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TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA Pneumonia da comunidade DEFINIÇÃO DEFINICAO • Processos inflamatórios • Acometimento agudo • Vírus, bactérias e fungos • Adquirida fora do hospital ou até 48 horas da admissão • É uma infecção do parênquima pulmonar • Causa morbidade e mortalidade significativa e normalmente não são diagnosticadas e tratadas adequadamente e sua ocorrência é subestimada. • No passado, as pneumonias eram classificadas como: o Adquiridas na comunidade (PAC) o Adquiridas no hospital (PAH) o Associadas à ventilação mecânica (PAV) • Mas, ao longo das ultimas décadas, algumas pessoas atendidas ambulatorialmente com pneumonias em fase inicial estavam infectadas por patógenos resistentes a múltiplos fármacos (MDR), que, antes, eram associadas à PAH. o Entre os fatores responsáveis por isso, estão: ▪ O desenvolvimento e a utilização generalizada dos antibióticos orais potentes ▪ A transferência mais precoce dos pacientes dos hospitais de doenças agudas para seus lares ou para vários serviços de menor complexidade ▪ O uso ambulatorial crescente dos antibióticos intravenosos ▪ O envelhecimento geral da população ▪ Os tratamentos imunomoduladores mais prolongados • A infecção potencial por esses patógenos MDR levou a definição de outro gripo, conhecido como pneumonia associada aos serviços de saúde (PASS), que é diferente da PAC. • Apesar desse novo sistema de classificação ter sido útil ao planejamento das estratégias de antibioticoterapia empírica, também existem algumas desvantagens. o Por exemplo, nem todos os patógenos MDR estão associados a todos os fatores de risco. o Além disso, a PASS é resultante de uma combinação de vários fatores de risco, e cada paciente deve ser avaliado individualmente. o Por exemplo, o risco de infecção por patógenos MDR entre os internos de asilos com demência, mas que conseguem se vestir, andar e comer independentemente, é muito diferente do risco de um paciente em estado vegetativo crônico com traqueostomia e alimentação parenteral. o Além disso, os fatores de risco para infecção por patógenos MDR não impedem que a pneumonia seja causada pelos microrganismos comumente associados à PAC. EPIDEMIOLOGIA • 8% → taxa de mortalidade • 982 → valor médio por internações • 630.352 → quantidade de internações/ano • Mais de 5 milhões de casos de PAC ocorrem anualmente nos EUA • 80% dos pacientes afetados são tratados ambulatorialmente • 20% são hospitalizados • A taxa de mortalidade nos pacientes ambulatoriais costuma ser < 1%, enquanto a de pacientes hospitalizados pode variar cerda de 12-40%, dependendo de o tratamento ser administrado dentro ou fora da unidade de tratamento intensivo (UTI). • A PAC resulta em mais de 1,2 milhão de hospitalizações e mais de 55 mil mortes anualmente. • O custo anual global associado à PAC foi estimado em 12 bilhões de dólares. • As taxas de incidência são maiores nas faixas etárias extremas. TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA • Os fatores de risco para PAC em geral e para pneumonia pneumocócica em particular têm implicações nos esquemas terapêuticos recomendados. • Entre os fatores de risco para PAC estão alcoolismo, asma, imunossupressão, institucionalização e idade ≥ 70 anos. • Em idosos, fatores como redução dos reflexos da tosse e vômito e redução de respostas de anticorpos e receptores tipo Toll aumentam a probabilidade de pneumonia. • Os fatores de risco para pneumonia pneumocócica incluem demência, distúrbios convulsivos, insuficiência cardíaca, doença vascular encefálica, alcoolismo, tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e infecção pelo HIV. • A pneumonia por MRSA-AC é mais provável nos pacientes com colonização ou infecção cutânea por esse microrganismo. • As enterobactérias tendem a infectar pacientes hospitalizados recentemente e/ou que fizeram tratamento antibiótico ou apresentam comorbidades como alcoolismo e insuficiência cardíaca ou renal. • A P. aeruginosa é um problema especial para pacientes com doença pulmonar estrutural, incluindo bronquiectasias, fibrose cística ou DPOC grave. • Os fatores de risco para infecção por Legionella são diabetes, neoplasias malignas hematológicas, câncer, doença renal grave, infecção pelo HIV, tabagismo, sexo masculino e estada em hotéis ou cruzeiros marítimos recentes. FISIOPATOLOGIA • A pneumonia resulta da proliferação dos patógenos microbianos nos espaços alveolares e da resposta do hospedeiro a esses agentes patogênicos. • Os microrganismos chegam as vias respiratórias inferiores por vários mecanismos. o O mais comum é a aspiração das secreções orofaríngeas. o A aspiração de volumes pequenos ocorre durante o sono (idosos) e nos pacientes com níveis deprimidos de consciência. o Alguns patógenos são inalados na forma de gotículas contaminadas. • Em casos raros, a pneumonia ocorre por disseminação hematogênica (ex: por endocardite da válvula tricúspide) ou por extensão contigua dos espações pleural ou mediastinal infectados. • Os fatores mecanismos são muito importantes para a defesa do hospedeiro. o Os pelos e as conchas nasais das narinas retem as partículas maiores inaladas antes que elas possam chegar às vias respiratórias inferiores. o A arquitetura ramificada da arvore traqueobrônquica retem microrganismos no revestimento das vias respiratórias, onde a atividade mucociliar e os fatores antibacterianos locais eliminam ou destroem os patógenos potenciais. o O reflexo de engasgo e o mecanismo da tosse conferem proteção essencial contra aspiração. o A flora normal aderida as células da mucosa da orofaringe impede que as bactérias patogênicas se liguem e assim, reduz o risco de pneumonia causada por bactérias mais patogênicas. • Quando essas barreiras são superadas ou quando os microrganismos são muito pequenos para serem inalados até os alvéolos, os macrófagos alveolares residentes fazem a eliminação e destruição dos patógenos. • Os macrófagos são auxiliados por proteínas produzidas pelas células epiteliais locais (proteínas A e D do surfactante) e tem propriedades intrínsecas de opsonização ou atividade antibacteriana ou antiviral. • Depois de serem fagocitados, os patógenos são eliminados pelo sistema elevatório mucociliar ou pelos vasos linfáticos e não causam mais risco de infecção. • A pneumonia se evidencia apenas quando os macrófagos alveolares não tem capacidade de ingerirem ou destruírem os microrganismos. o Nessa condição, os macrófagos alveolares ativam a resposta inflamatória para reforçar as defesas das vias respiratórias inferiores. • A resposta inflamatória do hospedeiro, mais do que a proliferação dos microrganismos, TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA desencadeia a síndrome clinica da pneumonia. • A liberação de mediadores inflamatórios como a interleucina (IL) 1 e o fator de necrose tumoral (TNF) provoca febre. • As quimiocinas como a IL-8 e o fator de estimulação das colônias de granulócitos estimulam a liberação dos neutrófilos e sua atração ao pulmão e isso causa leucocitose periférica e secreções purulentas aumentadas. • Os mediadores inflamatórios liberados pelos macrófagos e pelos neutrófilos recém- recrutados acarretam extravasamento alveolocapilar semelhante ao que acontece na síndrome da angustia respiratória aguda (SARA), apesar de que na pneumonia esse processo fique localizado (a menos inicialmente). • Ate mesmo os eritrócitos conseguem atravessar a membrana alveolocapilar, e isos causa hemoptise. • O extravasamento capilar é responsável pelos infiltrados radiográficos e pelos estertores detectáveis à ausculta, enquanto a hipoxemia é atribuídaao preenchimento dos espaços alveolares. • Além disso, alguns patógenos bacterianos parecem interferir na vasoconstrição hipoxemica, que normalmente ocorreria se os alvéolos fossem preenchidos por líquidos; essa interferência pode causar hipoxemia grave. • O aumento do drive respiratório na síndrome da resposta inflamatória sistêmica causa alcalose respiratória. • A dispneia tem como causas a redução da complacência pulmonar secundaria ao extravasamento capilar, a hipoxemia, a hiperestimulaçao do centro respiratório, as secreções profusas e o broncospasmo desencadeado pela infecção. • Se a doença for grave, as alterações da mecânica pulmonar secundarias às reduções do volume e da complacência pulmonar e do shunt intrapulmonar do sangue, podem levar o paciente à insuficiência respiratória e à morte. PATOLOGIA • A pneumonia clássica passa por uma serie de alterações patologias. • A fase inicial é de edema com presença de exsudato proteináceo – e geralmente de bactérias – nos alvéolos. o Essa fase raramente é evidenciada nos espécimes clínicos ou na necropsia, porque é rapidamente seguida da fase de hepatização vermelha. • A presença dos eritrócitos no exsudato intra- alveolar celular é responsável pelo termo descritivo utilizado para essa segunda fase, mas o afluxo dos neutrófilos é mais importante com reação à defesa do hospedeiro. o As bactérias são isoladas em culturas dos materiais patológicos obtidos durante essa fase. • Na terceira fase, ou hepatização cinzenta, não há eritrócitos recém-chegados no material extravasado, e as hemácias que já estavam presentes estão desintegradas e degradadas. o Os neutrófilos são as células predominantes, a deposição de fibrina é abundante e as bactérias já desapareceram. o Essa fase corresponde à delimitação bem-sucedida da infecção e à melhora da troca gasosa. • Na fase final ou de resolução, os macrófagos reaparecem como células predominantes no espaço alveolar e os restos de neutrófilos, bactérias e fibrina já foram eliminados e a resposta inflamatória regrediu. • Esse padrão tem sido descrito mais claramente na pneumonia pneumocócica lobar, mas pode não ser aplicável a todas as outras etiologias pneumônicas, especialmente as pneumonias virais ou causadas por Pneumocystis. • Com a PAV, a bronquiolite respiratória pode ocorrer antes do desenvolvimento dos infiltrados detectáveis radiograficamente. • Em consequência das aspirações de volumes microscópicos, o padrão de broncopneumonia é mais comum nas pneumonias nosocomiais, enquanto o padrão lobar é mais frequente com as PACs bacterianas. • Apesar do aspecto radiográfico, as pneumonias causadas por vírus e TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA Pneumocystis são processos alveolares, em vez de intersticiais. PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE ETIOLOGIA • Agentes etiológicos podem ser bactérias, fungos, vírus e protozoários. • Entre os patógenos identificados recentemente estão os metapneumovirus, os coronavírus responsáveis pela síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e pela síndrome respiratória do Oriente Médio e as cepas de Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA) adquiridas na comunidade. • Mas, a maioria dos casos de PAC é causada por um numero relativamente pequeno de patógenos. • O Streptococcus pneumoniae é o mais comum. • A separação dos agentes potenciais em patógenos bacterianos “típicos” ou microrganismos “atípicos” pode ser útil. • TIPICOS: Esse primeiro grupo inclui S. pneumoniae, Haemophilus influenzae e S. aureus e bacilos Gram-negativos, como Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa. • ATIPICOS: Entre os microrganismos “atípicos” estão Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae e as espécies de Legionella (nos pacientes internados), assim como os vírus respiratórios, como influenza, adenovírus, metapneumovírus humano e vírus sinciciais respiratórios. • Os vírus podem ser responsáveis por uma grande proporção de casos de PAC que necessitam de hospitalização, mesmo em adultos. • Os microrganismos atípicos não podem ser isolados pelas técnicas de cultura em meios convencionais e nem podem ser detectados pela coloração de Gram. • A frequência e a importância dos patógenos atípicos têm implicações terapêuticas significativas. • Esses microrganismos são intrinsecamente resistentes a todos os antibióticos β- lactâmicos e devem ser tratados com um macrolídeo, uma fluoroquinolona ou uma tetraciclina. • Em cerca de 10- 15% dos casos de PAC polimicrobiana, os agentes etiológicos comumente consistem em uma combinação de patógenos típicos e atípicos. AMBULATORIO ENFERMARIA UTI S. Pneumoniae S. Pneumoniae S. Pneumoniae M. Pneumoniae M. Pneumoniae BGN C. Pneumoniae C. Pneumoniae H. Influenza Vírus respiratórios Vírus respiratórios Legionella Sp. H. Influenza H. Influenza S. areus Legionella Sp. • Os anaeróbios desempenham um papel significativo apenas quando houver episodio de aspiração dias ou semanas antes da apresentação clinica da pneumonia. o Nesses casos, o fator de risco principal é a combinação de vias respiratórias desprotegidas e gengivite significativa. • As pneumonias causadas por anaeróbios são complicadas por formação de abscessos e por empiemas significativos ou derrames parapneumonicos. • A pneumonia causada por S. aureus é uma complicação bem conhecida da infecção pelo vírus influenza. • Mas foram isoladas cepas de MRSA como agentes etiológicos primários da PAC. • Embora essa condição ainda seja relativamente incomum, os médicos devem estar atentos às suas consequências potencialmente graves, inclusive pneumonia necrosante. • Dois fatos importantes são responsáveis por esse problema: o a disseminação do MRSA dos hospitais para as comunidades o o desenvolvimento de cepas geneticamente diferentes do MRSA na comunidade. o Essa primeira alteração tem mais tendência a causar PASS, enquanto as novas cepas de MRSA adquiridas na comunidade (MRSA-AC) podem infectar indivíduos saudáveis que não tiveram qualquer passagem pelos serviços de saúde. • Infelizmente, apesar da história detalhada, do exame físico cuidadoso e dos exames radiográficos rotineiros, é difícil prever com TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA algum grau de certeza o agente etiológico da PAC; em mais de 50% dos casos, não é possível determinar uma etiologia específica. • No entanto, os elementos epidemiológicos e os fatores de risco podem sugerir o envolvimento de determinados patógenos MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS • A apresentação da PAC pode ser indolente ou fulminante e sua gravidade pode variar de leve a casos fatais. • As manifestações de progressão e gravidade incluem achados constitucionais e aqueles limitados aos pulmões e a estruturas associadas. • O paciente tem febre e taquicardia, ou pode apresentar calafrios e/ou sudorese. • A tosse pode ser seca ou produtiva com escarro mucoide, purulento ou sanguinolento. • A hemoptise franca é sugestiva de pneumonia por MRSA-AC. • Dependendo da gravidade, o paciente pode ser capaz de pronunciar frases inteiras ou apresentar dispneia grave. • Se houver acometimento da pleura, o paciente pode referir dor torácica pleurítica. • Até 20% dos pacientes podem apresentar queixas gastrintestinais, como náuseas, vômitos e/ou diarreia. • Outros sintomas podem incluir fadiga, cefaleia, mialgias e artralgias. • As anormalidades do exame físico podem variar com a gravidade da condensação pulmonar e a existência ou ausência de derrame pleural significativo. • É comum observar aumento da frequência respiratória e utilização dos músculos acessórios da respiração. • A palpação pode detectar acentuação ou atenuaçãodo frêmito toracovocal, e a percussão pode evidenciar submacicez e macicez, que refletem a condensação pulmonar ou o líquido pleural subjacente respectivamente. • A ausculta pode detectar estertores, sopros brônquicos e possivelmente atrito pleural. • A apresentação clínica pode não ser tão evidente nos pacientes idosos que, inicialmente, apresentam confusão mental de início súbito ou agravada e poucos sinais clínicos adicionais. • Os pacientes mais graves podem apresentar choque séptico e indícios de falência de órgãos. DIAGNOSTICO • Frente a um caso potencial de PAC, o médico deve fazer duas perguntas: o paciente tem pneumonia? • Em caso afirmativo, qual é sua etiologia provável? • Em geral, a primeira pergunta é respondida com base nos exames clínicos e radiográficos, enquanto a última depende de técnicas laboratoriais complementares. DIAGNOSTICO CLINICO • O diagnóstico diferencial inclui distúrbios infecciosos e não infecciosos, como bronquite aguda, exacerbações agudas da bronquite crônica, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar, pneumonite de hipersensibilidade e pneumonite pós-radiação. • A história detalhada tem importância fundamental. • Por exemplo, uma doença cardíaca diagnosticada pode sugerir agravamento do edema pulmonar, enquanto um carcinoma preexistente pode indicar lesão pulmonar secundária à radioterapia. • Infelizmente, a sensibilidade e a especificidade das alterações detectadas pelo exame físico ficam aquém do que seria ideal, ou seja, em média 58% e 67%, respectivamente. TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA • Por essa razão, as radiografias de tórax geralmente são necessárias para ajudar a diferenciar entre PAC e outros distúrbios. • Os achados radiográficos servem como parâmetro para comparações futuras e podem incluir fatores de risco sugestivos de maior gravidade (p. ex., cavitações ou padrão multilobar). • Em alguns casos, os resultados das radiografias sugerem o diagnóstico etiológico. • Por exemplo, pneumatoceles indicam infecção por S. aureus, enquanto lesões cavitárias nos lobos superiores sugerem tuberculose. • A tomografia computadorizada (TC) pode ser útil nos casos suspeitos de pneumonia obstrutiva causada por um tumor ou corpo estranho ou suspeita de doença cavitária. • Para os pacientes ambulatoriais, a avaliação clínica e radiológica geralmente é suficiente antes de iniciar o tratamento, porque a maioria dos resultados dos exames laboratoriais não fica disponível a tempo, de forma a influenciar significativamente o tratamento inicial. • Em determinados casos, a disponibilidade dos testes diagnósticos rápidos realizados ambulatorialmente pode ser muito importante (p. ex., o diagnóstico rápido da infecção pelo vírus influenza pode indicar o uso de fármacos específicos para esse microrganismo e a profilaxia secundária). DIAGNOSTICO ETIOLOGICO • É comum que a etiologia da pneumonia não possa ser determinada somente com base na apresentação clínica. • Com exceção dos casos de PAC internados em UTIs, não existem dados demonstrando que o tratamento dirigido a um patógeno específico seja estatisticamente superior ao tratamento empírico. • Por essa razão, os benefícios da identificação da etiologia microbiana podem ser questionados, principalmente quando se consideram os custos dos exames diagnósticos. • Entretanto, algumas razões podem ser citadas para justificar a tentativa de chegar ao diagnóstico etiológico. • A identificação de um patógeno inesperado pode restringir o uso do esquema empírico inicial e reduzir pressão seletiva dos antibióticos e pode diminuir o risco de resistência. • Os patógenos com implicações importantes para a saúde pública, como Mycobacterium tuberculosis e vírus influenza, podem ser identificados em alguns casos. • Por fim, sem culturas e testes de sensibilidade, não é possível acompanhar cuidadosamente as tendências da resistência e é mais difícil planejar esquemas terapêuticos empíricos apropriados. COLORAÇÃO PELO GRAM E CULTURA DE ESCARRO • O objetivo principal da coloração do escarro pelo Gram é confirmar que uma amostra é apropriada para cultura. • Entretanto, a coloração pelo Gram também pode ajudar a identificar alguns patógenos (p. ex., S. pneumoniae, S. aureus e bactérias Gram-negativas) por seu aspecto característico. • Para que uma amostra de escarro seja apropriada para cultura, ela deve conter > 25 neutrófilos e < 10 células epiteliais escamosas por campo de pequeno aumento. • A sensibilidade e a especificidade da coloração pelo Gram e da cultura do escarro são muito variáveis. • Mesmo nos casos de pneumonia pneumocócica com bacteremia, a positividade das culturas das amostras de escarro é ≤ 50%. • Alguns pacientes, principalmente os idosos, podem não conseguir fornecer amostras adequadas de escarro expectorado. • Outros podem já ter iniciado o tratamento com antibióticos por ocasião da coleta das amostras e isso pode interferir nos resultados. • A incapacidade de fornecer escarro pode ser causada pela desidratação e a correção desse distúrbio pode aumentar a expectoração de escarro e acentuar o aspecto de um infiltrado na radiografia de tórax. • Nos pacientes internados em UTI e intubados, o material obtido por aspirado traqueal ou lavado broncoalveolar (obtido por broncoscopia ou por outras técnicas) tem positividade alta na cultura quando a amostra TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA é enviada ao laboratório de microbiologia no menor tempo possível. • Como as etiologias da PAC grave são um pouco diferentes das que se observam na doença mais branda, as vantagens principais da coloração e da cultura das secreções respiratórias são alertar o médico para patógenos insuspeitos e/ou resistentes e permitir a modificação apropriada do tratamento. • Outras técnicas de coloração e cultura (p. ex., colorações específicas para M. tuberculosis ou fungos) também podem ser úteis. HEMOCULTURAS • A positividade das hemoculturas, mesmo quando as amostras são obtidas antes de se iniciar o tratamento antibiótico, é desanimadoramente baixa. • Apenas cerca de 5-14% das hemoculturas dos pacientes hospitalizados com PAC são positivas, e o patógeno isolado mais comumente é o S. pneumoniae. • Como todos os esquemas empíricos recomendados conferem cobertura contra o pneumococo, as hemoculturas positivas para esse patógeno têm pouco ou nenhum efeito no desfecho clínico. • Entretanto, os resultados dos testes de sensibilidade podem permitir a restrição do tratamento antibiótico aos casos apropriados. • Em razão da positividade baixa e da inexistência de impacto significativo, as hemoculturas não são mais consideradas obrigatórias para todos os pacientes hospitalizados com PAC. • Alguns pacientes de alto risco – incluindo aqueles com neutropenia secundária à pneumonia, asplenia, deficiências de complemento, doença hepática crônica ou PAC grave – devem fazer hemoculturas. TESTE DE ANTÍGENOS URINÁRIOS • Existem dois testes disponíveis no comércio para detectar antígenos pneumocócicos e de Legionella na urina. • O teste para L. pneumophila detecta apenas o sorotipo 1, mas esse sorotipo é responsável pela maioria dos casos da doença dos legionários adquirida na comunidade nos EUA. • A sensibilidade e a especificidade do teste para antígeno da Legionella na urina podem chegar a 90% e 99% respectivamente. • O teste para antígeno pneumocócico na urina também é muito sensível e específico (80% e > 90% respectivamente). • Embora possam ser obtidos resultados falso- positivos com amostras fornecidas pelas crianças colonizadas por pneumococos, o teste geralmente é confiável. • Esses dois testes podemdetectar os antígenos mesmo depois de ter sido iniciado o tratamento antibiótico apropriado. REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE • Os testes de reação em cadeia da polimerase (PCR), que amplificam o DNA ou o RNA dos microrganismos, estão disponíveis para alguns patógenos. • O PCR de swabs de nasofaringe se tornou o padrão para diagnóstico de infecções respiratórias virais. • Além disso, a PCR múltipla pode detectar o ácido nucleico de espécies Legionella, M. pneumoniae, C. pneumoniae e micobactérias. • Nos pacientes com pneumonia pneumocócica, a carga bacteriana aumentada no sangue total evidenciada pela PCR está associada a um risco mais alto de choque séptico, à necessidade de ventilação mecânica e à morte. • A disponibilidade clínica desse teste poderia ajudar na identificação de pacientes para a internação em UTIs. SOROLOGIA • A elevação de quatro vezes no título dos anticorpos IgM específicos entre as amostras de soro das fases aguda e de convalescença geralmente é considerada diagnóstica da infecção pelo patógeno em questão. • No passado, os testes sorológicos eram realizados para ajudar a identificar patógenos atípicos e também alguns microrganismos incomuns, como a Coxiella burnetti. • Entretanto, recentemente esses testes caíram em desuso em razão do tempo necessário para obter o resultado final na amostra da fase de convalescença. TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA BIOMARCADORES • Várias substâncias podem servir como marcadores de inflamação grave. Os dois atualmente usados são a proteína C-reativa (PCR) e a procalcitonina (PCT). • Os níveis desses reagentes de fase aguda aumentam na presença de uma resposta inflamatória, particularmente com patógenos bacterianos. • A PCR pode ser útil na identificação de piora da doença ou falha do tratamento, e a PCT pode ajudar para determinar a necessidade de terapia antibacteriana. • Esses testes não devem ser usados sozinhos, mas, quando interpretados em conjunto com outros achados da história, exame físico, radiologia e exames laboratoriais, podem ajudar na escolha da antibioticoterapia e manejo adequado de pacientes gravemente enfermos com PAC. TRATAMENTO LOCAL DE CUIDADOS • O custo do tratamento hospitalar é cerca de 20 vezes maior que o do tratamento ambulatorial, e a internação hospitalar é responsável pela maioria dos gastos acarretados pela PAC. • Desse modo, a decisão de internar um paciente com PAC tem implicações consideráveis. • Evidentemente, alguns pacientes podem ser tratados em casa, enquanto outros certamente necessitam de hospitalização, mas essa decisão é difícil em alguns casos. • Os recursos que permitem avaliar objetivamente o risco de desfechos desfavoráveis, inclusive doença grave e morte, podem reduzir as internações hospitalares desnecessárias. • Hoje, existem dois escores: o Pneumonia Severity Index (Índice de Gravidade da Pneumonia, ou IGP), um modelo prognóstico utilizado para identificar os pacientes com risco baixo de mortalidade; e o CURB-65, que avaliam a gravidade da doença. • Para determinar o IGP, o médico atribui pontos a 20 variáveis, inclusive idade, doenças coexistentes e anormalidades do exame físico e das análises laboratoriais. • Com base no escore resultante, os pacientes são classificados em cinco grupos com as seguintes taxas de mortalidade: grupo 1: 0,1%; grupo 2: 0,6%; grupo 3: 2,8%; grupo 4: 8,2%; e grupo 5: 29,2%. • A determinação do IGP costuma não ser possível em um setor de emergência lotado devido ao número de variáveis que devem ser avaliadas. • Porém, experiências clínicas demonstraram que a utilização rotineira do IGP possibilita a redução dos índices de hospitalização dos pacientes dos grupos 1 e 2. • Os pacientes na classe 3 poderiam idealmente ser internados em unidade de observação até que se possa tomar novas decisões. • Os critérios CURB-65 incluem cinco variáveis: o confusão (C); o ureia > 7 mmol/L (U); o frequência respiratória ≥ 30/min (R); o pressão arterial, sistólica ≤ 90 mmHg e diastólica ≤ 60 mmHg (B); o e idade ≥ 65 anos (65). • Os pacientes com escore 0, entre os quais a taxa de mortalidade em 30 dias é de 1,5%, podem ser tratados ambulatorialmente. • Com o escore 2, a taxa de mortalidade em 30 dias é de 9,2% e os pacientes devem ser hospitalizados. • Entre os pacientes com escores ≥ 3, a taxa de mortalidade global é de 22% e esses indivíduos devem ser internados em uma UTI. • É difícil dizer qual desses instrumentos de avaliação é melhor. • Qualquer que seja o sistema utilizado, esses critérios objetivos sempre devem ser ajustados pela análise cuidadosa dos fatores relevantes a cada caso, inclusive a capacidade de concluir confiavelmente um ciclo de antibióticos orais e os recursos disponíveis ao paciente fora do hospital. • Nem o IGP nem o CURB-65 são ideais para determinar a necessidade de cuidar do paciente em uma UTI. • O choque séptico ou a insuficiência respiratória no setor de emergência são indicações óbvias para cuidados em UTI. • Porém, as taxas de mortalidade são maiores em pacientes menos doentes internados em enfermaria geral e que depois pioram do que TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA em pacientes igualmente enfermos monitorados na UTI. • Vários escores foram propostos para identificar pacientes com mais chances de deterioração precoce. • A maioria dos fatores nesses escores é semelhante aos critérios menores de gravidade propostos pela Infectious Diseases Society of America (IDSA) e pela American Thoracic Society (ATS) em suas diretrizes para o manejo da PAC. RESISTÊNCIA AOS ANTIBIÓTICOS • A resistência aos antimicrobianos é um problema significativo que ameaça reduzir o arsenal terapêutico. • O uso inadequado dos antibióticos aumenta a pressão seletiva, e isso pode afetar os padrões locais ou até mesmo mundiais de disseminação clonal. • No caso das PACs, as questões principais de resistência atual envolvem o S. pneumoniae e o MRSA-AC. S. pneumoniae • Em geral, a resistência dos pneumococos é adquirida o por incorporação e remodelação direta do DNA resultante do contato com outras bactérias comensais orais muito semelhantes; o pelo processo de transformação natural; ou o por mutação de alguns genes. • Os cortes na concentração inibitória mínima (CIM) para a penicilina na pneumonia são de ≤ 2 μg/mL para suscetibilidade, > 2-4 μg/mL para intermediário e ≥ 8 μg/mL para resistente. • Essas alterações dos limiares de sensibilidade resultaram em reduções dramáticas das porcentagens de cepas isoladas pneumocócicas consideradas resistentes. • No caso da meningite, os limiares de CIM permanecem nos níveis anteriores maiores. • Felizmente, a resistência à penicilina pareceu estabilizar-se, mesmo antes da alteração dos limiares da CIM. • A resistência dos pneumococos aos antibióticos β-lactâmicos é atribuída unicamente à baixa afinidade das proteínas ligadoras de penicilina. • Os fatores de risco para infecção por pneumococos resistentes à penicilina incluem tratamento antibiótico recente, idade < 2 anos ou > 65 anos, frequência às creches, internação hospitalar recente e infecção por HIV. • Ao contrário da resistência à penicilina, a resistência aos macrolídeos está aumentando por vários mecanismos. • Modificações em sítos-alvo causadas por metilação ribossomal em 23S rRNA codificadas pelo gene ermB resultam em resistência de alto nível (CIMs, ≥ 64 μg/mL) a macrolídeos, lincosamidas e antibióticos tipo estreptogramina B. • O mecanismo de efluxo codificado pelo gene mef (fenótipo M) geralmente está associado à resistência de baixo nível (CIM, 1-32 μg/mL). • Esses dois mecanismos são responsáveis,respectivamente, por cerca de 45% e 65% das cepas de pneumococos resistentes isolados nos EUA. • A resistência de alto nível aos macrolídeos é mais comum na Europa, enquanto a resistência de baixo nível parece predominar na América do Norte. • A resistência dos pneumococos às fluoroquinolonas (p. ex., ciprofloxacino e levofloxacino) também foi descrita. • As alterações podem ocorrer em um ou dois sítios- alvo (topoisomerases II e IV) por mutações dos genes gyrA e parC, respectivamente. • Além disso, bombas de efluxo podem desempenhar um papel importante na resistência dos pneumococos às quinolonas. • As cepas resistentes aos fármacos de três ou mais classes de antimicrobianos com mecanismos de ação diferentes são consideradas MDR. • A tendência à associação da resistência dos pneumococos à penicilina com a sensibilidade reduzida aos outros antibióticos (incluindo macrolídeos, tetraciclinas e sulfametoxazol- timetroprima) também é preocupante. • Nos EUA, 58,9% dos pneumococos resistentes à penicilina isolados do sangue também são também resistentes aos macrolídeos. TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA • O fator de risco mais importante para infecção por pneumococos resistentes aos antibióticos é a utilização de um antimicrobiano específico nos 3 últimos meses. • Desse modo, a história de tratamento antibiótico anterior é um fator crucial para evitar a utilização de um antibiótico inadequado. MRSA-AC • A PAC atribuída ao MRSA pode ser causada por cepas com características genotípicas distintas, recém-descobertas, adquiridas na comunidade. • A maioria das infecções causadas por esse primeiro grupo é adquirida direta ou indiretamente pelo contato com os serviços de saúde e, hoje, poderia ser classificada como PASS. • Porém, em alguns hospitais, as cepas de MRSA-AC estão se tornando mais importantes que as cepas clássicas adquiridas nos hospitais – uma tendência sugestiva de que as cepas mais novas possam ser mais resistentes e dificultar essa diferenciação. • A resistência do S. aureus à meticilina é determinada pelo gene mecA, que codifica a resistência a todos os antibióticos β- lactâmicos. • Existem descritos no mínimo cinco tipos de cassete cromossômico estafilocócico (SCCmec). • Em geral, as cepas típicas adquiridas nos hospitais apresentam os tipos II ou III, enquanto as cepas de MRSA-AC têm o elemento SCCmec tipo IV. • As cepas isoladas de MRSA-AC tendem a ser menos resistentes que as adquiridas nos hospitais e, em geral, são sensíveis ao sulfametoxazol-trimetoprima, à clindamicina e à tetraciclina, além de à vancomicina e à linezolida. • Contudo, a diferença mais importante é que as cepas de MRSA-AC também são portadoras de genes para superantígenos, como enterotoxinas B e C e a leucocidina de Panton- Valentine, uma toxina com tropismo pela membrana que pode formar poros citolíticos nos neutrófilos polimorfonucleares, nos monócitos e nos macrófagos. TRATAMENTO SANAR • O tratamento da PAC depende da gravidade clínica do paciente, principal determinante do local de tratamento do paciente: ambulatorial, hospitalar ou em UTI. Pacientes ambulatoriais • Pacientes previamente saudáveis sem comorbidades e sem o uso de antimicrobianos dentro dos últimos três meses: o Macrolídio (claritromicina, liberação prolongada, 1.000 mg por via oral por dia no mínimo por cinco dias ou azitromicina, 500 mg por via oral no dia 1, seguidos por 250 mg por via oral a cada dia nos dias 2-5) • Em caso de presença de comorbidades (ICC, DPOC, doença hepática ou renal, DM, alcoolismo) é preferível adicionar um agente alternativo de uma classe diferente: o Fluoroquinolona respiratória (moxifloxacina oral, 400 mg/dia ou gemifloxacina 320 mg/dia, ou levofloxacina 750 mg diariamente no mínimo por cinco dias); o β-lactâmico (p. ex., ceftriaxona 1-2 g IM por dia no mínimo por cinco dias) mais um macrolídeo (p. ex., azitromicina 500 mg por via oral no dia 1, seguida por 250 mg por via oral diariamente nos dias 2-5). • Os fármacos de escolha para pacientes previamente hígidos e sem comorbidades são os macrolídeos (azitromicina ou claritromicina). Pacientes internados • Fluoroquinolona respiratória (moxifloxacina, 400 mg/dia ou gemifloxacina 320 mg/dia, ou levofloxacina 750 mg IV por dois dias, seguida pela oral no mínimo por cinco dias); Ou • β-lactâmico (p. ex., ceftriaxona 1-2 g IV por dia no mínimo por 1-2 dias, seguido por 1-2 g IM diariamente no mínimo por cinco dias no total) + macrolídeo (azitromicina 500 mg IV diariamente no mínimo por dois dias, seguida por 500 mg por via oral diariamente no mínimo por cinco dias no total). TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA Pacientes na UTI • β-lactâmico (cefotaxima, 1-2 g IV a cada 6-8 h, ou ceftriaxona, 1-2 g IV, ou ampicilina- sulbactam, 1,5-3 g IV a cada seis horas, até no máximo 4 g de sulbactam/dia, por 7-14 dias + Azitromicina 500 mg IV no mínimo por dois dias, seguido por 500 mg por via oral diariamente no mínimo cinco dias, ou uma fluoroquinolona respiratória (p. ex., moxifloxacina 400 mg/dia ou gemifloxacina 320 mg/dia ou levofloxacina 750 mg IV diariamente por 7-14 dias). PROGNOSTICO • O prognóstico da PAC depende da idade do paciente, das suas comorbidades e do local em que o tratamento é efetuado (ambulatório ou hospital). • Os pacientes jovens sem comorbidades evoluem bem e, em geral, recuperam-se por completo depois de aproximadamente 2 semanas. • Os pacientes idosos e os que apresentam comorbidades podem demorar várias semanas ou mais para se recuperarem totalmente. • A taxa de mortalidade global da população ambulatorial é < 1%. • Para os pacientes que necessitam de hospitalização, a taxa de mortalidade global foi estimada em 10%, e cerca de 50% dos óbitos são atribuídos diretamente à pneumonia. PREVENCAO • Tabagismo → cessação • Etilismo → reduzir • Status nutricional → adequar • Contato com crianças → evitar contato com doentes • Má higiene oral → etilismo, odontologia • Vacinação → influenza/penumococo TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA Pneumonia broncoaspirativa DEFINICAO • O termo pneumonia aspirativa refere-se a um processo infeccioso, que resulta da entrada anormal de fluido, partículas ou secreção endógena nas vias aéreas inferiores. Esse fenômeno, geralmente decorre de: o Alterações nos mecanismos de autodefesa: como o fechamento da glote, deglutição adequada, reflexo de tosse, clearance mucociliar, refluxo gastroesofágico, sonda nasogástrica, endoscopia/broncoscopia, extubação recente… o Aspiração de grande quantidade de bactérias: secundária ao rebaixamento do nível de consciência. • Além da pneumonia, a aspiração também pode gerar outras síndromes pulmonares, como: • Pneumonite química aspirativa: também conhecida como síndrome de Mendelson. o Trata-se de uma lesão química decorrente da acidez gástrica, cuja exposição resulta em uma lesão ao epitélio da mucosa traqueobrônquica e ao parênquima pulmonar. o Apresenta grande variabilidade na apresentação, desde infiltrados pulmonares assintomáticos até síndrome do desconforto respiratório agudo. o Inicialmente é um processo estéril, mas pode evoluir com infecção bacteriana secundária. o Majoritariamente, caracteriza-se por rápida melhora clínica e radiológica em 1 a 2 dias. o Abscesso pulmonar: consiste em uma outra complicação das aspirações pulmonares, que evolui com lesão necrótica do parênquima pulmonar, manifestados radiologicamente como nódulo/massa pulmonar com ou sem nível líquido evidente na radiografia de tórax. EPIDEMIOLOGIA • A incidência exata de síndromes aspirativas pulmonares é de difícil quantificação.• Um estudo transversal incluiu quase 2.000 pacientes e evidenciou que a aspiração pode ser a etiologia de até 10% dos casos de pneumonia adquirida na comunidade internados e até 30% daqueles provenientes de instituições de longa permanência. • A verdadeira incidência da pneumonia por aspiração pode ser maior, devido a subnotificação, falta de registros e ausência de investigação. • Estudos observacionais provam que o principal grupo da população com alto risco de pneumonia por aspiração é o paciente em estado crítico e com antecedente de doença do refluxo gastroesofágico, pois a posição de decúbito dorsal prolongado, a gastroparesia, intubação endotraqueal, suporte ventilatório e sondas nasogástrica ou orogástrica predispõem à aspiração. • Além disso, a pneumonia aspirativa está geralmente associada a um nível deprimido de consciência que permite a regurgitação de conteúdos gástricos e inibe os reflexos das vias aéreas superiores de proteção e prevenção da aspiração. • A literatura carece de estudos descritivos que evidenciem com clareza e objetividade o perfil clínico de paciente, as variações populações quanto a sexo, idade e condição clínica de saúde. Todavia, as questões de gênero não parecem impactar na epidemiologia ao passo que a idade avançada, sim. FISIOPATOLOGIA • Sabe-se que a aspiração de pequenas quantidades de secreções da orofaringe é normal em indivíduos saudáveis durante o sono, mas ainda assim, este tende a ser o principal mecanismo patogênico da pneumonia aspirativa. • Presumidamente, a pneumonia não ocorre em casos de pequeno inóculo de microrganismos virulentos provenientes de uma flora faríngea normal, em pacientes reflexos de tosse e transporte ciliar preservados, bem como naqueles com sistema imune intacto. • Já a aspiração de grande quantidade de secreções colonizadas e/ou de conteúdo do TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA trato gastrointestinal superior são a condição fundamental para ocorrência da pneumonia aspirativa. • A colonização da orofaringe com bactérias patogênicas ou condições que prejudicam a deglutição facilitam a ocorrência de aspiração. • Os fatores que alteram a flora de vias aéreas superiores (como um evento inflamatório), podem levar a lesões epiteliais e endoteliais, que alteram a homeostase bacteriana local e como consequência, aumentam a suscetibilidade infecciosa. • A sintomatologia da aspiração é explicada pela resposta inflamatória ao material infeccioso ou irritante no trato respiratório inferior. • As citocinas pró-inflamatórias aumentam a permeabilidade capilar e levam à presença de fluido e células inflamatórias na área de irritação. • Essas reações podem se manifestar clinicamente como tosse, dor torácica pleurítica (piora à inspiração), febre e achados radiológicos compatíveis. FATORES DE RISCO • A incidência de aspiração é maior em pacientes com demência ou em pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral. • O risco de infecção é agravado pela má higiene bucal (que predispõe a colonização da orofaringe), pela colocação de sonda nasogástrica e pelo uso de sedativos e drogas neurolépticas. • Apesar de muitos desses pacientes apresentarem evidências claras de aspiração, com disfagia, vômitos ou tosse enquanto se alimentam, sabe-se que até um terço deles apresentam aspiração silenciosa, sem evidências de tosse ou vômito. • A aspiração impacta significativamente na morbimortalidade de pacientes em instituições de longa permanência (ILP). • Além disso, deve-se lembrar que em pacientes internados em UTI o uso de antiácidos e bloqueadores H2 aumenta o risco de colonização bacteriana e pneumonia por aspiração. • Em pacientes críticos ou em internações hospitalares prolongadas, outros fatores de risco incluem gastroparesia, posição supina prolongada e sedação. • Além disso, sabe-se que o potencial para aspirar bactérias patogênicas é aumentado em pacientes com doença periodontal, com colonização crônica das vias aéreas superiores e com condições como obstrução intestinal. QUADRO CLINICO • O principal achado clínico para o diagnóstico das síndromes aspirativas é a presença de pneumonia (etiologia infecciosa, bacteriana) ou pneumonite (etiologia química) associada a um fator de risco precipitante importante, como rebaixamento do nível de consciência ou alteração da deglutição. • A presença de um episódio presenciado de aspiração ou macroaspiração sugere o diagnóstico. • O quadro clínico é extremamente variável, desde tosse seca e leve dispneia até quadro agudo de insuficiência respiratória ou choque séptico. • A maioria dos pacientes tem um quadro arrastado e indolente (1-2 semanas) de tosse e febre por vezes vespertina com piora progressiva do estado geral. • Além disso, pode cursar com expectoração e crepitações ao exame físico. • Os pacientes frequentemente apresentam complicações pleurais como derrame pleural e empiema. • Assim, achados como diminuição do murmúrio vesicular e egofonia aumentam a suspeita de uma síndrome aspirativa. • Na presença de derrame pleural, é obrigatória a realização de toracocentese diagnóstica. TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA DIAGNOSTICO • O diagnóstico de pneumonias aspirativas pode ser realizado com certeza quando o paciente apresenta risco presumido ou aspiração documentada associados a: o Hipoxemia nova, febre, taquipneia ou leucocitose. • Infiltrado pulmonar em regiões pulmonares gravidade-dependentes, visualizados em exames radiológicos. • Achados de imagem em segmento posterior de lobos superiores e segmentos superiores de lobos inferiores (depende da posição em que ocorreu a aspiração). • Para investigação, a radiografia de tórax anterior (PA) e perfil é o exame inicial na avaliação desses pacientes. • As alterações radiológicas geralmente acometem as regiões gravidade-dependentes no momento da aspiração: o Posição supina: segmentos posteriores dos lobos superiores e segmentos superiores dos lobos inferiores. o Posição ortostática: segmentos posteriores dos lobos inferiores. • Os infiltrados costumam ser heterogêneos e não focais e apenas 15 a 25% evoluem com pneumonia lobar. • Deve-se lembrar que a radiografia de tórax pode ser normal nas primeiras 24 a 72 horas de um evento de macroaspiração. • A tomografia de tórax é indicada em casos duvidosos e pode caracterizar melhor os abscessos pulmonares e suas complicações. • Os exames laboratoriais indicados são semelhantes aos de pacientes com pneumonias e incluem hemograma completo, glicemia, ureia, creatinina, sódio e potássio. • A gasometria arterial é indicada em pacientes com dispneia e provas inflamatórias podem ser úteis, principalmente em pacientes sépticos. • Em pacientes com indicação de internação é indicada a coleta de hemoculturas e em pacientes intubados a realização de broncoscopia com lavado broncoalveolar é útil. • A imagem abaixo ajuda triar e selecionar com cautela, os melhores exames complementares na avaliação das principais síndromes aspirativas de acordo com a apresentação clínica do quadro. DIAGNOSTICO DIFERENCIAL • As síndromes aspirativas pulmonares entram no diagnóstico diferencial de quadros clínicos que cursam com infiltrados pulmonares associados a tuberculose, histoplasmose, sarcoidose, embolia pulmonar e pneumonias. • O diagnóstico diferencial abrange: o Pneumonite química. o Pneumonia adquirida na comunidade (PAC). o Pneumonia associada à ventilação mecânica. o Pneumonia hospitalar. o Fibrose pulmonar. o Obstrução de via aérea TRATAMENTO • Infelizmente, há poucas evidências científicas para guiar a antibioticoterapia ideal no tratamento empírico da pneumoniaaspirativa. • Se presenciada a macroaspiração, deve-se assegurar a proteção da via aérea e aspirar imediatamente o conteúdo da orofaringe. • A intubação orotraqueal (IOT) e o suporte ventilatório podem ser necessários. • Não se recomenda cobertura antimicrobiana empírica e profilática inicial e o uso de corticoides é controverso. • Em pacientes com desenvolvimento de infiltrado radiológico novo após 48 a 72 horas do evento é possível haver infecção bacteriana associada. o Nesse caso, orienta-se coletar cultura de secreção traqueal, se possível, e considerar antibioticoterapia. • Deve-se ter em mente que a melhor evidência para cobertura empírica de anaeróbios é restrita aos casos em que há abscesso pulmonar/pneumonia necrotizante ou fatores de risco significativos para infecção anaeróbia. • O tratamento com ceftriaxona e algum macrolídeo pode ser utilizado se não existirem fatores indicadores de anaeróbio ou abscesso pulmonar. • Fatores de risco para infecção por agentes anaeróbios incluem: o Etilistas e/ou drogaditos. TUTORIAL 4 - MODULO 7 CAROLINE LIBERATO PEREIRA o Dentes em mau estado de conservação e/ou gengivite. o Distúrbios da motilidade esofágica. o Escarro com odor pútrido. o Pneumonia necrotizante/abscesso pulmonar. • A presença de fatores de risco para anaeróbios, contudo, autoriza o tratamento. • Na escolha da antibioticoterapia, considera-se a síndrome aspirativa clássica (fatores de risco para aspiração + infiltrado pulmonar sugestivo), associada a fatores de risco para infecção por anaeróbios. • O tratamento dura 7 a 10 dias, a depender da evolução clínica e pode ser feita com os seguintes esquemas: Pneumonia aspirativa bacteriana Comunidade Betalactamico com inibidor de betalactamase: Amoxilina-clavulanato 500/125 8/8h Ampicilina-sulbactam 1,5 g Clinidamicina 600 mg 8/8h Ceftriaxona 2g/dia + metronidazol 500mg 8/8h Hospitalar Piperacilina-tazobactam 4,5g IV 6/6h Meropenem 1g 8/8h Ertapenem 1g IV 1 vez ao dia Cefapime 1-2g 8/8 + metronidazol 500 mg 8/8h ou clindamicina 600mg 8/8h COMPLICACOES As complicações mais associadas à pneumonia aspirativa incluem: • Derrame parapneumônico complicado. • Empiema pleural. • Abscesso pulmonar. • Fístula broncopleural.
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