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1 Teoria e Prática da Narrativa Jurídica Professor Nelson Tavares AULA 10 2 Leia os dois textos que seguem. Ambos possuem uma peculiaridade: há sutil falha na narrativa dos fatos da contestação. O primeiro foi extraído de um relatório de acórdão (apelação cível nº 1.217/93) da lavra do Desembargador Sérgio Cavalieri Filho. O segundo é um caso concreto. TEXTO 1 VISTOS, relatos e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 1.172/96, em que é apelante CASA DE SAÚDE SANTA HELENA LTDA e apelado HAMILTON DA PAIXÃO AMARAL E SUA MULHER. ACORDAM os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em dar provimento parcial ao recurso para restringir a indenização ao dano moral e às despesas com funeral, vencido o Des. João Wehhi Dib que julgava a ação improcedente. AULA 10 3 Ação de responsabilidade civil, pelo rito sumaríssimo, em razão da morte de criança recém-nascida. Apontou-se como fato gerador da responsabilidade da ré o fato de ter sido dada alta hospitalar ao filho dos autores, logo após o seu nascimento, quando ainda não tinha condições físicas para tal. A sentença (f. 30 a 35), que acolheu parcialmente o pedido, condenou a ré a pagar aos autores indenização por dano moral – 100 salários mínimos – despesas com funeral e pensões vincendas, a serem apuradas em liquidação, durante nove anos, compreendidos entre os 16 e os 25 anos do filho dos autores. AULA 10 4 Recorre a vencida (f. 37 a 41) sustentando que não existe nos autos prova da culpa da apelante e que essa não pode ser presumida, mormente em se tratando de criança nascida de mãe desnutrida e fumante. Assim, prossegue, culpar a apelante pelo infeliz acontecimento importa em imputar-lhe responsabilidade pelo procedimento dos próprios pais que, sem condições, resolveram ter mais um filho. Aduz não ter a sentença considerado a baixa situação social-financeira dos apelados, causa principal da mortalidade infantil, e que a introdução da sonda não foi a causa-mortis da criança. Pede a reforma da sentença. Ao responder o recurso (f. 46 e 47), pugnam os apelados pelo seu não provimento. É o relatório. AULA 10 5 TEXTO 2 Roberto Veloso ajuizou ação indenizatória em face da Agência de Viagens Solimar Ltda. e Hotel Fazenda Cruzeiro, pretendendo o ressarcimento pelos danos sofridos em acidente, que lhe causou tetraplegia. O autor afirma haver contratado com a primeira ré pacote de turismo, com excursão para Serra Negra, em São Paulo, onde se hospedou nas instalações da segunda ré, por volta das 22h. AULA 10 6 Na noite do dia 24 de abril de 2007, ao dar um mergulho em uma das piscinas do hotel, o autor, com 1,85m de altura, bateu violentamente no piso da piscina, que estava vazia. Sustentou inexistir qualquer aviso, nem mesmo um obstáculo ou uma cobertura que impedisse o acesso dos hóspedes àquele local, que não oferecia a segurança que dele se devia esperar. Postula o ressarcimento, a título de dano, proveniente de relação de consumo, que o deixou tetraplégico aos 21 anos de idade. AULA 10 7 Em contestação, a segunda ré aduz que o autor, após ingerir bebidas alcoólicas, resolveu, por volta das 3h, usar, sem autorização, a piscina do hotel. Para comprovar essa alegação, e eximir-se da responsabilidade civil, o advogado da pessoa jurídica apresentou diversas testemunhas – funcionários do hotel e alguns hóspedes – que garantiram que a vítima, acompanhada de alguns amigos, já se banhavam no local há cerca de quarenta minutos, o que evidencia não se encontrar completamente vazia a piscina. Esclarece, ainda, que o autor utilizou a piscina após o horário de seu regular funcionamento e, ao fazer uso de um escorregador para crianças, mergulhou de cabeça em local onde a profundidade era de 1,10 m. Sustenta haver culpa exclusiva da vítima. AULA 10 8 O QUE A NORMA DETERMINA ACERCA DA MATÉRIA? CAPÍTULO I - Disposições Gerais Art. 4° do CDC - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: AULA 10 9 CAPÍTULO III - Dos Direitos Básicos do Consumidor Art. 6° do CDC - São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. AULA 10 10 Art. 14 do CDC - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. AULA 10 11 Questão 1 Identifique e explique qual a falha na exposição dos fatos de cada um dos fragmentos que você conheceu. Questão 2 Faça pesquisa jurisprudencial no site do Tribunal de Justiça de seu estado e transcreva pelo menos uma narrativa jurídica que demonstre falha de exposição de fatos na contestação ou em outra peça de resposta, como a exceção e a reconvenção. Explique onde está essa falha e qual é. Questão 3 Todas as questões de fato que prejudicam a capacidade de resistência jurídica do(a) réu(ré) à pretensão do(a) autor(a) foram devidamente enfrentadas na contestação? Em caso contrário, aponte essas falhas. Resposta fundamentada. AULA 10 12 SUGESTÃO DE RESPOSTA PARA A QUESTÃO 1 No primeiro texto, a ré usou a desnutrição e as más condições gerais da mãe e do recém-nascido para justificar a probabilidade de sua morte, reiterada por dados oficiais de que a desnutrição é a principal causa de morte entre crianças de mesma faixa etária. Se assim o é, porém, agravada fica a sua conduta, pois a alta não poderia ter sido autorizada em tão curto período. Trata-se de negligência e imperícia. AULA 10 13 No segundo texto, a empresa ré usa testemunhas para comprovar que a vítima e seus amigos estavam há quarenta minutos na piscina fazendo algazarra. Ora, o raciocínio desejado era sustentar que se estavam se banhando no local, não estava completamente vazia a piscina, o que descaracteriza a conduta culposa (negligente/imprudente), principal causa do acidente, segundo o autor. Porém, com essas afirmações, caracterizou, por si mesma, a negligência por outra via: como tinha ciência de que hóspedes alcoolizados usavam a piscina fora do horário autorizado, deveria ter tomado providências para impedir a permanência dos hóspedes naquele local. AULA 10
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