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Cristãos-novos nos negócios da Capitania de Pernambuco - Janaína Guimarães da Fonseca e Silva (1)

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Prévia do material em texto

1 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CRISTÃOS-NOVOS NOS NEGÓCIOS DO DA 
CAPITANIA DE PERNAMBUCO: relacionamentos, 
continuidades e rupturas nas redes de comércio entre os anos 
de 1580 e 1630. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Recife, 2012 
 
2 
 
 
Janaína Guimarães da Fonseca e Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CRISTÃOS-NOVOS NOS NEGÓCIOS DO DA 
CAPITANIA DE PERNAMBUCO: relacionamentos, 
continuidades e rupturas nas redes de comércio entre os anos 
de 1580 e 1630. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao programa de pós-
graduação em História da Universidade 
Federal de Pernambuco como requisito à 
obtenção do grau de doutor em História. 
 
Orientadora: Profª Drª Virgínia 
Almoêdo de Assis. 
Coorientador: Profº Drº Angelo 
Adriano Faria de Assis. 
 
 
 
 
 
Recife, 2012 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação na fonte 
Bibliotecária, Divonete Tenório Ferraz Gominho, CRB4-985 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
S436c Silva, Janaína Guimarães da Fonseca 
 Cristãos-Novos no negócio da Capitania de Pernambuco: 
relacionamentos, continuidades e rupturas nas redes de comércio entre 
os anos de 1580 e 1630 / Janaína Guimarães da Fonseca. – Recife: O 
autor, 2012. 
 218 f. ; il. ; 30 cm. 
 
Orientador: Profª. Drª. Virgínia Almoêdo de Assis 
Coorientador: Prof. Dr. Angelo Adriano Farias de Assis 
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. 
Programa de Pós-Graduação em História, 2012. 
 
Inclui bibliografia. 
 
 1. História. 2. Relações públicas - sociedades comerciais. 3. 
Comércio (Pernambuco, Brasil). 4. Capitania de Pernambuco (1580-
1630). I. (Orientadora). Assis, Virgínia Almoêdo de. II. (Coorientador). 
Assis, Angelo Adriano Farias de. III. Titulo. 
 
 981.22 CDD (22.ed.) UFPE 
 
(BCFCH201-33) 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
 
 
 
Agradecimentos 
Incrível como é difícil escrever os agradecimentos, rememorar todos os momentos 
difíceis em que cada uma dessas pessoas me deu a mão, um ombro, uma dica ou uma crítica, 
todos fundamentais. Começo pela minha querida orientadora, a Prof.ª Dra. Virgínia Almôedo, 
que também me acompanhou na dissertação, indo nesta tese além de seu papel. Mais que uma 
orientadora ela foi uma amiga, quase uma mãe, cujo carinho nunca será esquecido. 
Agradeço também especialmente ao meu amigo e co-orientador o Prof. Dr. Angelo 
Assis, meu guia na temática, meu leitor e crítico mais paciente e atento. Muitas foram às 
vezes que ele me fez enxergar o que eu não via, atentando para coisas fundamentais, com uma 
inteligência, humildade e sensibilidade que reconheço em poucos. 
 À Prof.ª Dra. Suely Almeida, por todas as suas maravilhosas contribuições, sua 
serenidade e erudição em muito me ajudaram. Agradeço também ao Prof. Dr. George Felix 
Cabral, pelas dicas, leitura cuidadosa e trocas de bibliografia. Sou extremamente grata a Prof.ª 
Dra. Tania Kaufman por minha introdução no estudo da cultura judaica e todas as imensas 
contribuições ao longo dos últimos dez anos. E também ao prof. Dr. Marcus Carvalho, meu 
eterno professor que me deu a honra de ler e contribuir para meu trabalho. 
Como essa tese foi de fato fruto de um trabalho conjunto, agradeço a Poliana Silva e 
José Gustavo Ayres pelas transcrições paleográficas, a meu querido Daniel O. Breda pelo 
trabalho de elaboração dos mapas com as trajetórias de meus personagens e a minha sobrinha 
competentíssima, Dolores Orange, pela correção ortográfica. E como não poderia deixar de 
ser a Sandra Regina, pela incansável paciência com minhas dúvidas e atrasos. 
Agradeço à meu amigo Gian Carlo Silva, pelo ombro e conselhos e a minha querida 
Letícia Detoni, pela leitura e crítica cuidadosa. Sou muito grata também aos meus amados 
amigos, Manuela Assunção, Adelle Nascimento, Lígia Ventura, Ana Arruda, o já citado 
Daniel Breda e Rodrigo Peixoto. Agradeço ainda as criaturas maravilhosas que entraram em 
meu caminho ao longo da elaboração desta tese, os meus colegas da UPE-Campus Petrolina, 
aos quais agradeço nos nomes de Ana Clara Brito e Sidclay Pereira. Não poderia deixar de 
agradecer também aos que compõem o programa de pós-graduação em História da UFPE e a 
CAPES, pelo suporte financeiro. 
Quase finalizando essa imensa lista, mas encabeçando a presença em meu coração, 
agradeço aos meus irmãos e sobrinhos lindos, cuja leveza e carinho foram fundamentais e aos 
meus pais, Délio e Fátima, por todo o suporte, físico, emocional e financeiro ao longo desses 
quatro anos, e claro, por toda a vida. Agradeço por fim a Hugo Moura e a Camila Guimarães 
Moura, meu marido pelo companheirismo, parceria e amor que tornaram essa obra possível e 
a Camila, por ser minha força, inspiração e luz. 
 
 
 
6 
 
 
 
Resumo 
 
 
A Capitania de Pernambuco, entre os anos de 1580-1630, foi local de circulação, 
estabelecimento e comércio de vários cristãos-novos, descendentes de judeus convertidos em 
Portugal no final do século XV. Estes homens foram membros de extensas redes comerciais, 
fundamentais ao desenvolvimento do comércio transoceânico. Tais redes, contudo, não eram 
compostas apenas por homens de origem cristã-nova. Em seus prolongamentos elas contavam 
com mercadores das mais diversas origens, que estavam localizados em entrepostos 
comerciais estratégicos, com os quais os neoconversos se articulavam para o escoamento e 
introdução de diversos produtos na capitania. 
 Nossa tese foi construída a partir da recomposição das trajetórias de alguns cristãos-
novos que estiveram na Capitania de Pernambuco desde o fim do século XVI. Primeiramente 
examinamos a construção dessas redes comerciais heterogêneas. Logo averiguamos os 
motivos que levaram alguns destes homens a deixar a Capitania no começo do século XVII, 
entre os quais destacamos a ação inquisitorial e a mobilidade intrínseca as redes comerciais. 
E, por fim, analisamos as estratégias desenvolvidas pelos que permaneceram em Pernambuco 
até, ao menos, o ano de 1630. A tese aqui proposta é de que os cristãos-novos estabelecidos 
em Pernambuco desenvolveram heterogêneas relações comerciais, familiares e comunitárias 
que contribuíram para a permanência desses homens, mesmo diante de uma conjuntura difícil. 
Pois os anos que antecederam a tomada da capitania pelos holandeses foram marcados por 
uma intensa ação pirata e corsária no oceano Atlântico e também pela retração do preço do 
açúcar nos mercados europeus. 
Palavras Chave: Cristãos-novos; Pernambuco; Comércio. 
 
7 
 
Abstract 
 
 
The Captaincy of Pernambuco, between 1580 and 1630, was a place of movement, 
setting up and commerce of many New-Christians, descendants of late 15th century Jews 
converted in Portugal. These men were members of wide commercial networks, essential for 
the development of transoceanic commerce. Such networks, however, were not solely made 
of man of New-Christian origins. In their extension they counted on merchants with many 
diverse origins, located in strategic commercial entrepots, with which the neo-converted 
connected in order to dispose and introduce different goods in and out that Captaincy. 
Our thesis has been constructed from the re-assembling of the trajectory of some New-
Christians who have been in the Captaincy of Pernambuco since the end of 16th century. 
Initially we have examined the setting up of such heterogeneous commercial networks. Then 
we have investigated the reasons which lead some of these men to leave the Captaincy in the 
beginning of 16th century, among which we underline Inquisition action and the inherent 
mobility of commercial network. Finally, we have analyzed the strategies developed by those 
who have settled inPernambuco up to, at least, the year of 1630. The thesis here proposed is 
that the New-Christians settled in Pernambuco have enrolled heterogeneous commercial, 
family and community relationships which have contributed to their permanence in the area, 
even facing difficult context. It is a given fact that the years preceding the conquer of the 
captaincy by the Dutch, were remarkable for the intensive action of privateers and pirates on 
the Atlantic Ocean as well as for the retraction of prices of sugar in European markets. 
 
Keywords: New-Christian; Pernambuco; Trading. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
 
 
Sumário 
 
 
 
 
Introdução 10 
 
1º Capítulo - O personagem cristão-novo da Península Ibérica à Capitania 
de Pernambuco: vínculos, trajetórias e redes de comércio 
18 
1. 1- Comércio e cristãos-novos no Império português. 18 
1.2- Por um conceito de redes. 27 
1.3-O stigma que produz as fontes 36 
1.4-O Atlântico e o comércio durante a União das Coroas Ibéricas 
 
43 
2º Capítulo- A trajetória dos judeus e cristãos-novos na Península Ibérica 49 
2.1-A Presença judaica na Península Ibérica e o surgimento dos neoconversos. 49 
2.2-Cristãos-novos: restrições e estratégias. 65 
2.3 - Cristãos-novos e a União das Coroas Ibéricas: interesses, medos e 
negociações políticas. 
 
70 
3º Capítulo-Cristãos-novos nas redes de comércio do açúcar na Capitania 
de Pernambuco em fins do século XVI e começo do século XVII 
79 
3.1-A Capitania de Pernambuco e as possibilidades de negócios para os cristãos-novos. 79 
3.2- União Ibérica, estrutura administrativa, comercial e militar. 86 
3.3- Pernambuco e as Províncias rebeldes: relações que antecedem a União das Coroas 
Ibéricas. 
91 
3.4- Cristãos-novos nas redes de comércio em fins do século XVI e começo do século 
XVII. 
 
97 
4º Capítulo- A Capitania de Pernambuco e o comércio atlântico 114 
4.1-A capitania de Pernambuco e os grandes ramos do comércio ultramarino 114 
4.2- Crise no mercado europeu e a baixa no preço do açúcar no começo do século 
XVII. 
128 
4.3-Guerras e redes: Disputas entre Espanhóis e Holandeses no espaço atlântico. 133 
5 capítulo- Os cristãos-novos que deixaram Pernambuco no começo do 141 
9 
 
século XVII. 
5.1-Ação inquisitorial sobre os cristãos-novos na América portuguesa e no 
Reino. 
141 
5.2- Dispersão cristã-nova a partir da capitania de Pernambuco 144 
5.2. 1- Rumo ao Norte europeu: Antuérpia e Amsterdã 145 
5.2.2-Comerciantes cristãos-novos: do açúcar ao tráfico de escravos para As 
Índias de Castela. 
153 
5.2.3-Cristão-novos no comércio oriental 
 
162 
6º Capítulo- Os cristãos-novos que permaneceram na capitania de 
Pernambuco até a tomada da chegada dos Holandeses em 1630. 
169 
6.1- Situação do comércio açucareiro as vésperas da Invasão Holandesa (1624- 
1630) 
170 
6.2- Cristãos-novos identificados como senhores de engenho na listagem de 1623 175 
6.3- Mercadores identificados em Pernambuco entre os anos de 1624 e 1630 180 
6.4- Entre a capitania de Pernambuco e a comunidade judaica de Amsterdã: 
vínculos e estratégias desenvolvidas pelos mercadores de origem cristã-nova. 
184 
6.4.1- Amsterdã 186 
6.4.2- Condições que propiciaram a interação entre cristãos-novos e velhos na capitania 
de Pernambuco 
 
 
Considerações finais 195 
 Referências Bibliográficas 199 
 
 
 
Índice de imagens 
 
Mapa 1-Atlântico português e espanhol 78 
Mapa 2 - Trajetória de Manuel Homem de Carvalho 95 
Ilustração-Fretamento de navio para trazer açúcares-1596 108 
Mapa 3-Trajetória de Rodrigo d’Avila 157 
Mapa 4- Trajetória de Duarte Dias Fernandes 159 
Mapa 5- Trajetória de Manuel da Paz 166 
Mapa 6- Trajetória de Simão Correia 191 
Mapa – Rotas e locais de trânsito e estabelecimento mencionados na tese 194 
10 
 
 
 
Introdução 
 
As duas últimas décadas do século XVI são marcadas pelo florescimento da produção 
açucareira na América Portuguesa1 e pela União das Coroas Ibéricas sob o comando de Felipe 
II de Espanha e I de Portugal. A capitania de Pernambuco era então responsável por mais da 
metade do açúcar produzido na colônia, cuja distribuição ocorria por meio de uma série de 
redes comerciais responsáveis também pela introdução, na capitania, de escravos, cereais e 
vários produtos manufaturados. 
A produção e comercialização do açúcar delinearam-se na Nova Lusitânia2 de forma 
particular, e vários fatores influenciaram na forma de associação dos agentes envolvidos neste 
processo.3 Os comerciantes de açúcar traçaram estratégias diversas para maximizar seus 
lucros, entre as quais podemos citar, por exemplo, a forma como se aproveitaram da isenção 
dada pela Coroa ao senhor de engenho responsável pelo embarque de sua própria produção.4 
Em decorrência desta isenção, muitos dos reinóis estabelecidos na capitania optaram pela 
junção das funções de senhor de engenho, comerciante e lavrador. 
Os cristãos-novos e as relações por estes estabelecidas em decorrência do comércio em 
grande escala foram o alvo de nossa pesquisa. Propomo-nos então a compreender como, no 
período entre 1580 e 1630, esses homens desenvolveram redes comerciais heterogêneas que 
os permitiram enfrentar, com êxito, as diversas dificuldades que envolviam a indústria 
açucareira e as barreiras a eles impostas devido à origem judaica.5 
 
1 Elevado a primeiro produtor mundial em 1580. ALENCASTRO, Luis Felipe. O Trato dos Viventes: 
Formação do Brasil no Atlântico Sul. Século XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.33. 
2 Termo utilizado por Evaldo Cabral de Melo para se referir ao primeiro período português, findado pela invasão 
dos holandeses em 1630. Um outro Portugal. In: MELLO, Evaldo Cabral de. A Ferida de Narciso: Ensaio de 
história regional. São Paulo: SENAC, 2001. 
3 Entre esses fatores podemos citar as isenções fiscais, as proibições comerciais, os problemas no transporte, os 
períodos de corso mais intenso, entre outros, sobre os quais discorreremos ao longo do segundo e terceiro 
capítulos. 
4 Alvarás de 1551, 1555 e 1574 sobre isenção e arrecadação dos tributos do açúcar. INSTITUTO DO AÇÚCAR 
E DO ÁLCOOL. Documentos para a História do Açúcar. Vol. I. Legislação (1534-1596). Rio de Janeiro: 
Instituto do Açúcar e do Álcool, 1954. 
5 Essas redes comerciais eram compostas por homens de origem cristã-nova ou não que tinham interesses em 
diversos centros comerciais nos séculos XVI e XVII, interesses que exigiam a presença de agentes de confiança 
para assegurarem os lucros da empreitada. A participação dos judeus em redes comerciais remonta ao século 
XIV e a mobilidade imposta aos mesmos pelas diversas perseguições sofridas foi pontuada pela historiografia 
tradicional como impulsionadora dessa participação no comércio de longo alcance. Entre outras obras citamos: 
AZEVEDO, J. Lucio. História dos Cristãos Novos Portugueses. 3. ed. Lisboa: Clássica Editora, 1989. 
11 
 
O comércio na América Portuguesa e as redes que cruzavam o oceano atlântico têm 
sido alvo de renovada produção historiográfica.6 Esta, na sua maioria, tem como base os 
estudos que compreendem as relações entre o Estado Português e as suas unidades 
administrativas em termos de negociação.7 O império português dos séculos XVI e XVII 
deixa de ser estudado apenas a partir dos interesses do poder absoluto, agora em xeque, para 
ser analisado também nas diversas séries de negociações entre seus componentes. A Colônia 
não mais vista apenas como produtora de matérias-primas para acumulação de capital 
metropolitano, mas compreendida enquanto detentora de um mercado interno, bem como de 
grupos que fazem valer seus interesses, por vezes contrários aos da Coroa. A América 
Portuguesa então deixa de ser apenas “um capítulo na História do Comércio Europeu”8 para 
ganhar dinâmica própria, articulada com as demais unidades administrativas do vasto império 
português. 
Contudo, a ideia de Império ColonialPortuguês exige, além de uma abordagem das 
dinâmicas da colônia portuguesa na América, o entendimento de suas relações com as demais 
partes do império, articulações que por vezes ocorriam à revelia da própria metrópole. Nessa 
perspectiva, o comércio tem um novo papel na compreensão da presença lusa na América 
Portuguesa. “Resumidamente, uniformidade e poder político ilimitado característicos de 
estados centralizados não existiram nesse tipo de império.”9 
Os cristãos-novos, descendentes de judeus convertidos em Portugal no final do século 
XV, participantes de redes comerciais que envolviam a Capitania de Pernambuco, estavam 
ligados por laços de parentesco e solidariedade a outros cristãos-novos e também aos judeus 
de origem portuguesa, dispersos pelo mundo devido à expulsão recente dos mesmos de 
Portugal em 1496 e à conversão forçada ao cristianismo promovida por D. Manuel em 1497.10 
Os deslocamentos realizados pelos cristãos-novos e judeus em decorrência de um histórico de 
perseguições foram primordiais para o desenvolvimento de redes de comércio de longo 
 
6 Entre os vários trabalhos, destacamos o de COSTA (COSTA, Leonor Freire. O Transporte no Atlântico e a 
Companhia Geral do Comércio do Brasil, 1580-1663, Lisboa, CNCDP 2002, I-II) e a coletânea intitulada Na 
trama das redes FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). Na Trama das Redes: Política e 
Negócios no Império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. 
7 A conceitualização de Estado coorporativo, definido por António Manuel Hespanha, em sua obra As vésperas 
do Leviatã: Instituições e poder politico. Portugal - sec.XVII, abriu aos historiadores novas possibilidades de 
estudo na medida em que questiona a ideia de um projeto colonial metropolitano e de um estado centralizado. 
8 Nas palavras de PRADO Jr. História Econômica do Brasil. 20. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1977. 
9HESPANHA, Antonio Manuel. A concepção corporativa da sociedade e a historiografia sobre a Europa na 
época moderna. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Orgs.). Na Trama das Redes: Política e 
Negócios no Império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 57. 
10 TAVARES, Maria José Pimenta Ferro. Los Judios en Portugal. Madrid: Editorial MAPFRE, 1992. 
12 
 
alcance.11 E esses deslocamentos, que antecedem a expulsão dos judeus da Península Ibérica, 
foram imensamente intensificados após o ocorrido12. 
 O que torna nossos personagens particularmente interessantes é serem estes 
detentores de um estigma13 que, ao mesmo tempo em que os exclui do grupo dominante 
majoritário, o dos cristãos velhos de origem católica, também contribui para que mantenham 
seus vínculos internos e assim os torna mais aptos a esse comércio de grande escala. A 
capitania de Pernambuco foi alvo do estabelecimento de várias famílias de cristãos-novos que 
tinham no comércio sua atividade principal e na dispersão de seus membros pelos vários 
entrepostos comerciais, uma forma de controlar seus diferentes interesses. 
 As áreas de produção açucareira foram locais de circulação, estabelecimento e 
comércio de vários cristãos-novos de origem portuguesa, partícipes das redes de longo 
alcance necessárias ao comércio transoceânico. As últimas décadas do século XVI marcaram 
o florescimento das Capitanias de Pernambuco e Itamaracá, bem como a conquista e o 
desenvolvimento da Paraíba. O período foi de estreitamento das relações da América 
portuguesa com alguns centros que se tornariam propulsores da economia colonial, como o 
norte da Europa14 e a África, na qual, mais especificamente, Angola. Momento do 
desenvolvimento da mineração na região do Prata15, cuja riqueza gera na Coroa espanhola 
uma preocupação intensa com a defesa da costa brasileira e do oceano Atlântico. Esse mesmo 
oceano teria suas águas cortadas pelas rotas que levavam mercadorias à América espanhola, 
bem como por aquelas que retornariam com mercadorias da Ásia.16 
Esses homens de origem cristã-nova cujos parceiros, familiares ou não, estavam 
localizados nos mais diversos entrepostos comerciais foram apontados por muitos autores 
como responsáveis por boa parte do financiamento e comércio da produção açucareira nas 
capitanias da Bahia e Pernambuco. A historiografia tradicional que buscou analisar a 
 
11 WACHTEL, Nathan. A Fé da Lembrança: Labirintos Marranos. Lisboa: Editorial Caminho, 2002. 
12 Essas relações são observadas em vários processos inquisitoriais, nos quais um membro da família, preso pelo 
Santo Ofício, relata como foi seu encontro com familiares em locais onde era permitido o culto judaico. Caso 
interessante é o do processo de Manuel Homem de Carvalho, que relata sua circuncisão em Amsterdã. Contudo, 
essas relações não se restringem ao eixo Portugal-Amsterdã-Pernambuco, elas abarcam uma dimensão mais 
ampla, indo desde Veneza até a Turquia, Índia, América espanhola, África e uma série de entrepostos comerciais 
onde os cristãos-novos ou judeus estiveram estabelecidos. Ver: Inquisição de Lisboa, processo Manuel Homem 
de Carvalho, nº 3157. 
13 Uma marca (a Impureza de sangue) que socialmente pesa sobre os cristãos-novos. CARNEIRO, Maria Luiza 
Tucci. Preconceito Racial. Portugal e Brasil-colônia. Ed. Brasieliense, São Paulo: 1988, Pp. 46-47. 
14 Primeiro Antuérpia e Hamburgo e logo Amsterdã. BOXER, Charles. O Império marítimo português (1415-
1825). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 
15 Navios saiam regularmente do Rio de Janeiro, porém, quando os “peruleiros” não conseguiam encontrar ali a 
mercadoria já organizada para levá-la ao Peru, eram obrigados a subir até as Capitanias de Pernambuco e Bahia 
para consegui-las. Diálogo das Grandezas do Brasil. 3. ed. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1997, 
p.108. 
16 LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Nacional,1968. 
13 
 
colonização do Brasil e a montagem da produção açucareira compôs sua visão pautada em 
análises macro-históricas, nas quais os cristãos-novos e judeus respondiam à lógica dos 
lucrativos investimentos envolvendo o açúcar. Essas análises não abriam espaço para 
investigação de estratégias individuais, familiares ou de grupo. Os cristãos-novos eram 
personagens de uma história na qual tinham papeis pré-determinados: financiar as 
empreitadas ultramarinas, sendo tratados genericamente por judeus, sem que se fizesse uma 
diferenciação entre os judeus portugueses estabelecidos em Amsterdã e os cristãos-novos de 
origem portuguesa estabelecidos na colônia. Nas palavras de Caio Prado Jr.: 
 
Somas relativamente grandes foram despendidas nestas primeiras empresas 
colonizadoras do Brasil. Os donatários, que em regra não dispunham de grandes 
recursos próprios, levantaram fundos tanto em Portugal como na Holanda, tendo 
contribuído em boa parte banqueiros e comerciantes judeus. A perspectiva principal 
do negócio está na cana-de-açúcar.17 
 
 
Ou ainda na reflexão de Celso Furtado: 
 
Como elemento urbano, os judeus desempenhariam um importante papel ao lado da 
burguesia nativa na formação do Reino e na luta contra o núcleo territorial. A 
monarquia encontraria neles um de seus sustentáculos e a política de expansão se 
apoiaria solidamente em suas economias. É sabido que a marinha mercante lusa se 
desenvolveu em parte à base de contribuições dos judeus, que estavam obrigados a 
um imposto especial por navio construído e lançado ao mar.18 
 
 
As limitações impostas por essa visão já há algum tempo se fazem sentir e vêm sendo 
expostas por autores como Evaldo Cabral de Mello, em cuja obra O Nome e o Sangue19, 
desmistifica algumas ideias relativas à “pureza de Sangue” da aristocracia Pernambucana do 
século XVIII, apontando não só o financiamento, mas também a presença física desses 
cristãos-novos no Brasil. Ele levanta, para tanto, várias questões relativasà montagem dos 
primeiros engenhos, à origem de seus proprietários e à mudança de mãos dessas primeiras 
terras, discutindo também a pretensa nobreza de algumas das famílias que aqui chegaram com 
o primeiro donatário. O autor analisa ainda as diversas formas de burlar a “mancha de 
Sangue”20 carregada por alguns membros de famílias proeminentes. Outro escrito do mesmo 
 
17 PRADO JR., Caio. Op cit, 1977. p. 32. 
18 FURTADO, Celso. Economia Colonial no Brasil nos Séculos XVI e XVII. São Paulo: Hucitec; Associação 
Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), 1971, p. 29. 
19 MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue: uma fraude genealógica no Pernambuco Colonial. 2. ed. 
rev. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. 
20 Por terem sangue judaico, os cristãos-novos eram tidos como impuros e impedidos de participarem de uma 
série de instituições no Reino e logo mais também na colônia. E os que descendiam de cristãos-novos recorreram 
14 
 
autor intitulado “Marginália: os alecrins do canavial”21 também nos norteia para pensar a 
íntima relação entre cristãos-novos e cristãos velhos nas zonas de produção do açúcar. Neste 
texto, o autor aponta a heterogeneidade do grupo de senhores de engenho na capitania de 
Pernambuco antes da invasão holandesa. 
Interessa-nos mais especificamente as relações que os cristãos-novos tiveram que 
desenvolver com cristãos velhos, flamengos, judeus e demais agentes no comércio do açúcar. 
Relações que se tornaram fundamentais na medida em que as redes das quais participavam os 
sefardís22 tomaram contornos específicos na capitania de Pernambuco. 
 Para compreender o funcionamento dessas redes de comércio ao longo do período por 
nós estudado é necessário que observemos quais comerciantes estiveram na capitania de 
Pernambuco e quais nela permaneceram nas três primeiras décadas do século XVII. Interessa-
nos observar se ocorreu uma desmobilização dos comerciantes de origem cristã-nova 
motivada por uma crise ou se esses deslocamentos eram apenas característicos dessas redes 
comerciais. Alguns autores propõe que uma crise no começo do século XVII seria 
responsável por essa mutação. Nessa perspectiva, explica Leonor Costa: “Na verdade, esse 
processo de desmobilização dos proprietários/comerciantes das primeiras décadas do ‘ciclo do 
açúcar’ é concomitante a uma maior diferenciação entre os grupos ligados à produção e à 
distribuição claramente perceptível entre 1614 e 1625”.23 
Nossa tese central foi formulada pela analise das estratégias traçadas pelos 
comerciantes de origem cristã-nova estabelecidos na capitania de Pernambuco. Observando o 
desenvolvimento das mesmas principalmente em função das condições nas quais se 
reestruturou o comércio atlântico nas primeiras décadas do século XVII. É a partir desse 
momento que os elementos cristãos-novos ligados ao comércio em grande escala utilizam 
suas parcerias com cristãos velhos na capitania e com Judeus Portugueses em Amsterdã para 
conseguirem prosperar numa conjuntura de dificuldades. Procuramos também romper desta 
forma com a ideia de redes de comércio de origem sefardí, que se multiplicam e alimentam, 
como única forma de expressão dessas relações. O que observamos através da análise das 
 
a várias manipulações para que sua ascendência não atrapalhasse suas pretensões a cargos ou postos em ordens 
religiosas. MELLO, Evaldo Cabral de. Op. Cit., 2000. 
21MELLO, Evaldo Cabral de. “Marginália: os alecrins do canavial” In: Rubro Veio: O Imaginário da 
Restauração Pernambucana. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, pp.409-444. 
22 “Sefaradim” no hebraico significa “espanhóis”, no singular, “sefaradi” ou “sefardi”. Judeus de origem 
espanhola e portuguesa que se espalharam pelo Norte da África, Império Otomano, Parte da América do Sul, 
Itália e Holanda após a expulsão da península ibérica no fim do século XV”. UNTERMAN, Alan. Dicionário 
Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 233. 
23 COSTA. Leonor Freire. Império e Grupos Mercantis: Entre o Oriente e o Oceano Atlântico (século XVII). 
Lisboa: Livros Horizonte, 2002, p. 55. 
15 
 
trajetórias dos homens envolvidos no comércio e na produção do açúcar na capitania de 
Pernambuco foi a formação de redes mais amplas e com elementos e interesses heterogêneos. 
Para nossa análise, buscamos identificar os cristãos-novos partícipes dessas redes 
comerciais num primeiro momento, entre 1580 e 1621, pontuando suas ações, parceiros e 
estratégias de inserção.24 Logo, traçando os caminhos seguidos pelos mesmos, seja 
permanecendo no comércio da capitania, seja diversificando seus investimentos em outros 
portos ou ainda transferindo todo seu crédito para o tráfico de escravos destinados à América 
espanhola. Entendendo “que a análise das redes só faz sentido em contexto, há que 
compreender os tipos de interação que se geram com o ambiente social geral, com outras 
redes e outras organizações,”25 nos detivemos a um conjunto de fatores que podem ter 
contribuído para a melhoria ou piora das condições comerciais existentes na capitania de 
Pernambuco em começo do século XVII. 
Em seguida, observamos os comerciantes cristãos-novos que estavam em ação no 
comércio após 1621, analisando principalmente as novas relações que se constituíram entre os 
cristãos-novos e os cristãos velhos para a manutenção dos negócios nesse período de 
turbulência, marcado pela queda do preço do açúcar no mercado europeu e pela retomada das 
hostilidades por parte dos holandeses no atlântico. Na análise dessas redes fazemos nossas as 
palavras de João Fragoso e Maria de Fátima Gouveia ao colocarem que: 
 
As redes são aqui percebidas como networks de relacionamentos, construídos a 
partir das ações e das relações vivenciadas entre diversos indivíduos com acesso a 
informações e recursos diferenciados entre si. Essas diferenças potencializavam a 
possibilidade de sua imbricação, tirando-se assim partido das fraturas que 
cotidianamente eram identificadas nos diversos cenários sociais que compunham o 
império português.26 
 
Ao longo de nossa pesquisa compreendemos que o comércio do açúcar passou por 
uma série de dificuldades nas primeiras décadas do século XVII, causadas pela queda do 
preço do açúcar na Europa e pela ação de corsários no oceano atlântico. Estas dificuldades 
afetaram diretamente os comerciantes estabelecidos na capitania de Pernambuco, mas não 
levaram os mesmos ao abandono deste comércio, nem a saída da capitania. Nossa tese é de 
 
24 Identificamos 165 cristãos-novos, entre comerciantes, senhores de engenho e lavradores, localizados na 
Capitania de Pernambuco entre os anos de 1580-1630. É a partir do itinerário desses homens que verificaremos 
as mudanças nos cristãos-novos partícipes dessas redes e as relações dos mesmos com os cristãos velhos na 
capitania. Ver Cap. 1 - O estigma que produz as fontes. 
25 SOARES, Mafalda. Redes sociais e decisões políticas no recrutamento dos governantes das conquistas, 1580-
1640. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). Na Trama das Redes: Política e Negócios no 
Império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 121. 
26 FRAGOSO, João; GOUVEIA, Maria de Fátima (Org.) Na trama das Redes: Política e Negócios no Império 
português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2010. p. 23. 
16 
 
que os cristãos-novos reestruturaram seus negócios, ampliando sua participação nos 
financiamentos e seguros marítimos bem como no exercício de outras funções na capitania 
como forma de superar essas dificuldades. 
Observamos, ao longo de nosso estudo, que mesmo diante dessa tensa conjuntura a 
maioria dos cristãos-novos não deixou delado o comércio açucareiro. E aos que 
permaneceram em Pernambuco, bem como aos que chegaram a princípios do século XVII, 
coube uma maior interação com os cristãos velhos e uma intensa participação na sociedade 
em composição nesta capitania.27 Essa interação que se desenhou em fins do século XVI foi 
abalada pela ação inquisitorial de 1593-159528, sendo retomada com mais intensidade no 
começo do século XVII. 
Para sua melhor exposição, o trabalho escrito foi dividido em seis capítulos, que se 
entrelaçam e complementam na explicação das relações estabelecidas pelos agentes cristãos-
novos na capitania de Pernambuco entre os anos de 1580 e 1630. No primeiro capítulo, 
desenvolvemos uma leitura da historiografia referente ao comércio colonial e a participação 
dos cristãos-novos no mesmo. Seguida de uma explanação de nossas fontes e das abordagens 
utilizadas ao longo da elaboração desta tese. Apresentamos, por fim, o Oceano Atlântico, 
enquanto espaço praticado pelas diversas redes de comércio em fins do século XVI e começo 
do XVII e o conceito de história do atlântico enquanto possibilidade metodológica. 
No segundo capítulo, desenvolvemos uma narrativa que busca apresentar os cristãos-
novos, suas origens, opções religiosas e os múltiplos destinos tomados após a expulsão dos 
Judeus de Portugal, em 1496-97, e as conversões ao catolicismo. Por fim, contextualizamos 
esses cristãos-novos na Península Ibérica durante o período de Monarquia Dual, tentando 
compreender as negociações e estratégias por eles elaboradas. 
No terceiro capítulo, observamos as condições comerciais vigentes durante a União 
Ibérica e as novas estratégias reguladoras da Coroa, entre outros fatores importantes à 
compreensão da ação comerciantes cristãos-novos por nós estudados. Dedicamo-nos 
posteriormente à capitania de Pernambuco e sua delimitação geopolítica de então. Nosso fio 
conductor foi a análise das estratégias dos comerciantes, lavradores e senhores de engenho 
 
27 Formando o que Evaldo Cabral vai chamar de “açúcarocracia pernambucana”. MELLO, Evaldo Cabral de. 
Rubro Veio: O imaginário da restauração Pernambucana. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. 
28 O interesse da Inquisição nos domínios portugueses da América foi aguçado pelo florescimento econômico e 
cultural da colônia, em decorrência do cultivo da cana-de-açúcar e da formação de novos espaços de convivência 
afastados das restrições da metrópole, proporcionando a liberdade de que gozavam os cristãos-novos que aqui 
habitavam, integrados em todas as atividades. Silva, janaina Guimarães da Fonseca e. Modos de Pensar e 
Maneiras de Viver: Cristãos-novos em Pernambuco no século XVI Dissertação de mestrado apresentada ao 
programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, 2007, p. 45. 
17 
 
cristãos-novos no momento de ascensão do açúcar brasileiro em fins do século XVI até o 
começo do século XVII. 
O quarto capítulo aborda as condições comerciais dos principais produtos negociados 
na América Portuguesa, o açúcar, o pau-brasil e os escravos. E também a queda do preço do 
açúcar no mercado europeu seguido da intensificação das hostilidades por parte dos 
holandeses em 1621. Procuramos compreende como esta conjuntura afetou o comércio da 
capitania de Pernambuco, e especificamente os cristãos-novos nela estabelecidos. 
No quinto capítulo, verificamos, através da documentação trabalhada, as estratégias 
encontradas por diversos homens de origem cristã-nova para ampliarem e diversificarem suas 
participações em redes de longo alcance. O ponto de observação se atenta ao fato de como os 
mesmos foram detentores de ampla mobilidade que os permitia participar em vários ramos do 
comércio ultramarino. Analisamos também como alguns cristãos-novos sofreram com as 
ações inquisitoriais tanto na América portuguesa quanto na Península Ibérica, em começos do 
século XVII. E como essa repressão os obrigava, por vezes, a fugas e grandes deslocamentos. 
No sexto capítulo, procuramos compreender a permanência de vários cristãos-novos, 
bem como a chegada de novos elementos de ascendência judaica à Capitania de Pernambuco 
e o envolvimento destes comerciantes nas diversas atividades praticadas. As origens desses 
recém-chegados serão analisadas para compreendermos seus interesses no comércio 
Atlântico. Por fim delineamos também as conexões destes comerciantes em Amsterdã, então 
centro financeiro da Europa. 
Desta forma pretendemos descortinar as relações que os comerciantes de origem 
cristã-nova tiveram que desenvolver para prosperarem na Capitania de Pernambuco. Pensando 
a ação desses homens, os motivos que os levaram a se estabelecerem em Pernambuco, suas 
estratégias comerciais e matrimoniais com cristãos velhos e as relações mantidas ou rompidas 
com outros cristãos-novos dentro e fora da Capitania. 
 
 
 
 
 
 
 
18 
 
 
 
1 O personagem cristão-novo da Península Ibérica à Capitania de Pernambuco: 
vínculos, trajetórias e redes de comércio 
 
 
Os cristãos-novos, judeus convertidos em Portugal no final do século XV (1497), e 
seus descendentes encontraram no Brasil, e especificamente em Pernambuco, não apenas 
local de resguardo das perseguições sofridas na Península Ibérica, como também 
possibilidades de ampliarem suas riquezas, as quais já tinham como base o comércio. Esses 
indivíduos se espalharam pelo mundo mantendo seus vínculos familiares, econômicos e 
afetivos com a Península Ibérica. 
Esses personagens estavam ligados por redes de parentesco e solidariedade a outros 
neoconversos de origem judaica, dispersos pelo mundo, bem como aos judeus de origem 
portuguesa, devido ao caráter recente da expulsão dos mesmos de Portugal em 1496 e à 
conversão forçada em 1497. Esse traço é fundamental para a compreensão de como esses 
homens conseguiram condições para transporem o oceano e desenvolverem, no Brasil, seus 
empreendimentos quando muitos cristãos-velhos não lograram esse intento. Neste capítulo, 
explanaremos sobre as fontes e as abordagens que guiaram nossa pesquisa, discutindo 
sucintamente a importância dos estudos sobre o comércio e os comerciantes na América 
portuguesa e a utilização do conceito de rede para melhor abordá-los. 
Apresentaremos também uma breve discussão historiográfica acerca da presença 
cristã-nova na Península Ibérica e na América Portuguesa. Para compreendemos a presença de 
comerciantes cristãos-novos no trato do açúcar, faz-se necessária uma apresentação da 
importância do Oceano Atlântico e das redes que o percorriam, bem como das condições de 
comércio e circulação no período de governo dos Habsburgo. O conceito de História do 
Atlântico será aqui abordado para ajudar na compreensão dos recortes espaciais e temporais 
desta pesquisa. 
1. 1 Comércio e cristãos-novos no Império português 
19 
 
A história da colonização portuguesa na América tem sido objeto de renovada 
produção historiográfica; e o comércio, como peça fundamental nesse processo, também foi 
contemplado por essa nova leva de estudos. Tais pesquisas propunham um reordenamento das 
questões que envolvem a colonização a partir do estudo do papel dos comerciantes e da 
abordagem dos mesmos enquanto agentes do Império Colonial português, fundamentais para 
o entendimento da dinâmica comercial. 
Esses novos questionamentos se desenvolvem a partir da análise do papel do Estado 
nas metrópoles modernas. Estudos demonstraram o limitado poder do mesmo e relacionaram 
sua capacidade de administração a seu potencial de negociação com as elites locais, sendo a 
partir de então questionado o caráter centralizador do Estado português, redefinido por 
Antônio Manuel Hespanha como estado coorporativo.29 
Durante boa parte do século XX, a história da América portuguesa foi abordada a 
partir da perspectiva econômica marxista, mediante a qual se analisava o Brasil enquanto 
locus para aacumulação de capital europeu, ideia desenvolvida por Caio Prado Jr. na década 
de 40, em Formação do Brasil Contemporâneo30. Essa importante obra teve, entre outros 
méritos, o de romper com a teoria dos ciclos econômicos, então em voga. Na perspectiva de 
Caio Prado Jr., a função do Brasil era produzir matérias primas de interesse europeu, visto ser 
a colônia desprovida de mercado interno. Era dessa forma que o Brasil se encaixava enquanto 
capítulo na História do comércio europeu. Sobre o pensamento de Caio Prado, nos fala José 
Carlos Reis: 
A colonização portuguesa na América não foi um fato isolado - é parte de um todo. 
A perspectiva do historiador é do todo que explica a parte. A parte-Brasil tem um 
sentido-todo: nossa formação se deu, essencialmente, para fornecer açúcar, tabaco, 
ouro, diamantes, algodão e café para o comércio europeu. Nada mais que isso. Foi 
com tal objetivo, exterior, para fora que se organizou a sociedade e a economia 
brasileiras.31 
 
A ideia de dependência expressa em Formação do Brasil Contemporâneo foi 
desenvolvida também por Celso Furtado, em Formação econômica do Brasil32, no qual este 
autor fala da dependência da economia brasileira em relação à europeia, citando a importante 
 
29 HESPANHA, António Manuel. Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político - Portugal - séc. 
XVII. Coimbra: Almedina, 1994. 
30 Obra publicada pela primeira vez em 1942. PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São 
Paulo: Brasiliense, 2004. 
31 REIS, José Carlos. As Identidades do Brasil: de Varnhagem a FHC. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 
186. 
32 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. 
20 
 
participação do capital de judeus na indústria açucareira. Refletindo sobre esses 
investimentos, Celso Furtado explica que apesar dos grandes lucros do açúcar e dos gastos 
relativamente baixos com a qualidade de vida dos senhores de engenho, não houve uma crise 
de superprodução, como se poderia se esperar com a reaplicação na indústria açucareira dos 
lucros obtidos. Ele justifica esse controle pelo fato de o capital investido não pertencer aos 
senhores de engenho, e sim aos comerciantes. Esse capital “seria o que modernamente se 
chama de renda dos não residentes, e permanecia fora da colônia.”33 
Nossas observações, no entanto, nos levaram a compreender que as funções de 
comerciantes e senhores de engenho não estavam delimitadas ainda em fins do século XVI e 
começo do XVII, e também que uma parte do que ele chama de comerciantes “não 
residentes”, estavam sim na colônia. Como exemplo citamos Duarte Ximenes, maior 
comercializador do açúcar em fins do século XVI, que se estabeleceu na capitania de 
Pernambuco, onde residiu toda vida e reinvestiu seus capitais, participando de uma série de 
atividades entre as quais contratador dos dízimos da capitania. 
A Teoria da dependência foi contestada pelas obras de Ciro Flamarion Cardoso34 e 
Jacob Gorender35, que desenvolveram a Teoria do Modo de Produção Escravista36, na qual 
levantaram a necessidade de se estudar os processos internos da colônia. Ambos reconhecem 
a importância dos avanços feitos por Celso Furtado e Caio Prado Jr., mas criticaram no seu 
arcabouço teórico a supervalorização dada a “estrutura exportadora”.37 Não nos deteremos 
aqui à obra de ambos por entendermos que, para o estudo de nosso objeto, as redes de 
comércio das quais participavam os cristãos-novos, as obras ligadas a teoria da dependência, 
tiveram mais repercussões. 
A relação de estrita dependência entre colônia e metrópole, na qual a primeira estava 
subordinada aos desígnios da segunda, foi cristalizada em Portugal e o Brasil na crise do 
antigo sistema colonial (1777-1808), obra de Fernando Novais. O autor explica a colonização 
 
33 FURTADO, Celso. Op. Cit., 1971, p. 46. 
34 CARDOSO, Ciro Flamarion. As concepções acerca do “Sistema Econômico Mundial e do Antigo sistema 
Colonial”; a preocupação obsessiva com a “Extração de excedente”. In: LAPA, José Roberto do Amaral. Modos 
de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980; CARDOSO, Ciro Flamarion. Escravo ou 
camponês? O proto-campesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasiliense, 1987. 
35 GORENDER, Jacob. O Escravismo colonial. São Paulo: editora Ática, 1988. 
36 Ambos discordam em vários aspectos, como quanto à questão da “brecha camponesa”, mas concordam quanto 
a crítica a teoria da dependência. 
37 Nas palavras de Jacob Gorender sobre a obra de caio Prado Jr. “ se avançou no conhecimento do arcabouço 
econômico-social, porém só na medida em que permitia o mirante onde se colocava o pesquisador - a 
perspectiva do comércio exterior. GORENDER, Jacob. Op. Cit., 1988, p. 3. 
21 
 
a partir da ideia de sistema colonial, calcado nas necessidades mercantilistas de acumulação 
de capital por parte dos Estados Europeus. Sob forte influência da obra de orientação marxista 
de Eric Williams, Capitalismo e Escravidão38, Fernando Novais expressa sua compreensão da 
colonização: 
A colonização, segundo a análise que estamos tentando, organiza-se no sentido de 
promover a primitiva acumulação capitalista nos quadros da economia europeia ou, 
noutros termos, estimular o progresso burguês nos quadros da sociedade ocidental. É 
esse sentido profundo que articula todas as peças do sistema. 39 
 
 Essa importante obra, contudo não apontava para as rupturas nas relações entre 
metrópole e colônia, mas apenas para as continuidades do que o autor compreende ser o 
“exclusivo metropolitano”.40 Pois o mesmo sempre aponta as exceções possíveis e correntes a 
esse exclusivo sem, contudo, colocá-lo em xeque41. Fazendo uma releitura da historiografia 
acerca da colonização portuguesa do Brasil, Maria Fernanda Bicalho tece uma crítica às 
abordagens que compreendem um centro de decisões - a metrópole - e um subordinado - a 
colônia. A autora afirma que: 
Trata-se de uma vertente da historiografia que, de cunho sistêmico, estrutural e 
marxista, relegou a um plano subordinado a tessitura de redes de poder, interesses, 
parentescos e negócios entre o centro e as várias regiões do ultramar português, cuja 
análise torna-se hoje fundamental para a configuração da dinâmica do escopo 
imperial.42 
 
As relações entre as distintas partes do Império português ficavam alijadas destas 
análises, que priorizavam a dicotômica relação metrópole (como centro de decisões 
determinantes) e colônia (locus de execução das ordens metropolitanas). A tarefa de estudar o 
Império português em seu conjunto foi empreendida desde a década de 60 do século XX por 
 
38 WILLIANS. Eric. Capitalismo e escravidão. Rio de Janeiro: Americana, 1942. 
39 NOVAIS, Fernando. Portugal e o Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 8. ed. São Paulo: 
HUCITEC, 1993, p.97. 
40 “constituía-se, pois no mecanismo por excelência do sistema, através do qual se processava o ajustamento da 
expansão colonizadora aos processos da economia e da sociedade europeias em transição para o capitalismo 
integral”. Idem, p. 72 
41 E segue explicando “ como procuraremos indicar sinteticamente agora, apesar de todas as variações que 
sofreram ao longo do séculos XVI, XVII e XVIII as relações comerciais das metrópoles com suas respectivas 
colônias, aquele regime foi a matriz básica dessas relações, entendendo-se as situações que se afastam desse 
procedimento típico como variações decorrentes de fatores especiais e circunstanciais.”. Idem, p. 73. 
42 BICALHO, Maria Fernanda. Da colônia ao império: um percurso historiográfico. In: SOUZA, Laura de 
Mello e; FURTADO, Junia Ferreira; BICALHO, Maria Fernanda (Orgs.). O Governo dos povos. São Paulo: 
Alameda, 2009, p. 93. 
22 
 
parte do inglês Charles Boxer, autor, entre outros, de O império marítimo Português43. 
Contudo,apenas na década de oitenta, suas obras passam a gerar discussões conceituais. 
Depois de Charles Boxer, Russel-Wood, outro brasilianista que sofreu sua influência direta44, 
também se destacou ao trabalhar as relações entre o que ele compreende como centro e 
periferia do império, mostrando a dinâmica do mercado interno brasileiro, esquecida pela 
historiografia da abordagem anterior: 
A noção de um governo metropolitano centralizado, a formulação de políticas 
impermeáveis à realidade colonial e implementadas ao pé da letra por agentes da 
coroa, de uma coroa insensível e de atitudes metropolitanas rígidas voltadas para o 
Brasil, demanda revisão.45 
 
A concepção da análise do Brasil enquanto partícipe de um império forjado na relação 
entre as diversas partes é por nós aplicada para o melhor entendimento da dinâmica comercial 
e administrativa ibérica na América Portuguesa. O recorte isolado do Brasil, descolado das 
demais possessões portuguesas, não consegue, a nosso ver, explicar a diversidade de fatores 
que influenciaram sua trajetória enquanto colônia. 
Procuramos neste trabalho abordar a América portuguesa, e especificamente a 
Capitania de Pernambuco, dentro de uma dinâmica mais ampla, para além da dicotomia 
metrópole-colônia. Para tanto, é fundamental entendermos a mesma como parte de um 
império onde as relações entre os diversos espaços constituintes se fazem, por vezes, 
independente do Reino. A administração das partes é vista de forma mais ampla na medida 
em que rompemos com a lógica do sistema colonial e observamos a partir do que propôs 
Hespanha46: a ausência de um projeto imperial e de uma modus operandi único no Império 
português. 
Os novos estudos sobre a formação dos estados modernos, ao identificarem a 
dinâmica coorporativa como aquela que deu origem aos conglomerados estatais no 
período, salientaram desde então o papel central da constituição de vínculos 
 
43 BOXER, Charles. O Império marítimo português (1415-1825). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 
44 Russel-Wood foi aluno de Charles Boxer, mantendo com ele uma série de orientações durante sua formação. 
Em interessante entrevista dada ao Profº Drº Luciano Raposo Figueredo, o pesquisador Russel-Wood relata um 
pouco do percurso de sua formação e das pesquisas relacionadas ao Brasil. Ver: Revista Tempo. Rio de Janeiro, 
vol.3, nº6, 1998, Pp. 221-241. 
45 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Centro e periferia no mundo luso-brasieleiro. 1500-1808. Revista Brasileira de 
História. v. 18, nº36, 1998, p. 202. 
46 HESPANHA, Antonio Manuel. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos 
correntes. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda e Gouvêa, Maria de Fátima (Orgs.). O Antigo 
Regime nos Trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira, 2001, Pp. 163-188. 
23 
 
estratégicos entre os vários grupos partícipes do processo de formação dos estados 
monárquicos.47 
 
Para o funcionamento administrativo colonial, foram necessárias negociações com 
seus diversos membros, entre os quais estavam os comerciantes, cujo potencial agora 
revisitamos. Eles não são apenas um reflexo dos interesses metropolitanos na lógica 
mercantilista, mas sujeitos partícipes e responsáveis pelo funcionamento do Império 
português e, como tal, agentes de vontades e interesses próprios. 
Em relação aos estudos sobre comércio, a historiografia brasileira vem propondo 
alternativas que buscam outros olhares, distintos da teoria de plena dependência que colocava 
o Brasil como coadjuvante do sistema de acumulação português e seus atores comerciais 
como subordinados à vontade do poder central. Nessa perspectiva, os grupos mercantis 
tornaram-se aos poucos objeto da produção historiográfica nacional, da qual destacamos a 
obra de Manolo Florentino e João Fragoso48, O arcaísmo como projeto. Nela, os autores 
abordam o comércio enquanto forma de inserção social numa estrutura hierárquica pré-
existente. Esses grupos cuja fortuna advinha do comércio não estavam buscando reestruturar a 
sociedade colonial, mas sim utilizar esse capital para manter os padrões da sociedade 
portuguesa. A obra abre caminhos para o entendimento das estratégias e ações dos grupos 
mercantis na colônia, explanando sobre seus interesses e possibilidades de ação. Elaborando 
também uma crítica à historiografia tradicional, apoiada na ideia de sistema colonial, Antônio 
Jucá Sampaio49 aponta, como grandes problemas dessa vasta produção historiográfica, 
primeiro a pouca atenção dada ao comércio e seus agentes e segundo a ênfase à importância 
social da elite agrária. 
O estudo a partir do entendimento dessa pluralidade de interesses e poderes 
constituídos nas relações entre os membros do Império Colonial português nos alerta para a 
perspectiva das redes de poder, que podem ser abordadas sob diferentes ângulos50. Os 
questionamentos que levam historiadores a tomarem como objeto o comércio ultramarino e as 
 
47 GOUVEIA, Maria de Fátima. Redes governativas portuguesas e centralidades régias no mundo português, 
1680-1730. IN: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). Na Trama das Redes: Política e 
Negócios no Império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p.166. 
48 FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto. Mercado atlântico, sociedade agrária 
e elite mercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro, C.1790-C.1840. Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira, 2001. 
49 SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas 
econômicas no Rio de Janeiro (c.1650 –c.1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. 
50 Sobre redes governativas, ver: BICALHO, Maria Fernanda. A Cidade e o Império: o Rio de Janeiro no século 
XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 
24 
 
estratégias dos grupos nele envolvido são recentes, muitos se utilizam da análise de trajetórias 
individuais ou de grupos, seguindo pressupostos da micro-história. Esses estudos respondem a 
um anseio pela reconstrução da história de personagens excluídos pela historiografia clássica 
de suas condições de agentes. Nessa perspectiva, uma coletânea nos foi de grande 
contribuição, Na trama das Redes: Política e Negócios no Império português, séculos XVI-
XVIII ,51cujos artigos, por estarem intimamente relacionados à nossa proposta de trabalhar as 
redes das quais participavam os cristãos-novos, serão continuamente referidos ao longo de 
nossa análise. 
Para elaboração de nossa tese, foram de fundamental importância alguns estudos que 
se dedicaram ao comércio no período filipino. Aqui destacamos o estudo clássico, “Portugal, 
o Brasil e o Atlântico – 1570-1670”, de Frederic Mauro52, obra em dois volumes, em que o 
mesmo discorre sobre o comércio atlântico, suas dinâmicas, mercadorias e rotas e é referência 
obrigatória nos estudos de comércio colonial, tão carente de obras do tipo. Destacamos, no 
entanto, o primeiro volume por abarcar as questões relativas ao comércio de açúcar, escravos 
e pau-brasil, no qual o autor analisa os fatores que colaboraram para construir o Atlântico 
enquanto palco principal da circulação de mercadorias diversas e também das disputas entre 
potências europeias ao logo do século XVII. 
Outro estudo norteador é “Gente da Nação”, de José António Gonsalves de Mello53, 
cuja participação dos cristãos-novos no comércio da Capitania de Pernambuco é abordada nos 
primeiros dois capítulos, principalmente em sua relação direta com as províncias do norte 
europeu, Antuérpia, Hamburgo e Amsterdã. Essa obra traça uma série de possibilidades para 
o estudo da dinâmica das redes comerciais ao utilizar uma vasta documentação, até então 
inédita, para o trabalho das mesmas: os registros notariais de Amsterdã em fins do século XVI 
até 1639.Completam os títulos clássicos sobre as redes de comércio que envolviam cristãos-
novos os estudos “Os Magnatas do trafico negreiro”, de José Gonsalves Salvador54, no qual 
encontramos vários de nossos personagens entre os detentores de asientos55 para introdução 
 
51 FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). Na Trama das Redes: Política e Negócios no Império 
português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. 
52 MAURO, Frederic. Portugal, o Brasil e o Atlântico – 1570-1670. Lisboa: Editorial Estampa, 1988. 
53 MELLO, José António Gonsalves de. Gente de Nação: Cristãos-Novos e Judeus em Pernambuco 1542-1654. 
Recife: Massangana, 1989. 
54 SALVADOR, José Gonsalves. Os magnatas do tráfico negreiro. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1981. 
55 Contrato para transportar um número determinado de escravos da África para a América espanhola com 
exclusividade. 
25 
 
de escravos na América Espanhola; e o prefácio “Segunda Visitação as partes do Brasil”56, de 
Sonia Siqueira e Eduardo França, no qual uma ampla análise da conjuntura europeia e 
atlântica é elaborada à luz da documentação gerada pela visitação de Marcos Texeira entre os 
anos de 1618 e 1621. 
Uma pesquisa sobre a participação de cristãos-novos em redes de longo alcance não 
pode prescindir de estudos de referência como “Portuguese Trade in Asia Under the 
Habsburgs. 1580-1640”, de James Boyajian57, sobre a participação dos portugueses nas redes 
comerciais que envolviam a Ásia no período filipino, ou ainda “Judios Nuevos en 
Amsterdam. Estudios sobre la historia social e intelectual del judaísmo sefardí en el siglo 
XVII”, de Yosef Kaplan58, sobre a comunidade judaica estabelecida naquela cidade em fins 
do século XVI. Essas obras dialogam com nosso trabalho, permitindo-nos compreender a 
extensão das redes nas quais nossos personagens estavam envolvidos, na medida em que 
encontramos os mesmos ou seus familiares estabelecidos ou de passagem por esses locais, 
apontando possíveis trajetórias traçadas por alguns cristãos-novos após sua saída do Brasil em 
busca de oportunidades comerciais diversas. 
Entre os estudos mais recentes que contribuíram diretamente para nosso trabalho, 
citamos a dissertação de mestrado de Angelo Assis, “Um rabi escatológico na Nova Lusitânia: 
Sociedade colonial e Inquisição no Nordeste quinhentista – o caso João Nunes”59, na qual o 
autor analisa as redes de relações que cercavam o comerciante João Nunes, seus opositores e 
os interesses envolvidos nas denúncias das quais o mesmo foi alvo. A dissertação descortina o 
universo da primeira visitação do Santo Ofício ao Brasil, dos processos inquisitoriais e da 
capitania de Pernambuco enquanto espaço praticado por vastas redes de comércio. 
Ainda nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras, destacamos as 
dissertações de mestrado de Ana Hultz, “Os cristãos-novos portugueses no tráfico de escravos 
para América espanhola. (1580-1640)”60, e a de Silvia Ricardo, “As redes mercantis no final 
 
56 Segunda Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo inquisidor, visitador e licenciado Marcos Teixeira. 
Livro das Confissões e Ratificações da Bahia - 1618-1620. Introdução de Eduardo d’Oliveira França e Sônia 
Siqueira. São Paulo: Anais do Museu Paulista. tomo XVII, 1963. 
57 BOYAJIAN, James Charles. Portuguese Trade in Asia Under the Habsburgs. 1580-1640, 
Baltimore/Londres, The John Hopkins University Press, cop. 1993. 
58 KAPLAN, Yosef. Judios Nuevos en Amsterdam. Estudios sobre la historia social e intelectual del judaísmo 
sefardí en el siglo XVII, Barcelona, Gedisa, 1996. 
59 ASSIS, Angelo A. F. Um rabi escatológico na Nova Lusitânia: Sociedade colonial e Inquisição no Nordeste 
quinhentista, o caso João Nunes. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, 
Niterói, 1998. 
60 HULTZ, Ana. Os cristãos-novos portugueses no tráfico de escravos para América espanhola. (1580-
1640). Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, São 
Paulo, 2008. 
26 
 
do século XVI e a figura do mercador João Nunes Correia”61. A primeira nos aponta a 
importância da União das Coroas Ibéricas para a penetração dos cristãos-novos no tráfico de 
escravos para a América espanhola, caminho que foi traçado por muitos dos comerciantes 
envolvidos no trato do açúcar em fins do século XVI. A segunda, por sua vez, complementa 
nossa compreensão das redes de comércio transcontinentais das quais participava o 
supracitado comerciante. 
Entre as contribuições das pós-graduações portuguesas, destacamos três estudos de 
vulto que abordam as dinâmicas comerciais. Primeiro, a tese de Leonor Freire Costa, “O 
Transporte no Atlântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil. 1580-1663”62, na qual a 
mesma analisa as dinâmicas do transporte no Atlântico. Ao fazê-lo, a autora aponta os agentes 
partícipes, suas redes de relações e os fatores que influenciavam no transporte, contribuindo 
consideravelmente para nosso entendimento da heterogeneidade dessas redes comerciais a 
partir das primeiras décadas do século XVII. Já a obra de Amandio Barros, intitulada “Porto. 
A construção de um espaço marítimo no alvorecer dos tempos modernos”63, nos ajuda a 
compreender as relações entre os portos portugueses e principalmente a emergência do Porto, 
em fins do século XVI, como local de origem de algumas das redes de comércio que tocavam 
a capitania de Pernambuco. A compreensão é possível através da minuciosa análise das cartas 
de fretamento do Porto em fins do século XVI, que o autor generosamente publicou no 
segundo volume de sua tese. 
Por fim citamos a tese de Florbela Veiga Frade, “As relações econômicas e sociais das 
comunidades sefarditas portuguesas. O trato e a Família -1532-1632”64. As redes compostas 
majoritariamente de cristãos-novos portugueses na Antuérpia são minuciosamente analisadas 
pela autora, partindo das relações familiares entre as mesmas, nos dando subsídios não só para 
compreensão das relações entre os cristãos-novos nesse importante porto comercial em fins 
do século XVI, mas também para o entendimento das relações entre a América portuguesa e a 
Antuérpia no período por nós estudado. 
 
 
61 RICARDO, Silvia Carvalho. As redes mercantis no final do século XVI e a figura do mercador João 
Nunes Correia. Dissertação (Mestrado em História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências 
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. 
62 COSTA, Maria Leonor Freire. O Transporte no Atlântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil. 
1580-1663. Lisboa: CNCDP, 2002. 
63 BARROS, Amandio Jorge Morais. Porto: A construção de um espaço marítimo no alvorecer dos tempos 
modernos. Tese (Doutorado em História Moderna) – Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 2004. 
64 FRADE, Florbela Veiga. As relações econômicas e sociais das comunidades sefarditas portuguesas: O 
trato e a Família -1532-1632. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 
Lisboa, 2006. 
27 
 
1.2 Por um conceito de redes 
A análise dos cristãos-novos nas redes de poder da América portuguesa de fins do 
século XVI e começo do século XVII será feita aqui através das relações estabelecidas por 
estes agentes na Capitania de Pernambuco. Yosef Kaplan, em seu estudo sobre Judeus em 
Amsterdã65, já explicitava a necessidade de compreendermos a história dos serfardi não 
apenas através do aspecto religioso e cultural, mas também a partir da história social desses 
homens. Muito já foi escrito sobre a religiosidade dos cristãos-novos66, sobre sua fidelidade 
aos preceitos judaicos e a respeito da inserção dos mesmos no mundo católico, sob a égide 
dos impérios ibéricos. Há ricos estudos que nos servem de apoio ao nos expor os rastros 
deixados pela documentação,mas que diferem do nosso devido ao foco na questão religiosa. 
Aqui não analisaremos a ação de um grupo, pois os cristãos-novos não agiram de 
forma coesa, e sim como uma série de homens portadores de um estigma comum, a origem 
judaica, que reagiram e se portaram de formas distintas em relação ao peso dessa ascendência. 
Preferimos o conceito de redes, das quais muitos participavam, mas que muitas vezes se 
sobrepõem às opções religiosas. Não é a religião que constitui o cristão-novo, mas seu 
reconhecimento enquanto portador de uma mácula de origem, como era vista a ascendência 
judaica então. Lembramos que muitos foram judaizantes, mas também houve aqueles que 
foram laicos e ainda outros que de fato aceitaram a fé da igreja católica. 
Interessa-nos como esses homens participaram da produção e comercialização do 
açúcar, empreenderam negócios de vulto e se fizeram ouvir pelas coroas ibéricas, apesar dessa 
mácula. Aqui pretendemos abordar por outra ótica a participação dos cristãos-novos nas redes 
de comércio que envolveram a comercialização do açúcar. Não enquanto comunidade ou 
grupo coeso, mas enquanto detentores de interesses diversos, e por vezes divergentes. Estes 
homens partilhavam a cultura Sefardí, desenvolvida na península ibérica, e com o avançar dos 
anos, desenvolveram vínculos tanto entre sí, pelo reconhecimento de uma ascendência 
comum, como também com os cristãos velhos com os quais mantiveram diversas parcerias. 
É importante salientarmos que muitos cristãos-novos católicos convictos partilharam 
redes com judeus praticantes. O que uniu por um tempo esses homens foram os laços gerados 
 
65KAPLAN, Yosef. Judios Nuevos en Amsterdam. Estudios sobre la historia social e intelectual del judaísmo 
sefardí en el siglo XVII. Barcelona: Gedisa, 1996. 
66 Entre muitos, podemos citar: FABEL, Nachman (Org); MILGRAM Avraham e DINES, Alberto. Em Nome 
da Fé: Estudos in memoriam de Elias Lipiner. São Paulo: Perspectiva, 1999; LIPINER, Elias. Os Judaizantes 
nas capitanias de Cima: Estudos sobre os Cristãos-novos no Brasil nos Séculos XVI e XVII. São Paulo: 
Brasiliense, 1969; IZECKSOHN, Isaac. Os Marranos Brasileiros. Biblioteca Armando Souto Maior. São 
Paulo: B’ Nai Brith, 1967. 
28 
 
pela ascendência e origem comuns. Aqui nos referimos à origem portuguesa e à ascendência 
judaica. Não eram unidos por uma prática religiosa comum como bem frisa Wachtel67. Esses 
laços vão além das opções religiosas e se reconfiguraram passado o tempo das conversões em 
fins do século XV. 
As consequências da expulsão dos judeus da Península Ibérica foram muitas. Segundo 
Yerushalmi68, ela foi responsável por um fenômeno cultural historiográfico inédito, pois a 
comunidade judaica produziu uma série de narrativas históricas sobre as expulsões, 
relacionando-as com os sofrimentos impingidos aos judeus desde os tempos do cativeiro na 
Babilônia69. Nem as cruzadas e nem as expulsões de outros países geraram igual produção 
literária. Assim, as dispersões em massa e a separação de famílias inteiras foram encaradas 
pela comunidade como momento único. 
O fato de que a maior e mais orgulhosa comunidade judaica da Europa 
tivesse sido exterminada era trágico suficiente. O significado maior da 
expulsão espanhola reside no fato de que, como resultado, a Europa ocidental 
tenha sido esvaziada de judeus.70 
 
A compreensão da diáspora sefardí e de suas implicações na construção dos cristãos-
novos é imprescindível para nosso trabalho. Nossos personagens são construídos na diáspora 
e dela detém uma série de características. Eles convivem com outros grupos no novo 
ambiente, mas trazem de seu núcleo ascendente características marcantes, construídas 
especificamente para manter a identidade cultural mesmo na dispersão física. Reginaldo 
Heller tece considerações sobre duas características da diáspora, pensada enquanto conceito 
sociológico e não apenas geográfico, que nos parecem importante: 
a) Solidariedade entre os indivíduos e grupos (comunidades 
dispersas) que formam a diáspora e que produzem uma organização 
comunitária destinada a defender os interesses de seus integrantes; b) O 
dinamismo de todos os seguimentos diaspóricos. As diásporas não são 
estáticas, elas se expandem e se contraem, não apenas por razões 
demográficas e/ou políticas, mas também porque os indivíduos têm suas 
 
67 O autor analisa o termo “nação” que incluía tanto judeus quanto cristãos-novos e a flexibilidade dos mesmos 
em relação às praticas religiosas a partir da criação da “dotar”, fundação para o auxílio de órfãs e viúvas, cujas 
beneficiárias poderiam ser cristãs-novas ou judias. WACHTEL, Nathan. A Fé da Lembrança: Labirintos 
Marranos. Lisboa: Editorial Caminho, 2002. 
68 YERUSHALMI, Yosef Hayim. Zakhor. História Judaica e memória Judaica. Rio de janeiro: Imago, 1992, 
p.79. 
69 O cativeiro da Babilônia, marco para a história do povo judaico, é relembrado também como o Jejum de 
Guedalia, que lembra o assassinato do último governante judeu antes do exílio da Babilônia, em 586 a. C. 
UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 
108. 
70 YERUSHALMI, Yosef Hayim. Op. Cit., 1992, p.78. 
29 
 
próprias estratégias de vida, as quais são informadas pela identidade 
coletiva e relacionadas a um passado comum.71 
 
Vários autores compreendem a questão da ascendência judaica como determinante na 
ação desses homens. Nas palavras de João Lucio Azevedo a influência da comunidade judaica 
em Portugal se deu “Porque a pertinácia da raça estranha podia mais, na sua passividade, que 
o arbítrio empírico dos governadores e o furor intermitente do populacho”.72 O que nos 
propomos é entender como algumas circunstâncias impostas aos cristãos-novos, como 
exclusão de vários cargos, as sucessivas proibições de migrarem da Península Ibérica ou 
mesmo o uso da ação inquisitorial foram por eles enfrentados e utilizados na construção de 
novas possibilidades de ação. 
Destarte os sofrimentos gerados pela dispersão, com as conversões, os cristãos-novos 
ocuparam espaços onde os judeus não tinham liberdade de ação. Onde não era permitido o 
judaísmo, os cristãos-novos resguardaram por um tempo os interesses de seus familiares e 
sócios, agora migrados em busca de liberdade religiosa. Esses homens já traçavam então redes 
de alcance mundial com base numa ascendência comum, gerando a segurança necessária aos 
arriscados empreendimentos que caracterizaram o processo de expansão marítima e 
comercial. Nesse contexto, faz-se necessária uma discussão sobre as bases dessas relações, 
que Nathan Wachtel vai considerar a primeira experiência de “globalização”73; e Braudel já 
caracterizara, em sua obra Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII, 
como o momento do boom dos judeus sefarditas.74 
As explicações para a expansão comercial europeia entre os séculos XV e XVIII 
deixaram, contudo, encoberta a ação desses agentes, sujeitos de vontades e interesses 
diversos que não eram levados por interesses macroeconômicos, e sim os constituíam. Esse 
período foi caracterizado por Imannuel Wallerestein75 de desenvolvimento da Economia 
Mundo. Para esse autor, em fins do século XV e começo do século XVI, se constituiu o 
que foi chamado por ele de economia europeia mundial, cuja emergência está ligada à 
 
71 HELLER, Reginaldo. Diáspora Atlântica: a nação judaica no Caribe, séculos XVII e XVIII. Tese de 
doutoramento, programa de pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 442. 
72 AZEVEDO, J. Lucio. História dos Cristãos-novos Portugueses. 3. ed. Lisboa: Clássica Editora, 1989, p. 1. 
73 WACHTEL, Nathan. A Fé da Lembrança: Labirintos Marranos. Lisboa: Editorial Caminho, 2002. 
74 BRAUDEL, Fernad. Civilização material, economia e capitalismo: séculosXV – XVIII. v. 1. São Paulo: 
Martins Fontes, 1995, p.134. 
75 WALLERESTEIN, WALLERSTEIN, Immanuel. O sistema mundial moderno. Porto: Afrontamento, 1974. 
v. 1. 
30 
 
política de expansão militar e econômica europeia, à formação dos Estados Nacionais e à 
diferenciação de formas de trabalho nos vastos locais, entre os quais a escravidão na 
América. Esse Sistema Mundo e os conceitos de centro e periferia por ele desenvolvidos 
têm sido bastante utilizados para explicar o desenvolvimento de mercados internacionais. 
Contudo, a ênfase nos centros europeus em detrimento de outros polos de autoridade e 
decisão ultramarinos acaba conferindo papéis pré-determinados a esses espaços, que nós 
entendemos como potencialmente de negociação. 
Vários autores atentaram para a importância dessas redes de solidariedade no 
estabelecimento de cristãos-novos em diversos empreendimentos. Ao estudar a presença 
judaica na América durante a era colonial, Avini76 observa o contínuo contato entre cristãos-
novos e judeus ao longo dos séculos XVI e XVII. Para esse autor, foi a ascendência comum 
que ligou os elementos dispersos fisicamente e que não, necessariamente, professavam a 
mesma religião.77 
De Lisboa ao Báltico, das praças da Alemanha central às cidades do Adriático e do 
Mediterrâneo oriental, a Salónica e a Alexandria, os grupos sefarditas estão por toda 
a parte, ágeis e ductís, assentes numa estrutura empresarial que, um dia, faria Werber 
Sombart dizer que estas comunidades inventaram o capitalismo, tal a importância 
dos judeus na sua construção.78 
 
 Contudo, essas redes não podem ser pensadas apenas enquanto continuidade de laços, 
mas também como rupturas e reestruturação. Para tanto, alguns procedimentos e conceitos 
precisam ser revisitados. Entre vários autores que nos auxiliaram na compreensão da dinâmica 
das redes comerciais das quais participavam cristãos-novos, Pilar Huerga Criado, em seu 
trabalho sobre as redes familiares entre Castela e os Países Baixos, nos aponta a necessidade 
de cruzarmos os dados provenientes das fontes ibéricas com aqueles oriundos de fontes 
judaicas. Para essa autora, essas redes de comércio se articulavam em torno das famílias, cujas 
ligações internas eram o veículo para os intercâmbios econômicos e religiosos79. 
Sua perquisa nos remete a importancia da utilização de fontes judaicas, fundamentais a 
nossa pesquisa na medida em que são nas atas das diversas comunidades judaicas constituídas 
 
76 AVNI, Haim. Judíos en América: Cinco Siglos de Historia. Madrid: Editorial MAPFRE, 1992. 
77 Muitos ainda que o fizessem não podia expor sua fé religiosa, coagidos que foram pelas perseguições e 
proibições a que estavam submetidos, principalmente nos impérios católicos. 
78 ALMEIDA, A. Marques. Do Zangão ao Mel: Uma metáfora sobre a diáspora sefardita e a formação das elites 
financeiras na Europa (séc.XV-XVII). Revista Oceanos, nº 29, diáspora e expansão. Jan./mar., 1997. P. 25-35. 
79 CRIADO, Pilar. Entre castilla y los Países Bajos: lazos familiares y relaciones personales. In: CONTRERAS, 
Jaime (Org.). Família, Religion y Negocio: El sefardismo en las relaciones entre el mundo ibérico y los paises 
bajos en la edad moderna. Alcalá: Fundacion Carlos Amberes y ministérios de asuntos exteriores, 2002. p.41 
31 
 
que encontraremos alguns dos elementos por nós estudados. Não podemos esquecer também 
que a publicação do acervo notarial de Amsterdã80 ocorreu por iniciativa do então líder da 
comunidade judaica daquele país em 1963, só depois contando com o apoio de instituições de 
pesquisa. 
As funções dentro dessas redes e as colaborações iam desde o núcleo de convivência 
até os demais membros da família, mais ou menos próximos, independentemente da 
localização geográfica dos mesmos. Laços de amizade, vizinhança e parentesco também 
compunham essas redes. As mesmas foram forjadas no êxodo imposto pelas expulsões da 
Península Ibérica, assim, não foram rompidas pela distância, ao contrário, se expandiram 
tomando dimensões internacionais. 
Bernardo Lopéz Belinchón também nos auxilia na compreensão dessas redes de 
comércio através de seu artigo intitulado “ Familia, Negocios y Sefardismo”81, no qual explica 
a necessidade de entendermos o conceito de família estendida, constituída por vários núcleos 
menores, dispersos espacialmente, mas unidos por vínculos de parentesco consanguíneos ou 
não. O autor enfatiza a importância das mesmas no momento em que a Espanha proíbe o 
comércio com os Países Baixos em luta por sua independência. Nesse momento, os cristãos-
novos portugueses, através de suas relações com os judeus estabelecidos fora do reino, 
conseguiam a confiança necessária ao lucrativo mercado de contrabando. O autor define uma 
casa de negócios como: 
Una empresa de base familiar con diversidade de negócios y uma red de agentes 
distribuídos por los principales centros econômicos, cuya direccion recaia sobre um 
membro de dicha família sotuado em uma sed central y que actuaba como 
coordenador del resto de la família y de la red de agentes.82 
 
Belinchón ainda nos oferece uma divisão de três níveis nas redes comerciais que nos 
parece interessante descrever. O primeiro seria formado pelo núcleo do patriarca geralmente 
situado na sede dos negócios, na qual eram centralizadas as informações e traçadas as 
estratégias de ação. O segundo seria composto por outros membros dessa família estendida, 
como irmãos e cunhados situados em pontos chaves da rede de comércio. E o terceiro nível 
seria o mais extenso, formado por agentes e correspondentes que não estavam unidos por 
 
80 NOTORIAL RECORDS IN AMSTERDÃ RELATING TO THE PORTUGUESE JEWS. In: Studia 
Rosenthaliana: Jornal for jewish literature and history in the Netherlands, University Library of Amesterdã. 
Vol. I ao XV (publicados desde 1967, coleção acervo Instituto Ricardo Brennand). 
81 BELINCHÓN, Bernardo Lopéz. Familia, negocio y sefardismo. IN: CONTRERAS, Jaime (org.) op Cit, 2002. 
82 Idem, p. 351. 
32 
 
laços de parentesco direto, mas que compartilhavam a origem e confiança para realização de 
negócios a longa distancia. 
Outro ponto citado pelo autor que nos parece importante destacar é a relação entre 
várias redes de comércio. Ao falarmos de redes sefardis, somos facilmente levados a entender 
tratar-se de um só agrupamento, no qual todos os membros da mesma origem estariam 
incluídos. Contudo, trata-se de várias redes, com interesses convergentes e também 
divergentes. Ao mesmo tempo em que ocorre a cooperação entre redes diferentes, levando a 
uma teia negocial de proporções imensas, ocorrem também casos de lutas e enfrentamentos 
entre redes concorrentes, algumas levando inclusive a delações ao Santo Oficio, como forma 
de barrar a concorrência. 
Entre as pesquisas mais recentes, quatro teses contribuíram para nossa compreensão da 
dinâmica das redes comerciais das quais participavam cristãos-novos. Primeiro citamos 
Globalization in the early modern period: the economic relationship between Amsterdan and 
Lisbon, 1640-1705,83de Catia Antunes, cuja obra explana sobre a diversidade cultural de 
Amsterdã e a fácil interação entre os judeus portugueses e demais “refugiados” europeus ali 
estabelecidos.84 A autora pretende analisar o impacto destas conexões Amsterdã-Lisboa na 
constituição do sistema atlântico. Primeiro observando a preponderância do atlântico em 
relação a outras zonas nos contratos comerciais por ela analisados. Depois observando a 
composição dessas redes, em sua pluralidade, em diferentes tempos e áreas. Contribuindo 
para nossa compreensão das relações entre os supracitados centros comerciais e das condições 
de que dispunham os judeus que optavam por deixar Portugal e o cristianismo imposto por 
terras de tolerância religiosa. 
Leonor Costa, em seu já citado O Transporte no Atlântico e a Companhia

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