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1 FACULDADE CERS THAÍS RODRIGUES DA SILVA A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE A CRESCENTE DEMANDA JUDICIAL REFERENTE A MEDICAMENTOS, INTERNAÇÕES E CIRURGIAS. RECIFE 2021 2 THAÍS RODRIGUES DA SILVA A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: uma análise sobre a crescente demanda judicial referente a medicamentos, internações e cirurgias. Artigo científico apresentado ao curso de Pós- Graduação em Direito Médico como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de pós-graduação em Direito Médico, pela Faculdade CERS. Orientador (a): RECIFE 2021 3 TERMO DE APROVAÇÃO THAÍS RODRIGUES DA SILVA A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: uma análise sobre a crescente demanda judicial referente a medicamentos, internações e cirurgias. Artigo científico aprovado como requisito de obtenção de (grau pretendido), curso, área de concentração. Faculdade CERS, pela seguinte banca examinadora: Data de aprovação: ____/____/_______ _____________________________________________________ Orientador (a): Nome do orientador. Departamento de xxxxxxxx _____________________________________________________ Prof (a): Nome do professor(a). Departamento de xxxxxxxx _____________________________________________________ Prof (a): Nome do professor(a). Departamento de xxxxxxxx _____________________________________________________ Prof (a): Nome do professor(a). Departamento de xxxxxxxx 4 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: uma análise sobre a crescente demanda judicial referente a medicamentos, internações e cirurgias. Thaís Rodrigues da Silva RESUMO: O presente artigo, primeiramente, apresenta uma reflexão sobre a importância de políticas eficazes na saúde pública e a necessidade de uma atuação diferenciada do Estado para a diminuição da judicialização da saúde no Brasil. Este trabalho propõe analisar as causas que refletem a necessidade da atuação do judiciário para suprir a ausência ou ineficácia de políticas públicas. Discute-se novos meios analisando o princípio da dignidade da pessoa humana ligadamente aos direitos fundamentais. A partir de uma breve análise da lei 8.080/90, mais conhecida como a lei do SUS, é possível detectar a falha na distribuição da competência entre os entes federativos. Tais fatos além de apresentar mais gastos para o orçamento público acaba levando a não aplicabilidade da Constituição Federal. Aponta, ao final, mudanças necessárias que fazem com que seja possível a prestabilidade da saúde pública de forma direta e imediata, sem que haja a necessidade da interferência do judiciário. PALAVRAS-CHAVE: Judicialização. Saúde. Efetividade. Direito. THE JUDICIALIZATION OF THE RIGHT TO HEALTH: an analysis of the growing judicial demand regarding medicines, hospitalizations and surgeries. Thaís Rodrigues da Silva ABSTRACT: This article, first, presents a reflection on the importance of effective public health policies and the need for differentiated action by the State to reduce the judicialization of health in Brazil. This work proposes to analyze the causes that reflect the need for the judiciary to supply the absence or ineffectiveness of public policies. New means are discussed, analyzing the principle of human dignity linked to fundamental rights. From a brief analysis of Law 8,080 / 90, better known as the SUS law, it is possible to detect the failure in the distribution of competence among federal entities. Such facts, besides presenting more expenses for the public budget, ends up leading to the non-applicability of the Federal Constitution. At the end, it points out necessary changes that make public health service directly and immediately possible, without the need for judicial interference. 5 KEYWORDS: Judicialization. Health. Effectiveness. Right. 1 INTRODUÇÃO Historicamente o Brasil têm problemas estruturais, que resultam no pouco investimento na área da saúde, e consequentemente gera a falha na execução e organização das políticas pública de saúde. O Brasil era visto como um país ‘doente’, com muitas doenças e epidemias, o que afastava o estrangeiro de querer vim e investir. O problema da saúde no país começou desde o descobrimento e, até o encerramento do período militar, apenas tinha acesso a saúde pública as famílias de trabalhadores com carteira assinada, as demais, não tinham isso como um direito, mas sim como um serviço voluntário prestado pela igreja católica e outros entes religiosos ou procuravam curandeiros. As mudanças propostas eram contrárias aos interesses políticos e econômicos, no entanto o crescimento do país dependia de uma população saudável e com capacidade produtiva. Mesmo com a criação do Ministério da Saúde, as verbas da saúde eram desviadas para outros setores. O SUS foi criado com a promessa de um sistema gratuito e de qualidade para todos os brasileiros, mas até hoje não recebe verbas o suficiente e isso tem reflexos diretos na qualidade do atendimento, além disso, ainda sofre com a corrupção e o gigantismo do Brasil. Este artigo propõe analisar as causas que refletem a necessidade da atuação do judiciário para suprir a ausência ou ineficácia de políticas públicas. Para isso buscou-se identificar a evolução histórica até após a constituição de 1988. Compreender o papel da judicialização para suprir essa necessidade que deve ser para toda a população. Identificar a existência da eficácia de políticas públicas para subsidiar o judiciário nesse processo. Há a demanda que está prevista e não é fornecida e a que não está, mas a população acaba reivindicando via judicial por sua necessidade. O problema não está na não existência da lei, porque a lei existe e na teoria é completa. A dificuldade é a aplicação no serviço básico de saúde que é falho. A população também é responsável em exigir e fiscalizar se o Estado está cumprindo com as políticas públicas relacionadas à saúde. Existem matérias administrativas que precisam ser constitucionalizadas, ou seja, tirar da política e trazer para o direito, para que assim, tenha eficácia. A falta de eficiência e de critérios que têm tornado o sistema disfuncional e desigual. Isto significa que os indivíduos estão utilizando o poder judicial para cobrar a efetividade da prestação do serviço de saúde. A 6 partir disso, a judicialização da saúde, que era para ser exceção, está se tornando cada vez mais frequente. Nos últimos 10 anos a judicialização na saúde cresceu significavelmente por diversos fatores, tais como a falta de investimento e infraestrutura. Por estes motivos, a judicialização passou a ser a solução para as pessoas que precisam de medicamentos que não estão dentro da política pública de saúde ou por falha da mesma. A judicialização transfere para o juiz o poder de deliberar sobre políticas públicas de saúde. O ponto negativo é que estas deliberações acontecem de forma individual, ou seja, o poder judiciário acaba decidindo aonde e para quem aplicar, ao invés de ser feito de modo harmônico para atender a todos que precisam. Isto acontece pelo motivo de que os principais problemas estão relacionados a desorganização do sistema de saúde. Há escassez de recursos em todas as áreas, então na prática o direito da saúde não é absoluto. Uma ferramenta eficaz para a solução dos problemas na área da saúde é a medicina baseada em evidência, criada no Canadá e já utilizada no Brasil e em outros países. O Supremo Tribunal Federal, através das jurisprudências, reconhece a solidariedade entre o Município, o Estado e a União, permitindo que cada ente seja demandado individualmente. Entretanto, a União é pouco demandada,e, desta forma, acaba sobrecarregando os demais. Toda a evolução desta matéria é resultado da chamada doutrina brasileira da efetividade aliada a teoria dos princípios, que tornaram as normas constitucionais aplicáveis e direta. 2 CENTRALIDADE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DEVER DO ESTADO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A eficácia dos direitos sociais e fundamentais necessita de atividades estatais. De um ponto de vista, o legislativo e o executivo não estão paralisados diante da situação que se refere à distribuição de medicamentos. Entretanto, do outro lado, a população vê como um sistema falho ou sem funcionamento. O Brasil adota o modelo de gratuidade para os produtos que o Sistema Único de Saúde incorpora, mas na prática existem muitas barreiras de acesso. O que leva a população a irem a principio em drogarias particulares, e somente após não conseguirem custear o tratamento, buscarem a justiça. 7 A saúde pública no Brasil, anteriormente, atendia apenas a um grupo da população como dispõe Marcos Aurélio Moretto (2002, p. 47): [...] trabalhadores na informalidade que não tinham acesso a esses Institutos por não serem contribuintes. Eles eram atendidos por Unidades Sanitárias dos Estados em serviços de saúde com limitações nos níveis de complexidade. A internação hospital, para os não previdenciários, se dava pagando-a ou dispondo de outro tipo de convênio, ou mais comumente, atendido como “indigentes [...]. Todos desejam as garantias de seus direitos fundamentais que assegura a proteção da dignidade de cada indivíduo. Segundo Torres (2010), predominou o pensamento de que os direitos sociais eram fornecidos parceladamente com o tempo, influenciado pelo constitucionalismo alemão das décadas de 50 a 70. A Constituição Federal de 1988 traz no art. 196 que “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado”. A partir disso, o Estado tem total responsabilidade de promover e garantir a todos á assistência à saúde. Tal garantia, ainda segundo a Constituição Federal de 1988 será “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. não era de todo estranho ao nosso Direito Constitucional anterior, que dava competência à União para legislar sobre defesa e proteção da saúde, mas isso tinha sentido de organização administrativa de combate às endemias e epidemias. Agora é diferente, trata-se de direito do homem. (SILVA, José Afonso, 2005) Ainda na concepção de Torres (2010), todos os direitos sociais são direitos fundamentais sociais, continua afirmando que os direitos fundamentais sociais podem ser executáveis judicialmente, com ou sem intermédio do legislador. Eles devem ser concebidos conforme os princípios de perspectiva constitucional, como por exemplo, o da máxima efetividade. Segundo Carlos Neto (2017) A falta de recursos financeiros não pode ser um obstáculo para assegurar os direitos sociais, que são eles, a condição íntegra da vida humana. Quando isso ocorre, existe uma violação no princípio básico da Constituição Federal que é o da dignidade humana. Contudo, assegurar o mínimo existencial é uma exigência básica para a vida digna, e quando afeta o quesito saúde, significa uma transgressão ao direito à vida, sem saúde não existe qualidade de vida. Quando é estabelecido pela Constituição um direito fundamental, para Barroso (2002) ele torna se obrigatório, principalmente mediante a ação judicial. Quando um direito 8 fundamental ou infraconstitucional estiver sendo descumprido é dever do judiciário intervir na melhoria dessa situação, tendo que defender sempre em respeito ao principio democrático. Figueiredo (2010, p. 222), traz que: Se a judicialização das demandas sociais é indicativo desse ‘ativismo’ por parte dos indivíduos e instituições vinculados à sua representação e defesa, o número massivo de ações judiciais pleiteando as mais variadas prestações em saúde, perante o poder público e a iniciativa privada, descrevem o fenômeno que vem sendo designado por ‘judicialização da saúde’ e configuram indício, outrossim, de que há problemas na efetivação do direito à saúde e no cumprimento, pelo SUS, dos objetivos para os quais foi instituído pela constituinte, em 1988 Segundo Bulos (2010), O papel do Estado é assegurar as pessoas que vivam seus projetos existenciais e ajudar para que seja o melhor que elas podem ser. O primeiro ponto que o Estado falha é no compromisso que devem ter com a promoção na maior extensão possível do direito à saúde, mas dentro de políticas públicas que possam ser organizadas. Os direitos fundamentais podem ser definidos como um conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacifica, digna livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor condição econômica ou status social, tudo isso baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. (BULOS, 2010, p. 515) Neste contexto pode-se perceber que o princípio da dignidade da pessoa humana é basilar para todos os outros direitos e não há como dissociar o direito da política, pois é preciso a política para a aplicação das garantias fundamentais. Percebe-se que a dificuldade se encontra na eficácia dos direitos sociais. Afirma Barroso (2002) que o entendimento de efetividade, de acordo com é relacionada ao conceito de Kelsen que diz “o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstancia de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos” diz diferenciando vigência da norma. Portanto, efetividade é o direito aplicado ao caso concreto corretamente seguindo a própria função social. É o dever-ser normativo, andando em conjunto com o fato social. Desenvolveu-se um senso comum que o judiciário pondera de um lado o direito à vida e a saúde de uns, e do outros princípios orçamentários. Entretanto, infelizmente esta não é a verdade, e por este motivo, não há solução juridicamente fácil, muito menos, moralmente simples. 9 A atuação do Estado deve girar em torno da centralidade dos direitos fundamentais, afirma Barroso (2008), juntamente com a dignidade da pessoa humana, por tais razões é dito que a dignidade da pessoa humana é a propagação dos direitos fundamentais, sendo eles a essência desses direitos que são inclusos nos direitos fundamentais: A liberdade, isto é, a autonomia da vontade, o direito de cada um eleger seus projetos existenciais; A igualdade, que é o direito de ser tratado com a mesma dignidade que todas as pessoas, sem discriminações arbitrárias e exclusões evitáveis; O mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de educação, saúde e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público. Os três Poderes – Legislativo Executivo e Judiciário – têm o dever de realizar os direitos fundamentais, na maior extensão possível, tendo como limite mínimo o núcleo essencial desses direitos. (BARROSO, 2008, p.10) Verifica-se que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana precisam ser observados juntos, para que a criação da política pública de saúde consiga suprir a necessidade da população. Seguindo o pensamento de Bobbio( 1992, p. 24-25), a dificuldade não é explicar o direito, apontando quais os aspectos relevantes, mas sim a proteção dele para garantir que não seja violado. A Constituição Federal de 1988 no art. 4, XII traz que é competência da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar acerca da proteção e da defesa da saúde. Entretanto, Barroso (2008), determinar quem seria o sujeito passivo nas demandas por prestações desaúde facilitaria para a eficácia do sistema. A solidariedade entre todos os entes federativos, do ponto de vista prático acarreta grande dificuldade administrativa e dispêndio desnecessário de recurso. Estabelecer que o réu da ação vai ser a entidade estatal responsável por aquela prestação evita-se as multiplicações de atuações administrativas. E, nos casos que houver dúvida sobre a responsabilidade, a jurisprudência se incline sobre a solidariedade. Nesse contexto, frisa Milanez (2004, p. 199): […] não há dúvidas de que o Estado não pode agir além de suas possibilidades financeiras. Ademais, ele pode ter outras áreas prioritárias onde aplicar o dinheiro público, que, infelizmente, não é infinito. Os recursos financeiros, entretanto, não podem ser vistos como fatos decisivo em todos os casos. Há as situações em que o dinheiro não é o problema principal. E mesmo nas situações onde a questão da disponibilidade de recursos se apresenta, deve-se estar ciente de que essa problemática pode também aparecer nos casos que envolvem direitos civis e políticos. Neste momento, oportuno analisar mais a fundo a abrangência do direito à saúde e até que ponto vai a dependência de recursos públicos. […] Há as obrigações de respeitar e proteger, obrigações que contribuem para a melhoria do direito à saúde e, ao mesmo tempo, não dependem de quantidades significativas de 10 recursos públicos. Por exemplo, o Estado pode ser requisitado simplesmente a regular um setor econômico, medida esta que não é extremamente cara Com o objetivo de melhorar as condições de saúde e para que o “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”, conforme a Constituição Federal de 1988, no seu art. 23, fosse alcançado, foi criada a Lei Orgânica da Saúde 8.080/90, mais conhecida como a lei do SUS dividindo assim, as competências dos entes federativos. A lei nº 8.080/90 define não somente a estrutura do sistema, como também a forma de organização, funcionamento e princípios que deverão ser seguidos. Dentre os princípios, dois merecem destaque: o da universalidade e o da subsidiariedade. O princípio da universalidade dispõe sobre a proteção do acesso a saúde e serviços acessíveis a todas as pessoas. E o da subsidiariedade incumbe aos Municípios o dever de executar as políticas públicas de saúde e o de oferecer medicamentos em particular. (BARROSO, 2008, p.16). Na separação da competência de cada ente, os Estados e a União Federal, só deveriam agir para suprir a necessidade quando houvesse ausência dos Municípios. No entanto, não é o que ocorre na prática, pois há uma confusão no que diz respeito como e a quem pedir o direito. Conforme Sarlet (2007), A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como parte da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também a saúde) situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de norma de superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas “cláusulas pétreas”) da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos termos do que dispõe o artigo 5, parágrafo 1 (sic) da Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e particulares. Segundo Daniel Carlos Neto (2017), faz se necessário observar três princípios: a mutualidade, a reserva do possível e a proibição de excesso e proporcionalidade. O primeiro é referente ao dever do Estado de prestar serviço médicos a população. Já a reserva do possível é pelo motivo que todos os direitos sociais estão sujeitos a ela para a sua efetivação. E por último, proibição de excesso e proporcionalidade, que quer dizer proporcionalidade. A mutualidade descreve Lopes (2009, p.156), engloba toda a ideia de proporcionalidade “direito é proporção real e pessoal de homem para homem” e tem de haver limitação do juízo de extensão, medida ou força da ação do judiciário e respeito da saúde pública do país, em especial aos cuidados médicos, hospitalares e farmacêuticos (LOPES, 2009). 11 A eficácia dos direitos está limitada a quantidade de recursos disponíveis. De acordo com Sarlet (2007, p. 265) os direitos sociais têm que abranger tanto a possibilidade, bem como o poder de recursos por parte do Estado. Por motivos expostos, o Governo pode alegar que não têm recursos financeiros para o atendimento eficaz a população, porém, não é uma desculpa aceita. O Estado não deve, e nem pode, deixar de garantir direitos fundamentais aos brasileiros, oferecendo um tratamento que consiga suprir a necessidade da população. Barroso (2008) afirma que: A distribuição da competência não está prevista na lei do SUS, mas sim esboçada em inúmeros atos administrativos federais, estaduais e municipais, sendo o principal deles a Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde, que estabelece a Política Nacional de Medicamentos31. Ao gestor federal caberá a formulação da Política Nacional de Medicamentos, o que envolve, além do auxílio aos gestores estaduais e municipais, a elaboração da Relação Nacional de Medicamento (RENAME). 3 A QUESTÃO ESPECÍFICA DA DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS A expectativa de vida no Brasil aumentou bastante nos últimos anos chegando há 75,5 anos, e com esse aumento o orçamento do governo para saúde tem que ser aumentado cada vez mais. Entretanto, não é o que acontece na prática. Segundo Martins (2004, p.385): […] tanto a igualdade formal (legal, que garante o tratamento paritário em nível legislativo e na aplicação do Direito) quanto a igualdade material (social, que, com força propulsora mais dinâmica, irradia uma perspectiva utilitarista na busca da efetivação da totalidade do conteúdo da igualdade formal) têm como principal destinatário o Estado, cabendo-lhe a função equilibradora e moderadora das desigualdades sociais. Nesta esteira, a via pela qual a igualdade material se impõe é a afirmação dos direitos fundamentais sociais. Nos casos de novos medicamentos propostos, Barroso (2008), especialistas avaliam o novo produto em diversos aspectos como a questão financeira, a qualidade de vida e melhora. Dependendo do resultado desta avaliação que é decidido se vale ou não a pena que o SUS faça integrar, e na maioria dos casos o resultado é negativo. 12 Há diversas críticas a judicialização da saúde, entre elas a crítica técnica que se refere a: Há ainda a crítica técnica, a qual se apoia na percepção de que o Judiciário não domina o conhecimento específico necessário para instituir políticas de saúde. O Poder Judiciário não tem como avaliar se determinado medicamento é efetivamente necessário para se promover a saúde e a vida. Mesmo que instruído por laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria capaz de rivalizar com o da Administração Pública57. O juiz é um ator social que observa apenas os casos concretos, a micro-justiça, ao invés da macro-justiça, cujo gerenciamento é mais afeto à Administração Pública58. (BARROSO, 2008). Ainda segundo Barroso (2008) existe alguns parâmetros para uniformizar a judicialização no quesito medicamentos. O primeiro é na esfera individual onde, o legislativo e o executivo, avaliam juntamente as necessidades emergenciais, recursos disponíveis e os aspectos técnico-médicos. Já o segundo é no âmbito coletivo, que apesar da impossibilidade do judiciário de decidir em relação a concessão de medicamentos, não impede de discutir judicialmente as listas feitas pelos outros poderes, podendo inclusive incluir outro medicamento ou intervir em razãode investigação de desvio de dinheiro do poder público. Barroso (2008), O lado positivo desse parâmetro é que a decisão tomada em âmbito coletivo terá efeitos erga omnes, assegurando a igualdade e universalidade, além de baratear e racionalizar o uso dos recursos humanos. Ainda neste ponto dispõe ainda sobre parâmetros complementares para o auxílio nas decisões pertinentes ao assunto. A primeira é que o judiciário só pode determinar a inclusão, em lista, de medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos. Ou seja, é preciso opiniões majoritárias de especialistas, como médicos, enfermeiros e assessoria especializada na área, para saber se o novo medicamento é eficaz ao substituir outro já existem. Lembrando que não podem ser trocados por tratamentos alternativos. Ainda segundo entendimento de Barroso (2008), “o judiciário deverá optar por substâncias disponíveis no Brasil”. Nesse contexto, a preferência deve ser dada aos medicamentos disponíveis no território nacional, e preferencialmente, já conveniado ao SUS. “O judiciário deverá optar pelo medicamento genérico, de menor custo”. Desde que seja comprovada a eficácia, segurança e a qualidade. O último diz que “O judiciário deverá considerar se o medicamento é indispensável para a manutenção da vida” (BARROSO, 2008, 13 p. 35). Os medicamentos essenciais para a sobrevivência do indivíduo deverá ter preferência a aqueles que apenas proporcionam uma melhoria na qualidade de vida. 4 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA. O Artigo 196 da Constituição Federal deixa claro o direito à saúde. Apoiado nisso, o SUS trabalha sob três aspectos: promover, proteger e recuperar. Por esse motivo, qualquer cidadão brasileiro que queira recorrer ao sistema público de saúde, deve ser atendido. Contudo, quando isso não acontece, o indivíduo pode entrar com uma ação no Tribunal de Justiça contra o Estado. Afinal, ele deixou de receber algo que a Constituição cita como direito. A pessoa pode recorrer à Justiça para solicitar tratamentos que não são disponibilizados pelo SUS ou que possuem um valor muito alto na rede privada. Também é possível requerer o acesso aos medicamentos, consultas e procedimentos. Além do sistema público, a judicialização da saúde também engloba processos movidos contra planos de saúde que se negam a cobrir tratamentos que o paciente necessita. Para os doutrinadores existem aspectos positivos e negativos da intervenção do judiciário na saúde pública. Dentre os aspectos positivos Marrara e Nunes (2010, p. 87) listam: a) Estimula a concretização do direito social: determina o respeito por todos os Poderes aos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição, “para realização de um mínimo de bem-estar individual e social”. Como já ponderamos, o processo “força” que uma prerrogativa não implementada ou implementada precariamente seja concretizada por uso do sistema de freios e contrapesos da tripartite, e em nome da dignidade da pessoa humana. b) Desestimula o mau funcionamento do Estado: seja por corrupção, lobby ou pura omissão, o Executivo e o Legislativo prestam atendimento à sociedade muito aquém do que seria o ideal. “Nesse contexto de baixa eficiência e eficácia de muitos setores estatais, são de extrema relevância os estímulos judiciais em forma de determinação de ações concretas quer para coibir erros e ilegalidades, quer para afastar omissões indevidas”. Novamente tem-se o uso do sistema de freios e contrapesos, objetivando corrigir um grupo específico de ineficiências que prejudica a população, no caso relativo a prestações em saúde. c) Coíbe o esvaziamento de investimentos do setor: o orçamento brasileiro é autorizativo; na prática, isso significa que o Executivo pode modificar ou mesmo cancelar qualquer dotação votada pelo Legislativo. A judicialização seria, em tese, uma saída para evitar que a população seja prejudicada no caso da diminuição de dotações voltadas para a saúde, assegurando que o Executivo aja quando necessário for. d) Dificulta o retrocesso social: “veda ao Estado a criação de situações fáticas em que os direitos já conquistados pela sociedade passem a ser 14 ignorados”. O processo, em tese, evitaria o esvaziamento do núcleo mínimo do direito à saúde, com fulcro na dignidade da pessoa humana, de modo a sempre ampliar (nunca reduzir) as conquistas relativas ao direito à saúde. Um dos fatos mais expressivo é o de que não são todos que possuem recurso para chegar até a justiça, ou até mesmo conhecem seus direitos. O fato de a decisão judicial ser individual e não englobar a todos fere o princípio da isonomia. Esse é apenas um dos aspectos negativos, como listam novamente Marrara e Nunes (2010 p. 88-89): Confusão entre microjustiça e macrojustiça: muitas vezes o Judiciário autoriza demandas perante o Estado sem considerar, em tese, a globalidade de políticas públicas. “Assim, não raro, ao buscar a Justiça no caso concreto (microjustiça), o Judiciário afeta o que se chama de macrojustiça, ou seja, os efeitos desenvolvimentistas que deveriam ser gerados pelo conjunto de políticas públicas praticadas [...] de modo coerente”. De fato, esse talvez seja o argumento mais forte daqueles que se contrapõem à judicialização da saúde. E na prática isso realmente pode ocorrer se o processo for conduzido sem razoabilidade; há tratamentos de uma só pessoa que podem custar mais de R$ 500.000,00 em um ano. Esse valor pode prejudicar orçamentos naturalmente pequenos, como os dos municípios. Substituição de decisões técnicas por decisões superficiais: entende-se que o Judiciário estaria prejudicando a implementação de políticas em saúde, abalando o planejamento do Executivo ao autorizar situações não previstas, baseadas apenas em laudos médicos e não no planejamento orçamentário anual, baseado em estudos científicos estatais. Observa-se que esse argumento é diretamente complementar ao primeiro. Mas não devemos ser simplistas e nem frios, já que há vidas envolvidas. Obviamente, é raso falar que situações não previstas podem sempre prejudicar todo o orçamento da saúde, sem estudar de forma acurada os fatores envolvidos No entanto, sem assessoramento adequado os juízes podem realmente tomar decisões equivocadas, pois seu conhecimento não abarca a seara médica. Desrespeito à Reserva do Possível e ao orçamento: Relacionado à teoria alemã de que ninguém está obrigado ao impossível, mas nesse âmbito é aplicada ao Poder Executivo de forma que “este não teria como serem obrigado a concretizar direitos que, na realidade, exijam esforços materiais e/ou financeiros desproporcionais – o que poderia impactar significativa e negativamente o orçamento público, prejudicando outras políticas públicas”. Eventual violação da harmonia entre os poderes: ao interferir em políticas públicas o Judiciário estaria extrapolando suas funções e adentrando nas do Executivo. Esse é o único argumento contrário que não prospera de modo algum, pois, em matéria de Direitos Fundamentais, especialmente em saúde, a situação encontra-se justamente na ambiência das intervenções autorizadas, pois se refere a um momento de uso do próprio sistema de freios e contrapesos, de modo a corrigir a atuação equivocada do Executivo em relação às políticas públicas, no caso sua omissão. Esse é o entendimento do STF (Acórdão STA 175-AgR/CE[37]). 15 Diante das palavras de Barcellos (2002): É obvio que a limitação de recursos existe e não se pode ignorá-la, até mesmo para que se possa afirmar judicialmente exigível ou não, certa e determinada prestação do Estado que desborde dos limites do razoável, mas também não se pode esquecer a finalidade da arrecadação de recursos públicos, que outra não é senão a de realizar os objetivos fundamentais traçados na Constituiçãoveja-se: A promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em outros projetos de deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível. 5 PANDEMIA DA COVID-19 E A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde anunciou que estávamos em uma pandemia. No inicio, acreditava-se que afetaria apenas a área da saúde, mas afetou todas as áreas. E o sistema de saúde que já estava um caos, conseguiu ficar ainda pior. São hospitais sem leitos apropriados para atendimento aos pacientes, insuficiência ou nenhum equipamento de proteção individual para uso dos profissionais de saúde, quantidade abaixo da necessária de médicos, enfermeiros e assistentes, enfim, precariedade da saúde. Para BARROSO (2020, p. 89) deve existir um equilíbrio na atuação dos juízes e tribunais na busca de efetivação da meta coletiva.. O problema ganha em complexidade quando há confronto entre o interesse público primário consubstanciado em uma meta coletiva e o interesse público primário que se realiza mediante a garantia de um direito fundamental … a propriedade industrial pode significar um óbice a uma eficiente proteção da saúde. E Além de toda problemática já conhecida, o negacionismo de governantes é um dos fatores que atraem consequências nefastas para toda sociedade, uma vez que àqueles preferem negar a existência e gravidade de tal vírus e deixar de combater a epidemia para promover política partidária. Na realidade, alguns gestores públicos vislumbraram tratar-se de um inimigo em comum e revelaram-se verdadeiros protagonistas no combate ao grave problema, mostrando- 16 se sensíveis, prudentes e intencionados a resolver, da melhor forma, o dilema posto, evitando a propagação da doença, através de decretos de distanciamento e isolamento social e punindo, de forma mais enérgica, àqueles que se propunham a descumprir políticas públicas voltadas ao bem-estar da coletividade. A pandemia provocada pelo COVID-19, mostra que não importa a classe social, a idade, o sexo, quando o assunto é contaminação pelo novo coronavírus, porque as desigualdades sociais revelam que os mais pobres sofrem mais consequências negativas, pois estão intensamente mais vulneráveis ao contágio, vez que são mais expostos à agentes nocivos, desde àqueles resultantes da falta de acesso à saúde, saneamento básico, alimentação, como também à educação, moradia, emprego, renda, etc. Constata-se que em decorrência da pandemia, diminuíram as demandas individuais e aumentaram as demandas coletivas, na medida em que o indivíduo, por medo, por precaução, enfim, por qualquer outro motivo, deixou de procurar o Poder Judiciário para ver a sua necessidade particular ser atendida. Deste modo, voltaram-se as atenções das grandes maiorias das autoridades de saúde, dos gestores públicos, do legislativo e do judiciário resultado só, a resolução da considerada maior mazela atual, priorizando-se a promoção de políticas públicas para viabilizar a exterminação do vírus ou minimizar os seus efeitos tão negativos, mudando, embora que temporariamente, a mentalidade de muitos atores que compõem a saúde pública de nosso país, promovendo ações que garantem maior ganho para toda coletividade. Importa consignar que o direito à saúde não é absoluto, ao contrário, com este concorrem outros princípios, os quais devem ser interpretados à luz do texto Constitucional, de modo a garantir que a função jurisdicional seja balizada não apenas no atendimento do pleito individual, mas na reunião de conhecimentos dos profissionais médicos, especialistas da saúde, nas prioridades das filas, nas diretrizes orçamentárias e nas políticas públicas voltadas para o ramo. Neste contexto, a judicialização deve ser empreendida como meio de organizar as políticas básicas de saúde, pautadas em critérios de evidências científicas e não em uma jurisprudência sentimental, na qual o julgador toma as dores do peticionante e concede-lhe não o direito, mas o desejo de ver o atendimento a sua pretensão, a qualquer custo. Nessa toada, não tenho dúvidas de que deve haver harmonia entre os Poderes, com um único objetivo de promover a saúde de forma universal e igualitária para toda a população, 17 pois quando o Ente Público age, isso se dá através de critérios objetivos, não sendo os mesmos critérios utilizados nas decisões judiciais, que, distante do conhecimento da realidade orçamentária do SUS, deferem o pedido de um cidadão em detrimento do atendimento necessário à coletividade, regredindo, sensivelmente, na garantia plena do direito à saúde do povo. De fato, as necessidades na área de saúde são numerosas, infinitas, diferentemente dos recursos destinados à promoção deste direito, daí é que surge a real intenção de garantir elementos suficientes para proporcionar aproximação e soluções executáveis pelos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, integrando-se com um único objetivo, fortalecer o Sistema Único de Saúde, sobretudo, com medidas de caráter preventivo e não curativo, como vem sendo usado ao longo dos anos. É com este pensamento que a Organização Mundial da Saúde (1946), define a saúde como uma condição de ausência de doença: A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas no melhor estado de saúde que é possível atingir constitui uma ausência de doença ou enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social. Importante que se registre, que o funcionamento a contento do SUS, não deve ser apenas uma anseio daquele que dele pretende se beneficiar, e, admitir a existência de um sistema paralelo de internação, consultas, compras de medicamentos e equipamentos na política de saúde, atraem um custo altíssimo para toda a coletividade e fulmina a autonomia do SUS, impedindo sua engrenagem, tão brilhantemente pensada nas legislações atinentes à matéria. E como deve se desenvolver os julgamentos, VIDAL (2009, p. 109) contribui ensinando sobre como deve se dar a interpretação do julgador: Se a Constituição é norma jurídica, cabe ao Poder Judiciário aplicá-la diretamente, assegurando a sua eficácia. No campo da hermenêutica clássica, o reconhecimento da Constituição como norma jurídica terá como imediata consequência à aplicação dos métodos tradicionais de interpretação. [...] O papel do intérprete é apenas 18 revelar a vontade do legislador expressada na norma constitucional (ato de conhecimento), aplicando-as, pelo mecanismo da subsunção, às situações concretas. Não é demais lembrar, que o objetivo maior do Sistema Único de Saúde é garantir uma política pública que atenda, globalmente, a massa da sociedade e, à medida que a judicialização da saúde avança, aceleradamente, também nesta mesma velocidade ocorre a quebra da padronização no atendimento idealizado, da ordem e da cronologia, das prioridades e, por fim, geram o esgotamento financeiro, de suporte técnico e de pessoal, todos destinados, em sua essência, a garantir o pleno funcionamento do SUS. Sob este aspecto, é de suma relevância ser dito que o Poder Público deve se sujeitar aos princípios norteadores para uma melhor condução na utilização da res publica,sendo, a partir desta ideia que os gastos com a saúde sujeitam-se à cláusula de reserva do possível. A seguir trazemos à baila o entendimento de RIGO (2007, p. 177) Os direitos sociais condicionados à prestação do Estado (como é o caso da saúde) sujeitam-se à reserva do possível, que está vinculada ao limite de recursos do Estado, significando, em síntese, que a pessoa somente pode exigir do Estado uma prestação que seja razoável para o Estado cumprir. A cláusula da reserva do possível abrange a possibilidade e o poder de disposição do Estado, colocando os direitos sociais prestacionais na dependência da conjuntura socioeconômica. Não é demais afirmar que existe uma diferença sutil entre igualdade e isonomia, o qual faz toda diferença na execução das diretrizes do SUS. Assim, reproduzimos o entendimento de ALMEIDA (2001, p. 35): 19 [...] todo cidadão é igual perante o Sistema Único de Saúde e será atendido conforme as suas necessidades. Os serviços de saúde devem considerar que em cada população existem grupos que vivem de forma diferente, ou seja, cada grupo ou classe social ou região tem seus problemas específicos, tem diferenças no modo de viver, de adoecer e de ter oportunidades de satisfazer suas necessidades de vida. Assim os serviços de saúde devem saber quais são as diferenças dos grupos da população e trabalhar para cada necessidade, oferecendo mais a quem mais precisa, diminuindo as desigualdades existentes. O SUS não pode oferecer o mesmo atendimento a todas as pessoas, da mesma maneira, em todos os lugares. Se isto ocorrer, algumas pessoas vão ter o que não necessitam e outras não serão atendidas naquilo que necessitam. O SUS deve tratar desigualmente os desiguais. Em conclusão a este pensamento, registro o que escrito por ZAFFARONI (1995, p. 22): De fato, ante a necessidade de atuação do Estado e a garantia de direitos nunca efetivados pelas políticas públicas inexistentes, registra-se uma crescente "demanda de protagonismo" dirigida aos judiciários, para que estes garantam que o Estado providência prometeu, mas não cumpriu. A partir da ideia de uma sociedade saudável e da busca pela concretização desta premissa, que se perseguem meios para garantir ao cidadão a realização de seu direito. A aplicação da teoria da imprevisão em razão da atual pandemia se compatibiliza com a queda da arrecadação tributária dos entes públicos e com o dever constitucional do estado no tocante à proteção da vida e da saúde pública, com vistas ao bem-estar de toda a sociedade. Há questionamentos de médicos, juristas, economistas, dentre outros profissionais, acerca da obrigação constitucional do estado em promover a saúde da população como um todo, abarcando, além da COVID-19, outras doenças não menos importantes, como câncer, problemas cardíacos e até depressão. Nesse cenário, surge o problema da judicialização envolvendo a saúde, por meio da qual as pessoas visam a tutela individual dos seus direitos, ameaçando comprometer o estado em detrimento do coletivo, inclusive com risco de interferência do Poder Judiciário em matérias de políticas públicas, a cargo do Poder Executivo. A hipótese para essa problemática não é imediata, tampouco irrefutável, mas depende necessariamente de diálogos institucionais entre todos os órgãos públicos e privados, além de profissionais, como médicos, juristas, economistas, cientistas, dentre outros, em uma atuação conjunta para evitar que as decisões judiciais provoquem o colapso do sistema como um todo, 20 considerando-se que a humanidade não está livre de novas pandemias e que as demais doenças continuam e continuarão a afetar a grande parte da população. 6 INTERNAÇÕES E CIRURGIAS Outro grande problema enfrentado pelo Brasil através da judicialização além da questão dos medicamentos é o aumento das solicitações via judicial das internações e cirurgias. Frequentemente a população tem que acionar o poder judiciário devido à urgência ou não prestação do serviço (SCHULZE; NETO 2015). Infelizmente o SUS não cresceu conjuntamente com a expectativa de vida no país. Aumentaram os números de epidemias, doenças etc., porém, em meio a esse aumento, o Serviço Único de Saúde estava inerte, assim como permaneceu. Não se trata apenas da falta de preparo, mas também a falha na estrutura dos hospitais que muitas das vezes não têm vaga, e até mesmo os que não possuem funcionários trabalhando devido à falta de pagamento (SCHULZE, NETO, 2015) Neste contexto, Sarlet (2010) mostra que o objetivo da judicialização está em buscar a solução para direitos e princípios incompatíveis. Este processo deve passar por uma análise de organização para suprir a necessidade de hierarquização dos princípios em conflito com as normas constitucionais, predominando os bens mais significativos em observância com o princípio da proporcionalidade. Os casos mais constantes são os de pedido de urgência e de não preparo do sistema de saúde a doenças raras. O serviço público brasileiro, pelo principal motivo da corrupção no país, tem suas verbas desviadas, e isso acarreta a falha e insuficiência do serviço, pois não tem estrutura e profissionais capacitados dispostos a melhorar a saúde do país. É necessário entender a diferença entre a vigência e a eficácia da norma, a vigência refere-se a como deveria ser, no sentido normativo. E a eficácia é a norma aplicada ao fato gerador do problema. Ou seja, a eficácia para Silva (2005, p. 64) nada mais é do que o “fato de que a norma é efetivamente aplicada e seguida; a circunstância de que uma conduta humana conforme a norma se verifica na ordem dos fatos”. 21 Liliane Coelho da Silva (2013) mostra que apesar de na teoria as normas garantirem tratamentos aos que dependem do serviço de saúde publica, na prática eles são tratados com medidas paliativas apenas para não agravar a situação e dependem do governo para uma melhoria no estado de saúde. O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los [...]. Não se tratam de saber quais e quantos são esses direitos, qual a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro de garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 1992, p. 24-25). 22 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Mesmo ainda tendo muito a evoluir, o Brasil com a constituição de 1988 tem um grande avanço. Um país onde só tinha direito a saúde aqueles trabalhadores de carteira assinada, passa a estender o direito a toda a população. A judicialização deve ser aceita como um fato, e partir disso, pensar em quais situações o judiciário devem ser ativistas ou deve se mover com autocontenção. Devem ser estabelecidos parâmetros para que a atuação do judiciário possa se pautar por critérios de racionalidade e de eficiência, pois a falta de critérios universais que têm tornado o sistema disfuncional e desigual. Uma possível solução para diminuição da judicialização da saúde é a união entre os entes federativos. Pois, dessa forma, é possível a criação de políticas publicas e leis que atendam a necessidade da população de forma mais rápida e eficaz. De forma que, busquem as ações mais frequentes, de alta demanda, e haja um entendimento pacifico em busca de uma resolução do problema. Não cabe ao judiciário intervir quando há atos administrativos eficazes, pois o artigo 196 da Constituição Federal deve ser respeitado. Há uma concepção de que o Poder executivo que deveria legislar sobre a saúde, tendo em visa a “reserva do possível”, por possuir uma visão do quanto o país tem de recursos e as necessidades que precisam ser atendidas. Além disso, não temos recursos o suficiente para suprir todasas necessidades da população, e assim, caberia ao Estado, diretamente, tomar as decisões mais favoráveis. O Juiz precisa ser assessorado para tomar decisões pertinentes a área da saúde, por não ser capacitado para o mesmo. Ideal seria que houvesse uma parceria entre assessorias especializadas na área da saúde com o poder judiciário, para que as decisões fossem justas. Dessa forma, até o custo para o Estado diminuiria. O Brasil está vivenciando um momento de certa fragilidade do legislativo e uma vertiginosa ascensão do poder judiciário. Por consequência disso, houve certo descrédito da política representativa. A Constituição Brasileira é bastante abrangente e o judiciário está à esquerda do legislativo, contribuindo para o avanço social diante de um imobilismo do legislativo, e se tornou mais representativo do que o próprio poder legislativo. 23 Não há democracia sem Poder Legislativo com credibilidade, atuante e com funcionalidade. O Estado deverá promover a igualdade seja por lei, políticas públicas ou outros meios eficazes, mesmo que invista menos em medicamentos e mais em políticas de saneamento básico. De maneira que tal investimento produza mais efeitos que toquem à promoção a saúde mesmo que em longo prazo, em todo o tempo analisando custos e benefícios. Muitas das vezes as políticas públicas podem não atender as necessidades individuais, ou algum grupo de um determinado seguimento. Decisão individual para coletiva A ideia de universalização e igualdade Permitir que o juiz transforme aquela ação individual em uma ação coletiva intimando as partes que ele reputa interessadas. Porque é adequada e justa Uma solução trazida por Luís Roberto Barroso seria no segundo semestre de cada ano, as pessoas envolvidas no sistema, participarem de um debate público e transparente para definir quais as políticas públicas de saúde serão prestigiadas e quais os recursos alocados a elas. Quando a política pública não atender as necessidades individuais ou de um determinado grupo, a decisão não deve ser exclusiva e sim para todos aqueles que estão naquela situação. Por fim, a população menos favorecida, que não conhece os seus direitos, ou por falta de acesso à justiça que mais sofre com o Sistema Único de Saúde Brasileiro. As políticas públicas falham desde não alcançar seu principal objetivo que é a redução da desigualdade no país. 24 REFERÊNCIAS BARROSO, L. R. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. 2008. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/estudobarroso.pdf >. 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