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AULA 6 A AVALIAÇÃO E A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA Profª Tania Mara Grassi 2 CONVERSA INICIAL Vamos conhecer a intervenção psicopedagógica clínica na visão da Epistemologia Convergente, que a denomina processo corretor. Apresentaremos, também, instrumentos de intervenção psicopedagógica utilizados no processo corretor: a Caixa de Trabalho, o Projeto de Aprender, a Caixa de Areia e as Miniaturas, o Material Disparador, Jogos e Brincadeiras e as Oficinas Psicopedagógicas. O objetivo é apresentar os mecanismos de intervenção que compõem o processo corretor na Epistemologia Convergente, de modo a oferecer ao aluno em formação conhecimentos sobre o trabalho psicopedagógico, fundamentado em uma teoria específica, preparando-o para o exercício de uma práxis. Feito isso, encerram-se os nossos estudos sobre avaliação e intervenção psicopedagógica clínica. CONTEXTUALIZANDO No processo corretor, a relação vincular entre o sujeito, o profissional e o conhecimento é de extrema relevância, mais importante, inclusive, do que os recursos materiais ou os instrumentos de intervenção, haja vista tal relação possibilitar as intervenções e as aprendizagens. Durante o processo, é comum o sujeito resistir à tarefa que requer o que lhe falta, que lhe causa ansiedade ou que mobiliza sua dificuldade. Renato, um menino de sete anos, aluno do segundo ano do ensino fundamental, iniciou o atendimento psicopedagógico após o diagnóstico que apontou a desatenção, ansiedade e a impulsividade como elementos que dificultavam sua aprendizagem. Além disso, recebia atendimento fonoaudiológico, haja vista o diagnóstico também apontar alteração no processamento auditivo central. A criança chegava ao consultório trinta minutos antes da sessão e ficava brincando com jogos de encaixe na sala de espera. Era preciso terminar sua brincadeira para, então, entrar na sessão, o que atrasava seu início e a execução da tarefa que compunha o tratamento do garoto. Entrava falante e agitado, demorava para abrir sua caixa de trabalho e retirar o que iria utilizar. Colocava o material sobre a mesa e conversava mais um pouco com o 3 psicopedagogo, o que adiava o início da tarefa – prática comum por parte de Renato. Ao final da sessão, o menino sempre dizia que não concluíra a tarefa, pois o tempo era curto. Guardava na caixa a atividade incompleta e não a finalizava na sessão seguinte. Quais intervenções você acha que o psicopedagogo fez? Quais você faria? Como conduziria o processo corretor? O que faria para quebrar o padrão de comportamento de Renato? O que esse comportamento revela? Reflita e registre suas ideias. TEMA 1 – O PROCESSO CORRETOR E A CAIXA DE TRABALHO A intervenção psicopedagógica é denominada por Visca (2010) como Epistemologia Convergente de Processo Corretor. Segundo o autor, o Processo Corretor é “um conjunto de operações clínicas por meio do qual se facilita o aparecimento e a estabilização de condutas” (Visca, 2010, p. 115). O intuito desse processo é trilhar um caminho em que o psicopedagogo e o sujeito (aprendiz) estabeleçam uma relação cooperativa que possibilite a superação de dificuldades. No processo corretor, são utilizados instrumentos materiais, bem como recursos de intervenção verbais e/ou corporais para que o sujeito tome consciência da pertinência ou não de suas ações — o que, se por um lado, provoca desequilíbrio em um primeiro momento, por outro, mobiliza o paciente a procurar o alcance de equilíbrio e a consequente aprendizagem. Os recursos de intervenção utilizados por Visca (2010) são a mudança de situação, a informação com redundância ou não, a mostra, o modelo de alternativas múltiplas, o acréscimo de modelo, o assinalamento, a explicação intrapsíquica, a interpretação e o desempenho de papéis. Barbosa (2006) acrescenta outras três possibilidades de intervenção, que denominou destaque do comportamento, vivência do conflito e problematização. Tais recursos interventivos podem ser utilizados pelo psicopedagogo em qualquer proposta e com qualquer instrumento. Você deve estar se perguntando o que são esses recursos de intervenção. São formas de o psicopedagogo operar durante as sessões e a realização das atividades ou tarefas pelo sujeito (aprendente/aprendiz), que 4 podem ser verbais e/ou corporais: fala, expressão facial, expressão corporal, gestos. São recursos subjetivos utilizados para provocar desequilíbrio, estimulando ou desafiando o sujeito a alcançar um novo estado. Vamos conhecer melhor tais recursos pelas explicações feitas por seu autor, Visca (2010), que destaca que eles promovem transformações na organização da personalidade do aprendiz por meio de uma mudança em seu entorno. 1.1 Os recursos de intervenção A mudança de situação é a modificação de uma constante do enquadramento, que pode ser em relação ao tempo, ao horário, à frequência etc., de modo a quebrar uma rotina já instalada e alterar hábitos ou comportamentos manifestados automaticamente. A percepção da mudança pode levar o aprendiz à reflexão e ao encontro de alternativas que superem as dificuldades, além de modificar seus comportamentos. Uma criança ansiosa, que costuma chegar ao consultório antes do horário e tocar insistentemente a campainha, foi surpreendida pela abertura da porta, pelo psicopedagogo, antes de ter tempo de tocá-la. Algumas sessões depois, a criança comenta que tocar a campainha poderia atrapalhar e que a abertura da porta antes, pelo psicopedagogo, a fez perceber que ela fazia isso para incomodar o profissional. Quanto à informação, podemos dizer que é um recurso verbal que indica ao aprendiz onde ele pode encontrar auxílio para resolver tarefas ou questões, mas não lhe apresenta respostas, estimula-o a procurá-las. Uma menina conta ao psicopedagogo que está estudando, em História, a vinda da família real portuguesa ao Brasil; diz que não sabe onde fica Portugal e pergunta: “onde fica?”. O psicopedagogo responde: “você pode pesquisar na internet, olhar no mapa ou consultar o livro de geografia ou o de história, que fica no armário, aqui na sala”. Outro recurso de intervenção é a informação com redundância, que nada mais é do que acompanhar a informação com gestos incisivos, uma entonação especial e repetição de palavras que reforcem e facilitem a compreensão. 5 No caso exposto, o psicopedagogo aponta para o mapa, no fundo da sala, e se levanta, aproxima-se do armário onde estão os livros, reforçando suas palavras. Há também a mostra: uma intervenção não verbal, por meio de gestos e de ações, mostradas pelo psicopedagogo sem falar. Eduardo faz uma pintura com tinta guache, colocando o pincel no pote de tinta amarela, depois no de preta e, em seguida, no de branca. O psicopedagogo pega um pincel, coloca-o na tinta amarela, limpa-o no pote de água, enxuga-o com uma toalha de papel e o insere na tinta preta, repetindo a ação, de modo que o aprendiz perceba que o pincel limpo não suja as outras cores de tinta. O modelo de alternativas múltiplas, por sua vez, é uma forma de intervenção que oferece ao sujeito alternativas diferentes, em situações de dependência ou de paralização. Consiste em uma enumeração de alternativas de ações que o sujeito pode executar. Funciona como um desencadeador para as ações do aprendiz diante dos momentos em que se encontra sem saber o que fazer, ampliando possibilidades operativas e de se fazerem escolhas, desenvolvendo progressivamente a sua autonomia. Paula está parada diante de sua caixa de trabalho, olhando para seu interior, mas sem retirar nenhum material. Diz ao psicopedagogo: “não sei o que fazer”. Ele responde: “você pode escrever, desenhar, jogar, pintar, ler ou fazer o que desejar com os seus materiais”. Já o acréscimo de modelo tem por objetivo ampliar as formas de ação que o sujeitojá utiliza, acrescentando elementos novos, por meio dos elementos já conhecidos. Com base em Visca (2010), citamos como exemplo a situação em que uma criança faz um desenho incompleto, um carro sem rodas, e é questionado pelo psicopedagogo: “como seu carro se move?”. O aprendiz pode desenhar as rodas, responder ou não ao psicopedagogo, o que dependerá da estrutura da criança no momento. O assinalamento e a interpretação se relacionam à comunicação incompleta e à completa sobre uma conduta. No assinalamento, há a verbalização por meio de uma parte dos elementos de um segmento da conduta. Na interpretação há a verbalização de um segmento da conduta mediante análise de todos os seus elementos. 6 O exemplo de Visca (2010) ilustra a diferença sutil entre assinalamento e a interpretação: uma paciente adia a realização da tarefa de escrever durante as sessões, conversando ou fazendo outra coisa. O psicopedagogo promove o assinalamento ao perguntar se ela percebe seu atraso em relação à realização da tarefa e o quanto evita fazê-la. Ela se propõe a prestar atenção nisso. Após várias sessões e tarefas, o psicopedagogo faz a interpretação: menciona para a criança o provável medo que ela tem de não conseguir escrever bem, que é exigente, e que possivelmente se esquiva da tarefa por receio de possíveis críticas, razão pela qual não a desenvolve. A explicação intrapsíquica é uma descrição que busca a compreensão dos sentimentos do sujeito, objetiva evidenciá-los diante das tarefas propostas, por meio da fala. Mariana rasgou a folha em que havia feito um desenho. O psicopedagogo disse à menina que ela estava brava, pois não tinha gostado do que havia feito. Outra modalidade de intervenção é o chamado desempenho de papéis. Como o próprio nome evidencia, mudam-se os papéis, isto é, o aprendiz vai se colocar no lugar de outrem, representando um objeto, uma pessoa, um animal, uma situação. Durante as atividades, a criança transporta para o momento presente situações vivenciadas no passado ou que são pensadas para o futuro. Cabe ao psicopedagogo fazer as intervenções durante a atividade. Essa modalidade possibilita revisão, preparação, elaboração, exercício, construção, expressão de sentimentos e ampliação da identidade. Barbosa (2006) completa a lista de recursos desse modelo interventivo com o destaque do comportamento, a vivência do conflito, sua proposição e problematização. No destaque do comportamento, o psicopedagogo aborda o comportamento atual como resultante de um processo evolutivo do aprendiz. Vejamos mais um exemplo: no início do processo de intervenção, Júlia era irrequieta, incomodava todos na sala de espera enquanto aguardava seu atendimento. Após algumas sessões, a garota passou a esperar sentada, desenhando ou montando quebra-cabeças, fato destacado verbalmente pelo psicopedagogo, que recordou com ela como agia antes e o quanto evoluiu positivamente. 7 Na proposição do conflito, o psicopedagogo propõe ao sujeito a responsabilidade pela resolução, isto é, o profissional diz para o aprendiz fazer como quiser, para tentar, para experimentar. Há, também, a chamada vivência do conflito, em que o psicopedagogo deixa o aprendiz vivenciar situações sem que haja intervenções imediatas, de modo que a criança procure sozinha as soluções. Por fim, mediante a problematização o psicopedagogo formula uma questão relacionada às ações e às situações vivenciadas no processo corretor, apresentadas ao sujeito, levando-o a pensar sobre elas. Pode também lhe devolver uma pergunta, para que ele pense sobre e responda. Exemplos: “o que você faria?”, “por que você perdeu?”, “o que poderia fazer para ganhar?”. 1.2 A Caixa de Trabalho A Caixa de Trabalho, desenvolvida por Visca (2010), é uma das constantes do enquadramento, cujo conteúdo possibilita ao sujeito vivenciar o processo de aprendizagem. É um continente em que o aprendiz coloca seus conteúdos que dizem respeito ao “saber” e ao “não saber”. Os objetos nela contidos são utilizados para o desenvolvimento do processo corretor, ou seja, da intervenção psicopedagógica. Ela é única, pois, além de ser utilizada por um aprendiz (ou por um grupo), seus componentes — escolhidos previamente — são específicos para esse sujeito. São selecionados com base no diagnóstico e têm por base as dificuldades de aprendizagem, a faixa etária, o sexo, o nível sociocultural, os interesses, as necessidades, o prognóstico, bem como o nível de pensamento e os vínculos afetivos. Por ser a representação do mundo interno do sujeito, deve ser manipulada apenas por ele, que precisa ter a certeza de que ela não será invadida ou manejada por outras pessoas, e de que nada será acrescentado ou retirado dela, inclusive pelo psicopedagogo. No interior da caixa estão depositados os conhecimentos do aprendiz, seus medos, suas habilidades, suas dificuldades, seus sentimentos, suas angústias, entre outros aspectos, por meio de objetos. Há na caixa instrumentos (tesoura, lápis grafite, lápis de cor, borracha, apontador, régua etc.), material estruturado (jogos, livros, revistas etc.), 8 material não estruturado (argila, massa de modelar, tinta etc.) e material semiestruturado (sucata, cubos de encaixe, miniaturas). Considerando-se as características do sujeito em relação ao funcionamento de seu aprender, os materiais são selecionados. Quando há o predomínio da assimilação, o psicopedagogo deverá escolher um material semiestruturado e vários estruturados. Nesses casos, se forem colocados muitos materiais semiestruturados, tais objetos funcionarão como recursos que dificultam a concentração, pois causam distração e acomodação. Por outro lado, quando há o predomínio da acomodação, como ponto de partida é indicada a escolha de materiais semiestruturados em maior quantidade e apenas um estruturado com regras. Quanto aos critérios para a escolha do material, é interessante colocar na caixa um jogo, um livro e outros materiais que observem tanto a faixa etária do aprendiz quanto o seu nível de desenvolvimento. A seleção deverá ser feita pelo profissional com cuidado, porém, haverá escolhas feitas pelo aprendiz, por meio de seus desejos, necessidades e interesses. Na primeira sessão, o aprendiz recebe a caixa vazia, sem decoração, com o material escolhido e colocado em sacolas, indicando que são novos e, portanto, sem história. É convidado a organizá-la e personalizá-la livremente. Poderá desenhar, pintar, enfim, decorá-la como quiser. Da segunda sessão em diante, a caixa estará no mesmo lugar, conforme deixada pelo aprendiz. Ela poderá estar sobre a mesa, no chão ou dentro do armário. Serão oferecidos os mesmos materiais, mas poderão ser usados de formas diferentes. Assim, passará a fazer parte da história do aprendiz. Durante o processo de encerramento da intervenção, ambos discutem o que será feito com ela. Mudanças, como retiradas ou acréscimos, só podem se efetivar após acordos, considerando os objetivos do trabalho psicopedagógico. Caso acabem, os materiais podem ser repostos. Há a possibilidade de a caixa ser fechada com um cadeado para garantir que ninguém irá utilizá-la além do próprio sujeito. Contudo, a confiança deve ser conquistada pela palavra empenhada nos acordos feitos. 9 Com a Caixa de Trabalho, a atuação psicopedagógica do profissional é efetiva na utilização dos recursos de intervenção, mais do que na escolha das atividades. TEMA 2 – O PROJETO DE APRENDER O outrora chamado Projeto de Trabalho foi desenvolvido por Barbosa (1998) ao longo de sua atuação psicopedagógica. Em 2006, ela mudou sua denominação para Projeto de Aprender. Trata-se de um instrumento de intervenção que parte dos interesses do aprendiz, propiciando conhecimentos sobre como ele aprende e sobre as mudanças necessárias para aprender. O desenvolvimentodo Projeto de Aprender tem seu início com o enquadramento, momento em que acordos são feitos e o sujeito recebe informações sobre o que é o projeto, sobre a importância de partir de seus interesses e de satisfazer seus desejos, o que requer organização e planejamento. A autora organiza o desenvolvimento do Projeto de Aprender em etapas. A primeira é a confecção de um painel sobre o que já foi aprendido, o que se gostou de aprender e o que se deseja aprender. O aprendiz recebe uma folha grande – de cartolina ou de papel bobina –, revistas, canetas hidrográficas, lápis de cor, giz de cera, lápis grafite, caneta esferográfica, cola e tesoura. O psicopedagogo, por sua vez, também faz o seu painel. Depois de prontos, haverá uma conversação sobre eles, sobre as aprendizagens, os gostos, interesses e desejos, elementos em comum e diferenças entre eles. A segunda etapa é a descoberta do que é um projeto, momento em que o aprendiz verá fotos de alguns exemplos desenvolvidos por outras pessoas. O psicopedagogo irá conversar sobre eles, levantará informações sobre suas experiências com o tema, ressaltando a importância do desejo e do processo de aprendizagem, sempre com um vocabulário adequado ao nível de compreensão do aprendiz. Em seguida, é feita a escolha do tema do projeto, ambos conversando e discutindo sobre os gostos, os interesses e os desejos em comum. Parte-se, então, para o planejamento: discutem como o projeto será organizado, qual será o tema, quais materiais serão utilizados, quanto tempo 10 demandará, o que será desenvolvido, para que vai servir, o que será aprendido. Tudo será registrado. Para Barbosa (2012), é nessa etapa que são mobilizados sentimentos e o desejo de agir, em que são promovidos os conflitos cognitivos e os conflitos vinculares, todos fundamentais para a aprendizagem. Executa-se o projeto interdisciplinar, em um número suficiente de sessões, previstas no planejamento. Será uma construção cujo processo se mostra mais importante do que o produto. Há um investimento de tempo, de desejo e de energia. Encerra-se o projeto com a avaliação, em que se verificam os resultados, o processo de construção e as aprendizagens. Há um diálogo, uma reflexão crítica, uma análise e uma reelaboração. A mediação, por parte do psicopedagogo, é que fará do projeto de aprender um instrumento de intervenção. Por meio desse instrumento é possível levar o sujeito a superar suas dificuldades de aprendizagem, conquistar autonomia e integrar pensamento, movimento e sentimento. Criam-se desequilíbrios, mas se estimula o sujeito a buscar o alcance do equilíbrio, que o faz se desenvolver e aprender. O que você acha de desenvolver um projeto de aprender com seus alunos? Experimente e registre os resultados de sua ação. TEMA 3 – JOGOS E BRINCADEIRAS Ao longo do curso, com certeza você teve contato com os brinquedos e com os jogos como recursos psicopedagógicos. Destacamos, agora, sua importância no processo de intervenção psicopedagógica, no espaço da clínica. A ludicidade, linguagem componente de brinquedos e jogos, contribui significativamente para a aprendizagem e para o desenvolvimento do aprendiz que enfrenta dificuldades. As atividades lúdicas têm cinco características estruturantes: prazer funcional, desafio, criação de possibilidades, simbolização e expressão construtiva, segundo Macedo, Petty e Passos (2005). Essas características as tornam instrumentos de intervenção ricos em possibilidades. 11 Para Grassi (2008), o brincar e o jogar, no espaço psicopedagógico, possibilitam um movimento de significação e de ressignificação dos conhecimentos, propiciados pelas intervenções e pela mediação. Vislumbram-se a expressão e a elaboração tanto de pensamentos quanto de sentimentos, o estabelecimento de vínculos positivos com a aprendizagem, bem como o resgate do prazer de aprender, de construir, de desconstruir, de criar, de explorar, de descobrir, de fazer e de interagir. De acordo com Barbosa e Barbosa (2012), durante o processo corretor, podem ser utilizadas as brincadeiras espontâneas que favorecem a apropriação de conhecimentos, a integração de ações e de pensamentos, a expressão de sentimentos, o aumento da autoestima, a vivência da autoria e da autonomia. Além disso, há as brincadeiras disparadoras, escolhidas pelo psicopedagogo, que provocam, no aprendiz, um desequilíbrio que o estimula a agir de modo a alcançar o equilíbrio, a desenvolver funções e habilidades, assim como perceber seus interesses. A escolha do tipo de brincadeira e dos brinquedos é feita pelo profissional, baseada nos resultados da avaliação diagnóstica, da faixa etária, das necessidades do aprendiz, de seus interesses, de suas dificuldades e, também, das mudanças que ocorrem ao longo do processo de intervenção. Por meio do brincar, o sujeito se desenvolve, aprende, organiza seu mundo interno e externo, expressa seus desejos, suas necessidades, seus pensamentos e sentimentos, desenvolve funções psicomotoras e psicológicas superiores, além da atenção e da concentração, conquista segurança, independência e autonomia, e estabelece vínculos, relações, interações competitivas, mas, principalmente, as cooperativas. A brincadeira é mediada pelo profissional, que acompanha o processo interventivo, observa as ações e interações (a dinâmica e a temática), de modo a compreender seu significado simbólico, procedendo às intervenções necessárias. Os jogos oferecem infinitas possibilidades de intervenção durante o processo corretor. Podem ser utilizados com diferentes objetivos e de diferentes maneiras, considerando o nível de pensamento do sujeito e os conhecimentos que ele tem sobre o jogo. O aprendiz pode escolher o jogo, embora o profissional possa selecionar alguns que mobilizem a mesma função, o que direcionará a escolha. 12 Além disso, o psicopedagogo pode escolher um jogo específico para mobilizar determinada função, ação ou sentimento, além de propor a construção de alguns (conhecidos ou novos pelo aprendiz), bem como a modificação de regras de sua estrutura e organização. Fundamental é acompanhar o processo, observando, analisando, mediando e intervindo. Há os jogos de exercício, os jogos simbólicos e os de regras, sendo estes últimos os mais utilizados no processo corretor. Eles desenvolvem no aprendiz as funções necessárias ao processo de aprendizagem, mas é essencial que se mantenha seu caráter lúdico. Para Arceno e Crespo (s. d., citados por Barbosa, 1998), há três momentos em um processo de intervenção psicopedagógica: uma etapa lúdica, cujo objetivo é o estabelecimento de vínculos sem que haja aproximação direta com as dificuldades do aprendiz; uma etapa semirreal, em que se trabalham questões relacionadas às suas dificuldades; e uma etapa real, momento em que o sujeito enfrenta suas dificuldades. Tais etapas podem acontecer na sessão de intervenção ou durante o processo de intervenção. É possível utilizar os brinquedos e os jogos como instrumentos principais de intervenção ou associados a outros como, por exemplo, material disparador na caixa de trabalho, nos projetos de aprender e nas Oficinas Psicopedagógicas. As Oficinas Psicopedagógicas podem compor os três momentos (ou, ao menos, um deles): sensibilização, desenvolvimento e fechamento, como proposto por Torres (2001) e por Grassi (2008), anteriormente estudados. O encaminhamento dado pelo psicopedagogo no trabalho psicopedagógico desenvolvido no processo corretor com jogos é fundamental para que estes se constituam efetivamente como recursos psicopedagógicos, o que acontece por meio da mediação em que atitudes operativas e intervenções subjetivas são feitas. Conhecer os brinquedos e os jogos disponíveis no mercado, bem como suas possibilidades de utilização, vai auxiliá-lo na escolha desses instrumentosde intervenção. Porém, não se esqueça de que você precisa dominar o material, conhecer suas regras e estratégias, saber jogá-lo e, claro, considerar o aprendiz quanto às suas características e necessidades. 13 TEMA 4 – O MATERIAL DISPARADOR O Material Disparador tem por objetivo mobilizar o sujeito para buscar o conhecimento e a aprendizagem. É uma constante do enquadramento. De acordo com Bosse (2012), o Material Disparador é escolhido pelo profissional em função de características, interesses e necessidades do aprendiz, embora não seja de seu uso exclusivo. O Material Disparador é apresentado sobre a mesa, na sessão, juntamente com uma caixa de uso comum que contém lápis grafite, borracha, cola, tesoura, lápis de cor, giz de cera, apontador, canetas hidrográficas e esferográficas, folhas de papel sulfite branco ou colorido, folhas de papel pautado e quadriculado, fita adesiva, entre outros. Você deve estar curioso para saber o que pode ser utilizado como Material Disparador. Uma infinidade de materiais: jogos, brinquedos, fantoches, livros, revistas, tinta, massa de modelar, argila, lã, tecido etc. O fundamental na escolha desse material é considerar o sujeito que vai utilizá-lo, de maneira que seja estimulante para seu processo de aprendizagem. O psicopedagogo apresenta ao aprendiz o material e uma consigna. A consigna orienta-o a utilizar o material como quiser, para que aprenda mais. O profissional irá acompanhar o trabalho, fazer as mediações e as intervenções que compõem o processo corretor. O Material Disparador é constante, ou seja, será colocado sobre a mesa a cada sessão. Quando não estiver mais mobilizando o aprendiz, o psicopedagogo poderá propor sua substituição, perguntando ao aprendiz se concorda com a troca. Além disso, o Material Disparador deve possibilitar a mobilização das estruturas mais complexas de pensamento. Parte-se do nível em que se encontra, colocando em movimento ações, pensamento e sentimento. Observar o processo atentamente orienta o profissional a fazer as intervenções necessárias, principalmente frente às resistências que eventualmente ocorrem. O aprendiz pode, eventualmente, solicitar ou sugerir um disparador. Se for pertinente, o psicopedagogo providenciará em uma próxima sessão. No 14 trabalho com adolescentes, Bosse (2012) sugere como disparador a utilização do material escolar do próprio aprendiz, que poderá levá-lo à sessão. A referida autora inclui nas sessões o conteúdo escolar durante o processo corretor, destacando que o objetivo é ensinar o sujeito a aprender em vez de simplesmente lhe ensinar o conteúdo. Assim, o processo parte das proposições do aprendiz em relação ao conteúdo e ao desenvolvimento da sessão. Selecionar o disparador exige do profissional um vasto conhecimento sobre os materiais, suas possibilidades de utilização e o que mobilizam. É fundamental conhecer os brinquedos e os jogos disponíveis no mercado, dos clássicos às novidades. Além disso, o profissional tem que saber o que eles podem oferecer ao trabalho psicopedagógico, bem como dominar suas estratégias. Também é possível construir com o sujeito os jogos ou modificar os modos de jogar, o que contribuirá significativamente para sua aprendizagem. Trabalhar com o Material Disparador no processo corretor pressupõe considerar e analisar o erro como manifestação das estruturas de pensamento, o que é fundamental no processo de construção do conhecimento. Cabe ao psicopedagogo intervir e mediar, de maneira a levar o sujeito a tomar consciência dos objetivos das tarefas e dos erros cometidos, para que, assim, reveja e compreenda os procedimentos que acarretaram as falhas. Ou seja: por meio da compreensão, superar os reveses, tomar consciência das estratégias utilizadas e de seus resultados. TEMA 5 – A CAIXA DE AREIA E AS MINIATURAS A caixa de areia e as miniaturas se configuram como recursos de intervenção psicopedagógica utilizados no processo corretor, combinados com outros instrumentos. Küster (2012) apresenta esse material e suas possibilidades de utilização no trabalho psicopedagógico clínico, porém como recurso auxiliar, combinado com o chamado Projeto de Aprender e com os jogos. Sugiro a leitura do livro da autora para compreender sua origem e aprofundar seus conhecimentos sobre o tema. 15 Destacamos que não basta conhecê-lo para utilizá-lo: sua utilização requer estudo, pesquisa e, principalmente, uma formação complementar. O material utilizado é uma caixa de madeira, que mede 72 cm por 50 cm, com 7,5 cm de profundidade. Essa caixa deve ser revestida internamente de fórmica impermeável (em função do uso da água) de cor azul, pois remete ao mar ou a um rio. Dentro da caixa há areia fina, peneirada e tratada, a uma profundidade de 3 cm, o que evita que transborde quando manipulada. A caixa é colocada na altura da cintura do aprendiz para facilitar sua utilização e possibilitar ampla visualização. As miniaturas são organizadas em estantes abertas, na sala, classificadas por critérios e colocadas nas prateleiras de acordo com eles. O acesso a elas deve ser fácil. Além disso, devem representar objetos ou figuras agradáveis, bonitas, claras, coloridas, mas também feios, repulsivos, escuros, assustadores. O psicopedagogo deve providenciar uma variedade grande de miniaturas e de acessórios, pois isso fará com que se amplie a possibilidade de representação nos cenários, com riqueza de elementos que simbolizam e expressam os pensamentos/sentimentos do aprendiz. Entre as miniaturas e acessórios, é possível escolher animais, meios de transporte, utensílios domésticos, mobília, personagens, super-heróis, contos de fadas, histórias em quadrinhos, personagens do folclore, pessoas, casas, árvores, palitos de sorvete, bolas de gude, conchas, pedras pequenas, sucata etc. Você pode, progressivamente, ampliar seu acervo de objetos. No trabalho psicopedagógico de intervenção, o sujeito é convidado a brincar com as miniaturas e os acessórios, compondo cenas na caixa de areia para simbolizar, expressando conteúdos internos por meio dos cenários produzidos. É construído um espaço de criação, organização, autoria e autonomia – aspectos importantes para o processo de aprendizagem. Os cenários criados são registrados em fotografias, que são arquivadas em um álbum, mantidas na caixa de trabalho ou armazenadas na pasta do aprendiz. Essas fotos podem ser vistas por ele e pelo psicopedagogo, possibilitando análise, reflexão e conversação sobre as construções e o processo de aprendizagem. 16 O cenário criado simboliza questões específicas do aprendiz, e seus elementos se tornam compreensíveis para o psicopedagogo à medida que forem estabelecidas relações com a história de vida daquele. O aprendiz produz uma história sobre o cenário criado, que pode ser registrada por ele ou pelo psicopedagogo, e que será arquivada para utilização posterior e para análise. O psicopedagogo direciona seu olhar e sua escuta para a dinâmica e para a temática durante a construção do cenário e da história, analisando-os. A construção feita pelo sujeito não é desmontada em sua presença. Küster (2012) afirma que isso romperia o vínculo e desvalorizaria o processo de criação. Ao longo do processo corretor com a caixa de areia e as miniaturas, o aprendiz evolui em termos de organização, planejamento, criação, produção, estruturação e aprendizagem, o que é possível pela expressão simbólica que esse recurso possibilita. FINALIZANDO Vimos, nesta aula, o Processo Corretor, modalidade de intervenção da Epistemologia Convergente, de Visca (2010). Conhecemos os recursos de intervenção utilizados pelo psicopedagogo ao longo do referido processo, que se configuram em formas operativas de intervir. Apresentamos os instrumentos de intervenção psicopedagógica clínicaque podem ser utilizados de modo combinado durante o processo de intervenção. Conhecemos a Caixa de Trabalho e sua importância no processo corretor; o Projeto de Aprender, que requer planejamento e organização, contribuindo para a aprendizagem e autonomia; sobre os brinquedos e jogos nas sessões e nas Oficinas Psicopedagógicas, fomentadores da apropriação de conhecimentos, expressão de pensamentos e sentimentos, resgate do prazer de aprender. Estudamos o Material Disparador, cujo objetivo é mobilizar o aprendiz a buscar o conhecimento e a aprendizagem, e a caixa de areia e as miniaturas, com as quais o aprendiz brinca, constrói cenários e elabora histórias sobre 17 eles, o que permite expressar simbolicamente conteúdos internos e estruturas de pensamento. LEITURA OBRIGATÓRIA Texto de abordagem teórica Artigo “Componentes Materiais do Jogo de Areia: Revisão Crítica”, de Rodrigo Manoel Giovanetti e Paulo Afrânio Sant’Anna. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v30n1/11.pdf>. Acesso em: 18 set. 2018. Os autores abordam o jogo de areia, apresentando sua origem, materiais e utilização na clínica psicológica junguiana. Leitura interessante para o psicopedagogo, pois a psicopedagogia se fundamenta nesse jogo para desenvolver a intervenção com a caixa de areia. Texto de abordagem prática Artigo “Diagnóstico psicopedagógico: uma experiência vivida no espaço de formação do curso de psicopedagogia”, de Anete Maria Busin Fernandes. Disponível em: <http://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/140/diagnostico- psicopedagogico--uma-experiencia-vivida-no-espaco-de-formacao-do-curso-de- psicopedagogia>. Acesso em: 18 set. 2018. A autora aborda a utilização do jogo de areia no curso de psicopedagogia, enquanto instrumento de diagnóstico e de intervenção. Leitura importante para o aluno do curso de psicopedagogia. Saiba mais Entrevista sobre “Sandplay – Jogo de areia na infância, adolescência e fase adulta”, com Edna Levy. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=I1oOp7PlF3g>. Acesso em: 18 set. 2018. Edna Levy apresenta o jogo de areia, bem como sua utilidade nas diferentes fases do desenvolvimento. http://www.scielo.br/pdf/ptp/v30n1/11.pdf 18 Vídeo que apresenta imagens da caixa de areia/jogo de areia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mQ-60COUNAM>. Acesso em: 18 set. 2018. 19 REFERÊNCIAS BARBOSA, H. M. S.; BARBOSA, L. M. S. Atenção psicopedagógica por meio do jogo e da brincadeira. In: BARBOSA, L. M. S. (Org.). Intervenção psicopedagógica no espaço da clínica. Curitiba: InterSaberes, 2012. BARBOSA, L. M. S. Projeto de trabalho: uma forma de atuação psicopedagógica. Curitiba: L. M. S. Barbosa, 1998. _____. A psicopedagogia e o momento de aprender. São José dos Campos: Pulso, 2006. _____. (Org.). Intervenção psicopedagógica no espaço da clínica. Curitiba: InterSaberes, 2012. BOSSE, V. R. P. O material disparador. In: BARBOSA, L. M. S. (Org.). Intervenção psicopedagógica no espaço da clínica. Curitiba: InterSaberes, 2012. CARLBERG, S. Caixa de trabalho. In: BARBOSA, L. M. S. (Org.). Intervenção psicopedagógica no espaço da clínica. Curitiba: InterSaberes, 2012. GRASSI, T. M. Oficinas psicopedagógicas. Curitiba: Ibpex, 2008. KÜSTER, S. A caixa de areia e as miniaturas como recurso de intervenção psicopedagógica. In: BARBOSA, L. M. S. (Org.). Intervenção psicopedagógica no espaço da clínica. Curitiba: InterSaberes, 2012. LOPES, S. V. de A. O processo de avaliação e intervenção em psicopedagogia. Curitiba: Ibpex, 2004. MACEDO, L. de; PETTY, A. L. S; PASSOS, N. C. Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005. VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. São José dos Campos: Pulso, 2010.
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