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Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento DOENÇAS RENAIS – CAPÍTULO 22 INVESTIGAÇÃO DE DOENÇA RENAL Duração da doença: A doença renal pode ser aguda ou crônica. A lesão renal aguda (IRA) é a deterioração da função renal que ocorre em horas a dias, resultando em retenção de excretas nitrogenadas (como nitrogênio ureico sanguíneo [BUN]) 1 e creatinina no sangue. A retenção dessas substâncias é chamada azotemia. A doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal que ocorre ao longo de meses a anos. A oligúria é rara na DRC. A anemia (causada por redução na produção de eritropoetina pelos rins) é rara no período inicial da doença renal aguda. A observação de redução no tamanho dos rins é mais consistente na DRC, enquanto rins de tamanho normal ou aumentado são encontrados tanto na doença aguda quanto na crônica. Exame de urina: O exame de urina fornece informações semelhantes àquelas obtidas com biópsia renal, de forma custo-efetiva e não invasiva. A urina deve ser colhida no jato intermediário ou, quando isso não for possível, por meio de cateterização vesical. O material deve ser examinado até 1 hora após a coleta para evitar a destruição de elementos anormais. A análise inclui um teste com fita reagente seguido por avaliação microscópica, caso a fita apresente resultados positivos. O teste com fita reagente mede o pH urinário e detecta a presença de proteína, hemoglobina, glicose, corpos cetônicos, bilirrubina, nitritos e esterase leucocitária. Geralmente o exame também indica a densidade da urina. O exame microscópico pesquisa ainda todos os possíveis elementos anormais – cristais, células, cilindros e organismos infectantes. É comum que a sedimentoscopia esteja normal, especialmente na DRC e nos distúrbios agudos não intrínsecos aos rins, como redução do fluxo efetivo de sangue aos rins ou obstrução do fluxo de saída da urina. Os cilindros são compostos pela mucoproteína de Tamm-Horsfall e assumem a forma do segmento do néfron, onde se formaram. Proteinúria intensa e lipidúria são achados consistentes com síndrome nefrótica. As presenças de hematúria com hemácias dismórficas, cilindros hemáticos e proteinúria indicam glomerulonefrite. A ocorrência de hemácias dismórficas é explicada pela passagem anormal dessas células pelos capilares, atravessando a membrana basal glomerular (MBG) para o espaço urinário da cápsula de Bowman. A presença de cilindros granulosos pigmentados e de células epiteliais tubulares renais, isoladamente ou agrupadas em cilindros, sugere necrose tubular aguda. Leucócitos, incluindo neutrófilos e eosinófilos, cilindros leucocitários, hemácias e pequena quantidade de proteína podem ser encontrados na nefrite intersticial e na pielonefrite; com a coloração de Wright e Hansel é possível detectar eosinofilúria. A piúria isoladamente indica infecção do trato urinário. Tipo Significado Cilindros hialinos Urina concentrada, doença febril, após exercício extenuante, no curso de terapia com diuréticos (não indicam doença renal) Cilindros hemáticos Glomerulonefrite Cilindros leucocitários Pielonefrite, nefrite intersticial (indicam infecção ou inflamação) Cilindros de células tubulares renais Necrose tubular aguda, nefrite intersticial Cilindros granulosos grosseiros Inespecíficos, podem representar necrose tubular aguda Cilindros céreos Doença renal crônica (indicativo de estase em túbulos coletores aumentados) Proteinúria: Excreção excessiva de proteína na urina, geralmente > 150-160 mg/24h em adultos. Proteinúria significativa é sinal de anormalidade renal subjacente e, quando acima de 1-2 g/dia, geralmente é de origem glomerular. A proteinúria inferior a 1 g/dia pode ter múltiplas causas ao longo dos segmentos do néfron. A proteinúria pode estar acompanhada de outras alterações clínicas – elevação do BUN e dos níveis séricos de creatinina, sedimento urinário anormal ou evidências de doença sistêmica (ex., febre, exantema, vasculite). Há quatro razões principais para a ocorrência de proteinúria: (1) proteinúria funcional, processo benigno causado por situações produtoras de estresse, como doença aguda, exercício e “proteinúria ortostática”. Essa última é encontrada com frequência em indivíduos ≤ 30 anos de idade e geralmente resulta em excreção proteica urinária <1 g/dia. A natureza ortostática da proteinúria é confirmada com a mensuração da excreção proteica urinária após 8 horas em posição supina, que deve ser ≤ 50 mg. (2) A proteinúria de sobrecarga resulta do aumento na produção de proteínas plasmáticas circulantes filtráveis (gamopatias monoclonais), como a proteinúria de Bence Jones, associada ao mieloma múltiplo. A eletroforese de proteínas urinárias demonstrará um Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento pequeno pico proteico. Outros exemplos de proteinúria de sobrecarga são a mioglobinúria, na rabdomiólise, e a hemoglobinúria, nos processos hemolíticos. (3) A proteinúria glomerular resulta da fusão dos processos podálicos das células epiteliais e da alteração na permeabilidade glomerular com aumento da fração de filtração de proteínas plasmáticas normais, como na nefropatia diabética. Nas doenças glomerulares, há algum grau de proteinúria. A eletroforese das proteínas urinárias revelará o padrão característico com grande pico na fração da albumina, sendo indicativo de aumento da permeabilidade para a albumina por MBG danificada. (4) A proteinúria tubular ocorre como resultado de falha na reabsorção de proteínas normalmente filtradas, como a β2 -microglobulina e as cadeias leves de imunoglobulinas, pelo túbulo proximal. Entre as causas estão necrose tubular aguda, lesão tóxica (chumbo, aminoglicosídeo), nefrite intersticial induzida por fármaco e distúrbios metabólicos hereditários (doença de Wilson e síndrome de Fanconi). A investigação de proteinúria com fita reagente urinária detecta a presença de albumina, sem identificar cadeias leves de imunoglobulinas carregadas positivamente. Essas proteínas podem ser detectadas com a adição de ácido sulfossalicílico à amostra urinária. A precipitação sem detecção de albumina com fita reagente indica a presença de paraproteínas. A etapa seguinte é a estimativa da proteinúria de 24 horas. O método mais simples é a coleta de uma amostra aleatória de urina. A razão entre concentração urinária de proteínas e concentração de creatinina urinária ([Uproteína ]/[Ucreatinina ]) correlaciona-se com a proteinúria de 24 horas (≤ 0,2 é normal e corresponde a uma excreção inferior a 200 mg/24 horas). A vantagem de se utilizar a razão proteína-creatinina é a facilidade de coleta e a eliminação do erro por coleta excessiva ou reduzida. O achado com mais de 150-160 mg/24 horas é considerado anormal, e acima de 3,5 g/24 horas é consistente com proteinúria nefrótica. Se um paciente apresentar proteinúria com ou sem perda de função renal, talvez haja indicação de biópsia renal, particularmente se a doença renal tiver instalação aguda. Hematúria: A hematúria é considerada significativa quando são encontradas mais de três hemácias por campo de grande aumento, em no mínimo duas ocasiões. Geralmente a hematúria é descoberta incidentalmente, a partir de exame de urina com fita reagente, ou clinicamente, com episódio de hematúria macroscópica. O diagnóstico deve ser confirmado por exame microscópico, uma vez que a fita reagente pode produzir resultados falsopositivos causados por mioglobina, agentes oxidantes, beterraba, ruibarbo, ácido hidroclórico e bactérias. A hematúria transitória é comum e considera-se que tenha menor significância clínica em indivíduos ≤ 40 anos de idade, uma vez que nesses pacientes é menor a probabilidade de doença maligna. A hematúria pode ter causas renais ou extrarrenais. As causas renais respondem por aproximadamente 10% dos casos e são classificadas anatomicamente emglomerulares e não glomerulares. As causas extraglomerulares mais comuns são cistos, cálculos, nefrite intersticial e neoplasia renal. Entre as causas glomerulares estão nefropatia por imunoglobulina A (IgA), doença da MBG fina, glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP), outras doenças glomerulares hereditárias (ex., síndrome de Alport) e síndromes nefríticas sistêmicas. Atualmente, o United States Health Preventive Services Task Force não recomenda exames para rastreamento de hematúria. Estimativa da taxa de filtração glomerular: A TFG é um indicador muito útil da função renal ao nível glomerular. Pacientes com doença renal podem apresentar redução na TFG, causada por qualquer processo que produza perda de massa de néfrons (e, consequentemente, de glomérulos). Entretanto, também podem se apresentar com TFG normal ou aumentada, seja em razão de hiperfiltração no glomérulo, seja por patologia em outro segmento de néfron, interstício ou suprimento vascular. A TFG mede o volume de plasma ultrafiltrado pelos capilares glomerulares e o correlaciona com a capacidade dos rins de filtrar líquidos e substâncias diversas. A TFG diária em indivíduos normais é variável entre 150-250 L/24 h ou 100-120 mL/min/1,73 m2 de superfície corporal. A TFG pode ser medida indiretamente, determinando-se a depuração renal de substâncias que cumpram três condições: circulem sem estar ligadas a proteínas plasmáticas; sejam livremente filtradas ao nível dos glomérulos; e não sejam secretadas ou reabsorvidas ao longo dos túbulos renais. A creatinina é produto do metabolismo muscular, produzido a uma taxa relativamente constante e depurado por excreção renal. Trata-se de uma substância livremente filtrada pelos glomérulos e que não é reabsorvida pelos túbulos renais. Nos indivíduos com função renal estável, as quantidades de creatinina produzida e excretada são iguais; assim, as concentrações plasmáticas de creatinina se mantêm constantes. Entretanto, a depuração de creatinina não é considerada um indicador perfeito da TFG pelas seguintes razões: (1) uma pequena quantidade é eliminada normalmente por secreção tubular, e a fração secretada aumenta gradualmente à medida que a TFG reduz (superestimando a TFG); (2) na insuficiência renal grave, microrganismos intestinais degradam a creatinina; (3) a ingestão de carne e a massa muscular de cada indivíduo afetam os níveis plasmáticos basais de creatinina; (4) os fármacos comumente usados, como ácido acetilsalicílico, cimetidina, Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento probenecida e trimetoprina, reduzem a secreção tubular de creatinina, aumentando sua concentração plasmática e dando resultados falso-positivos para disfunção renal; (5) a acurácia da medida implica concentração plasmática estável de creatinina ao longo de 24 horas, de forma que, durante o desenvolvimento e a fase de recuperação de uma lesão renal aguda, quando a creatinina sérica está variando, a depuração de creatinina tem valor questionável. Nas mulheres jovens e saudáveis, a depuração de creatinina (Ccr) é cerca de 100 mL/min/1,73 m 2 , e nos homens jovens e saudáveis, 120 mL/min/1,73 m 2 . A depuração de creatinina declina em média 0,8 mL/min/ano após os 40 anos de idade como parte do processo normal de envelhecimento. O BUN é outro indicador útil na avaliação da função renal. A ureia é sintetizada principalmente no fígado e é o produto final do catabolismo proteico. A ureia é livremente filtrada pelo glomérulo, e cerca de 30-70% são reabsorvidos nos túbulos renais. Ao contrário da depuração de creatinina, que superestima a TFG, a depuração de ureia subestima a TFG. A reabsorção de ureia pode ser reduzida nos pacientes bem hidratados, enquanto naqueles com depleção de volume ocorre aumento da reabsorção renal de ureia, aumentando o BUN. A relação normal BUN:creatinina é 10:1, embora haja variação entre indivíduos. Quando há depleção volumétrica, a relação pode aumentar para 20:1 ou mais. Outras causas de elevação do BUN incluem aumento do catabolismo (sangramento gastrintestinal, lise celular e tratamento com corticosteroides), aumento da ingestão de proteínas e redução da perfusão renal (insuficiência cardíaca congestiva, estenose de artéria renal). Biópsia renal: São indicações para biópsia renal percutânea com agulha: (1) a lesão renal aguda ou DRC sem explicação; (2) as síndromes nefríticas agudas; (3) a proteinúria e hematúria sem explicação; (4) para planejamento terapêutico futuro em casos previamente diagnosticados e tratados; (5) nas doenças sistêmicas associadas a disfunção renal, como lúpus eritematoso sistêmico (LES), síndrome de Goodpasture e granulomatose com poliangeíte (anteriormente denominada granulomatose de Wegener), para confirmar a extensão do envolvimento renal e direcionar o tratamento; (6) na suspeita de rejeição de transplante, para diagnóstico diferencial com outras causas de doença renal aguda; e (7) para direcionar o tratamento. São contraindicações relativas: rim solitário ou ectópico (exceção: transplante de aloenxerto), rim em ferradura, DRET, anomalias congênitas e múltiplos cistos. As contraindicações absolutas incluem distúrbio hemorrágico não controlado, hipertensão grave não controlada, infecção renal, neoplasia renal, hidronefrose ou paciente não colaborativo. Antes do procedimento, os pacientes não devem tomar medicamentos que aumentem o tempo de coagulação e ter a pressão arterial bem controlada. A rotina de exames deve incluir dosagem de hemoglobina, contagem de plaquetas, tempo de protrombina e tempo de tromboplastina parcial. Após a biópsia, ocorre hematúria em praticamente todos os pacientes, sendo que menos de 10% apresentarão hematúria macroscópica. Os pacientes devem ser mantidos em posição supina por 4-6 horas, e aqueles cujo hematócrito tenha caído mais de 3%, 6 horas após a biópsia, devem ser mantidos sob monitoramento estrito. A biópsia renal percutânea geralmente é um procedimento seguro. Cerca de 1% dos pacientes experimentará sangramento significativo, requerendo transfusão de sangue. Mais de 50% dos casos evoluem com pequeno hematoma. O risco de sangramento importante se mantém por até 72 horas após a biópsia. Se possível, qualquer medicação anticoagulante deve ser mantida suspensa por 5-7 dias depois do procedimento. Quando a biópsia percutânea com agulha não for tecnicamente viável e o exame do tecido renal for considerado clinicamente essencial, é possível proceder ao exame via técnicas de radiologia intervencionista ou com biópsia a céu aberto sob anestesia geral. LESÃO RENAL AGUDA (IRA) Também chamada insuficiência renal aguda, a redução súbita da função renal, que resulta na impossibilidade de manter o equilíbrio hidreletrolítico e acidobásico e de eliminar as excretas nitrogenadas. Os critérios RIFLE descrevem três níveis progressivos de lesão renal aguda (risco, lesão e insuficiência), com base no aumento da creatinina sérica ou na redução do débito urinário com duas medidas de desfecho (perda da função e DRET). Risco, lesão e insuficiência são definidos, respectivamente, por aumento de 1,5 vezes na dosagem de creatinina sérica, aumento em duas ou três vezes na creatinina sérica, ou redução do débito urinário para 0,5 mL/kg/h em 6, 12 ou 24 horas. Os critérios AKIN também são preditivos de desfechos e seguem de perto os critérios RIFLE, com a adição de alteração na creatinina sérica igual ou superior a 0,3 mg/dia, qualificando o paciente como em risco de lesão. Na ausência de rins funcionais, a creatinina sérica caracteristicamente aumenta em 1-1,5 mg/dL por dia, ainda que, sob certas condições, como na rabdomiólise, esse aumento possa ocorrer mais rapidamente. Achados clínicos: Sinais e sintomas: O meio urêmico da insuficiência renal aguda produz sintomas inespecíficos. Quando presentes, os sintomas quase sempre são determinadospor uremia ou por sua causa subjacente. A uremia pode causar náusea, vômitos, mal-estar e alterações do nível de consciência. É possível haver hipertensão arterial e a homeostasia hídrica, frequentemente, está alterada. A hipovolemia pode causar estados de baixo fluxo Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento renal, algumas vezes denominados estados pré-renais, enquanto a hipervolemia pode ser causada por doença renal intrínseca ou pós-renal. Com a uremia, é possível haver derrame pericárdico, podendo ser detectado atrito pericárdico; além disso, o derrame pode causar tamponamento cardíaco. As arritmias ocorrem especialmente com hiperpotassemia. O exame dos pulmões pode revelar estertores, quando há hipervolemia. A insuficiência renal aguda pode causar dor abdominal difusa inespecífica e íleo paralítico, assim como disfunção plaquetária; desse modo, distúrbios da coagulação e sangramentos são mais comuns nesses pacientes. O exame neurológico revela sinais de encefalopatia, como asterixe e confusão mental; é possível haver convulsões. Achados laboratoriais: Há elevação de BUN e creatinina, ainda que não sejam capazes de distinguir entre doença renal aguda e crônica. Pode haver hiperpotassemia, em razão da redução na excreção renal de potássio. O eletrocardiograma (ECG) pode revelar aumento da amplitude das ondas T, prolongamento de PR e alargamento de QRS. Nos casos com hipocalcemia, é possível haver prolongamento do segmento QT. É frequente a observação de acidose metabólica com e sem déficit aniônico (causada por redução da depuração de ácidos orgânicos e inorgânicos). Há hiperfosfatemia quando o fósforo não é corretamente secretado, em razão de lesão tubular com ou sem aumento do catabolismo celular. O paciente pode se apresentar anêmico como resultado de redução na produção de eritropoetina ao longo de semanas, sendo característica a associação à disfunção plaquetária. Classificação e etiologia: Causas pré-renais: As causas pré-renais representam a razão mais comum de agressão e lesão renais agudas. A azotemia pré-renal é causada por hipoperfusão renal, que é uma alteração fisiológica apropriada. Quando revertida imediatamente com restauração do fluxo sanguíneo renal, com frequência evita-se dano ao parênquima renal. Se a hipoperfusão persistir, é possível que haja isquemia, levando a lesão renal intrínseca. Há várias causas de redução da perfusão renal, como redução do volume intravascular, alteração na resistência vascular ou redução do débito cardíaco. Entre as causas de depleção volumétrica estão hemorragias, perdas GI, desidratação, diurese excessiva, sequestro no espaço extravascular, pancreatite, queimadura, traumatismo e peritonite. É possível haver alteração na resistência vascular sistêmica com sepse, reação anafilática, anestesia ou fármacos redutores da pós- carga. Os bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona, como os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), evitam a constrição da arteríola eferente renal em desproporção à constrição na arteríola aferente; assim, a TFG é reduzida. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) evitam a vasodilatação arteriolar aferente, inibindo as reações mediadas por prostaglandina. Assim, nos casos com cirrose e ICC, nos quais as prostaglandinas são recrutadas para aumentar o fluxo sanguíneo renal, os AINEs produzirão efeitos particularmente deletérios. Adrenalina, noradrenalina, dopamina em doses altas, agentes anestésicos e ciclosporina também podem causar vasoconstrição renal. A estenose da artéria renal produz aumento da resistência e redução da perfusão renal. No estado de baixo débito cardíaco, há redução do fluxo efetivo de sangue arterial para os rins. Isso ocorre nos estados de choque cardiogênico, ICC, embolia pulmonar e tamponamento cardíaco. Arritmias e distúrbios valvares também podem reduzir o débito cardíaco. No ambiente de UTI, a ventilação com pressão positiva reduz o retorno venoso e o débito cardíaco. Quando a TFG cai abruptamente, é importante determinar se a lesão renal aguda é provocada por causas pré-renais ou intrínsecas aos rins. A anamnese e o exame físico são importantes e o exame de urina pode ser útil. A razão BUN:creatinina caracteristicamente estará acima de 20:1 em razão do aumento na reabsorção de ureia. Em pacientes oligúricos, outro indicador útil é a excreção fracionada de sódio (FENa). Com a redução na TFG, os rins tenderão a reabsorver sal e água avidamente, caso não haja disfunção tubular intrínseca. Assim, pacientes com causas pré-renais devem apresentar baixo percentual de excreção fracionada de sódio (≤ 1%). Pacientes oligúricos com disfunção renal intrínseca caracteristicamente apresentarão aumento da excreção fracionada de sódio (≥ 1-2%). O controle renal do sódio é avaliado de forma mais acurada pela FENa nos estados oligúricos do que nos não oligúricos, uma vez que a FENa pode estar relativamente baixa nos casos com necrose tubular aguda não oligúrica se a ingestão e a excreção de sódio estiverem relativamente baixas (define-se como oligúria o débito urinário <400-500 mL/dia, ou <20 mL/h). A equação foi criada e validada para avaliar entre necrose tubular aguda oligúrica e estados pré-renais. Os diuréticos podem causar aumento da excreção de sódio. Assim, se a FENa estiver alta nas 12-24 horas após a administração de diurético, é possível que a causa da insuficiência renal aguda não seja predita de forma acurada. Na insuficiência renal aguda causada por glomerulonefrite, é possível que a FENa esteja baixa em razão do não comprometimento da reabsorção de sódio e da função tubular. O tratamento Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento das agressões pré-renais depende inteiramente de suas causas, mas a manutenção de volemia adequada, atenção ao nível sérico de potássio, além de evitar o uso de fármacos nefrotóxicos são também importantes ítens terapêuticos. Causas pós-renais: São as causas menos comuns de lesão renal aguda; no entanto, é importante detectá-las porque são reversíveis. Há azotemia pós-renal quando o fluxo urinário de ambos os rins, ou do único rim funcional, é obstruído. Ocasionalmente, é possível haver uropatia pós-renal quando um dos rins é obstruído e o rim contralateral se mostra incapaz de se ajustar à perda de função, (ex em pacientes com DRC avançada). A obstrução produz aumento da pressão intraluminal, causando lesão do parênquima renal, com efeitos acentuados sobre o fluxo sanguíneo renal e sobre a função tubular com redução da TFG. Entre as causas pós- renais estão a obstrução uretral, a disfunção ou a obstrução vesical e a obstrução de ambos os ureteres ou das pelves renais. Nos homens, a causa mais comum é hiperplasia prostática. Os pacientes ao tomarem fármacos anticolinérgicos estão particularmente sob risco. A obstrução também pode ser causada por câncer de bexiga, próstata ou colo uterino; fibrose retroperitoneal; e bexiga neurogênica. São causas mais raras: coágulos de sangue, cálculos ureterais bilaterais, cálculos ou estenose de uretra e necrose papilar bilateral. Os pacientes podem se apresentar anúricos ou poliúricos e reclamar de dor em abdome inferior. Pode haver poliúria em casos de obstrução parcial com disfunção tubular resultante e incapacidade de reabsorção adequada de sal e água. A obstrução pode ser constante ou intermitente, parcial ou total. Ao exame, o paciente pode apresentar aumento de próstata, bexiga distendida, ou massa detectada ao exame da pelve. O exame laboratorial inicial pode revelar aumento da osmolalidade urinária, redução do sódio urinário, aumento da razão BUN:creatinina e redução na FENa (uma vez que a função tubular pode não estar inicialmente comprometida). Esses índices são semelhantes ao quadro pré-renal, tendo em vista que ainda não ocorreu lesão renal intrínsecaextensiva. Após vários dias, o sódio urinário aumenta à medida que os rins falham e se tornam incapazes de concentrar a urina – assim, há presença de isostenúria. A sedimentoscopia urinária geralmente é benigna. Os pacientes com lesão renal aguda e sob suspeita de agressão pós-renal devem ser submetidos a cateterismo vesical e à ultrassonografia da bexiga para investigar hidroureter e hidronefrose. Após a reversão do processo subjacente, esses pacientes frequentemente evoluem com aumento da saliurese natriurese e diurese pós- obstrutiva, devendo-se evitar a depleção volumétrica. Raramente uma obstrução não é diagnosticada pela ultrassonografia. Por exemplo, pacientes com fibrose retroperitoneal causada por tumor ou radioterapia podem não apresentar dilatação do trato urinário. Se houver suspeita, a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM) definem o diagnóstico. O tratamento imediato da obstrução com cateteres, stents ou outros procedimentos cirúrgicos resulta em reversão total ou parcial do processo agudo. Insuficiência renal aguda intrínseca: Os distúrbios renais intrínsecos respondem por até 50% dos casos de insuficiência renal aguda. A disfunção intrínseca é considerada após serem afastadas as possibilidades de causas pré ou pós-renais. Os locais de lesão são túbulos, interstício, vasculatura e glomérulos. NECROSE TUBULAR AGUDA A insuficiência renal aguda causada por lesão tubular é denominada necrose tubular aguda, sendo responsável por aproximadamente 85% das lesões renais intrínsecas. As duas principais causas de necrose tubular aguda são isquemia e exposição a substâncias nefrotóxicas. A isquemia causa lesão tubular em razão do estado de baixa perfusão renal, com frequência denominado estado pré-renal que resulta em necrose tubular e apoptose. A lesão renal isquêmica aguda é caracterizada não apenas por TFG insuficiente, mas também por fluxo sanguíneo renal inadequado para manter a formação celular do parênquima. Isso ocorre em situações de hipotensão ou hipoxemia prolongadas, como depleção volumétrica, choque e sepse. Cirurgias de grande porte podem envolver longos períodos de hipoperfusão, os quais são agravados pelo uso de vasodilatadores durante o procedimento anestésico. Além da creatinina sérica, outros biomarcadores urinários e séricos, incluindo lipocalina associada com gelatinase dos neutrófilos e cistatina C, estão sendo investigados com objetivo de diagnosticar e tratar precocemente a lesão renal aguda, com o potencial de melhores resultados.. Nefrotoxinas exógenas causam lesão com maior frequência em comparação com as endógenas. Nefrotoxinas exógenas: Os aminoglicosídeos causam algum grau de necrose tubular aguda em até 25% dos pacientes hospitalizados, recebendo níveis terapêuticos desse medicamento. A insuficiência renal aguda não oligúrica em geral se inicia após 5-10 dias de exposição ao fármaco. São fatores predisponentes: lesão renal subjacente, depleção Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento volumétrica e idade avançada. Os aminoglicosídeos podem permanecer no tecido renal por até um mês, de forma que a função renal pode não ser restabelecida durante algum tempo, após a suspensão do medicamento. É importante monitorar seus níveis máximo e mínimo, mas o nível mínimo é mais útil na predição da toxicidade renal. A gentamicina é tão nefrotóxica quanto a tobramicina; a estreptomicina é o menos nefrotóxico dos aminoglicosídeos, provavelmente em razão do número de cadeias laterais de amina catiônica presentes em cada molécula. A anfotericina B costuma ser nefrotóxica após doses de 2-3 g. Produz acidose tubular renal tipo I com vasoconstrição intensa e lesão dos túbulos distais que pode levar a hipopotassemia e ao diabetes insípido nefrogênico. Sabe-se que vancomicina, aciclovir intravenoso e diversas cefalosporinas podem causar necrose tubular aguda. O meio de contraste radiográfico pode ser diretamente nefrotóxico. A nefropatia produzida por meio de contraste é a terceira principal causa de lesão renal aguda recente em pacientes hospitalizados. Provavelmente resulta da combinação sinérgica de toxicidade direta às células epiteliais tubulares renais e isquemia medular renal. São fatores predisponentes: idade avançada, doença renal preexistente (creatinina sérica ≥ 2 mg/dL), depleção volumétrica, nefropatia diabética, ICC, mieloma múltiplo, doses repetidas de contraste e exposição recente a outros agentes nefrotóxicos, incluindo AINEs e IECA. A combinação de diabetes melito e disfunção renal produz o maior índice de risco (15-50%) para nefropatia associada ao uso de contraste. Recomendam-se volumes menores de contraste com menos osmolalidade nos pacientes de alto risco. Ocorre toxicidade geralmente no prazo de 24-48 horas após o exame contrastado. Meios de contraste não iônicos talvez sejam menos tóxicos, mas essa afirmação ainda terá que ser comprovada. Quando houver necessidade de usar esses agentes, a prevenção deve ser a meta. A base da terapia é a administração de um litro de soro fisiológico ao longo de 10-12 horas, antes e depois da administração do contraste – com cautela nos pacientes com disfunção cardíaca preexistente. Nem manitol nem furosemida produzem benefícios em comparação à administração de soro fisiológico. A furosemida pode levar ao aumento na taxa de disfunção renal nesse cenário. A repleção intravenosa de volume é superior às soluções orais em pequenos estudos. Em alguns trabalhos publicados, a administração de N-acetilcisteína antes e após o uso do contraste reduziu a incidência de nefropatia induzida por meio de contraste. A acetilcisteína é um antioxidante que contém tiol com baixa toxicidade e cujo mecanismo de ação não foi esclarecido. Raramente é administrada, a não ser que o paciente tenha fator de risco preexistente. Considerando a ausência de malefícios e a possibilidade de produzir benefícios, a administração de 600 mg de acetilcisteína por via oral a cada 12 horas, antes e após a administração do contraste, aos pacientes sob risco de lesão renal, parece ser uma estratégia razoável. A N-acetilcisteína, 1.200 mg por via intravenosa antes de procedimento de emergência, mostrou-se benéfica em comparação com placebo e pode ser uma boa opção caso o paciente necessite de exame com contraste em regime de urgência. A toxicidade da ciclosporina geralmente é dose-dependente. Causa disfunção tubular distal (acidose tubular renal tipo 4) por vasoconstrição intensa. É importante o monitoramento regular dos níveis sanguíneos para evitar nefrotoxicidade aguda e crônica. Nos pacientes que estejam tomando ciclosporina para evitar rejeição de transplante renal, a biópsia renal com frequência é necessária para distinguir entre a rejeição de transplante e a toxicidade à ciclosporina. A função renal geralmente melhora após redução da dose ou suspensão do fármaco. Outras nefrotoxinas exógenas incluem antineoplásicos, como a cisplatina, solventes orgânicos e metais pesados, como mercúrio, cádmio e arsênico. Nefrotoxinas endógenas: Entre as nefrotoxinas endógenas estão produtos contendo heme, ácido úrico e paraproteínas. A mioglobinúria como consequência de rabdomiólise leva à necrose tubular aguda. O músculo necrótico libera grandes quantidades de mioglobina livremente filtrada pelos glomérulos. A mioglobina é reabsorvida pelos túbulos renais, sendo possível a ocorrência de lesão direta. A obstrução distal dos túbulos por cilindros pigmentados e vasoconstrição intrarrenal também podem causar danos. Esse tipo de lesão renal ocorre em quadros de lesão por esmagadura ou necrose muscular causada por inconsciência prolongada, convulsões e consumo abusivo de bebidas alcoólicas e cocaína. A desidratação e a acidose predispõem ao desenvolvimento de lesão renal aguda mioglobinúrica. Os pacientes podem reclamar de dor muscular e frequentemente apresentam sinais de lesão muscular. Os casosde rabdomiólise clinicamente relevantes costumam ocorrer com níveis de creatina quinase (CK) ≥ 20.000 a 50.000 UI/L. A fração globina da mioglobina faz a leitura da fita reagente urinária ser falso-positiva para hemoglobina: a urina tem coloração marrom-escuro, mas não há hemácias presentes. Com a lise das células musculares, os pacientes também evoluem com hiperpotassemia, hiperfosfatemia e hiperuricemia. É possível haver hipercalcemia em razão da precipitação de fósforo e cálcio. A base do tratamento é a reposição volumétrica. Outros tratamentos adjuntos, incluindo uso de manitol e alcalinização da urina, não demonstraram mudar os desfechos clínicos em humanos. Não se recomenda o tratamento da hipocalcemia, a não ser que o paciente esteja sintomático ou que os níveis se tornem excessivamente baixos em indivíduos que estejam inconscientes; à medida que o paciente se recupera, o cálcio tende a se transferir dos tecidos para o plasma e, sendo assim, a administração exógena precoce pode resultar em hipercalcemia. A hemoglobina pode causar uma forma semelhante de necrose tubular aguda. Observa-se hemólise intravascular maciça em casos com reação transfusional e em algumas anemias hemolíticas. A base do tratamento é a reversão do distúrbio subjacente e hidratação. A hiperuricemia ocorre em situações em que há lise e substituição acelerada de células. As principais causas são quimioterapia para Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento neoplasias de células germinativas e leucemia, além de linfoma. Ocorre lesão renal aguda em razão de depósito de cristais de ácido úrico dentro dos túbulos; os níveis séricos de ácido úrico geralmente estão acima de 15-20 mg/dL e os níveis urinários, acima de 600 mg/24 horas. Uma razão ácido úrico urinário/creatinina sérica acima de 1,0 indica risco de lesão renal aguda. A proteína de Bence Jones, encontrada nos casos de mieloma múltiplo, pode causar lesões tóxicas diretas e obstrução dos túbulos. Outras complicações renais causadas pelo mieloma múltiplo são hipercalcemia e disfunção tubular renal, incluindo acidose tubular renal proximal. Achados laboratoriais: Hiperpotassemia e hiperfosfatemia são frequentes. A razão BUN:creatinina geralmente é inferior a 20:1, uma vez que a função tubular está alterada, considerando o mecanismo descrito na seção geral sobre lesão renal aguda. O exame de urina pode revelar evidências de lesão tubular aguda. A urina pode ter cor marrom. O débito urinário pode estar reduzido (oligúria) ou não, sendo que a oligúria implica pior prognóstico. A concentração urinária de sódio está caracteristicamente elevada, mas a FENa é um indicador mais confiável da função tubular, conforme discutimos anteriormente. O exame microscópico do sedimento talvez revele cilindros granulosos pigmentados ou cilindros “marrons turvos”. É possível haver células epiteliais tubulares renais e cilindros epiteliais. Tratamento: O tratamento visa acelerar a recuperação e evitar complicações. Devem ser tomadas medidas preventivas para evitar sobrecarga de volume e hiperpotassemia. Diuréticos de alça têm sido usados em altas doses (ex furosemida em doses variando entre 20-160 mg por via oral ou intravenosa duas vezes ao dia, ou em infusão contínua) para produzir diurese adequada e ajudar a converter a insuficiência renal oligúrica em não oligúrica. Entretanto, essa conversão jamais se mostrou capaz de alterar desfechos, como mortalidade. A utilização disseminada de diuréticos em pacientes em estado crítico com insuficiência renal aguda deve ser estimulada apenas em casos apropriados de sobrecarga de volume. Entre os efeitos colaterais incapacitantes dessas doses excessivas estão disacusia e disfunção cerebelar. Esses efeitos são causados por picos de concentração de furosemida e podem ser evitados com a administração por infusão em gotas. Considera-se adequada a dose inicial de 0,1-0,3 mg/kg/h, que pode ser aumentada até o máximo de 0,5-1 mg/kg/h. Deve-se administrar um bolo de 1-1,5 mg/kg no início de cada escalada de dose. A administração intravenosa de diurético tiazídico pode ser usada para aumentar o débito urinário; clorotiazida, 250-500 mg por via intravenosa a cada 8-12 horas é uma escolha razoável. Outra boa opção para aumentar a diurese é o uso de metolazona na dosagem de 2,5-5 mg administrados por via oral uma a duas vezes ao dia, 30 minutos antes dos diuréticos de alça. Trata-se de medicamento menos dispendioso do que a clorotiazida intravenosa e que apresenta biodisponibilidade razoável. Entre os efeitos em curto prazo dos diuréticos de alça está a ativação do sistema reninaangiotensina. Essa intervenção pode ser considerada em pacientes internados em UTI com insuficiência renal aguda que tenham necessidade de redução de volume e que não tenham respondido ao uso de diuréticos, sabendo-se que a intervenção não resultará em melhora da sobrevida. O suporte nutricional deve manter ingestão adequada e, ao mesmo tempo, evitar que haja excesso de catabolismo. A restrição da oferta proteica diária a 0,6 g/kg/dia ajuda a prevenir acidose metabólica. Hipocalcemia e hiperfosfatemia podem ser amenizadas com medidas dietéticas e uso de agentes ligantes de fosfato, como hidróxido de alumínio (500 mg por via oral junto com as refeições), a curto prazo, e carbonato de cálcio (500-1.500 mg por via oral, 3 vezes ao dia), acetato de cálcio (667 mg, 2 ou 3 comprimidos por via oral antes das refeições), carbonato de sevelâmer (800- 1.600 mg por via oral 3 vezes ao dia) e carbonato de lantânio (1.000 mg por via oral junto às refeições), por períodos maiores. Nos pacientes com rabdomiólise, a hipocalcemia não deve ser tratada a não ser que esteja produzindo sintomas. É possível haver hipermagnesemia, em razão de menor excreção de magnésio pelos túbulos renais e, portanto, deve-se evitar o uso de antiácidos e laxantes contendo magnésio nesses pacientes. As dosagens de todos os medicamentos eliminados pelos rins devem ser ajustadas de acordo com o grau estimado de disfunção renal. Entre as indicações para diálise nos casos com insuficiência renal aguda causada por necrose tubular aguda ou outro distúrbio renal intrínseco estão distúrbio eletrolítico potencialmente letal (como hiperpotassemia), sobrecarga volumétrica sem resposta ao uso de diuréticos, acidose crescente e complicações urêmicas (p. ex., encefalopatia, pericardite e convulsões). Nos pacientes em estado grave, alterações menos intensas mas crescentes também podem indicar suporte com diálise. Evolução e prognóstico: A evolução clínica da necrose tubular aguda em geral é dividida em três fases: lesão inicial, fase de manutenção e recuperação. A fase de manutenção pode ocorrer com ou sem oligúria (débito urinário ≤ 500 mL/dia). A necrose tubular aguda não oligúrica evolui com melhores resultados. A conversão de quadro oligúrico para não oligúrico pode ser tentada, mas não se mostrou capaz de alterar o prognóstico. Fármacos como dopamina e diuréticos algumas vezes são utilizados com essa finalidade, mas não se mostraram capazes de melhorar os resultados. Há diversos trabalhos demonstrando que a dopamina não é benéfica nesse cenário. A duração média da fase de manutenção é de 1-3 semanas, mas pode chegar a Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento vários meses. Nesse período, há reparo celular e remoção de restos tubulares. A fase de recuperação pode ser sinalizada por diurese. A TFG começa a aumentar; observa-se queda no BUN e na creatinina. A taxa de mortalidade associada à insuficiência renal aguda está em 20-50% em pacientes hospitalizados, chegando a 70% quando há comorbidades. O aumento da mortalidade está associado a idade avançada, doença subjacente grave e falência de múltiplos órgãos. As principais causas de morte são infecções, distúrbios hidreletrolíticos e agravamento da doença subjacente. NEFRITE INTERSTICIALA nefrite intersticial aguda é responsável por 10-15% dos casos de insuficiência renal intrínseca. O achado patológico característico é reação inflamatória intersticial com edema e possível lesão de células tubulares. Embora os fármacos sejam responsáveis por mais de 70% dos casos, a nefrite intersticial aguda também pode ocorrer em doenças infecciosas, distúrbios imunológicos e como doença idiopática. Os fármacos mais envolvidos são penicilinas e cefalosporinas, sulfonamidas e diuréticos contendo sulfonamidas, AINEs, rifampicina, fenitoína e alopurinol. Os inibidores da bomba de prótons também foram reconhecidos como causadores potenciais de nefrite intersticial aguda. Entre as causas infecciosas estão infecções estreptocócicas, leptospirose, citomegalovírus, histoplasmose e febre maculosa das Montanhas Rochosas. As doenças imunológicas estão mais associadas à glomerulonefrite, mas LES, síndrome de Sjögren, sarcoidose e crioglobulinemia podem causar nefrite intersticial. Achados clínicos: Entre os achados clínicos estão febre (≥ 80%), exantema (25-50%), artralgias e eosinofilia no sangue periférico (80%). A tríade clássica de febre, exantema e artralgias está presente em apenas 10-15% dos casos. A urina frequentemente contém leucócitos (95%), hemácias e cilindros leucocitários. Proteinúria pode estar presente, particularmente nos casos induzidos por AINEs, mas geralmente é discreta (< 2 g/24 horas). É possível detectar a presença de eosinofilúria com coloração de Wright ou Hansel, mas esse achado não é muito sensível nem específico. Tratamento e prognóstico: De forma geral, a nefrite intersticial aguda tem bom prognóstico. A recuperação ocorre em semanas a meses, mas pode haver necessidade de terapia dialítica de urgência em até 33% dos pacientes encaminhados antes da resolução. É rara a evolução para DRET. Aqueles pacientes com evoluções prolongadas de insuficiência oligúrica e idade avançada são os de prognóstico mais desfavorável. O tratamento consiste em medidas de suporte e remoção dos fatores desencadeantes. Se a lesão persistir após terem sido tomadas essas providências, pode-se administrar curso breve de corticosteroide, embora os dados a corroborar esse procedimento sejam escassos. Nos casos mais graves de nefrite intersticial induzida por fármacos, pode ser usado um esquema de curso breve com doses altas: metilprednisolona (0,5-1 g/dia por via intravenosa durante 1-4 dias) ou prednisona (60 mg/dia por via oral durante 1-2 semanas), seguido por doses decrescentes de prednisona. GLOMERULONEFRITE A glomerulonefrite aguda é uma causa relativamente rara de insuficiência renal aguda, sendo responsável por cerca de 5% dos casos. Ao exame patológico, são encontradas lesões inflamatórias nos glomérulos. Aqui estão incluídas lesões mesangioproliferativas, proliferativas focais e difusas e crescênticas. Quanto maior o porcentual de glomérulos envolvidos e mais graves forem as lesões, maior a chance de o paciente evoluir com desfecho clínico desfavorável. A classificação da glomerulonefrite aguda pode ser feita por análise sorológica. Entre os marcadores estão anticorpos antimBG, anticorpos anticitoplasma de neutrófilo (ANCAs) e outros marcadores imunológicos da doença. Ocorre depósito de imunocomplexos quando há ligeiro excesso de antígenos sobre a produção de anticorpos. Os complexos formados com grande excesso de antígenos tendem a se manter na circulação. Quando há excesso de anticorpos com formação de grandes agregados antígeno-anticorpo, geralmente ocorre fagocitose dos precipitados pelo sistema fagocitário mononuclear no fígado e no baço. Entre as causas estão nefropatia por IgA (doença de Berger), glomerulonefrite peri-infecção ou pós-infecção, endocardite, nefrite lúpica, glomerulonefrite crioglobulínica (com frequência associada ao vírus da hepatite C) e GNMP. A glomerulonefrite aguda associada a anticorpos antimBG é restrita ao rim ou associada à hemorragia pulmonar. Essa última recebe o nome de “síndrome de Goodpasture”. A lesão está relacionada com autoanticorpos contra colágeno tipo IV na MBG e não a depósito de imunocomplexos. A glomerulonefrite aguda paucimune é uma forma de vasculite de pequenos vasos associada a ANCAs, causando doenças renais primárias e secundárias sem que haja deposição de imunocomplexos ou ligação de anticorpos. Acredita-se que a lesão tecidual seja causada por processos imunes mediados por células. Um exemplo é a granulomatose com angeíte, uma vasculite necrosante sistêmica que atinge pequenas artérias e veias associada à formação de granulomas intra e extravasculares. Além da glomerulonefrite, esses pacientes apresentam manifestações em vias aéreas superiores, Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento pulmões e pele. O ANCA citoplásmico (c-ANCA) é um padrão comum. A poliangeíte microscópica é outra vasculite paucimune que causa glomerulonefrite aguda. O padrão comum é a coloração perinuclear (p-ANCA). As glomerulonefrites agudas associadas a ANCAs e a anticorpos antimBG podem evoluir para glomerulonefrite crescêntica e frequentemente têm desfechos desfavoráveis, a não ser que sejam tratadas precocemente. Entre as outras causas vasculares de glomerulonefrite aguda estão as emergências hipertensivas e microangiopatias trombóticas como síndrome hemolítico-urêmica e púrpura trombocitopênica trombótica. Achados clínicos: Sinais e sintomas: Os pacientes com glomerulonefrite aguda com frequência encontram-se hipertensos e com edema, além de apresentarem sedimentoscopia urinária anormal. O edema é encontrado inicialmente nas regiões do corpo sob menor tensão tecidual, como as regiões periorbitárias e escrotal. Achados laboratoriais: A creatinina sérica pode se elevar ao longo de dias a meses, dependendo da rapidez do processo subjacente. A razão BUN:creatinina não é um marcador confiável da função renal, sendo mais indicativo do estado volumétrico subjacente do paciente. Os testes com fita reagente e microscópico revelarão evidências de hematúria, proteinúria moderada (geralmente ≤ 3 g/dia) e elementos celulares como hemácias, cilindros hemáticos e leucócitos. A presença de cilindros hemáticos é específica para glomerulonefrite, devendo-se proceder a uma investigação meticulosa. A excreção de proteínas pode ser quantificada tanto por meio da razão proteína-creatinina em amostra urinária isolada quanto com coleta de urina por 24 horas, sendo que com essa última é possível determinar a depuração de creatinina quando a função renal for estável no período. Entretanto, nos casos em que os valores séricos da creatinina sofrem modificações rápidas, a depuração de creatinina passa a ser um marcador pouco confiável para a TFG. Geralmente, a FENa é baixa, a não ser que o espaço tubulointersticial tenha sido afetado e a disfunção renal seja grave (Quadro 22-4). Outros possíveis exames são: dosagem do complemento (C3, C4, CH50), antiestreptolisina O (ASO), dosagem de anticorpos antimBG, ANCAs, título de fatores antinucleares, crioglobulinas, sorologia para as hepatites, hemoculturas, ultrassonografia renal e, ocasionalmente, biópsia renal. Tratamento: Dependendo da natureza e da gravidade da doença, o tratamento é feito com doses altas de corticosteroides e agentes citotóxicos, como a ciclofosfamida. Nos casos com doença de Goodpasture e glomerulonefrite paucimune, pode-se utilizar a troca de plasma como medida temporária até que a quimioterapia tenha feito efeito. SÍNDROME CARDIORRENAL A síndrome cardiorrenal é um distúrbio fisiopatológico do coração e dos rins, no qual a deterioração aguda ou crônica de um órgão resulta na deterioração aguda ou crônica do outro. Esta síndrome foi classificada em cinco tipos. No tipo 1, ocorre lesão renal aguda causada por doença cardíaca aguda. No tipo 2, há DRC causada por doença cardíaca crônica. No tipo 3, observa-sea doença cardíaca aguda como resultado de lesão renal aguda. No tipo 4, há descompensação cardíaca crônica causada por DRC. No tipo 5, observam-se disfunções cardíaca e renal causadas por outros distúrbios sistêmicos agudos ou crônicos (como sepse). A identificação e a definição dessa síndrome comum talvez auxiliem no desenvolvimento futuro de tratamentos, visando a melhorar suas morbidade e mortalidade. DOENÇA RENAL CRÔNICA A DRC afeta mais de 20 milhões de norte-americanos ou um a cada nove adultos. A maioria não tem consciência do problema porque se mantém assintomática até que a doença tenha evoluído significativamente. O sistema de estadiamento da National Kidney Foundation ajuda os médicos a fazerem o planejamento prático. Mais de 70% dos casos classificados no último estágio de DRC (estágio 5 da DRC ou DRET) nos Estados Unidos são causados por diabetes melito ou hipertensão arterial/doença vascular. Glomerulonefrites, doença do rim policístico, doenças tubulointersticiais crônicas e outras doenças urológicas respondem pelos casos restantes. Foi demonstrado que o polimorfismo genético do gene APOL-1 está associado com risco aumentado de DRC em afrodescendentes. Estágio Descrição TFG Ação 1 Lesão renal com TFG normal ou ≥ 90 Diagnóstico e tratamento. Tratamento de comorbidades. Medidas para retardar a evolução. Redução dos riscos de doença cardiovascular 2 Lesão renal com 60-89 Estimativa da progressão Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento 3 Moderada da TFG 30-59 Investigar e tratar complicações 4 Grave da TFG 14-29 Preparação para terapia substitutiva renal 5 Doença renal em estágio terminal ≤ 15 (ou diálise) Terapia substitutiva (se houver uremia) Causas principais de doença renal crônica: Doenças glomerulares: Doenças glomerulares primárias: glomerulosclerose segmentar e focal; glomerulonefrite membranoproliferativa; nefropatia por IgA; nefropatia membranosa; Síndrome de Alport (nefrite hereditária) Doenças glomerulares secundárias: nefropatia do diabetes; amiloidose; glomerulonefrite pós-infecção; nefropatia associada ao HIV; doenças vasculares do colágeno (ex LES); nefropatia da anemia falciforme; glomerulonefrite membranoproliferativ a associada ao HCV Nefrite tubulointersticial: hipersensibilidade a fármacos; metais pesados; nefropatia por analgésicos; pielonefrite crônica/reflux; nefropatia falciforme; idiopática Doenças císticas: doença do rim policístico; doença medular cística Nefropatias obstrutivas: doença prostática; nefrolitíase; fibrose/tumor retroperitoneal congênita Doenças vasculares: nefrosclerose hipertensiva; estenose da artéria renal A DRC raramente é reversível e em geral leva a declínio progressivo da função renal, mesmo após o evento desencadeador ser tratado ou removido. A destruição de néfrons leva à hipertrofia compensatória dos néfrons remanescentes com hiperfiltração a fim de manter a homeostasia geral. Uma das consequências dessa hiperfiltração compensatória é que a creatinina sérica pode se manter relativamente normal mesmo em face de perdas significativas na massa renal; portanto, esse parâmetro é relativamente insensível para lesão e fibrose renal. Além disso, a hiperfiltração compensatória produz lesão de sobrecarga nos néfrons remanescentes que, por sua vez, leva a esclerose glomerular e fibrose intersticial. Bloqueadores do receptor da angiotensina (BRAs) e IECA podem ajudar na redução a lesão por hiperfiltração e têm se mostrado úteis para retardar a progressão de muitas formas de DRC. Felizmente, a perda de massa renal em doadores de rim não está associada ao desenvolvimento tardio de DRC. A DRC é um fator de risco independente para doença cardiovascular; a DRC proteinúrica implica risco ainda maior de mortalidade cardiovascular. Amaioria dos pacientes com DRC em estágio 3 morre da doença cardiovascular subjacente antes da progressão para DRET. Achados clínicos: Nos estágios iniciais, a DRC é assintomática. Os sintomas se desenvolvem lentamente, são inespecíficos e não se manifestam até que a doença renal tenha avançado muito (TFG ≤ 5-10 mL/min/1,73 m2). Nesse ponto, o aumento nas excretas metabólicas, ou toxinas urêmicas, pode resultar em síndrome urêmica. Entre os sintomas gerais de uremia estão fadiga, fraqueza, anorexia, náusea, vômitos e gosto metálico na boca. Pacientes ou familiares podem relatar irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia, déficits sutis de memória, inquietação de membros inferiores, parestesias e miofasciculações. O prurido sem exantema é comum e difícil de ser tratado. Alterações na função sexual, incluindo redução da libido e irregularidades menstruais são comuns. A dor torácica pleurítica pode ocorrer acompanhando pericardite (rara complicação da DRC). Sintomas de toxicidade a fármacos podem surgir à medida que a depuração renal piora; a hipoglicemia pode ser particularmente problemática, chegando a representar ameaça à vida em pacientes diabéticos, considerando que a insulina é eliminada pelos rins. Sistema orgânico Sintomas Sinais Geral Fadiga, fraqueza Amarelado, aparentando enfermidade crônica Pele Prurido, fragilidade capilar Palidez, equimoses, escorações, edema, xerose Nariz, orelha, garganta Gosto metálico, epistaxe Hálito urêmico Olhos Conjuntiva pálida Pulmonar Respiração curta Estertores, derrame pleural Cardiovascular Dispneia ao esforço, dor retroesternal à inspiração (pericardite) Hipertensão arterial, cardiomegalia, atrito pericárdico Gastrintestinal Anorexia, náuseas, vômitos, soluços Geniturinário Noctúria, disfunção erétil Isostenúria Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento Neuromuscular Pernas inquietas, dormência e câimbras nos MMII Neurológico Irritabilidade e incapacidade de concentração, redução da libido Estupor, asterix, mioclonia, neuropatia periférica O achado mais comum ao exame físico nos pacientes com DRC é hipertensão arterial. Frequentemente, encontra-se presente nos estágios iniciais da DRC e se agrava com a progressão da doença e prejuízo na eliminação de sal. Nos estágios finais da DRC, essa retenção de sódio pode causar sinais físicos típicos de sobrecarga de volume. Os sinais urêmicos estão presentes na diminuição profunda da TFG (<5-10 mL/min/1,73 m2) e podem incluir aparência cronicamente enferma, halitose (hálito urêmico) e sinais de encefalopatia urêmica com diminuição do nível de consciência, asterixe, mioclonia e possibilidade de convulsões nos casos avançados. Sinais e sintomas de uremia determinam internação imediata e consulta a nefrologista para iniciar um programa de diálise. A síndrome urêmica deve ser resolvida ou ter sua significância reduzida com tratamento dialítico. Em todos os pacientes com doença renal, é importante identificar e corrigir quaisquer fatores ou agressões potencialmente reversíveis ou agravantes. Infecção ou obstrução do trato urinário, obstrução, depleção do volume extracelular, hipotensão, nefrotoxinas (como AINEs ou aminoglicosídeos), hipertensão arterial grave ou nova e ICC devem ser excluídas. Achados laboratoriais: O diagnóstico de DRC é feito com a identificação de aumento de creatinina sérica, ao menos, durante três meses. Proteinúria persistente ou anormalidade nas imagens renais (ex rins policísticos) também são diagnósticos de DRC, mesmo quando a TFG estimada estiver normal. É interessante representar o inverso da creatinina sérica (1/SCr) em função do tempo ou TFG estimada em função do tempo. Se houver três ou mais medições prévias, será possível estimar o tempo até DRET. Se a inclinação da curva se tornar aguda, devem ser excluídas novas agressões renais possivelmente reversíveis conforme mencionado anteriormente. Anemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia, hiperpotassemia e acidose metabólica podem ocorrer com doençarenal tanto aguda quanto crônica. A sedimentoscopia pode revelar grandes cilindros céreos como resultado de dilatação e hipertrofia dos néfrons. É possível haver proteinúria. Se houver, ela deve ser quantificada. A quantificação das proteínas urinárias é importante por diversas razões. Primeiro, porque ajuda a reduzir as possibilidades no diagnóstico diferencial da etiologia da DRC; por exemplo, as doenças glomerulares tendem a se apresentar com excreção proteica ≥ 1 g/dia. Além disso, a presença de proteinúria está associada à progressão mais rápida da DRC e a maior mortalidade cardiovascular. Exames de imagem: O achado de rins ecogênicos de tamanho reduzido bilateralmente (≤ 9-10 cm) à ultrassonografia corrobora o diagnóstico de DRC, embora seja possível encontrar rins de tamanho normal ou até mesmo aumentados nos casos de doença do rim policístico, nefropatia do diabetes, nefropatia associada ao HIV, mieloma múltiplo, amiloidose e uropatia obstrutiva. Complicações: Complicações cardiovasculares: As morbidade e mortalidade cardiovasculares entre pacientes com DRC são maiores que as observadas na população geral. As mortes por causas cardiovasculares respondem por 45% de todos os óbitos de pacientes em programa de diálise. Cerca de 80-90% dos pacientes com DRC morrem, principalmente de doença cardiovascular, antes de terem indicação para diálise. Os mecanismos biológicos precisos responsáveis por essa maior mortalidade não foram esclarecidos, mas talvez tenham relação com o meio urêmico, incluindo alterações na homeostasia do fósforo e do cálcio, aumento na carga de estresse oxidativo, aumento da reatividade vascular, maior hipertrofia ventricular esquerda e comorbidades subjacentes, como hipertensão arterial e diabetes melito. Hipertensão arterial – Trata-se da complicação mais comum da DRC. À medida que a doença renal evolui, em geral surge hipertensão arterial causada por retenção de sal e água. Estados hiper-reninêmicos e eritropoetina exógena também podem agravar a hipertensão. Assim como em outras populações de pacientes, o controle da hipertensão deve englobar medidas não farmacológicas (ex dieta, exercícios, perda de peso, tratamento de apneia obstrutiva do sono) e farmacológicas. A DRC produz alterações na homeostasia do sódio, de forma que a capacidade dos rins de se ajustarem a variações na ingestão de água e sódio, se reduzindo à medida que a TFG declina. O médico deve prescrever dieta com redução do sal (2 g/dia), pois isso costuma ser importante para controlar a pressão arterial e ajudar a evitar a sobrecarga de volume. Quase sempre há necessidade de prescrever diuréticos para ajudar no controle da pressão; os tiazídicos funcionam bem na DRC inicial, mas, nos pacientes com TFG < Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento 30 mL/min/1,73 m2, os diuréticos de alça são mais efetivos. Contudo, a contração volumétrica como resultado de redução intensa na ingestão de sódio (em especial com doença intercorrente) ou de excesso de diurese em pacientes com distúrbio na homeostasia do sódio, pode resultar em lesão renal aguda. Além dos diuréticos, o tratamento inicial deve incluir um IECA ou um BRA em pacientes com proteinúria. Ao se iniciar a administração de IECA ou de BRA, ou ao aumentar sua dosagem, é necessário verificar a creatinina e o potássio séricos no período de 7-14 dias. Hiperpotassemia ou aumento acima de 30% na creatinina sérica a partir da linha de base, determinam a redução da dose ou a suspensão do fármaco. Entre os agentes de segunda linha estão os bloqueadores do canal de cálcio e os β- bloqueadores. Em razão da dificuldade para o controle de hipertensão em pacientes com DRC, medicamentos adjuntos com frequência são necessários. As diretrizes atuais recomendam manter a pressão abaixo de 130/80 mmHg em pacientes com DRC. Algumas publicações sugerem uma meta de ≤125/75 mmHg em pacientes com proteinúria. A manutenção de valores pressóricos significativamente abaixo dos descritos não é sustentada pelos dados atuais e pode ser perigosa em alguns pacientes, como os idosos. Doença arterial coronariana – Pacientes com DRC têm maior risco de morte por doença cardiovascular em comparação com a população geral. Fatores tradicionais de risco modificáveis para doença cardiovascular, como hipertensão arterial, tabagismo e hiperlipidemia, devem ser abordados de forma agressiva em pacientes com DRC. A calcificação vascular urêmica envolvendo distúrbios da hemostasia do fósforo e outros mediadores também podem ser um fator de risco cardiovascular nesses pacientes. Insuficiência cardíaca congestiva – As complicações da DRC resultam em aumento da sobrecarga cardíaca via doença hipertensiva subjacente, sobrecarga de volume e anemia. Os pacientes com DRC também apresentam evolução mais rápida de aterosclerose e calcificação vascular resultando em rigidez dos vasos. Todos esses fatores contribuem para hipertrofia ventricular esquerda e para disfunção diastólica, presentes na maioria dos pacientes que entram em diálise. Com o passar do tempo, também é possível haver disfunção sistólica. Normalmente, é necessário fazer restrição de sal e água. Os diuréticos têm seu valor se puderem aumentar o volume urinário, embora os tiazídicos sejam isoladamente ineficazes quando a TFG é inferior a 30 mL/min/1,73 m2. Os diuréticos de alça são usados com frequência, sendo necessárias doses mais altas à medida que a função renal se deteriora. A digoxina é excretada pelos rins e sua toxicidade aumenta na presença de distúrbios eletrolíticos, que são comuns nos pacientes com DRC. A eficácia comprovada dos IECA para ICC se mantém nos pacientes com DRC. A despeito dos riscos de hiperpotassemia e de piora da função renal, os IECA e os BRAs podem ser usados em pacientes com DRC avançada sob supervisão próxima e monitoramento com exames laboratoriais. Pericardite – É possível que pacientes urêmicos evoluam com pericardite, mas essa ocorrência é rara. Os achados típicos incluem dor torácica pleurítica e atrito pericárdico. O desenvolvimento de derrame significativo pode resultar em pulso paradoxal, aumento da silhueta cardíaca e baixa voltagem no QRS e alternância elétrica no ECG. Outros achados eletrocardiográficos típicos na pericardite aguda são raros na pericardite urêmica devido à ausência de inflamação miocárdica. O derrame geralmente é hemorrágico, devendo-se evitar os anticoagulantes quando este diagnóstico é suspeitado. É possível haver tamponamento cardíaco; assim, a pericardite urêmica determina admissão hospitalar e início de hemodiálise. Distúrbios do metabolismo mineral: Os distúrbios minerais e ósseos da DRC referem-se a alterações complexas na homeostasia do metabolismo de cálcio e fósforo, do paratormônio (PTH), da vitamina D ativa e, possivelmente, do fator do crescimento de fibroblastos 23 (FGF- 23). Um padrão característico observado na DRC em estágio 3 é hiperfosfatemia, hipocalcemia, hipovitaminose D e hiperparatireoidismo secundário como resultado das três primeiras anormalidades. Esses distúrbios também levam à calcificação vascular e podem ser parcialmente responsáveis pela aceleração de doenças e mortalidade cardiovasculares observada na população de pacientes com DRC. A doença óssea, ou osteodistrofia renal, é comum nos casos DRC em estágio avançado e há vários tipos de lesão. A osteodistrofia renal só pode ser diagnosticada por biópsia óssea, que raramente é realizada. A doença óssea mais comum, a osteíte fibrosa cística, é resultado de hiperparatireoidismo secundário e do efeito estimulador de osteoclastos do PTH. Trata-se de doença com elevação da renovação (turnover) óssea com reabsorção osteoclástica e lesões subperiosteais, podendo Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento resultar em dor óssea e fraqueza muscularproximal. A doença óssea adinâmica, ou o distúrbio de baixa renovação óssea, tem se tornado mais comum e é resultado de supressão iatrogênica ou de produção baixa espontânea de PTH. A osteomalácia, ou deficiência na mineralização óssea, é outra lesão associada à DRC. A osteomalácia estava associada à toxicidade por alumínio – como resultado de ingestão crônica ou da prescrição de ligantes de fósforo, contendo alumínio ou, ainda, de níveis elevados de alumínio em dialisato não tratado. Atualmente, é mais provável que a osteomalácia resulte de hipovitaminose D; há ainda risco teórico de osteomalácia associada ao uso de bisfosfonatos em pacientes com DRC avançada. Todos os quadros mencionados podem causar aumento no risco de fratura. A exposição ao alumínio deve ser evitada. Além disso, o tratamento pode envolver a correção nos níveis de cálcio, fósforo e 25-OH vitamina D (25 hidroxi vitamina D) até valores normais, além de tratamento do hiperparatireoidismo. A redução na TFG causa retenção de fósforo, que leva à hipocalcemia, uma vez que o fósforo forma complexos com cálcio, deposita-se nos tecidos moles e estimula a produção de PTH. A perda de massa renal e os níveis baixos de 25(OH) vitamina D, frequentemente observados em pacientes com DRC, resultam em redução da produção renal de 1,25(OH) vitamina D. Considerando que a 1,25(OH) vitamina D é supressora da produção de PTH, a hipovitaminose D também causa hiperparatireoidismo secundário. O primeiro passo no tratamento da doença óssea metabólica é o controle da hiperfosfatemia (definida como fósforo sérico ≥ 4,5 mg/dL na DRC pré- DRET, ou ≥ 5,5 mg/dL em pacientes com DRET). Isso envolve inicialmente restrição dietética de fósforo, seguida, quando a meta não for alcançada, pela administração de ligantes de fósforo administrados por via oral. Os ligantes orais de fósforo, como o carbonato de cálcio (comprimidos de 650 mg) ou o acetato de cálcio (667 mg/cápsula), bloqueiam a absorção intestinal de fósforo e são administrados por três vezes ao dia com as refeições. O tratamento deve ser titulado para que se obtenha fósforo sérico abaixo de 4,6 mg/dL na DRC nos estágios 3-4 e abaixo de 4,6- 5,5 mg/dL nos pacientes com DRET. As diretrizes nacionais recomendam que a dose máxima de cálcio elementar seja 1.500 mg/dia (ex nove comprimidos de acetato de cálcio); as doses devem ser reduzidas se o cálcio sérico exceder 10 mg/dL. Os agentes ligantes de fósforo que não contêm cálcio são o sevelâmer e o lantânio. O sevelâmer, 800-3.200 mg por via oral, e o carbonato de lantânio, 500-1.000 mg por via oral, são administrados no início das refeições e podem ser combinados com ligantes contendo cálcio. O hidróxido de alumínio é um ligante de fósforo altamente efetivo, mas capaz de causar osteomalácia e complicações neurológicas quando utilizado em longo prazo. Embora possa ser usado em situações agudas nas quais o fósforo sérico esteja acima de 7 mg/dL ou por períodos curtos (ex três semanas), seu uso em longo prazo deve ser evitado nos pacientes com DRC. Quando os níveis de fósforo estiverem controlados, recomenda-se o uso de vitamina D ativa (1,25[OH] vitamina D, ou calcitriol) ou de análogos de vitamina D ativa para o tratamento do hiperparatireoidismo secundário na DRC em estágio 3-5. Os níveis séricos da 25(OH) vitamina D devem ser dosados e mantidos normais antes de se considerar a administração de vitamina D ativa. A vitamina D ativada (calcitriol) aumenta o cálcio sérico e os níveis de fósforo; ambos devem ser monitorados de perto durante o tratamento com calcitriol, com redução da dose caso haja hipercalcemia ou hiperfosfatemia. A dosagem inicial típica de calcitriol é 0,25 ou 0,5 μg por via oral, diariamente ou em dias alternados. O cinacalcet é um agente calcimimético direcionado aos receptores sensíveis ao cálcio das células principais da paratireoide para suprimir a produção de PTH. Pode-se utilizar cinacalcet 30-90 mg por via oral, uma vez ao dia caso os níveis elevados de fósforo ou de cálcio estejam impedindo a administração de análogos da vitamina D; o cinacalcet pode causar hipocalcemia. Os níveis ideais de PTH na DRC não são conhecidos, mas como há resistência esquelética ao PTH na uremia, deve-se desejar níveis relativamente altos na DRC avançada para evitar a doença óssea adinâmica. As diretrizes especializadas costumam sugerir níveis de PTH próximos ou logo acima do limite superior da normalidade na DRC moderada e pelo menos duas vezes (e até nove vezes) o limite superior do normal na DRET. Complicações hematológicas: Anemia – A anemia da doença renal crônica é causada principalmente por redução na produção de eritropoetina, que com frequência se torna clinicamente significativa no estágio 3 da DRC. Muitos pacientes também apresentam deficiência de ferro em razão de absorção intestinal deficiente. Os agentes semelhantes à eritropoetina (ex eritropoetina recombinante [epoetina] e darbepoetina) estão aprovados pela FDA para uso em pacientes com DRC para obter a taxa de hemoglobina (Hb) entre 10-11 g/dL, caso não seja identificadas outras causas para a anemia. Em um ensaio feito com portadores de DRC, concluiu-se que não haveria benefícios em iniciar agentes semelhantes à eritropoetina antes que a Hb estivesse abaixo de 9 g/dL. A dose efetiva pode variar; a dose inicial para epoetina é 50 unidades/kg (3.000-4.000 unidades por dose) 1-2 vezes por Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento semana. A darbepoetina é iniciada com 0,45 μg/kg e pode ser administrada a cada 2-4 semanas. Esses agentes podem ser administrados por via intravenosa (ex no paciente em hemodiálise) ou por via subcutânea (ex em pacientes antes da entrada em programa de diálise ou em diálise); a administração subcutânea é até 30% mais efetiva que a intravenosa. Ambos os medicamentos devem ser titulados para meta de hemoglobina em 10-11 g/dL, com o objetivo de segurança máxima. Há estudos mostrando que metas para Hgb mais ambiciosas aumentam o risco de acidente vascular encefálico (AVE) e, possivelmente, de outros episódios cardiovasculares. Ao titular a dose, os níveis de Hb não devem aumentar mais de 1 g/dL a cada 3-4 semanas. A hipertensão arterial é uma complicação do tratamento com eritropoetina ou darbepoetina que ocorre em cerca de 20% dos pacientes. É possível que haja necessidade de ajustar a dose ou de administrar agentes anti-hipertensivos. A reserva de ferro deve estar adequada para assegurar que haja resposta aos agentes estimulantes da eritropoiese. A hepcidina, uma molécula que bloqueia a absorção GI de ferro e sua mobilização das reservas corporais, tende a estar elevada na DRC. Consequentemente, nos pacientes com DRC os valores referenciais mínimos para reserva de ferro são maiores. Nesses pacientes, a ferritina sérica inferior a 100-200 ng/mL ou a saturação de ferro abaixo de 20% são sugestivos de deficiência. As reservas de ferro devem ser repostas por via oral ou parenteral antes de iniciar a administração de agentes estimuladores da eritropoiese. O tratamento com ferro provavelmente deve ser suspenso se a ferritina sérica estiver acima de 500-800 ng/mL, mesmo se a saturação de ferro estiver abaixo de 20%. Para os pacientes que não estejam em programa de diálise, o tratamento inicial é feito por via oral com sulfato, gluconato ou fumarato ferroso, 325 mg, 1-3 vezes ao dia. Para aqueles que não responderem em razão de absorção GI deficiente ou baixa tolerância, talvez haja necessidade de administrar ferro por via intravenosa. Em qualquer paciente com DRC, a investigação preliminar da anemia deve incluir avaliação da função tireoidiana e dosagem sérica da vitamina B12 antes de dar início ao tratamento com agente estimulante da eritropoiese. Coagulopatia – A coagulopatia da doença renal crônica é causada principalmente por disfunçãoplaquetária; pode haver prolongamento do tempo de sangramento. Clinicamente, os pacientes apresentam petéquias, púrpura e maior tendência a sangramento durante cirurgias. O tratamento é necessário somente nos pacientes sintomáticos. Nos pacientes anêmicos, a elevação da Hgb para valores acima de 9-10 g/dL pode reduzir o risco de sangramento, em razão de aumento da viscosidade sanguínea. A desmopressina (25 μg por intravenosa a cada 8-12 horas para duas doses) é um tratamento de curta duração, porém efetivo contra disfunção plaquetária, usado com frequência na preparação para cirurgia. Os estrogênios conjugados, 2,5-5 mg por via oral durante 5-7 dias, talvez produzam efeito por várias semanas, mas raramente são usados. A diálise melhora o tempo de sangramento, mas não é capaz de normalizá-lo. Os crioprecipitados (10 a 15 bolsas) raramente são usados, e seus efeitos duram menos de 24 horas. Hiperpotassemia: Na DRC, o balanço de potássio geralmente se mantém normal até os estágios 4-5. Entretanto, é possível haver hiperpotassemia em estágios anteriores quando determinadas condições estão presentes, como a acidose tubular renal do tipo 4 (encontrada particularmente em pacientes com diabetes melito), dietas ricas em potássio ou naqueles que fazem uso de medicamentos que reduzem a secreção renal de potássio (amilorida, triantereno, espironolactona, eplerenona, eplerenona, AINEs, IECA, BRAs) ou que bloqueiam a recaptação celular de potássio (β- bloqueadores). Outras causas seriam estados acidêmicos e qualquer tipo de destruição celular com liberação do conteúdo intracelular, como hemólise e rabdomiólise. Há indicação de monitoramento cardíaco nos casos com alterações ECG indicativas de hiperpotassemia, ou com potássio sérico acima de 6,0-6,5 mEq/L. A hiperpotassemia crônica é mais bem tratada com restrição dietética (2 g/dia) e redução ou suspensão de quaisquer medicamentos que prejudiquem a excreção renal de potássio. Os diuréticos de alça também podem ser administrados em razão de seus efeitos caliuréticos, desde que o paciente não apresente depleção de volume. Distúrbios acidobásicos: Os rins insuficientes são incapazes de excretar 1 mEq/kg/dia de ácido produzido com o metabolismo das proteínas ingeridas com a dieta ocidental típica. A acidose metabólica resultante é causada principalmente pela perda de massa renal, e os distúrbios nos túbulos distais podem contribuir ou agravar a acidose. Os íons Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento hidrogênio em excesso são tamponados pelas grandes reservas ósseas de carbonato de cálcio e fosfato de cálcio. Isso resulta em remoção de cálcio e fósforo dos ossos, contribuindo para a doença metabólica óssea e para o retardo de crescimento visto em crianças com DRC. A acidose crônica também pode resultar em catabolismo de proteínas musculares. O nível sérico de bicarbonato deve ser mantido acima de 21 mEq/L. O tratamento mais utilizado é o bicarbonato de sódio em doses de 0,5-1,0 mEq/kg/dia em duas doses diárias ajustadas conforme a necessidade. Os sais de citrato aumentam a absorção do alumínio contido na dieta e devem ser evitados nos pacientes com DRC. Complicações neurológicas: Não há encefalopatia urêmica resultante do acúmulo de toxinas urêmicas, enquanto a TFG não cai abaixo de 5-10 mL/min/1,73 m2. O sintoma inicial é a dificuldade de concentração, que pode evoluir para letargia, confusão, convulsões e coma. Entre os possíveis achados clínicos estão alteração do estado mental, fraqueza e asterixe. Esses sinais e sintomas melhoram após o início da diálise. Outras complicações neurológicas que se manifestam na DRC avançada incluem neuropatia (distribuição em luva ou em meia ou mononeuropatias isoladas), disfunção erétil, disfunção autonômica e síndrome das pernas inquietas. Essas alterações podem não melhorar com a diálise. Distúrbios endócrinos: Na DRC em estágio avançado, os níveis circulantes de insulina são mais altos em razão da redução na sua depuração renal e, nos diabéticos, há risco de evolução com hipoglicemia. Talvez haja necessidade de redução nas doses de insulina e de hipoglicemiantes orais. A metformina está associada ao risco de acidose láctica quando a TFG estimada estiver abaixo de 50 mL/min/1,73 m2 e, então, deve ser suspensa. É comum que haja redução na libido e disfunção erétil nos casos avançados de DRC. Nos homens, há redução dos níveis de testosterona; as mulheres com frequência deixam de ovular. As mulheres com creatinina sérica abaixo de 1,4 mg/dL não têm risco aumentado de desfechos desfavoráveis na gestação; porém, aquelas com creatinina sérica acima de 1,4 mg/dL podem apresentar progressão mais rápida da DRC durante a gravidez. Contudo, não há comprometimento da sobrevida fetal, a não ser que a DRC esteja em estágio avançado. Apesar do índice elevado de infertilidade em pacientes com DRET, é possível haver gravidez nesse cenário – particularmente em mulheres bem dializadas e bem nutridas. Entretanto, a mortalidade fetal se aproxima de 50% e os fetos que sobrevivem frequentemente são prematuros. Nas pacientes com DRET, o transplante renal com aloenxerto de funcionamento estável proporciona as melhores chances de gestação bem- sucedida. Tratamento: Redução da progressão: É fundamental o tratamento da causa subjacente da DRC. O controle do diabetes deve ser agressivo na DRC inicial; o risco de hipoglicemia aumenta na DRC avançada, podendo haver necessidade de relaxar os alvos glicêmicos para evitar essa perigosa complicação. O controle da pressão é essencial para reduzir a progressão de todas as formas de DRC; agentes que bloqueiam o sistema renina-angiotensina- aldosterona são especialmente importantes na doença com proteinúria. Vários estudos pequenos sugerem um possível benefício da terapia com álcalis orais para reduzir a progressão da DRC quando há acidemia. Os pacientes obesos devem ser encorajados a perder peso. Deve ser enfatizado o manejo dos fatores de risco tradicionais para doença cardiovascular. Tratamento dietético: Todos os pacientes com DRC devem ser avaliados por um nutricionista especializado em doenças renais. Devem ser feitas recomendações específicas acerca da ingestão de proteínas, sal, água, potássio e fósforo para ajudar a manejar a progressão da DRC e suas complicações. Restrição a proteínas – A restrição da ingestão de proteínas para 0,6-0,8 g/kg/dia pode retardar a progressão da DRC e, provavelmente, não causam dano em pacientes bem nutridos; essa restrição não é aconselhável nos casos de caquexia ou albumina sérica baixa na ausência de síndrome nefrótica. Restrição de água e sal – Nos casos com DRC em estágio avançado, os rins são incapazes de se adaptar a grandes alterações na ingestão de sódio. Consumo acima de 3-4 g/dia pode levar a hipertensão arterial e sobrecarga de volume, enquanto o consumo abaixo de 1 g/dia pode produzir depleção de volume e hipotensão. A recomendação inicial de dieta com 2 g de sódio/dia é razoável na maioria dos pacientes. A ingestão de 2 L de líquidos mantém o balanço hídrico. Referência: CURRENT – Medicina: diagnóstico e tratamento Restrição de potássio – Há necessidade de restrição quando a TFG estiver abaixo de 10 ou 20 mL/min, ou mais cedo se o paciente estiver com hiperpotassemia. Os pacientes devem receber listas com informações detalhadas sobre alimentos contendo potássio e manter a ingestão abaixo de 50-60 mEq/dia (2 g). Restrição de fósforo – O nível de fósforo deve ser mantido dentro dos limites “normais” (abaixo de 4,5 mg/dL) antes da entrada em programa de diálise e entre 3,5-5,5 mg/dL na DRET, com dieta restritiva de 800-1.000 mg/dia. O consumo de alimentos ricos em fósforo, como refrigerantes à base de cola, ovos, laticínios, nozes, feijões e carne deve ser limitado,
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