULO, 1940). Em nível de pós-graduação (stricto sensu) 4 , o primeiro cur- so de mestrado foi iniciado em 1977, doze anos após a regulamentação da pós-graduação no Brasil por meio do Parecer 977/1965 5 , na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP). No entanto, a regulamentação da profissão, ou seja, a definição legal da área de atuação, deu-se apenas em 1998, pela Lei n. 9.696 6 (BRASIL, 1998). Diante do exposto, devemos considerar que tanto o ensino superior quanto a área de Educação Física são relativamente novos no Brasil. Por conta disso, ambas as áreas ainda estão em processos constantes de reformulação. Isso não quer dizer que não podemos tecer críticas a essas áreas, mas devemos considerar os avanços já alcançados nessa curta trajetória. No artigo 1º da Lei n. 9.696, ficou estabelecido que “o exercício das atividades de Educação Física e a designação de Profissional de Edu- A pós-graduação é dividida em lato sensu, que compreende os cursos de especialização, e stricto sensu, que compreende os cursos de mestrado e doutorado. 4 O Parecer 977/1965 também é conhecido como Parecer Sucupira, em homenagem ao seu relator, o professor Newton Lins Buarque Sucupira (1920-2007), que é considerado o pai da pós-graduação brasileira. 5 A Lei n. 9.696/1998 foi sancio- nada no dia 1º de setembro, data em que passou a se comemorar o Dia do Profissional da Educação Física. 6 Conceitos, história e filosofia das lutas 21 cação Física é prerrogativa dos profissionais regularmente registra- dos nos Conselhos Regionais de Educação Física” (BRASIL, 1998). No parágrafo seguinte, estabelecem-se as possibilidades de inscrição nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física. Para obter o registro, o indivíduo deve possuir diploma (nacional ou internacional), oficialmente reconhecido, no curso de Educação Física ou comprovar que exerceu atividades da profissão de Educação Física até o início da vigência da lei. Dessa forma, os profissionais que já atuavam na área garantiram seu direito de atuação, sem prejuízos maiores, uma vez que atuavam antes da regulamentação da profissão. No entanto, só poderiam co- meçar a atuar nas atividades prerrogativas da Educação Física aqueles profissionais que tivessem formação em nível superior, conforme cons- ta no artigo 3º da Lei n. 9.696/1998. Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisci- plinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, cien- tíficos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto. (BRASIL, 1998) Ocorre que a definição da competência do profissional da Educa- ção Física foi bastante genérica na lei de regulamentação da profissão. Em 2002, o Conselho Federal de Educação Física (Confef) publicou uma resolução com o intuito de especificar melhor a competência exclusiva dos profissionais de Educação Física (Resolução 46/2002). No entanto, após disputas judiciais, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) impediu os Conselhos Regionais de Educação Física de fiscalizarem lutas, danças e ioga (Recurso Especial 1012692/RS 2007). Acredita-se que esse en- tendimento foi por considerarem essas atividades como manifestações culturais e espirituais. Vale ressaltar que, no caso das lutas, essa lei se aplica apenas quando a atuação é voltada ao aprendizado da técnica da luta. No caso de aulas que utilizam técnicas de lutas como forma de condicionamento físico (ex.: body combat e aeroboxe), faz-se necessário o registro em um dos Conselhos da Educação Física. No ambiente escolar, no contexto curricular, a inserção das lutas ocorre dentro das aulas Educação Física, ministradas por um profissio- Leia na íntegra a Lei n. 9.696/1998, a qual dispõe sobre a regulamentação da profissão de Educação Física e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Educação Física. É fundamental que você, futuro profissional de Educação Física, co- nheça os aspectos legais de sua profissão. Disponível em: https://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l9696.htm. Acesso em: 3 jul. 2020. Leitura https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9696.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9696.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9696.htm 22 Metodologia do ensino de lutas nal com habilitação na área de Licenciatura em Educação Física. Existe a possibilidade de que profissionais sem essa habilitação atuem em projetos de iniciação esportiva dentro da escola, mas no caráter curri- cular isso não é permitido. Portanto, cabe ao profissional da Educação Física inserir as lutas dentro das aulas na escola. Mas como isso tem corrido? Os profissionais da escola têm conseguido trabalhar com as lutas dentro das aulas curriculares? Vamos tentar responder a essas e outras questões a seguir. A realidade parece ser um tanto diferente das recomendações de inserção das lutas na escola, como definido desde os PCN (BRASIL, 1997). Em um estudo conduzido com 50 professores de Educação Fí- sica que atuavam na rede pública e privada das escolas de Fortaleza (CE), foi reportado que apenas 32% deles utilizavam as práticas de lutas em suas aulas, ao passo que 68% afirmaram jamais terem incluídos esses conteúdos nas aulas. Ainda, entre a parcela de professores que abordavam as lutas nas aulas escolares, 50% utilizavam vídeos, 31% contavam com a ajuda de especialistas, 13% faziam a abordagem por meio de atividades recreativas e 6% faziam saídas de campo (ex.: visita a academias ou clubes). Entre a parcela de professores que não abor- davam as lutas nas aulas escolares, 41% afirmaram que não tinham instrução suficiente, 24% entendiam que a escola não possuía estrutu- ra adequada, 18% consideravam o conteúdo de lutas inadequado para a escola e 18% não contavam com auxílio de profissionais especialistas em lutas (FERREIRA, 2006). Embora o estudo citado ilustre uma parcela de professores da cida- de de Fortaleza, essa realidade parece ser semelhante à de outras lo- calidades. Especialistas em lutas (cinco professores de lutas no ensino superior e praticantes de lutas por pelo menos dez anos) consideram que os principais fatores restritivos para a inclusão das lutas na Educa- ção Física são formação deficiente dos docentes (52%), insegurança do professor (15%), infraestrutura escolar deficiente (15%) e falta de mate- riais para o ensino das lutas (9%) (RUFINO; DARIDO, 2015). Com base nisso, é possível considerar que a principal limitação re- ferente à atuação em lutas na escola é a falta de formação específica, pois insegurança e fatores restritivos, como falta de estrutura e mate- riais, podem ser contornados facilmente, desde que o professor tenha uma formação adequada. Conceitos, história e filosofia das lutas 23 Esse problemareferente à formação pode ser creditado a alguns fatores, como: Cursos de graduação que não abordam as lutas de maneira ampla, mas com modalidades específicas (ex.: judô ou capoeira). Disciplinas de lutas na graduação que seguem o modelo tecnicista, ou seja, que se limitam a repetir técnicas de uma ou mais modalidades de lutas, sem focar o ensino no preparo do graduando para minis- trar aulas com abordagem das lutas. Docentes da disciplina de lutas que não possuem formação e experiência em lutas. E você? As lutas fizeram parte das suas aulas de Educação Física na escola? Quais lembranças você carrega dessa época? O que você pensa sobre a inclusão das lutas nas aulas curriculares de Educação Física? Esperamos que até o final deste livro você possa refletir sobre sua concepção de lutas na escola e se sinta seguro e apto a incluir esse conteúdo quando for professor de Educação Física. Leia o artigo Conhecimento declarativo de docentes sobre a prática de lutas, artes marciais e modalidades esportivas de combate nas aulas de educação física escolar em Pelotas, Rio Grande do Sul, de Joel Maurício Corrêa Fonseca, Emerson Franchini e Fabrício Boscolo Del Vecchio, publicado em 2013 na revista Pensar a Prática, para compreender melhor como se dá o nível de conhecimento em lutas de professores de Educação Física e como esses docentes aplicam o conteúdo de lutas na educação física escolar. Acesso em: 3 jul. 2020. https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/17221 Artigo 1.4 Aspectos contemporâneos Vídeo Nesta última seção, iremos abordar um pouco das razões que nos levam a estudar as lutas e posteriormente inserir esse conteúdo nas aulas curriculares de Educação Física na escola, especialmente nos en- sinos fundamental e médio. Entre essas razões, podemos utilizar o ponto de vista histórico e cul- tural, pois o homem sempre lutou. Os motivos são diversos, como luta pela sobrevivência, conquista de territórios, reprodução, lazer, rituais https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/17221 24 Metodologia do ensino de lutas de transição para a vida adulta e até mesmo oferendas a divindades. Existem evidências disso em diferentes épocas de nossa civilização e em diferentes partes do mundo. Paiva (2019), em um ensaio antropo- lógico e histórico, apresenta uma série de evidências (principalmente pinturas rupestres) de manifestações de lutas na Pré-História 7 em solo brasileiro (no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí). Pintura rupestre no Parque Nacional Serra da Capivara. Do ug las Iu ri M ed eir os Ca br al/ W iki G ed ia Co G G on s Nessa ótica de abordagem histórica e cultural, ainda podemos des- tacar que as lutas: • compuseram os antigos Jogos Olímpicos da Antiguidade (776 a.C.-200 a.C.); • geraram espetáculo com os gladiadores no Coliseu (os primeiros registros são de 286 a.C.); • foram usadas como artes de guerra para defesa de nações (ex.: samurais no período feudal do Japão – 1187-1867); • foram utilizadas como forma de desenvolvimento espiritual (ex.: ligação entre wushu e budismo); Período anterior à invenção da escrita, que se estima ter ocorrido aproximadamente 3500 a.C. 7 Exemplo de roda de capoeira. CG EA TI ST A/ Sh ut te rs to ck • tiveram importância durante o período de escravidão no Brasil (? até 1888 8 ), fato que levou, em 2014, a Organiza- ção das Nações Unidas para a Educa- ção, a Ciência e a Cultura (Unesco) a reconhecer a roda de capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial da Hu- manidade, em 2014 (UNESCO, 2014). No entanto, não são apenas os aspectos históricos que justificam o estudo e a apli- cação das lutas na escola. Na atualidade, os esportes fazem parte da rotina de nossa Não há um consenso sobre a data de início da escravidão no Brasil. Alguns relatos apontam 1550, outros, 1518, e também há quem defenda que a escra- vidão se iniciou na chegada dos portugueses ao Brasil. 8 Conceitos, história e filosofia das lutas 25 sociedade, seja por meio da prática esportiva, seja pelo consumo des- sas práticas, seja assistindo ou adquirindo produtos relacionados. Pare um momento e pense se as lutas fazem parte da sua vida. Vamos ver alguns exemplos. O principal evento esportivo da atualidade são os Jogos Olímpicos de Verão. Entre todas as modalidades que integram os jogos, as moda- lidades esportivas de combate são responsáveis por aproximadamente 1/5 de todas as medalhas de ouro em disputa. Para traçar uma noção de proporção, note que o futebol, embora seja a modalidade mais tra- dicional em nosso país, é responsável por apenas duas categorias (uma no masculino e uma no feminino). Em contrapartida, o judô, sozinho, representa 15 categorias 9 em disputa (sete no masculino, sete no fe- minino e uma por equipe mista). Observe na Tabela 3 quais são as modalidades de combate que inte- gram os Jogos Olímpicos e o número de categorias em disputa em cada um desses esportes. Os dados foram estimados com base no quadro de modalidades apresentado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI, 2020). Tabela 3 Participação das modalidades esportivas de combate nos Jogos Olímpicos de Verão Boxe Modalidade Número de categorias % de todas as medalhas 13 ~4% Esgrima 10 ~3% Karatê 8 ~2,5% Wrestling 18 ~5,5% Judô 15 ~4,5% Taekwondo 8 ~2,5% TOTAL 72 ~22% Fonte: Elaborada pelo autor com base em COI, 2020. ~: valores aproximados com base no número de medalhas de ouro a serem distribuídas. Todavia, não são apenas nos Jogos Olímpicos de Verão que os espor- tes de combate possuem destaque nos tempos atuais. Fora dos Jogos, tanto as modalidades olímpicas quanto as não olímpicas atraem mui- Estimativa feita com base no quadro de modalidades dos Jogos Olímpicos de Verão de Tóquio de 2021. 9 26 Metodologia do ensino de lutas tos telespectadores em diferentes eventos. Um exemplo claro disso é o fenômeno MMA – semanalmente, ocorrem diversos eventos, como o UFC (Ultimate Fighting Championship), o Bellator, o ONE Championship e o Shooto Brasil. Em 2018, apenas o evento UFC 229, que teve como principal luta Khabib Nurmagomedov x Conor McGregor, gerou 2,5 milhões de ven- das de transmissão televisiva (pay per view). Em 2015, a luta profis- sional de boxe entre Floyd Mayweather e Many Pacquiao promoveu 4,6 milhões de vendas de transmissão. Nessa luta, o vencedor faturou, na época, entre bolsa, bônus e direito de imagens, o equivalente a R$ 1 bilhão (GOZZER, 2017). Além disso, são vendidas camisetas, ca- necas, chaveiros, revistas, canais de luta, entre outros produtos que carregam marcas relacionadas aos esportes de combate. O efeito do alcance do esporte vai além do entretenimento, pois tem grande im- pacto econômico (DIAS, 2019). Além dos eventos que envolvem combates reais, temos as lutas e esportes de combate se manifestando dentro de meios de entreteni- mento, como o caso do cinema. Nesse tocante, podemos citar inúme- ros filmes, tanto baseados em pessoas reais quanto obras de ficção. Vamos recordar alguns exemplos. Filmes fictícios Rock: um lutador; Rock II: a revanche; Rock III: o desafio supremo; Rock IV; Rock V; Rock Balboa. Karatê Kid: a hora da verdade; Karatê Kid II: a hora da verdade continua; Karatê Kid III: o desafio final; Karatê Kid IV: a nova aventura; Karatê Kid. Creed: nascido para lutar; Creed II. Menina de Ouro. Nocaute. Touro Indomável. O Vencedor. Clube da Luta. O Grande Dragão Branco; Kickboxer; Desafio Mortal (filmes de Jean-Claude Van Damme). Operação Dragão; A Fúria do Dragão; Bruce Lee: a jornada de um guerreiro (filmes de Bruce Lee). Mais forte que o mundo – A história de José Aldo (baseado em José Aldo, lutador de MMA). Filmes baseados em fatos 10 segundos para vencer (baseado em Éder Jofre, lutador de Boxe). Dangal (baseado em Mahavir Singh Phogat e suas filhas, lutadores de wrestling). O maior de todos; Ali; Muhammad Ali – das lutas ao ativismo (baseados em Muhammad Ali). Tyson (baseado em MikeTyson, lutador de boxe). A luta pela esperança (baseado em James Walter Braddock, lutador de boxe). O UFC foi criado em 1993, tendo como um dos fundadores Rorion Gracie. Em 2001, a marca UFC foi vendida por 2 milhões de dólares para Dana White e os irmãos Frank e Lorenzo Fertitta. Em 2016, a marca foi comprada pelo grupo WME-IMG pelo montante de 4 bilhões de dólares (DIAS, 2019). Curiosidade O filme Mais forte que o mundo – A história de José Aldo conta partes da trajetória do atleta brasileiro José Aldo, um dos maiores lutadores da história do MMA. Nessa obra, é possível observar a evolução e profissio- nalização dos esportes de combate, bem como visualizar o impacto social que o esporte pode exercer em relação às transformações de vida. Direção: Afonso Poyart. Brasil: Black Maria; Globo Filmes, 2016. Filme Conceitos, história e filosofia das lutas 27 Ainda, existem muitos outros filmes e animações envolvendo his- tórias de super-heróis, que utilizam as lutas em suas aventuras (ex.: Superman, Homem-Aranha, Hulk, Homem de Ferro, Thor, Batman, Liga da Justiça, Mulher-maravilha, Batgirl, Supergirl, Capitã Marvel). Diante de todos os exemplos listados nesta seção, é difícil ainda não assumirmos que as lutas fazem parte de nossa história e vida. Por fim, ainda podemos citar os benefícios físicos e comportamentais que as lutas podem promover. Por todas essas características e riquezas culturais, as lutas fazem parte de nosso sistema curricular escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo teve como objetivo tratar de alguns temas iniciais que possibilitarão um maior desenvolvimento nos estudos na temática de lu- tas. Existe uma diferenciação quanto aos termos utilizados. A grande área é nomeada como lutas, sendo considerada luta toda atividade que tenha o corpo do adversário como alvo, combine possibilidades de ações de ataque e defesa de maneira simultânea e apresente imprevisibilidade no desfecho do combate. São nomeados como esportes de combate especifi- camente os sistemas de técnicas que foram “esportivizados”, ou seja, que são regidos por uma entidade reguladora (federações ou confederações), possuem competições com regras pré-definidas e apresentam sistemas claros de classificação. A definição de artes marciais possui maior divergên- cia na literatura, mas o termo marcial deriva de Marte, o deus da guerra. É mais comum caracterizar como arte marcial as modalidades que em algum momento da história foram utilizadas para defesa de povos ou nações. Dentro da temática lutas, artes marciais e esportes de combate, pu- demos constatar que o número de pesquisas vem crescendo a cada ano. Essa produção acadêmica, no geral, já possui um corpo significativo de informações. No entanto, é preciso considerar que esse volume total de estudos é subdividido entre as modalidades e subáreas de conhecimen- tos (ex.: história, pedagogia, medicina do esporte, biodinâmica, treinamen- to desportivo). Além disso, nem toda produção científica possui uma alta qualidade metodológica, sendo a melhora metodológica dos estudos um dos desafios da área. Nesse cenário, o Brasil possui um papel de destaque nos estudos com lutas, pois é o quarto país com mais pesquisas publi- cadas no tema e principal país em algumas modalidades. Ainda, alguns 28 Metodologia do ensino de lutas pesquisadores brasileiros figuram entre os líderes em produção científica em lutas, artes marciais e esportes de combate. Neste capítulo, também observamos alguns aspectos relativos à atuação profissional nas lutas. Entre os conteúdos abordados, podemos destacar o fato de que o trato das lutas fora das aulas curriculares de Educação Física não exige obrigatoriamente formação de nível superior em Educação Física. Contudo, o trabalho com as lutas nas aulas curri- culares escolares deve obrigatoriamente ser realizado por profissionais com formação em nível superior. Dentro do ambiente escolar, a maior parte dos docentes não utilizam as lutas em suas aulas, e tal fato ocorre principalmente devido a uma formação insuficiente durante a graduação. Por fim, consideramos que o ensino das lutas na escola é importante por diferentes fatores. As lutas fazem parte da história de nossa sociedade e carregam consigo muita bagagem cultural. Além disso, as lutas integram nosso cotidiano, por exemplo, em seu modelo esportivo, presente em eventos olímpicos e não olímpicos, e na forma de entretenimento, como no caso dos filmes. Não obstante, a prática das lutas é capaz de promover diversos benefícios para a saúde física e mental de seus praticantes, assim como auxilia em aspectos comportamentais e do desenvolvimento motor. Por todas essas razões, as lutas estão inseridas dentro do currículo es- colar, e caberá a você, futuro professor, ter os conhecimentos necessários para incluir esse tema em suas aulas. ATIVIDADES 1. Elabore três sentenças que caracterizem a ideia de luta, arte marcial e esporte de combate. 2. Faça uma breve análise do papel do Brasil na produção científica na área de lutas, artes marciais e esportes de combate. 3. Cite as seis modalidades esportivas de combate consideradas olímpicas. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 9.696, de 1 de setembro de 1998. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 2 set. 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9696. htm. Acesso em: 7 jun. 2020. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. 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Na sequência, nosso direcionamento será voltado para a Educação Física, com enfoque específico nas lutas, nas artes marciais e nos esportes de combate. As lutas devem fazer parte das aulas de Educação Física na escola? O que deve ser ensinado em relação às lutas na escola? Os conteúdos e a abordagem das lutas na escola devem ser os mesmos para todas as faixas etárias? Essas questões serão anali- sadas ao longo deste capítulo. Na primeira seção, serão apresentados os principais aspectos relacionados às políticas públicas educacionais de nosso país, com o objetivo de entendermos a estrutura educacional na qual esta- mos inseridos. Na sequência, nosso direcionamento será entender como as lutas integram nosso sistema curricular. Para tanto, ana- lisaremos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Você deverá adquirir embasamento para avaliar a proposta vigente. Na terceira seção, iremos discutir algumas propostas metodo- lógicas existentes para o ensino das lutas, dentro ou fora da escola. A proposta atual presente na BNCC pode mudar, pois o currículo escolar em nosso país depende muito das políticas de governo. Diante disso, é importante que você esteja apto a compreender as lutas muito além da BNCC, tendo subsídios para abordá-las independentemente da proposta vigente. Os modelos de ensino que serão apresentados vão ajudá-lo a refletir e criar fundamentos para que o trato das lutas ocorra de maneira natural e harmônica. Por fim, na quarta seção, iremos abordar aspectos pedagógicos gerais e cuidados no ensino das lutas. Esses conteúdos são muito relevantes, pois não apenas auxiliarão no manejo das lutas, como também podem ser aplicados em aulas com diferentes objetivos. 30 Metodologia do ensino de lutas Ensino das lutas na escola 31 O conteúdo deste capítulo irá prover fundamentos que serão sua base para atuar com o ensino das lutas, seja como elementos das aulas curriculares de Educação Física na escola, seja como ele- mentos de aulas em outros ambientes, como clubes, ONG (organi- zações não governamentais), academias ou centros esportivos. 2.1 Políticas públicas educacionais Vídeo Para entendermos como se dá o currículo escolar brasileiro, preci- samos saber como estão organizadas as políticas públicas educacio- nais em nosso país. Vamos fazer uma breve análise disso. O primeiro aspecto a ser considerado é que a educação no Brasil é um direito de todos, garantido pela Constituição Federal de 1988. Esse direito é estabelecido no artigo 205, o qual define que “a educa- ção, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno de- senvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Contudo, como se pode observar, a educação não é apenas um direito; família e Estado devem atuar para que toda criança tenha uma educação adequada. Nesse sentido, vale conhecer o artigo 208, que define que o Estado deve ga- rantir “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (de- zessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiverem acesso na idade própria” (BRASIL, 1988). Embora a Constituição defina direitos e deveres relativos à educa- ção, não há uma abordagem detalhada desse processo, sendo realiza- da uma abordagem geral, como reportado no artigo 210, que aponta que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores cul- turais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). Nesse aspecto, anos após o desenvolvimento da nossa Carta Magna, houve um proces- so de discussão que resultou em uma lei específica sobre a educação, a Lei n. 9.394, de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educa- ção (LDB). Na LDB, é estabelecido como deve ser organizado o sistema educacional brasileiro, incluindo especificações sobre a necessidade de diretrizes que nortearão a definição de conteúdos mínimos, função que 32 Metodologia do ensino de lutas é incumbência da União, em colaboração com os estados, o Distrito Fe- deral e os municípios, de acordo com o artigo 9º da lei (BRASIL, 1996). Quanto à Educação Física, no § 3o do artigo 26 da LDB, indica-se que “a educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é compo- nente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cur- sos noturnos” (BRASIL, 1996). No entanto, não há um detalhamento do currículo escolar na LDB. O mesmo ocorreu com os Parâmetros Curricu- lares Nacionais (PCN), que, embora auxiliassem as escolas na criação das propostas pedagógicas, careciam de informações mais detalhadas sobre a organização dos conteúdos curriculares (BRASIL, 1997). Nessa falta de definição clara de como deveria ser estruturado o currículo da Educação Física nas diferentes etapas de ensino, a Edu- cação Física escolar enfrentou muitas dificuldades. Exemplo disso é a realidade das disciplinas escolares espalhadas pelo Brasil, com muitas delas se limitando, quando muito, à prática de quatro modalidades esportivas: futsal, voleibol, basquetebol e handebol. Um dos aspectos que levou à dificuldade de propostas de currículos universais foi o fato do Brasil ser um país de dimensões continentais, o que acarreta carac- terísticas regionais muito peculiares. Diante disso, em 2017, após muitas discussões, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual define aprendizagens e competências 1 Na BNCC, competência é entendida como “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemo- cionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2017, p. 8). 1 a serem desenvolvidas na educação básica. Essas com- petências são apresentadas no quadro a seguir. Quadro 1 Competências gerais da educação básica Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 1 Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. (Continua) 2 A LDB (Lei n. 9.394/1996) faz a regulamentação do sistema educacional brasileiro. É importante que todo profissional que atue com ensino conheça essa regulamentação. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l9394.htm. Acesso em: 24 jul. 2020. Leitura http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Ensino das lutas na escola 33 Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 3 Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como LIBRAS, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 4 Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação demaneira crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 5 Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 6 Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 7 Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 8 Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. (Continua) 9 34 Metodologia do ensino de lutas Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. 10 Fonte: Brasil, 2017, p. 9-10. Como você pode perceber, essas competências são de fato gerais e buscam a formação integral do ser humano, que não apenas domi- na e decora conteúdos, e também a formação de um sujeito crítico, capaz de atuar em sociedade e exercer sua cidadania para a constru- ção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. Entretanto, você também pode perceber que não é uma tarefa fácil atingir todas as competências gerais com a Educação Física. Porém, esta é uma meta: elaborar e conduzir aulas e atividades que permitam o desenvolvimen- to das competências gerais da educação básica propostas na BNCC. Além da definição de competências gerais que devem ser desen- volvidas, a BNCC também apresenta direcionamentos para cada etapa da educação e também abre a possibilidade para que cada estado in- clua conteúdos que sejam relevantes para o contexto daquela região (BRASIL, 2017), tornando necessário que os docentes conheçam tanto a BNCC quanto o referencial curricular do estado no qual irá atuar. A BNCC é estruturada com divisões entre educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, e cada etapa possui suas peculiaridades. Devido à BNCC ser um documento muito amplo, envolvendo todas as áreas de conhecimento, limitaremo-nos a analisar os principais aspec- tos que envolvem nossas possibilidades de intervenções com a Educa- ção Física e, mais especificamente, com as lutas. A educação infantil, que compreende o período de 0 a 5 anos e 11 meses de idade, possui objetivos de aprendizagem e desenvol- vimento que são divididos de acordo com as faixas etárias, sendo elas: bebês (0 a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). Nesse contexto, são estabelecidos na BNCC (BRASIL, 2017) seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento inseri- dos em cinco campos de experiência: Ensino das lutas na escola 35 1. O eu, o outro e o nós 2. Corpo, gestos e movimentos 3. Traços, sons, cores e formas 4. Escuta, fala, pensamento e imaginação 5. Espaço, tempos, quantidades, relações e transformações 1. Conviver 2. Brincar 3. Participar 4. Explorar 5. Expressar 6. Conhecer-se Direitos de aprendizagem e desenvolvimento Campos de experiência O ensino fundamental compreende do 1º ao 9º ano, não definindo faixa etária, pois existem reprovações e casos de alunos que iniciam os estudos fora da idade indicada. Ainda, conceitualmente, divide-se essa etapa em anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano). Diferentemente da educação infantil, na qual são estabelecidos ape- nas os campos de aprendizagem, para o ensino fundamental são apre- sentados componentes curriculares específicos para cada área do conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciên- cias Humanas e Ensino Religioso). Aqui está um ponto importante a ser considerado: a Educação Física está alocada na área das Linguagens – remetendo à linguagem corporal –, assim como as disciplinas de Língua Portuguesa, Arte e Língua Inglesa. 36 Metodologia do ensino de lutas Adicionalmente, cada área do conhecimento é dividida em unida- des temáticas, com objetos de conhecimento e habilidades a serem desenvolvidos. As seis unidades temáticas que integram a área da Edu- cação Física, conforme a BNCC (BRASIL, 2017), são: Karolina Madej/ Shutterstock 1. Brincadeiras e jogos 2. Esportes 3. Ginásticas 4. Danças 6. Práticas corporais de aventuras 5. Lutas Por fim, para o ensino médio, assim como na educação infantil, não há uma discriminação concreta dos conteúdos a serem abordados dentro da Educação Física, mas sim indicações de competências espe- cíficas de Linguagens e suas Tecnologias para o ensino médio. Como vimos, a legislação brasileira passou por algumas modifica- ções, como se observa na linha do tempo a seguir, até chegarmos ao documento principal, que detalharemos na próxima seção. BNCC Constituição Federal PCN LDB 1988 1996 1995-1999 2Embora a publicação do volume 7 tenha ocorrido em 2010, a criação dos PCN ocorreu por etapas, com alterações, no período entre 1995 e 1999. 2 2017 Ensino das lutas na escola 37 2.2 As lutas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Vídeo Considerando o modelo de organização da educação infantil na BNCC, as lutas podem ser trabalhadas com as crianças bem peque- nas e com as crianças pequenas, mas com um papel secundário, no qual o ensino não é das lutas em si, e sim feito por meio de ele- mentos das lutas ou dos jogos de lutas, com objetivo de explorar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dentro dos campos de experiência. Por exemplo, é possível explorar o campo de experiên- cia O eu, o outro e nós por meio de jogos de lutas? É possível explorar o campo de experiências Corpo, gestos e movimentos se valendo de algumas ações presentes nas lutas? Lembre-se de que as lutas estão muito presentes no cotidiano das crianças, nos desenhos, quadrinhos ou filmes de super-heróis. Se bem planejadas, as atividades de lutas podem ter uma boa aceitação por parte das crianças, além de serem um instrumento riquíssimo para es- timular o desenvolvimento motor e cognitivo, bem como para explorar valores e o respeito ao próximo. du ra nt el al le ra /S hu tte rs to ck Exemplo de lutas em histórias em quadrinhos. Para o ensino médio, ao analisarmos as unidades temáticas presentes na BNCC, podemos notar que existe uma unidade es- pecífica para as lutas. No entanto, elas também podem ser utili- zadas como elementos a serem explorados dentro da unidade de brincadeiras e jogos, bem como na unidade temática de esportes. 38 Metodologia do ensino de lutas Os esportes são divididos em sete tipos, sendo um deles referente aos esportes de combate (BRASIL, 2017): 1. Marca 7. Co m ba te 3 2. Precisão 3. T éc ni co - -c om bi na tó rio 4. R ede /qu adr a divi dida ou par ede de r ebo te 5. Campo e taco 6. Invasão ou territorial rikkyall/Shutterstock Para a unidade temática de lutas, é importante que, antes de com- preender as divisões dos componentes curriculares, você conheça qual entendimento éapresentado na BNCC para essa temática. A unidade temática Lutas focaliza as disputas corporais, nas quais os participantes empregam técnicas, táticas e estratégias especí- ficas para imobilizar, desequilibrar, atingir ou excluir o oponen- te de um determinado espaço, combinando ações de ataque e defesa dirigidas ao corpo do adversário. Dessa forma, além das lutas presentes no contexto comunitário e regional, podem ser tratadas lutas brasileiras (capoeira, huka-huka, luta marajoara etc.), bem como lutas de diversos países do mundo (judô, aikido, jiu-jítsu, muay thai, boxe, chinese boxing, esgrima, kendo etc.). (BRASIL, 2017) Todas as unidades temáticas estabelecidas têm como objetivo al- cançar as competências específicas da Educação Física, estabeleci- das para essa fase de ensino, as quais auxiliarão no desenvolvimento das competências gerais da educação básica (apresentadas no início deste capítulo). Conheça e reflita sobre as competências específicas do ensino fundamental, expressas no quadro a seguir. Na BNCC, a categoria esportes de combate “reúne modalidades caracterizadas como disputas nas quais o oponente deve ser subjugado, com técnicas, táticas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclu- são de um determinado espaço, por meio de combinações de ações de ataque e defesa (judô, boxe, esgrima, tae kwon do etc.)” (BRASIL, 2017). 3 Ensino das lutas na escola 39 Quadro 2 Competências específicas da Educação Física no ensino fundamental Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual.1 Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo. 2 Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais. 3 Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas. 4 Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus participantes. 5 Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam.6 Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos.7 Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde. (Continua) 8 40 Metodologia do ensino de lutas Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário.9 Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. 10 Fonte: Brasil, 2017, p. 223. Especificamente em relação aos componentes curriculares, é fun- damental que você conheça os objetos de conhecimento e habilidades específicas a serem desenvolvidos na unidade referente às lutas, dentro do ensino fundamental, definidos na BNCC, conforme o quadro a seguir. Quadro 3 Objetos de conhecimento da unidade temática lutas no EF e habilidades a serem desenvolvidas em cada fase do ensino Fase Objetos de conhecimento Habilidades 1º e 2º anos – – 3º ao 5º ano Lutas do contexto comunitá- rio e regional Lutas de matriz indígena e africana • Experimentar, fruir e recriar diferentes lutas presentes no contexto comunitário e regional e lutas de matriz indígena e africana. • Planejar e utilizar estratégias básicas das lutas do contex- to comunitário e regional e lutas de matrizes indígena e afri- cana experimentadas, respeitando o colega como oponente e as normas de segurança. • Identificar as características das lutas do contexto comu- nitário e regional e lutas de matriz indígena e africana, reco- nhecendo as diferenças entre lutas e brigas e entre lutas e as demais práticas corporais. 6º e 7º anos Lutas do Brasil • Experimentar, fruir e recriar diferentes lutas do Brasil, valorizando a própria segurança e integridade física, bem como as dos demais. • Planejar e utilizar estratégias básicas das lutas do Brasil, respeitando o colega como oponente. • Identificar as características (códigos, rituais, elementos técnico-táticos, indumentária, materiais, instalações, institui- ções) das lutas do Brasil. • Problematizar preconceitos e estereótipos relacionados ao universo das lutas e demais práticas corporais, propon- do alternativas para superá-los, com base na solidariedade, na justiça, na equidade e no respeito. (Continua) Ensino das lutas na escola 41 Fase Objetos de conhecimento Habilidades 8º e 9º anos Lutas do mundo • Experimentar e fruir a execução dos movimentos per- tencentes às lutas do mundo, adotando procedimentos de segurança e respeitando o oponente. • Planejar e utilizar estratégias básicas das lutas experimen- tadas, reconhecendo as suas características técnico-táticas. • Discutir as transformações históricas, o processo de es- portivização e a midiatização de uma ou mais lutas, valori- zando e respeitando as culturas de origem. Fonte: Brasil, 2017. Com base no exposto, é possível observar que para o 1º e 2º anos não há abordagem específica da unidade temática lutas. No entanto, elementos das lutas podem ser utilizados dentro da unidade brincadei- ras e jogos. Do 3º ao 5º ano, devem ser trabalhadas as lutas do contexto comunitário e regional, bem como as de matrizes indígena e africana. No 6º e 7º anos, as aulas devem abordar as lutas no Brasil, e no 8º e 9º anos, as lutas no mundo. Além das habilidades específicas da unidade temática de lutas, apre- sentadas no Quadro 3, no 8º e 9º anos é possível abordar as lutas dentro da unidade temática esportes, na qual é indicada a inclusão dos esportes de combate. Veja as habilidades previstas para os esportes de combate: • Formular e utilizar estratégias para solucionar os desafios técni- cos e táticos, tanto nos esportes de campo e taco, rede/parede, invasão e combate como nas modalidades esportivas escolhidas para praticar de forma específica. • Identificar os elementos técnicos ou técnico-táticos individuais, combinações táticas, sistemas de jogo e regras das modalidades esportivas praticadas, bem como diferenciar as modalidades es- portivas com base nos critérios da lógica interna das categorias de esporte: rede/parede, campo e taco, invasão e combate. • Identificar as transformações históricas do fenômeno esportivo e discutir alguns de seus problemas (doping, corrupção, violência etc.) e a forma como as mídias os apresentam. • Verificar locais disponíveis na comunidade para a prática de es- portes e das demais práticas corporais tematizadas na escola, propondo e produzindo alternativas para utilizá-los no tempo livre. (BRASIL, 2017, p. 237) Por fim, para o ensino médio, não há uma discriminação concreta dos conteúdos a serem abordados dentro da Educação Física, mas sim indicações de competências específicas de Linguagens e suas Tecno- 42 Metodologia do ensino de lutas logias para o ensino médio. Entre as sete competências especificadas, a de n. 5 é a que remete aos cuidados da Educação Física: “compreen- der os processos de produção e negociação de sentidos nas práticas corporais, reconhecendo-as e vivenciando-as como formas de expres- são de valores e identidades, em uma perspectiva democrática e de respeito à diversidade” (BRASIL, 2017, p. 490). Para alcançar o desenvolvimento da competência n. 5, a BNCC indi- ca que sejam trabalhadas as
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