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Assunto Curso GDE Curso GDE Apresentação Módulo V - Tutores Apresentação Módulo V - Alunos Profa. Cynthia Cassoni Apresentação Módulo VI - Tutores Profa. Cynthia Cassoni Apresentação Módulo VI - Alunos http://webconferencia.sead.ufscar.br/p4eg4z9i0f4/ http://webconferencia.sead.ufscar.br/p5p8ky9y4ar/ http://webconferencia.sead.ufscar.br/p5acmf2gac1/ Prof. Paulo Alberto dos Santos Vieira http://webconferencia.sead.ufscar.br/p9sp4po4ptc/ WebConferências Gênero e Diversidade na Escola - GDE Nome Professor Link Etapa 3 http://webconferencia.sead.ufscar.br/p4b9ag1vlln/Prof. Paulo Alberto dos Santos Vieira Prof. Jorge Leite Júnior Prof. Jorge Leite Júnior http://webconferencia.sead.ufscar.br/p92tkyszjei/ http://webconferencia.sead.ufscar.br/p5p8ky9y4ar/ http://webconferencia.sead.ufscar.br/p5acmf2gac1/ http://webconferencia.sead.ufscar.br/p9sp4po4ptc/ http://webconferencia.sead.ufscar.br/p4b9ag1vlln/ DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO: OUTROS APRENDIZADOS UFSCar – Universidade Federal de São Carlos Reitor Targino de Araújo Filho Vice-Reitor Adilson J. A. de Oliveira Pró-Reitora de Graduação Claudia Raimundo Reyes SEaD – Secretaria de Educação a Distância Secretária de Educação a Distância – SEaD Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali Coordenação UAB-UFSCar Daniel Mill Coordenação SEaD-UFSCar Daniel Mill Glauber Lúcio Alves Santiago Joice Otsuka Marcia Rozenfeld G. de Oliveira Sandra Abib EdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos Conselho Editorial Ana Claudia Lessinger José Eduardo dos Santos Marco Giulietti Nivaldo Nale Roseli Rodrigues de Mello Rubismar Stolf Sergio Pripas Vanice Maria Oliveira Sargentini Oswaldo Mário Serra Truzzi (Presidente) Richard Miskolci Jorge Leite Júnior (organizadores) São Carlos, 2014 DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO: OUTROS APRENDIZADOS © 2014, Secadi/MEC, dos autores Supervisão Douglas Henrique Perez Pino Revisão Linguística Clarissa Galvão Bengtson Daniel William Ferreira de Camargo Paloma Argemira da Silva Paula Sayuri Yanagiwara Rebeca Aparecida Mega Editoração Eletrônica Izis Cavalcanti Ilustração Vagner Serikawa Capa e Projeto Gráfico Izis Cavalcanti Apoio Secadi/MEC O objetivo desta obra é o de servir como apoio didático aos cursos oferecidos pela UFSCar. Seu conteúdo está reproduzido conforme solicitado pelo(s) autor(es), sem nenhuma interfe- rência do Conselho Editorial da EdUFSCar. Universidade Federal de São Carlos Editora da Universidade Federal de São Carlos Telefax: (16) 3351-8137 Via Washington Luís, km 235 . CEP: 13565-905 . São Carlos, SP . Brasil http://www.editora.ufscar.br . E-mail: edufscar@ufscar.br . Twitter: @EdUFSCar SUMÁRIO CAPÍTULO 1: Diferenças na Escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Anna Paula Vencato Unidade 1 – Diferenças na sociedade e na escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 2 – O respeito às diferenças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 3 – Bullying ou assédio escolar: um problema que afeta todo mundo . . . Unidade 4 – Como lidar com as diferenças no cotidiano escolar? . . . . . . . . . . . . . Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CAPÍTULO 2: Religiosidades e Educação Pública . . . . . . . . . . . . . . Tiago Duque Unidade 1 – Estabelecendo o diálogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 2 – Viva a nossa diferença cultural religiosa! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 3 – Se somos diversos, por que não aceitar as nossas diferenças? . . . . . . . Unidade 4 – E agora? Por onde começar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CAPÍTULO 3: Desfazendo o gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Larissa Pelúcio Unidade 1 – Gênero ou gêneros? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 2 – Gênero na escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 3 – Gênero na mídia – e a escola com isso? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 4 – Atividades propostas – dicas, sugestões e mais questões . . . . . . . . . . Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CAPÍTULO 4: Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Fernando de Figueiredo Balieiro Eduardo Name Risk Unidade 1 – O regime de (in)visibilidade da sexualidade na educação escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 2 – Casa-grande & senzala: o modelo heterorreprodutivo nacional e suas dimensões históricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 3 – Aspectos da heteronormatividade contemporânea . . . . . . . . . . . . . . Unidade 4 – Por uma pedagogia questionadora e democrática . . . . . . . . . . . . . . . Rerefências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CAPÍTULO 5: Pela desracialização da experiência: discurso nacional e educação para as relações étnico-raciais . . . . . . . . . . Paulo Alberto dos Santos Vieira Priscila Martins Medeiros Unidade 1 – Primeiras aproximações ao tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 2 – Raça e a questão nacional no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Unidade 3 – Educação para as relações étnico-raciais: os marcos legais e os resultados de uma década . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Agradecimentos Diferenças na Educação: outros aprendizados surgiu graças à experiên- cia acumulada no oferecimento de três edições do curso Gênero e Diversi- dade na Escola, na modalidade a distância, pela SEaD-UFSCar em parceria com o MEC, a SECADI e o grupo de pesquisa Corpo, Identidades e Subjeti- vações do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Agradecemos às(aos) companheiras(os) que coordenaram os módulos durante as últimas edições: Anna Paula Vencato, Karla Bessa, Larissa Pelúcio, Paulo Alberto Santos Vieira, Priscila Martins Medeiros e Cynthia Cassoni. Além deles, um conjunto grande de pessoas contribuiu para o sucesso do curso em suas sucessivas edições, e, ainda que não tenhamos como men- cioná-las uma a uma, sublinhamos nossa gratidão ao trabalho de todos(as) os(as) tutores(as) e técnicos(as) administrativos(as). Agradecemos em especial ao trabalho de Thamara Jurado na coordena- ção executiva das duas últimas edições, uma profissional séria, sagaz e cujo talento como educadora ainda lhe trará grandes conquistas. Nossa gratidão se estende a Josiane Peruci, cuja competênciaexemplar frente à secretaria – desde a primeira vez que ofertamos o curso – foi fundamental também para a existência deste livro, um material de referência que pretende ser um legado para intentos educacionais futuros. Agradecemos à Secretaria Geral de Educação a Distância da UFSCar (SEaD – UFSCar), ao Ministério da Educação (MEC) e à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) por toda estrutura e apoio ao curso Gênero e Diversidade na Escola (GDE). Por fim, dedicamos este livro às(aos) educadoras(es) brasileiras(os) que têm se dedicado ao aprimoramento em questões que envolvem as diferenças e os direitos humanos. O comprometimento político dessas mulheres e homens na construção de uma sociedade mais democrática e justa nos inspirou. Richard Miskolci e Jorge Leite Júnior Departamento de Sociologia da UFSCar Introdução: outros aprendizados Richard Miskolci Jorge Leite Júnior Thamara Jurado Diferenças na Educação: outros aprendizados originou-se da experiência acumulada no oferecimento de três edições do curso Gênero e Diversidade na Escola (GDE) da UFSCar. Trata-se, portanto, de um livro originado da prá- tica e da experiência e que pretende ser um guia claro para compreender o que são diferenças religiosas, de gênero, sexuais e étnico-raciais. Compre- ender para atuar profissionalmente, daí prover, além de teoria, exemplos e reflexões, também propostas de atividades em sala de aula. O objetivo da obra é ser referência para a formação de educadores(as) do ensino básico e médio – ou mesmo para seu aperfeiçoamento – em temas fundamentais para o ensino e a escola contemporâneos. Historicamente, o que hoje chamamos de diferenças e reconhecemos como parte importante da vida social já foi encarado como algo a suprimir, corrigir ou normalizar. A prática do assédio moral escolar, também conhecido como bullying, era a marca da experiência educacional para a maioria das pessoas até recente- mente. Faz poucos anos que passamos a reconhecer que o assédio escolar é uma violência, porque também faz poucos anos que nossa sociedade se tornou democrática. Em termos internacionais, a preocupação em como lidar com diferenças sociais gerou uma corrente teórica e política conhecida como multiculturalis- mo. Ele surgiu a partir de fins da década de 1980 e encontrou suas principais formulações na seguinte, dentre as quais estão o conceito de diversidade cultural e a problemática do reconhecimento. Nessa perspectiva, as socie- dades poderiam reconhecer sua heterogeneidade desde que mantivessem 10 | Diferenças na Educação: outros aprendizados as diferenças em harmonia. O multiculturalismo e o conceito de diversidade sofreram fortes críticas por se basearem em uma concepção de cultura frágil e sem dinamismo. Tais críticas também denunciaram como a diversidade busca mascarar os conflitos por meio de uma compreensão horizontal das relações de poder. Sim, cara leitora e caro leitor, nessa perspectiva todos podem ser aceitos desde que “cada um em seu quadrado”. Como pessoas diferentes poderiam ser reconhecidas em suas singula- ridades culturais e viver sem modificar umas as vidas das outras? Isso não é possível, daí as abordagens críticas do multiculturalismo e da diversidade proporem o conceito de diferenças, uma compreensão de que elas modi- ficam (positivamente) a vida social assim como sua existência pode gerar conflitos (já que as relações de poder se dão entre pessoas com acesso dife- rencial ao poder), mas também diálogos enriquecedores e a democratização da vida social. Conscientes sobre esse debate, desde a primeira edição do GDE-UFS- Car em 2009, nossa abordagem buscou superar a perspectiva da diversida- de pela da diferença. Ou seja, buscamos ir além da visão multiculturalista centrada na tolerância da diversidade e aprimorar a perspectiva crítica das diferenças e seu poder de transformação social. Acreditamos que mais do que tolerar a diversidade podemos reconhecer e aceitar a diferença em um diálogo aberto e criativo. Na perspectiva das diferenças, compreendem-se as relações de poder de forma mais dinâmica e a sociedade como inerentemente um espaço de divergência entre diferentes perspectivas e valores. Surge assim o principal desafio de lidar com as diferenças: compreender que isso é uma das carac- terísticas das sociedades democráticas e que as divergências podem tanto apontar para o conflito como para um diálogo criativo e transformador. No contato com as diferenças podemos – inicialmente – estranhar alguém, mas também reconhecer nesse encontro algo positivo: a chance de aprender. Apostamos na possibilidade de fazer do encontro com a alteridade uma ex- periência positiva e transformadora para todos(as). Um pouco sobre o GDE/UFSCar e sua importância para a criação deste livro O curso Gênero e Diversidade na Escola na UFSCar começou com uma edição em 2009 que formou mais de 900 professores(as), coordenadores(as) pedagógicos(as) e gestores(as). Nessa edição, o objetivo foi desenvolver um projeto de sensibilização desses(as) profissionais da educação para o tema Introdução: outros aprendizados | 11 das diferenças no espaço escolar, e as atividades priorizaram debates reali- zados em fóruns de interação e a confecção de produções individuais. Na edição seguinte, em 2012, foram feitas algumas alterações, e, além de sensibilizar o público-alvo para a importância da temática, o curso tornou-se avaliativo. Como na oferta anterior as atividades planejadas ficaram centra- das em ferramentas de fórum e tarefa individual, em 2012 a proposta inicial para todos os módulos era diversificar as ferramentas, utilizando todas as possibilidades do ambiente virtual de aprendizagem. Os problemas enfrentados no curso foram identificados durante as reu- niões periódicas que eram realizadas com os(as) professores(as) do módulo em curso, tutores(as) virtuais, coordenação de tutoria e supervisão acadê- mica, com objetivo de dialogar a respeito das dificuldades encontradas na aplicação do curso. Questões como o excesso de ferramentas, leituras e ati- vidades foram observadas e discutidas nesses encontros, de tal modo que as observações a respeito de cada módulo serviram para propor alterações no módulo seguinte, quando necessário. Essa experiência demonstrou a importância do diálogo frequente en- tre todos(as) os(as) envolvidos(as) no processo de ensino e aprendizagem. Como os(as) tutores(as) permanecem em contato direto com os(as) cursistas, acompanhando o desenvolvimento de cada atividade, identificam as suas dificuldades rapidamente e podem trazer contribuições contundentes para que professores(as) coordenadores(as) dos módulos revejam o conteúdo proposto e promovam alterações, quando necessário. Esse diálogo foi fun- damental para a execução de um curso mais dinâmico e atento às necessi- dades e expectativas dos(as) estudantes, considerando suas dificuldades na realização do planejamento elaborado. Esses encontros periódicos auxiliaram a construção de uma proposta pedagógica participativa, capaz de reconsiderar o objetivo de cada módu- lo, rever o planejamento de atividades a partir de discussões coletivas. Ao compartilhar os resultados de cada etapa, foi possível abordar e identificar os problemas que estavam sendo enfrentados e as possibilidades de solu- ção, dividindo as experiências de todos(as) os(as) envolvidos(as) e, ao mes- mo tempo, definindo as responsabilidades individuais e coletivas a serem assumidas para que fosse possível chegar ao objetivo comum. Na edição de 2013, a mesma estrutura dialógica foi mantida com as reuniões periódicas realizadas no início e no fechamento de cada módulo. As situações enfrenta- das na edição anterior contribuíram para a elaboração de um planejamento 12 | Diferenças na Educação: outros aprendizados mais condensado e objetivo, priorizando ferramentas que os(as) cursistas demonstraram mais domínio. Nas três edições do GDE, os(as) professores(as),coordenadores(as) pedagógicos(as) e gestores(as) que participaram do curso como cursistas apresentaram várias questões que evidenciaram, primeiro, uma dificuldade em relacionar os textos discutidos nos módulos com o cotidiano em sala de aula, não sabiam como aplicar aquele conteúdo e, segundo, uma re- sistência para discutir alguns temas. Por isso, as estratégias pedagógicas utilizadas no curso foram tão importantes para lidar com as dificuldades apresentadas. O curso abre espaço para o questionamento e a problematização de comportamentos, falas e gestos naturalizados e que perpetuam as desigual- dades instituídas na escola. Longe de ser um espaço neutro, é também na instituição escolar que o apagamento das diferenças se concretiza nessas falas e gestos discriminatórios e excludentes. Uma concretização presente não apenas nas conversas informais entre estudantes, mas também na for- malidade das regras e normas escolares, do currículo utilizado, da proposta pedagógica, dos planejamentos das aulas etc. Ao problematizar todo esse cenário, reações diversas vieram à tona, e, nesse processo, muitas vezes o tom do(a) estudante demonstrava a dificul- dade em falar de algo que exigia uma transformação interna. Docentes e tutores(as) trabalharam incansavelmente propondo novas questões e pro- blematizando a partir de situações vivenciadas no cotidiano escolar trazidas pelos(as) cursistas. As indicações audiovisuais, artísticas e literárias representaram uma possibilidade de sensibilização dos(as) estudantes muito importante, des- pertando para questões imperceptíveis até então. Os filmes, especialmente, foram recursos riquíssimos, que não apenas proporcionaram inquietações, mas foram capazes de estabelecer uma relação entre a prática docente e as discussões teóricas realizadas. A sensibilização como estratégia de formação para professores(as), coordenadores(as) e gestores(as) proporcionou questionamentos e reflexão a respeito de como as diferenças estavam sendo vivenciadas em sala de aula; professores(as) chegaram a relatar como essas discussões tinham modifica- do desde pequenos gestos com seus(suas) alunos(as) até o planejamento de atividades e suas propostas em reuniões da escola. Introdução: outros aprendizados | 13 Os aportes teóricos de cada módulo representaram uma das dificulda- des enfrentadas pelos(as) cursistas que não estavam familiarizados(as) com esse arcabouço teórico. Além do livro Marcas da Diferença no Ensino Esco- lar, edição de 2010, resultado do GDE-2009, outras bibliografias foram utili- zadas nas atividades propostas, propiciando uma discussão teórica capaz de problematizar como as diferenças foram constituídas, institucionalizadas, negadas ou reconhecidas. Sem dúvida, a primeira edição do Marcas da Diferença no Ensino Esco- lar condensou uma discussão muito próxima da realidade escolar e, desse modo, contribuiu para estabelecer a relação entre o cotidiano e a discussão teórica. As propostas de atividades apresentadas no livro, assim como as in- dicações audiovisuais, artísticas e literárias de cada capítulo, demonstraram a concretização de algumas das questões discutidas ao longo dos módulos. Ainda assim, durante o curso, no momento de problematizar essa dimen- são histórica, cultural e social discutida teoricamente nas referências utiliza- das, muitos(as) cursistas apresentavam uma certa resistência e dificuldade. Nesse percurso, surgiram trechos retirados das mais diferentes referências bibliográficas encontradas em rápidas pesquisas na internet, frases cons- truídas com palavras-chave que eram recortadas dos textos de referência e repetidas em todas as postagens etc. Por isso, estabelecer a relação entre a prática docente e os recursos teórico-metodológicos apresentados aos(às) professores(as) nesses textos era uma das tarefas mais importantes da equipe de tutoria virtual tanto na mediação das atividades de discussão quanto na elaboração do feedback das atividades individuais. A grande questão na mediação dos fóruns era como propiciar uma am- pla discussão capaz de levar a uma modificação significativa da prática do- cente, considerando os desafios da escola nesse processo. E, nesse ponto, as estratégias pedagógicas debatidas nas reuniões periódicas auxiliaram a condução de modo que fosse possível contribuir para o aprofundamento das leituras teóricas e, ainda, propor questões capazes de fomentar a rela- ção com a prática docente, tão solicitada pelos(as) professores(as). Com um acompanhamento diário, os fóruns foram mediados com postagens diárias dos(as) tutores(as), procurando problematizar os textos e trazendo novas questões que auxiliassem a reflexão de cada tema. Outro aspecto fundamental foi o surgimento de argumentos religiosos para justificar muitas postagens. A discussão da religião permeou o curso 14 | Diferenças na Educação: outros aprendizados todo, especialmente nas edições de 2012 e 2013. Em todos os módulos, apareceram posicionamentos religiosos fundamentando as argumentações dos(as) cursistas. Diante do volume das questões que surgiram, este novo livro traz um capítulo para discutir a questão da religião. Sem dúvida, não foi uma tarefa fácil para professores(as), gestores(as) e coordenadores(as) pedagógicos(as) repensarem suas falas, gestos e ativida- des pedagógicas já tão sedimentadas no universo escolar. Mas todo esse trabalho demonstrou que esse caminho foi possível, e é possível. Os(as) cur- sistas concluem o curso com outro olhar, mais crítico, mais atento e disposto a repensar. Tornam-se multiplicadores por apresentarem aos(às) seus(suas) alunos(as) gestos e falas que contribuem para a desconstrução de hierar- quias e desigualdades no que se refere a gênero e sexualidade, raça e etnia. E munidos desse novo olhar voltam para as salas de aula e para as escolas em que atuam levando novas propostas, mesmo sabendo que nem sempre serão acolhidas. São tímidas as propostas de intervenção, seja na sala de aula ou na escola como um todo, mas, ao colocarem um por que?, mas e se fosse assim?, ao questionarem precisa mesmo fazer fila de meninas e meninos? em reuniões pedagógicas, nos corredores da escola, nas conversas com outros(as) professores(as) e em sua prática diária, já estão, de alguma maneira, proble- matizando esse universo e multiplicando o que o GDE semeou. É dessa experiência que surgiu a necessidade de um novo livro-base para o GDE, mais atualizado conceitualmente e, principalmente, mais em- basado nas vivências tanto da equipe do GDE quanto na dos(as) cursistas. Um livro que, esperamos, também sirva para outras iniciativas didáticas por todo o Brasil. Estrutura do livro Diferenças na Educação: outros aprendizados se inicia com um capítu- lo sobre Diferenças que esmiuçará esse conceito, apresentará exemplos, discutirá com muito cuidado e em detalhe as dificuldades, mas também os ganhos indiscutíveis que uma educação mais democrática e transformado- ra traz para educadores(as) e educandos(as). Anna Paula Vencato mostra como a própria ideia do que pode ou não ser considerado “diferença” é uma criação cultural que não apenas pode variar de época para época e de grupo para grupo como, principalmente, está envolta em relações de poder. Que forças e valores sociais definem o que é ou não “diferente”? Introdução: outros aprendizados | 15 Como isso ocorre? Por que muitas vezes a escola transforma diferenças em desigualdades? Aqui também é tratada a questão do bullying, mostrando como ele não é apenas um caso isolado de algum “aluno problema”, mas que o bullying pertence antes de tudo a uma dinâmica escolar específica que propicia seu surgimento e garante sua continuidade, tanto através da violência de “brincadeiras” ofensivas por parte dos(as) alunos(as) quanto da vista grossa ou mesmo descaso por parte dos(as) professores(as) e funcionários(as) da escola. Como já afirmado anteriormente, durante esses anos de GDE, todas as pessoas envolvidasno curso (tutores(as), professores(as), supervisores(as) e coordenadores(as)) perceberam que o tema da religião estava não apenas presente, mas, a cada edição, aumentava a demanda por sua discussão. Dessa forma, resolvemos incluir neste livro o cada vez mais importante de- bate sobre religião e suas interfaces com as diferenças, especialmente em relação a gênero, sexualidade e relações étnico-raciais. Tiago Duque, autor desse segundo capítulo, discute questões como a pluralidade religiosa, a religião na sala de aula em um Estado laico e o contínuo cuidado que deve- mos ter para que a religiosidade de cada um não se transforme em opressão e discriminação do outro. Afinal, dentro de nossa perspectiva de direitos humanos e respeito às diferenças, devemos lembrar que não existem religiões “superiores” ou “verdadeiras” e que o Estado laico é aquele que não deve se associar a ou privilegiar alguma religião específica, para poder garantir, assim, a livre expressão de qualquer credo religioso. Como o tema deste capítulo (a reli- giosidade) perpassa todos os outros eixos do livro (diferenças, gênero, se- xualidade e relações étnico-raciais), as atividades nele sugeridas podem ser usadas também com as atividades dos demais capítulos. No terceiro capítulo, Larissa Pelúcio nos leva a problematizar o conceito de gênero. Além de historicizá-lo, a autora nos mostra que, se o gênero é uma construção cultural variável, que diz o que significa ser “homem” ou “mulher” e como devemos nos portar e literalmente “encarnar” o tal “masculino” e o “feminino” através de jeitos e trejeitos – ou seja, se esta- mos constantemente “fazendo gênero” –, também podemos “desfazer” o gênero, pois as construções sociais não são eternas nem têm a obrigação ou necessidade de ser. Se determinados aspectos do que chamamos de gênero são (ainda) hoje causas de desigualdade e preconceito, podemos – e 16 | Diferenças na Educação: outros aprendizados devemos – desconstruir isso que causa opressão e discriminação. É nesse sentido que não podemos nos esquecer de que, se determinadas visões de gênero consideram o feminino e o masculino como “opostos complemen- tares”, muitas vezes essas visões suprimem o quanto essa relação é hierar- quizada e desigual, com o polo feminino ainda hoje sendo tratado como subalterno, inferior e mais vulnerável à violência do masculino. Pelúcio também nos mostra como essas visões estereotipadas sobre o ho- mem e a mulher, o masculino e o feminino estão presentes na mídia, gerando uma pedagogia de gênero que se estende muito além dos muros e discursos escolares (essa temática da mídia também será trabalhada no capítulo se- guinte). Afinal, a escola que queremos é aquela que reproduz irrefletidamente valores opressores ou aquela que questiona e ajuda a mudar esses valores? As sugestões de atividades deste capítulo são amplas e instigantes, podendo ser usadas em sala para discutir não apenas gênero, mas também sexualida- de (tema aprofundado no capítulo seguinte), graças ao íntimo diálogo entre esses dois temas. Fernando de Figueiredo Balieiro e Eduardo Name Risk apresentam o quarto capítulo, sobre sexualidade. Ressaltando a importância de não se so- brepor gênero e sexualidade, é apresentado o caráter histórico da noção de heterossexualidade como algo “normal”, “natural” e “neutro”, em cima da qual as outras orientações, práticas ou desejos sexuais seriam vistos como “desvios”. Outro ponto importante trabalhado é o descaso com que a nossa sociedade em geral – e a escola brasileira em particular – lida com a vio- lência direta e indireta sofrida por pessoas que não se encaixam no padrão heteronormativo, muitas vezes culpabilizando a vítima pelos ataques so- fridos. Aqui, tocamos em um dos objetivos centrais deste livro: ajudar a sensibilizar e mudar as atitudes (quase de descaso) frente a essas situações cotidianas de violência, através da reflexão escolar. Paulo Alberto dos Santos Vieira e Priscila Martins Medeiros, ao discutirem relações étnico-raciais no quinto capítulo, nos apresentam um importante foco sobre esse tema: como o processo de racialização criou a “questão do negro” ou a “questão do índio” enquanto a branquitude foi tomada como um elemento “neutro” e não problematizado. Nesse sentido, não apenas o ne- gro, o branco ou o índio devem ser discutidos mas, principalmente, o proces- so ideológico de branqueamento, que mesmo indiretamente ainda persiste em nossa sociedade. Paulo e Priscila também nos mostram os avanços des- sas discussões na educação brasileira, através da Lei 10.639/03. Introdução: outros aprendizados | 17 Todos os capítulos trazem as discussões para a realidade da sala de aula brasileira. Eles se iniciam com uma "visão geral" do que será apresentado e estão divididos em unidades que, gradualmente, vão se aprofundando em cada tema trabalhado. Todos também possuem boxes explicativos dos conceitos mais importantes e dão indicações fílmicas e bibliográficas, tan- to para se aprofundar no assunto quanto para serem trabalhadas em sala. Da mesma forma, os capítulos podem ser lidos em sequência ou separada- mente, pois a estrutura do livro permite que os temas sejam trabalhados em conjunto ou de maneira independente. Desejamos a todos(as) uma ótima leitura e boa aula! 1 Diferenças na Escola Anna Paula Vencato A proposta deste capítulo é operacionalizar a problemática das diferen- ças no contexto escolar. Ou seja, na construção de uma escola que esteja aberta a todas as pessoas e que garanta não apenas o acesso, mas a per- manência e a garantia de aprendizagem a todas as pessoas. Uma educação para a igualdade deve se pautar pela construção de relações de respeito entre aqueles(as) que estão nesse espaço, as quais devem primar pelo re- conhecimento do outro como agente e sujeito de uma prática pedagógica transformadora. Nesse sentido, propomos aqui deixar de lado nossas verdades e pre- conceitos e ver o outro com um olhar que o perceba, assim como às suas histórias de vida e lógicas culturais como fundamentais para o processo de construção coletiva do conhecimento a que a escola se propõe a fazer. Para atingir o objetivo deste texto, optamos por encadear a discussão a partir dos seguintes temas: (1) Diferenças na sociedade e na escola; (2) O respeito às diferenças; (3) Bullying ou assédio escolar: um problema que afeta todo mundo; e (4) Como lidar com as diferenças no cotidiano escolar? Nessas unidades contaremos com uma discussão acerca do conceito de diferenças e como ele impacta a vida social e a escola, discutimos a ques- tão das desigualdades e violências, pensando em especial na questão do bullying, algo que hoje permeia muitos dos discursos sociais preocupados com o cotidiano escolar, e, por fim, nos dedicamos a pensar em estratégias de como abordar as diferenças no cotidiano escolar. 20 | Diferenças na Educação: outros aprendizados UNIDADE 1 Diferenças na sociedade e na escola Se alguém nos perguntar, podemos nos deter por muitas horas contando várias coisas sobre a escola ou nossas vidas escolares. Algumas memórias de nossas escolarizações são alegres, outras não. Todos(as) nós temos histórias para contar acerca dos anos em que passamos em sala de aula, sobre cole- gas, professores(as), o recreio, a educação física. De fato, passamos muito tempo na escola. Ela faz parte do cotidiano de nossa infância e adolescência, e, quando professores(as) ou pais e mães, da vida adulta. Assim, é possível afirmar que a escola suscita muitas memórias à maioria de nós. Em geral, as memórias que temos da escola contemplam tanto aspec- tos positivos quanto negativos desta experiência: ao mesmo tempo, essa instituição nos traz memórias da construção de amizades, de descobertas e aprendizagens, assim como de alegrias e, por outro lado, de violências, exclusões, autoritarismo e desapontamento. Sabemos que a escola é uma instituição e que está inserida em um dado contexto social. Isso implica dizerque muitas das regras não explícitas e explícitas dos comportamentos, dos conteúdos, das avaliações etc. que en- contramos dentro de uma escola refletem questões sociais mais amplas que encontramos no mundo, no país, estado, cidade, bairro e no entorno do prédio/terreno em que ela funciona. Contraditoriamente, essa mesma instituição que se molda a partir das regras sociais, ou seja, de regras que emanam da sociedade e nela circulam, é pouco ou nada permeável às diferenças sociais e culturais que são trazidas para dentro de seus recintos por alunos e alunas, professoras e professores, funcionários e funcionárias, gestoras e gestores, pais e mães. Reconhece-se que há uma série de singularidades trazidas de fora para dentro junto com diferentes pessoas que por ali circulam, mas estas, em geral, são tidas como exóticas e/ou inapropriadas ao contexto escolar e, por- tanto, como algo que não pode pertencer àquele espaço. É possível afirmar que a escola, o sistema de ensino e todas as pesso- as que fazem parte dele têm historicamente dificuldades em lidar com a questão das diferenças. Essa dificuldade é reflexo da sociedade a que per- tencemos e de sua lógica cultural excludente. Ao mesmo tempo, também é possível afirmar que a exclusão da pauta das diferenças ou da vivência Diferenças na Escola | 21 dentro das escolas se constitui igualmente a partir da falta de formação de professores(as) e funcionários(as) da instituição para lidar com essas questões. As diferenças são parte da cultura, ou ao menos do convívio entre di- versos grupos sociais. É a cultura que as informa, e elas também constituem a cultura. Mas o que é cultura? Para começar, partamos do pressuposto, seguindo a pista de Clifford Geertz (1989) de que a cultura diz respeito a todo comportamento aprendido, que independe de transmissão genética. Outro autor, Roberto DaMatta (1986), destrincha esta noção ao afirmar que a cultura é um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas, e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos, sentindo-se parte de uma mesma totalidade. Po- dem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas que dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de comportamento diante de certas situações (DAMATTA, 1986, p. 123). Assim, pessoas que têm origens culturais diversas percebem e experi- mentam o mundo de modos diferentes, pautadas nesses aprendizados das regras sociais. É justamente o fato de pertencermos a uma dada cultura – e, portanto, não pertencermos às demais – que produz as diferenças entre nós. Como a cultura nos é ensinada a partir de um processo sutil e contínuo de aprendizagem cultural chamado de socialização, com muita frequência atribuímos a ela o caráter de natureza (como quando se afirma “é natural”, “está no sangue”) ou de imutabilidade (“isto nunca vai mudar, pois sempre foi assim”). É comum ouvirmos na escola frases como “filho de peixe, peixinho é”, “o papel do professor não é resolver conflitos” ou “ele não aprende porque a família é desestruturada”. Muitas vezes, nós mesmos reproduzimos estes discursos, para o qual precisamos estar atentos, contudo são os perigos deles, sua falácia e como autorizam o preconceito e a exclusão de certas pessoas ou grupos sociais na escola. Não pensamos, em geral, que também somos produzidos pela cultura e por um dado tempo histórico e que isso que interpretamos como “nossa natureza” é algo produzido socialmente. 22 | Diferenças na Educação: outros aprendizados Tendemos a interpretar aquilo que não (re)conhecemos como que perten- cente à ordem do estranho, do esquisito, do inadequado, do errado, e que pode e deve ser excluído, afastado ou, mesmo, eliminado. Mas o que a escola tem com isso tudo? Como sabemos, a escola abri- ga dentro de seus recintos pessoas muito diferentes entre si, e que essas diferenças podem ser da ordem do individual ou do social. Mas é sobre as diferenças de ordem social que vamos conversar aqui, até porque, sem des- considerar outras instâncias da vida de uma pessoa, é na vida social que a hierarquização entre diferenças é produzida. Figura 1 Esta imagem, publicada no livro “Cuidado, escola!”, ilustra como o processo de ensino e aprendizagem tenta colocar dentro de um mesmo molde pessoas que são muito diferentes entre si. A escola, historicamente, tem se pautado pela ideia de que se tratar a todas as pessoas que por ali passam a partir dos mesmos critérios formais (avaliações, currículos, práticas pedagógicas etc.) é o melhor método para ensinar e incluir. A escola se pretende democrática pela lógica da padroniza- ção e não pela inclusão das diferenças culturais em suas práticas, conteúdos e cotidianos. Nesse sentido, busca-se internamente dar unidade de trata- mento a pessoas muito diferentes entre si, com histórias de vida e inserções sociais que não poderiam ser contempladas dentro desta visão mais tradi- cional de ensino-aprendizagem. Diferenças na Escola | 23 Figura 2 Por esta ilustração do livro “Cuidado, escola!” podemos refletir sobre qual o lugar das diferenças nas vivências escolares, ou seja, como a escola busca deixá-las de fora de seus debates e espaços porque não as considera como fator importante dentro dos processos de ensino-aprendizagem. Quando as diferenças surgem no contexto da escola, elas em geral são percebidas como “fora de lugar”. Isso acontece na escola e na vida social o tempo todo – e é sempre bom lembrarmos que a escola é uma instituição social, ou seja, está sempre inserida em um contexto sócio-histórico e dialo- ga com ele em suas práticas cotidianas. A escola não diz respeito apenas à sua estrutura formal/institucional, mas depende também das interações sociais entre as pessoas que ali estão. Na escola, os conflitos resultantes dos diferentes comportamentos, valores e modos de vida tornam-se muito evidentes, até mesmo em razão desta tradição secular de que é uma instituição que deveria ensinar valores univer- sais – ou a cultura, num sentido nada antropológico do termo. A instituição escola, ao cabo, tem dificuldade de lidar com as diferenças porque há uma contradição interna que se explicita na forma como ela foi criada e permane- ce até os dias atuais: não é fácil que uma instituição criada para padronizar e dar unidade a indivíduos por vezes muito diferentes se torne democrática e aberta às diferenças. 24 | Diferenças na Educação: outros aprendizados Embora a existência de diferenças possa ocasionar conflitos na escola, é preciso que tenhamos claro que o problema a ser enfrentado não são as diferenças, mas as desigualdades. Diferenças devem ser entendidas como um sinônimo de riqueza, e devem ser valorizadas dentro da escola e das práticas pedagógicas. É importante que estejam incluídas nos conteúdos, currículos, debates e nas relações entre os diferentes sujeitos que circulam nesse ambiente. É preciso compreendê-las, conhecê-las e respeitá-las. Mas vale a pena pensar aqui em uma ideia de diferença que vai além de seus significados de hierarquia e opressão – e aqui retomamos a ideia de riqueza de que já havíamos falado. A diferença, a depender do contexto em que opera, pode levar sim a estados de opressão, mas em outros contextos leva também a estados de igualitarismo, diversidade e a modos democráti- cos que informam a ação política de um grupo ou indivíduo. Por isso, deve ser valorizada, e é importante que falemos um pouco também sobre a ideia de marcadores sociais da diferença e de interseccionalidades. Os marcadores sociais das diferenças estão presentes na escola e atuam no cotidiano escolar No final dos anos 1960 e durante os anos 1970, conforme Maria Alice Nogueira (1990), a sociologiafrancesa encontrou-se fortemente preocupada com a forma como se reproduziam as desigualdades sociais naquela socie- dade e denunciavam que a escola – enquanto instituição social – reproduzia as desigualdades existentes nela. Este debate era particularmente impor- tante na época, uma vez que naquele período se acreditava que o acesso à educação, per se, impactava positivamente a vida das pessoas de classes baixas, fazendo com que, a partir da escolarização, a mobilidade social se tornasse realidade. Conforme a autora, Pierre Bourdieu (1992), Jean-Claude Passeron, entre outros pesquisadores(as), dedicaram-se a investigar cientificamente as traje- tórias de escolarização de indivíduos que tinham origens familiares tantos nas classes abastadas quanto nas classes trabalhadoras. Embora sejam iden- tificadas como pessimistas, as teorias reprodutivistas em educação contribu- íram neste debate para desvelar que a escola, enquanto instituição social, também funcionava a partir da lógica da sociedade em que estava inserida. Nesse contexto, estes autores – criticados hoje por seu pessimismo peda- gógico – denunciaram que a lógica escolar dividia, ao longo dos processos Diferenças na Escola | 25 de escolarização, os(as) alunos(as) entre as carreiras técnicas e científicas, às quais as classes populares e médias/altas, respectivamente, estavam destinadas. De lá para cá, este debate, que primeiro se debruçou sobre a proble- mática das classes sociais, se ampliou, se modificou e se aprofundou. Hoje, vários autores e autoras argumentam que a escola não apenas reproduz, mas também produz as desigualdades existentes na sociedade (LOURO, 1999; SILVA, 2000). Essa ampliação do debate passou, nas últimas décadas, a englobar a ideia de que era preciso que se trouxessem para as análises outras diferenças para além das de classe social. Atualmente também se discute que as teorias de Bourdieu e outros autores contemporâneos a ele são marcadas por certo eurocentrismo. No Brasil, há pesquisas que indicam que o maior acesso à educação muda positivamente as condições de vida, acesso a emprego e renda. Nesse contexto, pode-se dizer que, por ser um cenário muito diferente do francês, ao se falar sobre o contexto brasileiro é preciso que sejam observadas as especificidades locais. Celi Scalon (2011) argumenta que se por um lado é preciso compreender a incompletude das teorias, que por décadas defenderam que haveria uma associação direta entre o aumento dos níveis educacionais da população e a eliminação da pobreza – para a autora, não se pode negar que a educação se constitui em importante fator na socialização dos indivíduos e na trans- missão do sentimento de pertencimento a uma dada cultura –, por outro lado, afirma também não ser possível negar que a elevação da escolaridade incide diretamente sobre “a capacidade de participação, de organização social e de disposição para a reivindicação de direitos – componentes in- dispensáveis para a geração de solidariedade, no sentido de ‘reciprocidade generalizada’” (SCALON, 2011, p. 62). Gênero, geração, raça/etnia, sexualidade e religião entram em cena nes- te debate, e são o que hoje chamamos de “marcadores sociais da diferença” (BRAH, 2006). A noção de marcadores sociais da diferença diz respeito à ar- ticulação dos diferentes pertencimentos sociais de um indivíduo e de como eles produzem lugares diferenciados socialmente a eles, dependendo de diversos níveis de participação na vida social. Os “marcadores sociais da di- ferença”, em suas combinações variadas, estabelecem lugares diferenciados para indivíduos diversos. Assim, inserem as diferenças num jogo complexo de hierarquias que, em alguns momentos, podem contribuir para a constru- ção de enormes desigualdades. 26 | Diferenças na Educação: outros aprendizados A abordagem das interseccionalidades – que implica em reconhecer as intersecções variadas que os marcadores sociais da diferença possam ter em dado contexto ou momento na sociedade – vai além da ideia de que as diferenças se adicionam de modo a somar ou subtrair vantagens e desvanta- gens a uma ou outra pessoa. Esta noção questiona, por conseguinte, a ideia de que quanto mais atributos positivados socialmente um indivíduo, mais sucesso este terá, ou, ao contrário, quanto menos deles um indivíduo tiver, mais fadado ao fracasso social (e escolar) será. Segundo Adriana Piscitelli (2008), trabalhar a noção de interseccionali- dades e/ou categorias de articulação é oferecer um instrumental que ajude a pensar como múltiplas diferenças e desigualdades se articulam na vida social. Para a autora, “é importante destacar que já não se trata da diferença sexual, nem da relação entre gênero e raça ou gênero e sexualidade, mas da diferença, em sentido amplo, para dar cabida às interações entre possíveis diferenças presentes em contextos específicos” (PISCITELLI, 2008, p. 266). Por exemplo, Laura Moutinho (2006), ao pesquisar a relação entre raça/cor, homossexualidade e desigualdade em uma comunidade do Rio de Janeiro marcada pela violência e pelo tráfico de drogas, percebeu que os homens homossexuais “‘mais escuros’ que moram nos subúrbios e nas fave- las do Rio de Janeiro possuem um campo de manobra mais amplo do que aqueles nos quais se inserem rapazes e moças heterossexuais da região, e, mesmo, as lésbicas e travestis de diferentes cores que habitam essas áreas” (MOUTINHO, 2006, p. 103). Justamente em razão da homossexualidade, es- tão “fora” dos padrões de masculinidade locais requeridos para a atividade do tráfico, podendo, eles, circularem mais livremente dentro da própria co- munidade, nas comunidades onde há traficantes rivais e também nos bairros turísticos de classe média cariocas, uma vez que a cor/raça, nesses contex- tos, atua como um fator que os torna “mais desejáveis” para homens homos- sexuais brancos e/ou estrangeiros do que os rapazes gays “mais brancos”. Assim, para esses rapazes, a articulação entre os marcadores sexualidade e raça/cor não produz subordinações em todos os contextos pelos quais circu- lam. Isso implica em reconhecer que, para além das categorias que marcam as diferenças, é preciso fazer uma leitura do contexto em que as diferenças acontecem e qual seu impacto na produção ou não das desigualdades em dado espaço ou contexto. Assim, adotar uma perspectiva interseccional é, ao invés de tentar com- preender a realidade a partir de um ou outro conceito isoladamente, tentar Diferenças na Escola | 27 pensar como gênero, raça/etnia, sexualidade, geração, classes que se articu- lam em diferentes contextos produzindo igualdade ou desigualdade. Assim, trata-se menos de se pensar em uma soma ou subtração, mas de entender que uma boa compreensão da problemática das diferenças deve levar em conta como estes marcadores se articulam na produção de diferenciações e impactam os cotidianos das pessoas conforme vivem suas vidas. Ou seja, para além dos marcadores e pertencimentos, é preciso observá-los no modo como aparecem em diferentes contextos. Evidentemente, para que este debate faça sentido, o ponto de partida da análise deve ser o respeito às diferenças e sua valorização. Conforme Guacira Lopes Louro (1999), a escola produz diferenças, de- sigualdades e distinções o tempo todo. Aliás, opera basicamente neste registro, pois desde sempre separa em seus espaços: protestantes de católi- cos; meninos de meninas; ricos de pobres; mais novos de mais velhos etc. A questão é, apesar de pensada inicialmente para contemplar apenas alguns poucos “escolhidos”, a escola foi sendo solicitada cada vez com mais frequ- ência por aqueles a quem havia sido inicialmente negada. E assim, com a abertura de seus portões para indivíduos de origens e inserções sociais cada vez mais díspares, foi obrigada a lidar com – ou mais comumente, passou a renegar e expulsar – as diferenças que emergiam dentro de seus espaços. Cabe aqui fazer a pergunta: se as diferenças desestabilizam tanto,por que devem ser respeitadas e valorizadas na educação escolar? Não seria mais fácil reprimi-las? Deixá-las de fora dos currículos, debates e práticas? A resposta é não, e é justamente para refletir sobre o modo como a escola lida (ou não lida) com as diferenças – em especial o gênero, as sexualidades e a raça/etnia – que aqui estamos. A pauta do direito à diferença e do combate à desigualdade vem ten- sionando a cena pública. Os Direitos Humanos1 e o direito à diferença, ao 1 A noção de Direitos Humanos refere-se, conforme explicitado pelos documentos da ONU, ao conjunto de leis que contemplam o direito à vida e à proteção a uma pessoa ou a um conjunto de pessoas em relação às diversas formas de abusos, tanto físicos quanto psicológicos. Norberto Bobbio define direitos humanos como direitos que cabem a homens e mulheres pela razão de serem homens e mulheres. Pertencem ou deveriam pertencer, deste modo, a todas as pessoas; assim, ninguém pode ou deve ser privado deles. Ainda, o autor afirma que direitos humanos “são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desen- volvimento da civilização etc.” (BOBBIO, 1992, p. 17). Para Samuel Antonio Merbach de Oliveira (2007), “devemos analisar que a dignidade do ser humano enquanto membro vivente de uma sociedade está situada num contexto político atualmente marcado por 28 | Diferenças na Educação: outros aprendizados contrário do que se poderia pressupor, causam polêmica e estranhamento sobretudo em contextos conservadores. Esta tensão aumenta significati- vamente se o direito humano em questão estiver relacionado à seara dos direitos sexuais e reprodutivos.2 Mesmo em âmbitos regulatórios internacio- nais que definem como os direitos humanos devem ser compreendidos na esfera global (CORREA, 2009), não é raro perceber que quando o direito das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos emergem no debate há setores conservadores que se contrapõem, mesmo, à inserção da pauta e do debate nesses organismos. Assim, conforme Claudia Fonseca (1999), pode-se falar que mesmo no âmbito do que se convencionou chamar de direitos humanos hoje há ca- tegorias que são priorizadas em detrimento de outras, o que desvela lutas simbólicas e critérios particulares de legitimação de diferenças e indivíduos que, quando se reivindicam direitos, determinam quem é mais e quem é menos humano, e, nesse sentido, humanos com mais chance de estarem contemplados nas políticas públicas e de acessarem os bens de cidadania3 e terem sua humanidade reconhecida do que outros. grandes injustiças sociais, profundas diferenças socioeconômicas e pelas não menos trágicas disparidades de distribuição de renda. Para que um ser humano tenha direitos e possa exercê-los, é indispensável que seja reconhecido e tratado como pessoa, o que vale para todos os seres humanos. Reconhecer e tratar alguém como pessoa é res- peitar sua vida, mas exige que também seja respeitada a dignidade, própria de todos os seres humanos. Nenhum homem [ou mulher] deve ser humilhado ou agredido por outro, ninguém deve ser obrigado a viver em situação de que se envergonhe perante os demais, ou que os outros considerem indigna ou imoral” (OLIVEIRA, 2007, p. 363). A Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ser encontrada no endereço <http:// portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. 2 Podemos definir Direitos Sexuais como “direitos a uma vida sexual com prazer e livre de discriminação” e Direitos Reprodutivos como aqueles que dizem respeito ao “direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos(as) e de ter a informação e os meios de assim o fazer, gozando do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodu- tiva”. Fonte: Reprolatina. Para a definição ampliada dos conceitos, veja o site: <http:// www.reprolatina.org.br/site/html/areas/sexualidade.asp>. Acesso em: 18 maio 2014. 3 Conforme José Murilo de Carvalho (2001), a noção de cidadania contempla os direitos civis (direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, que garantem a vida em sociedade), os direitos políticos (participação do cidadão no governo da sociedade) e os direitos sociais (direitos coletivos como à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria, à moradia, ao transporte público de qualidade etc.). Diferenças na Escola | 29 O mesmo pode ser percebido nas escolas e universidades, pois não é novidade nos cursos de licenciatura a ausência, para a formação de docen- tes, de subsídios que lhes proporcionem a construção de um arcabouço teó- rico-metodológico que lhes ajude a lidar com as diferenças. Essa ausência se amplia ainda mais quando a diferença refere-se a questões de gênero, das sexualidades – ou orientações sexuais, termo mais comumente (re)conhecido na arena das políticas públicas – e da raça/etnia. No caso específico dos de- bates sobre raça/etnia, nem mesmo a regulamentação no âmbito Federal,4 que institui, nos diversos níveis de ensino, a obrigatoriedade da inclusão da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, tornou concreta a inclusão e o debate das diferenças étnicas para além dos estereótipos acerca delas, assim como do combate ao racismo no cotidiano das escolas. Deste modo, embora haja iniciativas e até mesmo políticas de governo e de Estado5 que indiquem que esta abordagem deve estar presente nas práticas cotidianas escolares, a inserção efetiva nas escolas é incipiente. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, para dar um exemplo, publicados no final da década de 1990, propõem este debate, mesmo que de forma transver- sal, na prática docente e escolar, o que deveria ter tido também reflexo nos cursos de formação de professores e professoras. Independentemente des- sas iniciativas, não é incomum nos depararmos com a ausência do debate na maior parte das licenciaturas e das escolas. Em alguns lugares, escolas e também universidades, há experiências de abordagem da temática, em geral vinculadas a professores e professoras que tenham afinidade com o tema, mas ainda são raros espaços (especialmente oficial ou, se oficiais, re- conhecidos e levados a sério) para que o debate seja realizado efetivamente. Nesse contexto, nosso desafio passa não apenas por reconhecer, mas também por falar sobre a diferença, entendê-la como um princípio estru- turante da boa prática pedagógica e deixar de lado a visão de que ela só traz problemas para o interior da escola. Ainda, é preciso que deixemos de 4 Notadamente, a Lei no 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para se incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obri- gatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 17 fev. 2014. 5 Em linhas gerais, uma política de Estado é aquela que extrapola os limites de uma gestão e deve ser acatada independentemente de quem está no governo no momento atual. Uma política de governo é aquela que só tem garantias de ser efetivada e execu- tada durante a gestão de quem a implantou. Assim, pode-se dizer que as políticas de Estado têm caráter (mais) permanente que as de governo, que seriam (mais) transitórias. 30 | Diferenças na Educação: outros aprendizados lado ideias de que a escola não tem de lidar com a sexualidade e com ou- tros marcadores sociais da diferença. A escola é um espaço importante da sociabilidade de crianças e adolescentes, e limar a instância dos desejos e afetividades desse espaço é uma forma de exclusão. Além disso, o mesmo silêncio que exclui também deixa a porta aberta para as discriminações e violências diversas. Faz parte de nossa função como educadores e educado- ras garantir uma escola de qualidade para todas as pessoas, na qual todas elas estejam representadas.Como nos lembra Rogerio Diniz Junqueira (2007), ao invés de nos contra- pormos à existência das diferenças no ambiente escolar, deveríamos valori- zá-las, porque elas constituem fator de qualidade na educação. Conforme o autor, não é a qualidade do ensino que acarreta uma coexistência pacífica e um convívio democrático com as diferenças. O que se passa é justamente o contrário: o respeito às diferenças é que viabiliza uma educação de qualida- de e, adicionaria aqui, a produção de uma escola e sociedade pautadas nos princípios de igualdade e justiça social. BOX 1 “O conceito de diferença [...] se refere à variedade de maneiras como dis- cursos específicos da diferença são constituídos, contestados, reproduzidos e ressignificados. Algumas construções da diferença, como o racismo, pos- tulam fronteiras fixas e imutáveis entre grupos tidos como inerentemente diferentes. Outras construções podem apresentar a diferença como rela- cional, contingente e variável. Em outras palavras, a diferença não é sempre um marcador de hierarquia e opressão. Portanto, é uma questão contextu- almente contingente saber se a diferença resulta em desigualdade, explora- ção e opressão ou em igualitarismo, diversidade e formas democráticas de agência política” (AVTAR BRAH, 2006, p. 374). Diferenças na Escola | 31 UNIDADE 2 O respeito às diferenças A escola é um espaço importante da sociabilidade de crianças e ado- lescentes, e tornar invisíveis as diferenças desse espaço é uma forma de exclusão. Além disso, o mesmo silêncio que exclui também deixa a porta aberta para as discriminações e violências diversas, e é nossa função como educadores e educadoras garantir uma escola de qualidade para todas as pessoas, na qual todas as pessoas estejam representadas. Mas, antes de qualquer coisa, é preciso que entendamos o que são as diferenças e suas implicações nas escolas e na vida social. Diferença e diversidade, respeito e tolerância: discutindo conceitos Faço, neste texto, a opção teórica de utilizar o termo diferença ao in- vés de diversidade. Opto também por lançar mão da ideia de respeito às diferenças ao invés da tolerância às diferenças. Atualmente, é comum que tenhamos contato com estes termos e, por vezes, os utilizemos sem saber muito a que se referem. Muitas vezes, pela forma como aparecem nos dis- cursos sociais e, mesmo, acadêmicos, parece que diferença e diversidade falam da mesma coisa, assim como tolerância e respeito são usados como se dissessem respeito à mesma coisa. É comum, inclusive, que as pessoas tenham dificuldades em lançar mão do conceito de diferença e respeito, já que diversidade e tolerância circulam também como alternativas que, por vezes, parecem se vender como mais inclusivas. Dito isto, é valido explicitar porque faço a opção por usar os termos diferença e respeito ao invés dos dois outros, que parecem ter o mesmo sentido, mas não têm. Tendo a seguir, neste debate, às pistas fornecidas por alguns autores. Para Richard Miskolci (2012), o termo “diversidade” é ligado à ideia de tolerância ou de convivência, e o termo “diferença” é mais ligado à ideia de reconhecimento como transformação social, transformação nas relações de poder, do lugar que o Outro ocupa nelas. Quando você lida com o diferente, você também se transforma, se coloca em questão. Diversidade é “cada um no seu quadrado”, uma perspectiva que compreende o Outro como 32 | Diferenças na Educação: outros aprendizados incomensuravelmente distinto de nós e com o qual podemos conviver, mas sem nos misturarmos a ele. Na perspectiva da diferença, estamos todos implicados(as) na criação desse Outro, e quanto mais nos rela- cionamos com ele, mais o reconhecemos como parte de nós mesmos, não apenas o toleramos, mas dialogamos com ele sabendo que essa relação nos transformará (MISKOLCI, 2012, p. 15-16). Tomaz Tadeu da Silva (2007) também questiona o uso do termo diversi- dade, e argumenta que as palavras “diferença” e “multiculturalismo” apa- recem na teoria educacional com alguma ênfase nos últimos tempos, sem muita reflexão acerca de suas implicações. Para o autor, é preciso pensar acerca delas de forma crítica, já que hoje são, inclusive, utilizadas pelos dis- cursos oficiais (inclua-se neles os governamentais) como “legítimas questões de conhecimento”. Para Silva, deve-se estar atento ao fato de que essas te- orias sobre a diversidade e o multiculturalismo, assim como as discussões que dela emanam, sofrem da ausência de uma teoria da identidade e da diferença. Em suas palavras, em geral, o chamado “multiculturalismo” apoia-se em um vago e be- nevolente apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade e a diferença. É particularmente problemática, nessas perspectivas, a ideia de diversidade. Parece difícil que uma perspectiva que se limita a proclamar a existência da diversidade possa servir de base para uma pedagogia que coloque no seu centro a crítica política da identidade e da diferença. Na perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas, essencializadas. São tomadas como dados ou fatos da vida social diante dos quais se deve tomar posição. Em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente recomendada é de respeito e tolerância para com a diversidade e a diferença. Mas será que as questões da identidade e da diferença se esgotam nessa posição liberal? E, sobretudo: essa perspectiva é sufi- ciente para servir de base para uma pedagogia crítica e questionadora? Não deveríamos, antes de mais nada, ter uma teoria sobre a produção da identidade e da diferença? Quais as implicações políticas de concei- tos como diferença, identidade, diversidade, alteridade? O que está em jogo na identidade? Como se configuraria uma pedagogia e um currí- culo que estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se limitassem a celebrar a identidade e a diferença, mas que buscassem problematizá-las? (SILVA, 2007, p. 73-74). Diferenças na Escola | 33 A opção pelo termo diferença busca, nesse contexto, positivar a dife- rença como parte importante da experiência social. Ao contrário do termo diversidade, que indica apenas que a diferença está posta na vida social, a ideia de diferença contempla a ideia de que a produção das diferenças é um processo contínuo no interior da vida social e se estabelece na relação com o outro. Figura 3 Tela “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933), que contempla a diferença étnico-racial da sociedade brasileira. As expressões austeras, de olhar fixo, nos lem- bram das dificuldades inerentes ao trabalho fabril. Com outro cenário ao fundo, a imagem poderia fazer também se referir à pluralidade de sujeitos presentes nas esco- las brasileiras, pluralidade esta raramente representada nos materiais didáticos e nas práticas escolares cotidianas. Precisamos também, conforme apontado pelos autores, pensar acerca das implicações políticas dos usos dos termos respeito e tolerância. Enquan- to tolerar pressupõe uma relação de superioridade e inferioridade, em que quem tolera pode ser juiz do outro e usar de benevolência para conviver com ele, apesar das diferenças, a noção de respeito pressupõe igualdade na forma de se entender a diferença dentro da hierarquia social. Isso por- que, quando respeitamos alguém, reconhecemos que a diferença está dada, apesar do que pensamos dela, e que ela é tão significativa dentro de um contexto sociológico como qualquer um de seus elementos. 34 | Diferenças na Educação: outros aprendizados Dito isto, podemos debater outra ideia importante aqui: a de que a di- ferença – e consequentemente o respeito – se estabelece na relação social. Disso, depreende-se que o reconhecimento das diferenças na sociedade e na escola não implica em tratá-las de modo desigual e/ou com inferiori- dade. Conforme venho argumentando, é justamente o reconhecimento das diferenças que pode propiciarque a educação escolar seja efetivamente igualitária e democrática. Diferença não é um atributo inerente dos outros, mas da relação social estabelecida Tomaz Tadeu da Silva (2007) nos alerta que é fácil reconhecer a identida- de quando a pensamos como aquilo que se é ou, de forma autorreferencial, como aquilo que somos. Nesta linha de raciocínio, questiona Silva, a identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou brasileiro”, “sou ne- gro”, “sou heterossexual”, “sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim concebida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”) [...] Nessa pers- pectiva, a identidade só tem como referência a si própria: ela é autocontida e autossuficiente. Na mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, a diferença é aquilo que o outro é: “ela é italiana”, “ela é branca”, “ela é homossexual”, “ela é velha”, “ela é mulher”. Da mes- ma forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida como autorreferenciada, como algo que remete a si própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente existe (SILVA, 2007, p. 74). Contudo, a proposição da diferença não se esgota na categorização de si ou do outro. Quando dizemos que somos brasileiras, estamos dizendo que não somos de uma ampla lista de outros pertencimentos nacionais, ou seja, ao afirmarmos o que somos, também renegamos a aquilo que não so- mos. O que é proposto pelo autor, então, é uma (re)significação do conceito de diferença, provocando a ruptura com a visão cristalizada da identidade como norma. Deste modo, a inclusão das diferenças seria um pressuposto para uma boa prática pedagógica, e não seu resultado deste. Podemos afir- mar, então, em consonância com a proposta por ele apresentada, que assim como a definição da identidade depende da diferença, a defini- ção do normal depende da definição do anormal. Aquilo que é deixado Diferenças na Escola | 35 de fora é sempre parte da definição e da constituição do “dentro”. A definição daquilo que é considerado aceitável, desejável, natural, é in- teiramente dependente da definição daquilo que é considerado abjeto, rejeitável, antinatural. A identidade hegemônica é permanentemente assombrada pelo seu Outro, sem cuja existência ela não faria sentido (SILVA, 2007, p. 84). Esse tipo de atitude é visível, por exemplo, quando um homem conta uma piada ridicularizando um homossexual como forma de afirmar sua mas- culinidade ou, ainda, quando se faz brincadeiras como “mulher feia tem que agradecer o estupro”, ou em comentários sobre uma suposta incapacidade “natural” das mulheres de dirigir bem, para as ciências exatas ou para exer- cer cargos de chefia. Para um debate sobre as diferenças, é preciso que reconheçamos que tanto a identidade quanto a diferença são produzidas nas interações entre indivíduos no interior da vida social. Nós nos identificamos com diversos mo- delos e práticas que existem, estão disponíveis no mundo, e os rejeitamos (ou na sociedade em que fomos socializados). Ambas se desvelam a partir do (re)conhecimento de si perante o outro. A identidade e a diferença são produzidas durante o processo de so- cialização, um processo permanente de aprendizado cultural, que se es- tende desde o nascimento até à morte de um indivíduo. Assim, é a partir do processo de socialização que aprendemos e assimilamos os valores e experiências de uma cultura (no caso, a nossa). À medida que nascemos, crescemos e nos desenvolvemos, vamos incorporando as normas sociais e agimos cada vez mais de acordo com a forma como fomos ensinados. Este processo não se dá de forma consciente, e, em geral, essas regras nos são ensinadas a partir das experiências sociais ao longo de nossas vidas. Em resumo, a socialização consiste em um processo de aprendizado cultural que (in)forma os comportamentos de todos indivíduos e permite que per- tençam a uma dada sociedade. Um desses aprendizados diz respeito ao gênero e às sexualidades. Nesse contexto, podemos afirmar que meninos e meninas possuem com- portamentos diferentes, não em função de transmissão genética ou do ambiente em que vivem, mas pela educação diferenciada que cada um recebeu. Voltando à ideia de que mulheres “naturalmente” dirigem pior que os ho- mens, é preciso considerar que, desde muito cedo, separam-se brincadeiras 36 | Diferenças na Educação: outros aprendizados para meninos e meninas, e com isso estimula-se o desenvolvimento de aptidões específicas para cada um dos sexos. Enquanto meninos são esti- mulados a atividades que permitem o desenvolvimento da lateralidade e da noção de espaço, como a prática de esportes, às mulheres são reserva- das brincadeiras e brinquedos que estimulam mais outras aptidões, como a coordenação motora fina (requerida para, por exemplo, desenvolver uma escrita “mais bonita”) ou relativa aos futuros cuidados maternais (como as brincadeiras com bonecas(os)). Assim, vai-se produzindo a “falta de jeito” dos homens de lidarem com seus filhos quando bebês, a caligrafia “feia” dos meninos, a falta de aptidão para dirigir e para a localização espacial das meninas, entre outras coisas, que nada têm de “naturais”. Em geral, quando nos colocamos em comparação com o outro e o julga- mos diferentes de nós, tendemos a tomar nossos próprios hábitos, costumes e modos de vida como verdadeiros, e os demais como inadequados, falsos. Assim, categorizamos a humanidade a partir da nossa experiência e descar- tamos outras formas de ser e estar no mundo como menos humanas. É preci- so que reconheçamos, contudo, que a diferença não é um atributo exclusivo do outro, que tendemos a perceber como atrasados, errados, estranhos etc. Um primeiro passo aqui é justamente reconhecer que, do ponto de vista dos outros, também somos diferentes; assim, só é possível estabelecer diferença a partir do contato com o outro, diferente de nós, e, ao mesmo tempo, é só a partir desse contato que nos é possível perceber que nos identificamos ou não com ele. Concluímos que a cultura – entendida como todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer hábito ad- quirido pelo homem enquanto membro de uma sociedade – é que determi- na a diferença de comportamento entre indivíduos ou grupos sociais. Diferença não é uma questão de opinião Sabemos que as diferenças, assim como é a identidade, são produzidas nas interações entre indivíduos no interior da vida social. Como já discuti- mos, quando falamos em cultura, estamos nos referindo a tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou de grupos no interior de uma sociedade. Estamos falando também dos códigos e comportamentos com- partilhados por indivíduos que constituem um grupo, ou seja, as regras so- ciais que se seguem. As culturas não são genéticas: elas são aprendidas ao Diferenças na Escola | 37 longo do processo de socialização do indivíduo. Também não são estáticas, e se modificam no curso da história. Para Roberto DaMatta (1986), “a cultura não é um código que se escolhe simplesmente” (DAMATTA, 1986, p. 123). Quando apreciamos negativamente, distinguimos a cultura do “eu” daquelas diferentes da nossa, podemos dizer que estamos tendo um com- portamento etnocêntrico. Etnocentrismo é um termo amplamente utiliza- do nas ciências sociais para definir julgamentos de valor acerca da cultura do outro quando a observamos vestindo as lentes da cultura do eu. É fato que todos(as) vemos o mundo através das lentes da cultura em que fomos socializados(as). Mas no comportamento etnocêntrico isso resulta sempre num julgamento valorativo em que a cultura do “eu” é vista como a “verda- deira”, “correta”, “adequada”, “certa” etc., e a do outro, em oposição, não. Um exemplo de etnocentrismo relacionado aos conteúdos escolares é quando se toma apenas a história do continente europeu como referência histórica para toda a humanidade. Assim, deixa-se de ladotoda a história de povos com culturas tão ricas e complexas quanto as da Europa e exclui-se esta discussão dos currículos escolares e discussões em sala de aula. Nessa situação, a referência de humanidade centra-se na história dos povos que colonizaram a América e não se dá a devida importância para a influência dos povos africanos e indígenas na história deste continente. O mesmo acontece quando, nas aulas de ensino religioso, se privilegia a tradição reli- giosa judaico-cristã como se fosse a única existente e não se fala sobre ou- tras formas de experiência religiosa, consideradas então menos importantes ou legítimas. Roque de Barros Laraia (2009) nos alerta sobre os riscos do etnocentris- mo, ao afirmar que o fato de vermos o mundo através de nossa cultura tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais. O etnocentrismo, de fato, é um fenôme- no universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. [...] A dicotomia “nós e os outros” expressa em níveis diferentes essa tendência. Dentro de uma mesma sociedade, a divisão ocorre sob a forma de parentes e não parentes. Os primeiros são melhores por definição e recebem um tratamento diferenciado. A projeção desta dicotomia para o plano extragrupal resulta nas manifestações nacionalistas ou formas mais 38 | Diferenças na Educação: outros aprendizados extremadas de xenofobia. O ponto fundamental de referência não é a humanidade, mas o grupo. Daí a reação, ou pelo menos a estranheza, em relação aos estrangeiros (LARAIA, 2009, p. 72-73). Se comportamentos etnocêntricos resultam em apreciações negativas aos padrões culturais diferentes dos do grupo de origem de dado indivíduo, podemos dizer que implicam sempre numa construção de legitimidades di- ferenciadas para o grupo do “eu” e do “outro”, em que o grupo do “eu” – de quem julga ou observa – estará sempre colocado de modo hierarquicamen- te superior ao do “outro” (ROCHA, 1991). É comum encontrarmos na vida cotidiana pessoas com falas como “de- vemos respeitar as diferenças porque cada um tem a sua opinião”. O que gostaria de pontuar aqui é que, nesse momento, já sabemos que a produção social das diferenças extrapola a ideia de que elas são uma questão indivi- dual. As diferenças são parte da cultura, ou ao menos do convívio entre di- versos grupos sociais. É a cultura que as informa, e elas também constituem a cultura. Dessa forma, podemos percebê-las mais a partir de uma noção de que elas constituem outra possibilidade de existência, de viver a vida, e me- nos como uma forma inferior, atrasada ou equivocada de estar no mundo. Diferença não é o mesmo que desigualdade Conforme bell hooks (2013, p. 235), “desde o ensino fundamental, somos todos encorajados a cruzar o limiar da sala de aula acreditando que estamos entrando em um espaço democrático – uma zona livre onde o desejo de estudar e aprender nos torna todos iguais”. Assim, as diferenças (de clas- se, conforme discute a autora, mas também todas as outras) tendem a ser apagadas, silenciadas, dando amplo espaço a todas as formas de exclusão. Para a autora, mesmo que entremos em classe aceitando que há diferenças postas entre os sujeitos que ali estão, ainda acreditamos que o conhecimen- to ali será distribuído em partes iguais e justas. Mas, ao cabo, não é isso que ocorre. De acordo com Ione Ribeiro Valle (2013), em termos legais é dado que a igualdade em relação ao direito à educação é fundamental para a consolida- ção dos projetos políticos de democratização em nível mundial e, podemos dizer, também no Brasil. Apesar disso, e de esse discurso ter ampla aceita- ção social, também é preciso dizer que a escola “nunca garantiu que, em nível igual de talento, motivação e competência, todos tenham as mesmas Diferenças na Escola | 39 perspectivas de sucesso, independentemente do meio social, da educação familiar e dos processos de socialização que marcam, de forma distinta, a trajetória de cada um” (VALLE, 2013, p. 295). Isso acontece de forma mais aprofundada nas sociedades com maior índice de desigualdade social, como a brasileira. Assim, quanto mais desigual uma sociedade, maior a dificuldade de acesso e garantia dos direitos fundamentais6 a todas as pessoas. Apesar da diversificação das ações voltadas à democratização do acesso e à inclusão escolar na sociedade contemporânea a partir de políticas de ação afirmativa ou do desenho de políticas públicas que visem modificar o quadro vigen- te de exclusões sociais, “as desigualdades fracionam-se, multiplicam-se e diversificam-se no âmbito da escola, do mundo do trabalho, das hierarquias sociais, sem que se consiga desmontar o mecanismo e a lógica que elas ocultam” (VALLE, 2013, p. 296). A persistência das desigualdades, conforme a autora, tem incentivado a abordagem de novas perspectivas analíticas “que procuram analisar as múltiplas dimensões das desigualdades sociais, caracterizando-as como um sistema que se articula na ordem do ter, do po- der e do saber” (VALLE, 2013, p. 296). De acordo com a autora, é preciso, para a manutenção da ordem social vigente, que os sistemas de escolarização se pautem pela lógica do mérito. Dentro dessa lógica, cada um, individualmente, ao adentrar nos quadros da escola, poderá ascender socialmente e acessar os bens de cidadania, e seu sucesso dependerá apenas de esforçar-se o suficiente para tal. O que se passa é que, dentro dessa lógica, as diferenças aparecem como empecilho para a produção de uma escola, pois impediria que a todas as pessoas ali fosse dada igualdade de tratamento. Este discurso, falacioso, porém entra- nhado na lógica escolar, justifica cotidianamente a exclusão das diferenças como fator importante para o ensino e a aprendizagem. O sistema de ensino que leva em conta essa lógica tenta pasteurizar as diferenças e padronizar os conteúdos e formas de ensinar. Ele aspira dar uma escolarização única a todas as pessoas, ignorando suas especi- ficidades. O que ocorre, ao cabo, é que justamente ao desconsiderar as diferenças e padronizar pessoas, conteúdos, metodologias de ensino etc., 6 Grosso modo, aqueles previstos como direitos individuais na Carta Magna de um país. De acordo com Michelli Pfaffenseller (2007, s/p.), “os Direitos Fundamentais, sob uma perspectiva clássica, consistem em instrumentos de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado”. 40 | Diferenças na Educação: outros aprendizados a escola perpetua as desigualdades existentes na sociedade por descon- siderar que aquilo que não faz parte do status quo da sociedade não per- tence ao universo escolar. Figura 4 Ilustração do cartunista Ziraldo para a cartilha do Ministério da Justiça “Os direitos humanos”. Nesse contexto, nosso desafio é passar por reconhecer e falar sobre as diferenças e entendê-las como um princípio estruturante da boa prática pe- dagógica, assim como deixar de lado a visão de que ela só traz problemas para o interior da escola. Ainda, é preciso que deixemos de lado ideias de que a escola não tem de lidar com gênero, sexualidade, raça ou com outros marcadores sociais da diferença. O relatório da “Pesquisa sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar”, publicado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) em 2009, observou que, nas escolas em que há um maior índice de precon- ceito e discriminações, há um aprendizado pior. Essa pesquisa cruzou dados sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar com o desempenho de alunos(as) na Prova Brasil 2007.7 O relatório também demonstrou que nas 7 A “Prova Brasil” ou Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC)" é uma ava- liação censitária envolvendo os alunos da 4a série/5o ano e 8a série/9o ano do Ensino Diferenças na Escola | 41 escolas em
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