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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP JOÃO FERNANDO VIEIRA ENNES AS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS POR ALIMENTOS (DTAS) E SUA RELAÇÃO COM AS COZINHAS CLANDESTINAS QUE ATENDEM POR APLICATIVO DE ENTREGAS MANAUS 2021 JOÃO FERNANDO VIEIRA ENNES AS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS POR ALIMENTOS (DTAS) E SUA RELAÇÃO COM AS COZINHAS CLANDESTINAS QUE ATENDEM POR APLICATIVO DE ENTREGAS Orientador: MSc. Fábio Markendorf MANAUS 2021 Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de graduação em Biomedicina apresentado à Universidade Paulista – UNIP. CIP - Catalogação na Publicação Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Universidade Paulista com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Ennes, João Fernando Vieira as doenças transmissíveis por alimentos (dtas) e sua relação com as cozinhas clandestinas que atendem por aplicativo de entregas / João Fernando Vieira Ennes. - 2021. 59 f. : il. color + Contratos. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) apresentado ao Instituto de Ciência da Saúde da Universidade Paulista, Manaus, 2021. Área de Concentração: Ciencia e Tecnologia de Alimentos. Orientador: Prof. Me. Fabio Markendorf. 1. Doenças transmissíveis por alimentos. 2. Aplicativos de entrega. 3. Cozinhas fantasmas. 4. Cozinhas Clandestinas. 5. Manipulação de Alimentos. I. Markendorf, Fabio (orientador). II.Título. JOÃO FERNANDO VIEIRA ENNES AS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS POR ALIMENTOS (DTAS) E SUA RELAÇÃO COM AS COZINHAS CLANDESTINAS QUE ATENDEM POR APLICATIVO DE ENTREGAS Aprovado em: 24 de novembro de 2021. BANCA EXAMINADORA 24/11/2021 Prof. Dr. Manoel Feitosa Jeffreys Universidade Paulista – UNIP ________________________________________ 24/11/2021 Prof. Dr. Roberto Moreira da Silva Junior Universidade Paulista – UNIP Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de graduação em Biomedicina apresentado à Universidade Paulista – UNIP. DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho primeiramente à minha mãe, Jacqueline Vieira, que me apoiou em todos os momentos, e ao meu padrasto, Benjamin Leal, que me proporcionou a possibilidade de cursar Biomedicina, além de sempre ser muito amigo e parceiro em todos os momentos. Dedico também à minha esposa, Iana Ennes, por me acompanhar nesta jornada da vida e sempre me apoiar nos momentos mais difíceis. Dedico ao meu orientador, Fabio Markendorf, por ter a paciência de me orientar nessa saga de se tornar um biomédico. Dedico ao meu pai, Pedro Paulo, pelo apoio que me deu em toda vida e que ainda me dá todos os dias, estando sempre ao meu lado a cada momento de mina vida. E também ao meu grande amigo biomédico, Kenny Oliveira, que foi a primeira pessoa a ler esta pesquisa. E por último e não menos importante, a todos os meus amigos que estiveram do meu lado me dando incentivo para ser melhor a cada dia. “Mesmo que seja por um trono, jamais renegar a verdade”. (Ludwig Van Bethoven) RESUMO O crescimento dos aplicativos marketplace de entregas de alimentos em conjunto com a inobservância das leis sanitárias no momento do cadastro de novas cozinhas nas plataformas de entregas facilita a adesão de cozinhas clandestinas nestas plataformas, possibilitando que atuem no mesmo ambiente virtual que restaurantes que possuem o licenciamento sanitário. As cozinhas que compartilham o ambiente domiciliar com as áreas de manipulação que não atendem as normas de boas práticas de manipulação de alimentos atuam como facilitadores na disseminação de doenças transmissíveis por alimentos. Com isso, demonstrar que sem a exigência do certificado de inspeção sanitária em serviços de alimentação cadastrados nos marketplaces, os aplicativos colocam em risco a saúde da população, cadastrando em suas plataformas estabelecimentos clandestinos que atuam no mesmo ambiente que os estabelecimentos devidamente licenciados, contribuindo para a veiculação de microrganismos patógenos que causam doenças alimentares. A pesquisa realizada foi feita através de pesquisa bibliográfica em artigos científicos, livros, documentos da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC), dados do Sistema Único de Saúde – SUS, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, do Código Sanitário de Manaus, e através dos contratos de adesão de novos parceiros dos aplicativos IFood, Uber Eats e Rappi. Os dados analisados revelaram que as cozinhas fantasmas que atuam dentro de habitações através dos aplicativos de entrega são de fato cozinhas clandestinas, pois violam as normas do Código Sanitário do Município de Manaus e o roteiro de inspeção sanitária contido na RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002, Inciso III. E ainda foi possível confirmar que a carência de conhecimento das boas práticas de fabricação durante a manipulação de alimentos facilita a contaminação por enteropatógenos e na disseminação de doenças transmissíveis por alimentos. É imprescindível que aplicativos de entrega de alimentos solicitem o alvará sanitário para o cadastro de novos estabelecimentos parceiros em suas plataformas, sem este requisito legal a plataforma contribui para a distribuição de alimentos possivelmente contaminados por microorganismos ou toxinas que causam doenças alimentares. Palavras-chave: Doenças transmissíveis por alimentos. Aplicativos de entrega de alimentos. Dark kitchen. Cozinhas clandestinas. Boas práticas de fabricação. ABSTRACT The growth of the food delivery marketplace applications together with the non- compliance with sanitary laws when registering new kitchens on the delivery platforms facilitates the adhesion of clandestine kitchens on these platforms, allowing them to operate in the same virtual environment as restaurants that have the licensing Restroom. Kitchens that share the home environment with handling areas that do not meet the standards of good food handling practices act as facilitators in the spread of food-borne diseases. To demonstrate that without the requirement of a sanitary inspection certificate in food services registered on marketplaces, applications put the health of the population at risk, registering clandestine establishments on their platforms that operate in the same environment as properly licensed establishments, contributing to the delivery of pathogenic microorganisms that cause foodborne illnesses. The research was carried out through bibliographical research in scientific articles, books, documents of the Resolution of the Collegiate Board of Directors (RDC), data from the Unified Health System - SUS, from the National Health Surveillance Agency - ANVISA, from the Health Code of Manaus , and through the subscription contracts of new partners of the iFooth, Uber Eats and Rappi applications. The analyzed data revealed that the ghost kitchens that work inside houses through the delivery applications are in fact clandestine kitchens, as they violate the norms of the Sanitary Code of the Municipality of Manaus and the sanitary inspection guide contained in RDC nº 275, of October 21, 2002, Subsection III. And it was also possible to confirm that the lack of knowledge of good manufacturing practices during food handling facilitates contamination by enteropathogens and the spread of foodborne diseases. It is essentialthat food delivery applications request the health permit for the registration of new partner establishments on their platforms, without this legal requirement, the platform contributes to the distribution of food possibly contaminated by microorganisms or toxins that cause foodborne illnesses. Keywords: Foodborne diseases. Food delivery apps. Dark kitchen. Clandestine kitchens. Good manufacturing practices. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 1 - Faturamento anual do e-commerce no Brasil em Bilhões (R$) entre os anos de 2001 a 2013.................................................................................................................................5 Figura 1 – Distribuição do Ifood no Brasil no ano de 2020......................................................6 Figura 2 – Distribuição do Uber Eats no Brasil no ano de 2020...............................................7 Figura 3 – Distribuição da Rappi no Brasil no ano de 2020......................................................8 Figura 4 – Fluxograma das atividades desenvolvidas..............................................................26 Figura 5 - Principais fontes de contaminação dos alimentos por microrganismos patógenos..................................................................................................................................27 Figura 6 - Índice de contaminação dos alimentos antes e após a lavagem das mãos dos manipuladores...........................................................................................................................28 Gráfico 2 - Crescimento do delivery por aplicativos marketplace durante o período de 2020 a 2021 no Brasil, México e Argentina.........................................................................................28 Figura 7 – Contrato de Prestação de Serviços do Aplicativo 99Food.....................................37 Figura 8 – Contrado de Prestação de Serviços do Aplicativo Uber Eats.................................42 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Valores de Aw para crescimento e produção de toxinas alimentares por microrganismos.........................................................................................................................13 Tabela 2 - Série histórica de surtos de doenças transmitidas por alimentos e número de casos envolvidos nos surtos no Município de São Paulo entre 2007 a 2021......................................21 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABIA Associação Brasileira de Indústrias e Alimentação ABRASEL Associação Brasileira de Bares e Restaurantes ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária CDC Centers for Disease Control and Prevention CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica DTA Doenças Transmissíveis por Alimentos DVA Doenças Veiculadas por Alimentos MEI Microempreendedor Individual OMS Organização Mundial da Saúde RDC Resolução da Diretoria Colegiada SEHAL Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC SUS Sistema Único de Saúde LISTA DE SÍMBOLOS Aw Atividade de Água P Pressão de evaporação de uma solução ou alimento Po Pressão de evaporação da água pura à mesma temperatura UR Umidade Relativa pH Potencial de Hidrogênio H+ Íon de Hidrogênio SUMÁRIO 1.0 INTRODUÇÃO...................................................................................................................1 2.0 REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................................3 2.1 Evolução da Alimentação...................................................................................................3 2.2 O Nascimento do Fast Food...............................................................................................3 2.3 A Chegada do e-commerce e dos Aplicativos de Entrega de Alimentos.............................................................................................................................4 2.4 Dark Kitchen: A Cozinha Fantasma.................................................................................8 2.5 A Importância da Vigilância Sanitária em Serviços de Alimentação.......................................................................................................................10 2.6 Riscos Associados ao Consumo de Alimentos Oriundos de Cozinhas Clandestinas.................................................................................................................... ...12 2.7 Fatores Físico-Químicos que Condicionam a Multiplicação de Microrganismos em Alimentos...........................................................................................................................12 2.7.1 Atividade da Água........................................................................................................13 2.7.2 Temperatura..................................................................................................................14 2.7.3 Umidade.......................................................................................................................14 2.7.4 Potencial Redox............................................................................................................15 2.7.5 Potencial de Hidrogênio................................................................................................16 2.8 Principais Microrganismos Envolvidos em Intoxicações e Doenças Alimentares.......................................................................................................................16 2.8.1 Clostridium perfringens................................................................................................17 2.8.2 Staphylococcus aureus.................................................................................................17 2.8.3 Clostridium botulinum..................................................................................................18 2.8.4 Salmonella spp..............................................................................................................19 2.9 O Importante Papel das Boas Práticas na Manipulação de Alimentos para o Controle dos Surtos de Doenças Alimentares................................................................21 3.0 OBJETIVO.......................................................................................................................24 3.1 Objetivo Geral..................................................................................................................24 3.2 Objetivo Específico...........................................................................................................24 4.0 METODOLOGIA.............................................................................................................25 4.1 Tipo de Estudo...................................................................................................................25 4.2 Descrição do Estudo..........................................................................................................25 4.3 Critérios de Exclusão e Inclusão......................................................................................26 4.4 Análise e Interpretação dos Resultados..........................................................................26 5.0 RESULTADOS E DISCUSSÃO.....................................................................................27 6.0 CONCLUSÃO..................................................................................................................29 7.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................308.0 ANEXO.............................................................................................................................37 1 INTRODUÇÃO É sabido que, atualmente, existem mais de 250 tipos de doenças transmissíveis por alimentos (DTAs), ou Doenças veiculadas por alimentos (DVA), sendo que a maioria destas doenças são causadas por enteropatógenos. Os surtos de DTAs podem ser causados por vírus, parasitas, fungos, agentes químicos, físicos e substâncias tóxicas de origem animal e vegetal (1). A contaminação por DTAs ocorre na ingestão de um alimento contaminado, podendo causar sintomas leves a quadros clínicos graves, levando o paciente a óbito. Já o alimento, pode ser contaminado durante sua manipulação, por manipuladores assintomáticos, práticas inadequadas de produção, armazenamento, além da deficiente higienização e sanitização dos equipamentos e utensílios de cozinha (2,3). Os surtos de DTA são causados quando há um episódio em que duas ou mais pessoas apresentam os sinais e sintomas após ingerir alimentos ou água contaminada de mesma origem. Dentre os causadores de metade destes surtos estão os restaurantes, lanchonetes, padarias e estabelecimentos alimentícios similares (4). É observado a importância de adotar boas práticas de fabricação durante a preparação dos alimentos, assim como seguir os critérios estabelecidos pelos órgãos regulatórios, destacando-se as Resoluções da Diretoria Colegiada RDC nº216 e nº275 , da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), emitidas pelo Ministério da Saúde (5). Em 2020, cresceu o número de microempreendedores individuais (MEIs) em mais de 8.4%, fazendo este setor ser responsável por 56,7% do total de negócios em funcionamento no país. Desde a criação da Lei Complementar nº 128, mais de 7 milhões de brasileiros se formalizaram como MEIs (6). Alinhado ao crescimento de novos empreendedores está o aumento na busca pelo delivery de comida, principalmente durante o período de 2020 a 2021, onde os consumidores começaram a optar mais pelos aplicativos de e-commerce e marketplace para as compras de alimentos, sobretudo frutas, hortaliças, bebidas e refeições (7). Os principais aplicativos focados em delivery de comida como o Rappi, IFood e Ubereats tiveram um crescimento de mais de 103%, sendo a Rappi o aplicativo que teve maior elevação de seu tíquete médio, cerca de 92,4%. O Brasil foi responsável por 48,77% do número de delivery por aplicativo, seguido do México com 27,07% e Argentina com 11,85% (8). Todavia, para o cadastro nestes aplicativos de e-commerce e marketplace, em muitos dos casos, não se exige o licenciamento sanitário para o cadastro de novos parceiros. Por este 2 motivo, estas cozinhas caseiras por aplicativo passam a funcionar como cozinhas clandestinas, nomeadas de Cozinhas Fantasma (9). As cozinhas fantasmas tiveram um crescimento acelerado durante o período de 2019 a 2021, fazendo com que o consumidor tenha mais contato com alimentos de cozinhas clandestinas. Estes alimentos, geralmente produzidos por pessoas sem experiência em manipulação de alimentos, se tornam um risco à saúde pública por facilitar a distribuição de agentes causadores de doenças através dos alimentos (10). Este trabalho tem como objetivo apresentar os riscos associados ao consumo de alimentos fornecidos por estabelecimentos clandestinos sem licença sanitária, como possíveis vetores na transmissão de doenças veiculadas por alimentos – DVAs, com foco na nova modalidade de cozinha caseira por delivery através de marketplace e ecommerce, as Dark Kitchen. 3 2.0 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Evolução da Alimentação A história da alimentação está intimamente ligada à história do homem. No início o homem primitivo consumia o que a natureza ofertava como raízes, folhas e frutos. Sendo assim, era normal vagar de ponto a outro em busca de alimento, seguindo um estilo de vida completamente nômade. Posteriormente, o homem dominou a pesca e a caça, consumindo assim a carne de animais selvagens e possibilitando maior permanência em um mesmo local (11). Já o desenvolvimento da agricultura, durante o período neolítico, aproximadamente 12 mil anos atrás, foi um marco do início da civilização, possibilitando o homem de ter a segurança de saber que cuidando da sua plantação, teria alimento para todo o ano. Com a agricultura se possibilitou a domesticação de animais e o início do comércio, que acontecia através da troca de grãos, animais, frutos, hortaliças e legumes entre diferentes produtores (12). No século XVIII se inicia a revolução industrial na Inglaterra, mudando os hábitos de vida da população no mundo todo (13). A chegada da revolução industrial possibilitou um aumento populacional e progresso produtivo jamais visto, e com isso, também possibilitou a criação de novas formas de produzir, embalar e distribuir alimentos. Os alimentos processados mudaram a concepção do que era cozinhar, e junto deles nasceram às indústrias de alimentos (14). Ainda no século XVIII, em meados de 1765, é fundado o primeiro restaurante na cidade de Paris por Marthutrin Roze de Chantoiseau, filho de mercador e rico proprietário de terras que se mudou para Paris no início da década dos anos 1760. Também na mesma década, um padeiro chamado Champ d´Oiseaux abre um boutique próximo do Louvre, na Rue Dês Poulies, e ali começa a vender seus “caldos restauradores”, os restaurants, feitos de carne, galinha, legumes, ervas e outros ingredientes que serviam para recuperar as forças de quem os consumisse (15). 2.2 O Nascimento do Fast Food O termo “Fast Food” foi reconhecido pela primeira vez em 1951, pelo dicionário Merriam-Webster, fundado em 1828. O termo é utilizado para alimentos que são preparados e servidos mais rapidamente que uma refeição tradicional. Geralmente a produção é altamente 4 padronizada, mecanizada e de rápido preparo, se assemelhando muito com o sistema de produção das linhas de montagem, onde tudo é pensado para melhorar a produtividade (16). Este sistema de comida rápida surgiu em 1916 através da iniciativa da empresa White Castle, tendo como fundador, e cozinheiro, J. Walter Anderson, que vendia a preço reduzido hambúrgueres com batata frita e refrigerante de cola. Já na década de 30, através do drive-in, o sistema de comida rápida ganhou mais destaque, sendo o estopim para que em 1948 fosse criado o primeiro restaurante da rede McDonald, fundado pelos irmãos Maurice e Richard McDonald (17). De acordo com dados coletados pela Associação Brasileira de Indústrias e Alimentação – ABIA, os restaurantes e lanchonetes do segmento fast-food, no Brasil, faturaram cerca de R$9 bilhões em 2008. A criação do primeiro restaurante do gênero no país aconteceu em 1951, no estado do Rio de Janeiro, pelo americano Robert Falkerburg, fundador da Falkenburg Sorvetes Ltda., com seus sorvetes de sabor baunilha feitos a partir de uma receita americana (18). Em 1952, no estado do Rio de Janeiro, na Rua Domingos Ferreira, bairro Copacabana, Robert Falkenburg, ou Bob como o apelidavam, abre sua primeira loja de fast food brasileira, o Bob´s, que introduziu o conceito de fast-food que até então não existia no país, trazendo receitas como o hambúrguer, o milshake, o sundae e o hot-dog. Em 1984 a rede Bob´s iniciou o sistema de franquias com a abertura de duas lojas na cidade de Vitória (ES). Atualmente possuindo mais de 1.100 pontos de venda em todas as capitais brasileiras (19). 2.3 A Chegada do e-commerce e dos Aplicativos de Entrega de Alimentos O e-commerce, ou comércio eletrônico é um tipo de comércio virtual que possibilita transações comerciais eletrônicas, como a venda de produtos e serviços, publicidade, compras de alimentos, bebidas, móveis entre outros produtos através da internet ou outrosmeios de comunicação. Teve seu início em 1995 nos Estados Unidos e somente cinco anos depois veio a se desenvolver no Brasil (20) Completando 21 anos da sua chegada ao Brasil, o e-commerce tem seu faturamento crescendo cada vez mais a cada ano. Entre o período de 2001 a 2007 obteve um crescimento de mais de 1.000%. Em 2013 faturou uma média de 963 bilhões de dólares, sendo um dos aliados deste crescimento a melhoria do sistema de banda larga e a evolução da tecnologia da comunicação (21). 5 Gráfico 1 - Faturamento anual do e-commerce no Brasil em Bilhões (R$) entre os anos de 2001 a 2013. Fonte: Muller, 2013. Um dado interessante é que uma das primeiras lojas virtuais no Brasil foi uma loja de livros chamada Booknet, que iniciou atividade em maio de 1995 e foi fundada pelo empresário Jack London. Em 1999, foi comprada e renomeada para Submarino, que posteriormente, em dezembro de 2006, fez fusão com a Americanas.com, nascendo assim o grupo B2W. No mesmo ano surgiram sites de e-commerce como Mercado Livre e Americanas.com, sendo atualmente os dois maiores do gênero na América Latina (22). A grande vantagem da loja virtual para o consumidor é a possibilidade de poder contar com todos os produtos que a loja física, mas com o diferencial de ter a comodidade de não ter que sair de casa, e ainda pagar um preço mais baixo por cortar gastos com vendedores e todos os demais gastos que uma loja física tem. Este foi um grande diferencial para que as pessoas procurassem ainda mais este tipo de serviço durante a pandemia do novo coronavírus no ano de 2020 até o momento atual (23). Com a popularização dos smartphones em conjunto ao crescimento dos serviços de internet móvel, foi possível a popularização do consumo de alimentos por aplicativos de entregas. Dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – ABRASEL demonstraram que há um crescimento de um bilhão de reais anualmente, fechando 2017 com 0 5 10 15 20 25 30 faturamento do e-commerce em bilhões entre os anos de 2001 a 2015 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 6 mais de R$ 10 bilhões de faturamento. O IFood, aplicativo brasileiro de entrega de alimentos, superou o McDonalds em downloads no país e declara ter 5,1 milhões de novos usuários (25). Os aplicativos, também conhecidos como “apps”, são pequenos softwares disponíveis para tablets e smartphones, que podem ser baixados por redes móveis de celular, WI-FI ou Bluetooth nas lojas de aplicativos dos aparelhos. E de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, em 2012, havia 252 milhões de celulares para 192 milhões de brasileiros. Sendo 34% smartphones, que representam 15% do total de aparelhos brasileiros (25). Existe uma gigantesca variedade de aplicativos disponíveis hoje em dia, porém daremos foco aos aplicativos de entrega de alimentos, que são plataformas que conectam empresas e consumidores, fazendo entrega de encomendas ou refeições. No ano de 2018 já existiam mais de 90 aplicativos, movimentando cerca de R$11 bilhões de reais. Sendo o IFood o líder de mercado na América Latina, com mais de 120 mil entregadores e 66 mil restaurantes cadastrados (26) (figura 1). Figura 1 - Distribuição do Ifood no Brasil em 2020. Os pontos em vermelho indicam onde a plataforma está em operação. É possível observar que há maior intensidade da atividade da plataforma na região Sudeste, Sul e Nordeste. Fonte: Mello, 2020. 7 Estes aplicativos de entrega de alimentos utilizaram da tecnologia de e-commerce para criar uma nova forma de vender produtos. O marketplace, apesar de não ser um conceito novo, é muito confundido com e-commerce. Sendo o e-commerce uma loja virtual onde uma empresa pode vender seus próprios produtos, enquanto o marketplace é uma plataforma virtual gerenciada por uma empresa ou grupo em que várias empresas podem se cadastrar e vender seus produtos (27). Outro marketplace de entrega de alimentos que contou com um grande crescimento desde sua criação no final do ano de 2016, foi a Uber Eats. Em 2019 a Uber Eats já se encontrava distribuída em mais de 38 cidades do Brasil. Estes aplicativos permitiram restaurantes que não trabalhavam com entregas que pudessem então praticar a entrega de forma facilitada, fazendo com que os produtos chegassem a mais consumidores, a Uber Eats obteve grande crescimentos nas regiões mais desenvolvidas do país como a região Sul e Sudeste (28) (figura 2). Figura 2 - Distribuição do Uber Eats no brasil em 2020. Os pontos verdes indicam onde a plataforma está em operação. É possível observar que há maior concentração de locais atendidos na região Sudeste e Sul. Fonte: Mello, 2020. 8 E ainda em 2020 temos o crescimento de outro grande aplicativo marketplace, a Rappi, que se encontra em sua maior concentração de atividade na região Sudeste com pelo menos 85 cidades atendidas. O estado de São Paulo, como demonstrado na figura 3, conta com mais da metade da região atendida pela empresa, isto é, em 47 cidades (29) (figura 3). Figura 3 - Distribuição da Rappi no Brasil em 2020. Os pontos em laranja representam os locais onde a plataforma está em operação. É possível observar que nas regiões Sul e Sudeste há maior concentração de locais atendidos pela plataforma. Fonte: Mello, 2020. É evidente o crescimento dos marketplace de entregas de alimentos, no ano de 2020 o setor obteve um crescimento de 41% com relação a 2019. Sendo parte deste crescimento responsabilidade dos novos consumidores, que corresponderam a treze milhões dos oitenta milhões que já eram registrados (30). No mesmo ano, os gastos com os aplicativos de entrega de alimentos cresceram 103% apenas no primeiro semestre (31). 2.4 Dark Kitchen: A Cozinha Fantasma 9 O crescimento dos aplicativos de entrega em 2020 beneficiou diretamente o mercado de entrega de alimentos a domicilio, impulsionando as cozinhas do tipo dark kitchen, ghost kitchen ou cozinhas fantasmas. Estas cozinhas são estruturas para atender exclusivamente pedidos delivery, que não possuem salão com mesas, autoatendimento, garçons, e em muitos casos funcionando no interior de residências (32). Um dado interessante sobre estes marketplace é que uma mesma cozinha pode cadastrar várias marcas operando no mesmo local. Estas marcas são chamadas de Cloud Kitchen. O empresário Raphael Bonzanini, de São Paulo, inaugurou em 2020 seis marcas próprias, todas da empresa Cloud Foods através de aplicativos marketplace. Dados da ABRASEL indicam que no ano de 2019 houve um crescimento de 20% em relação a 2018 no setor de entregas por aplicativos. Isto fez com que os restaurantes também aderissem ao sistema, fazendo com que 9% deles iniciassem uma operação de dark kitchen entre julho e agosto de 2020 (33). A ABRASEL também indica que entre os anos de 2017 a 2019 o aplicativo Uber Eats cadastrou 4 mil novos restaurantes parceiros, sendo muitos destes restaurantes do tipo dark kitchen operando dentro de cozinhas residenciais (34). O Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC – SEHAL, alerta que essa nova tendência deveria ter a mesma regulação que restaurantes comuns, possuindo além do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ o devido licenciamento sanitário dentro das normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (35). Para cadastrar uma cozinha em um aplicativo marketplace de entregas de alimentos como o IFood, Uber Eats ou Rappi é necessário apenas um computador com conexão com a internet para o gestor de pedidos, inscrição estadual e CNPJ ativo, podendo este último ser obtido através do programa Microempreendedor Individual – MEI (36, 37). Este programa do governo federal busca formalizar trabalhadores informais que tem um faturamento anual de até R$81 mil reais, fazendo com quepessoas físicas possam atuar como pessoa jurídica, mas pagando menos impostos do que uma empresa normal. O programa também isenta o microempreendedor da necessidade de inscrição estadual em alguns estados, aumentando a facilidade para o cadastro nos aplicativos e atraindo mais pessoas a empreender no setor de entrega de alimentos (38). Outro grande atrativo nestes aplicativos é a possibilidade de fazer a entrega dos pedidos através de entregadores parceiros cadastrados nas próprias plataformas marketplace (39). A taxa destes aplicativos para fornecer a entrega do pedido de forma terceirizada é de 10 27% a 30% do valor do pedido feito pelo cliente, de acordo com os termos do contrato de adesão de novos parceiros dos aplicativos IFood, Uber Eats e Rappi. A possibilidade de entregar pedidos a qualquer hora do dia sem precisar contratar entregadores é um grande diferencial nestes aplicativos, atraindo mais pessoas a investir no setor (40, 41, 42). De acordo com dados divulgados pela empresa de pagamentos REDE, até o mês de maio de 2020 foi registrado 59% do crescimento do delivery de comida (43). Porém o crescimento acelerado deste setor gera preocupação em relação à segurança alimentar dos itens manipulados por estas dark kitchen, pois grande parte dos microempreendedores do setor não possui treinamento ou conhecimentos das boas práticas de fabricação durante a manipulação dos alimentos que são fornecidos (3). Outro ponto preocupante é que ao analisar os contratos de alguns destes aplicativos de entregas, não havia cláusula em que houvesse a necessidade da comprovação do alvará sanitário, embora em um dos contratos houvesse uma cláusula falando sobre boas práticas de alimentação, nenhum deles apresentou necessidade de comprovação de alvará ou inspeção para cadastro na plataforma, possibilitando a abertura de uma cozinha delivery de forma clandestina, isto é, funcionando sem o alvará de autorização sanitária, gerando risco à saúde da população ao atuarem como veiculadores de patógenos e toxinas alimentares (36, 44). 2.5 A Importância da Vigilância Sanitária em Serviços de Alimentação Na Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, em seu primeiro capítulo são atribuídos os objetivos do Sistema Único de Saúde – SUS. O inciso I do Artigo 6º, determina que a vigilância sanitária seja parte do Sistema Único de Saúde, e expressa no inciso VIII o seu papel na fiscalização e na inspeção de alimentos, água e bebidas para o consumo humano. Já o primeiro parágrafo do capítulo I define a vigilância sanitária como um conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços da saúde (45). No Brasil, a ANVISA, criada pela Lei nº 9.782/99, é a responsável por criar regulamentos e normas para os locais de produção, transporte, comercialização de alimentos, medicamentos e quaisquer produtos de interesse para a saúde, do meio ambiente e do ambiente de processos do trabalho/saúde do trabalhador. Assim como também atua na pós- comercialização, nos locais públicos e projetos de arquitetura (46). Então para que um restaurante ou cozinha sejam habilitados a funcionar é preciso que sejam inspecionados e 11 assim é verificado se este atende aos requisitos de higiene e segurança estabelecidos de acordo com as normas, se aprovado, é emitido um alvará da vigilância sanitária, documento essencial na abertura destas empresas (47). O alvará sanitário é um documento emitido pela Vigilância Sanitária do município depois de vistoriar e analisar as condições sanitárias do estabelecimento. É o alvará sanitário que atesta que o estabelecimento está de acordo com as normas de funcionamento previstas no código sanitário. A cidade de Manaus teve seu código sanitário formado pela Lei 392/97 de 27/06/1997, publicada no Diário Oficial do Estado n. 28.712 de 02/07/1997 e o Decreto 3.910 de 27/08/1997 publicado na edição n. 28.754 de 29/08/1997 (48, 49). O fiscal sanitário Mário Moretti, do município de Apiúna, localizado no estado de Santa Catarina – SC destaca que o documento deve sempre estar fixado em local visível ao público, pois é este documento que irá indicar que o estabelecimento está apto a promover atividades de comércio de alimentos, sendo necessário ser renovado anualmente, junto a Vigilância Sanitária Municipal ou Regional. Uma produção de alimentos de qualidade deve prezar, antes de tudo, pela segurança e saúde dos consumidores. E na ausência deste documento, o consumidor poderá denunciar na Vigilância Sanitária Municipal (50). A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004, determina para que os restaurantes, lanchonetes ou cozinhas delivery possam emitir o alvará sanitário as instalações físicas devem possuir pisos resistentes, antiderrapantes e laváveis; paredes e forros em material liso, lavável e com cores claras; portas fabricadas em material lavável; sanitários fora da área de produção; caixa de esgoto e gordura localizadas fora da área de produção; ventilação natural ou artificial, que não incida diretamente nos alimentos; não deve possuir animais nas áreas de produção. A resolução também exige que as cozinhas dos estabelecimentos possuam sistema de exaustão para os fogões, fornos e fritadeiras, mantendo- os sempre bem limpos e em bom estado de conservação. Os utensílios utilizados para fabricação dos alimentos devem ser de material de fácil higienização e produzidos com material que impeça a contaminação por microorganismos ou agentes químicos (47). Isto é, são normas criadas para evitar a contaminação dos alimentos durante seu transporte, armazenamento, manipulação, e distribuição. Estas normas são parte do roteiro de inspeção sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, sendo imprescindíveis para determinar a qualidade e segurança do produto oferecido ao consumidor. As cozinhas que atuam sem antes terem passado por um roteiro de inspeção sanitária conferem risco a saúde pública. A cozinha fantasma, por atuarem em muitos dos casos no interior de residências são um exemplo perfeito de cozinha clandestina, pois de acordo com o 12 Código Sanitário da o Município de Manaus e o roteiro de inspeção sanitária da Resolução da Diretoria Colegiada RDC 275, de 21 de outubro de 2002, anexo III, os acessos às áreas de manipulação de alimentos devem ser diretos e não comuns a outros usos (habitação) (51). 2.6 Riscos Associados ao Consumo de Alimentos Oriundos de Cozinhas Clandestinas Dados epidemiológicos indicam que as bactérias mais comuns causadoras de DTAs são Escherichia coli, Salmonella spp, Shigella spp, Staphylococcus aureus, Clostridium perfringens e Bacillus cereus. Sendo os vírus mais comuns o Rotavírus e o Norovírus. E a Entamoeba histolytica, Ancilostomídeos e Giardia lamblia representam as parasitoses mais frequentes (52, 53). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que, todos os anos, mais de dois milhões de pessoas vêm a óbito em decorrência de DTA. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), todo o ano, cerca de um a cada seis americanos fica doente, 128 mil são hospitalizados e 3.000 mil morrem por motivo das DTA (54). Os surtos de DTA são causados quando há um episódio em que duas ou mais pessoas apresentam os sinais e sintomas após ingerir alimentos ou água contaminada de mesma origem. Dentre os causadores de metade destes surtos estão os restaurantes, lanchonetes, padarias e estabelecimentos alimentícios similares (55). A capacitação dos manipuladores de alimentos encarregados pelo armazenamento, processamento e distribuição dos alimentos é fundamental para dar segurança no produto que chega ao consumidor. Nos casos de cozinhas caseiras, onde o manipulador muitasvezes é alguém que desconhece das boas práticas de fabricação, produzindo os alimentos na própria moradia, em muitos casos compartilhando com o ambiente domiciliar, aumenta a possibilidade do alimento ser contaminado em qualquer momento da produção (56, 57). 2.7 Fatores Físico-Químicos que Condicionam a Multiplicação de Microrganismos em Alimentos A higiene dos manipuladores, a qualidade do ambiente e da matéria prima contribui intimamente para a qualidade microbiológica do alimento. A qualidade microbiológica do alimento está representada em quais tipos e quantidades de microrganismos estão inicialmente presentes no alimento (58). O tipo de alimento e as condições ambientais são os principais reguladores da multiplicação de microrganismos. Os condicionantes para o crescimento de 13 microrganismos podem ser intrínsecos, como PH e atividade de água, ou extrínsecos, como a umidade relativa, a presença de gases e temperatura (59) 2.7.1 Atividade da Água A água está presente na grande maioria dos alimentos, deixando de ser parte apenas de alimentos liofilizados. A água total dos alimentos é a soma entre a água livre e a água ligada quimicamente ao alimento (60). O crescimento e o metabolismo dos microrganismos necessitam de água em forma livre. O índice de atividade de água (Aw), representado pela fórmula Aw = P/P0, indica o quanto de água livre há no alimento, portanto, o (Aw) é definido como a relação que existe entre a pressão do vapor de água de um alimento, (P) a pressão de evaporação da água pura e (P0) na mesma temperatura (61) (tabela 1). Tabela 1 - Valores de Aw para crescimento e produção de toxinas alimentares por microrganismos Fonte: Garcia, 2004. Na figura acima é apresentado os valores mínimos de Aw para que ocorra crescimento e produção de toxinas e patógenos de importância alimentar. As bactérias são bem mais exigentes que os fungos em relação à Aw do que à disponibilidade de água livre no alimento. Os alimentos que têm baixa atividade de água, onde (Aw) tem valores menores do que 0.60 são estáveis microbiologicamente (62). Com isso, é possível concluir que a água e a umidade do ambiente influenciam diretamente na qualidade e quantidade dos microrganismos presentes no alimento, sendo possível controlar os índices de umidade para que se possa obter uma melhor qualidade e 14 durabilidade do alimento durante o armazenamento. Isto faz da água um importante índice de perecibilidade dos alimentos (63). 2.7.2 Temperatura A temperatura influencia diretamente na velocidade do metabolismo dos microrganismos, fazendo com que haja uma aceleração ou retardamento de reações químicas metabólicas, sendo que cada espécie de microrganismo tem seu limite de temperatura mínimo e máximo para que ocorra o seu desenvolvimento. Quando a temperatura é inferior ao seu valor ideal o metabolismo microbiano é interrompido, todavia a maior parte das espécies ainda permanece viva (64). Quando a temperatura está acima do ideal há desnaturação das proteínas estruturais e a morte do microrganismo como consequência da desnaturação de suas proteínas. (65) A maior parte das bactérias e leveduras é mesófila, tendo seu crescimento ideal em uma faixa de temperatura entre 15ºC e 30ºC. O crescimento de grande parte das bactérias mesófilas é inibido pela refrigeração, todavia espécies psicrófilas do gênero Sporotricum, Thamnidium e Cladosporium são frequentes em câmaras de refrigeração, podendo manter seu crescimento em temperaturas entre -10ºC a 15ºC (66). Outros fungos como o Rhizomucor pusillus são capazes de crescer em temperaturas entre 50ºC e 60ºC, podendo crescer em grão de mostarda, cereais e cacau. Já o Aspergillus flavus e o Aspergilus fumigatus, podem ser encontrados na flora de túneis de secagem de massas alimentares. Sendo sua temperatura ótima para germinação mais elevada do que sua temperatura ótima de crescimento (67). O controle de temperatura de armazenamento do alimento é imprescindível para o controle microbiano, pois este é um dos mais importantes condicionantes de crescimento de microrganismos. Alimentos condicionados a temperaturas de armazenamento fora das normas podem ter sua qualidade microbiana alterada e com isso causar doenças e intoxicações alimentares (63, 68). 2.7.3 Relação da Umidade com a Atividade de Água A umidade relativa (UR) tem uma relação direta com a atividade de água em um alimento, principalmente em condições onde há precariedade no armazenamento. Os alimentos que são conservados em ambientes onde sua umidade relativa (UR) está acima de 15 sua atividade de água (Aw), tendem a absorver a umidade, aumentando assim sua atividade de água e vice-versa (69). A umidade relativa alta contribui para um crescimento microbiano acelerado, mesmo em baixas temperaturas quando os alimentos são refrigerados em refrigeradores onde são mantidos em estado descongelado. É também um fator influenciador no crescimento microbiano em alimentos secos, pois há absorção de umidade pelo alimento em sua superfície, permitindo assim o crescimento de microrganismos e diminuindo a qualidade microbiana do alimento. A fórmula para cálculo de umidade relativa é UR = Aw x 100, onde (UR) representa a umidade relativa e (Aw) o valor da atividade de água. (70). 2.7.4 Potencial Redox O potencial redox em um determinado ambiente é medido em milivolts, podendo este ser afetado por vários fatores. A exposição ao oxigênio é o fator que tem maior contribuição para que haja um aumento do potencial redox no alimento. Os microrganismos presentes no alimento variam no grau de sensibilidade ao potencial redox do meio, se dividindo nos seguintes grupos (71). Anaeróbios: microrganismos deste tipo exigem que haja ausência de oxigênio para o seu crescimento, pois o oxigênio chega a ser tóxico para a célula microbiana ao ser responsável pela geração de peróxidos letais. Os gêneros anaeróbios mais comuns em alimentos são Clostridium e Desulfotomaculum (72). Aeróbios: microrganismos deste tipo necessitam de oxigênio para que ocorra sua multiplicação. Os organismos aeróbios compreendem a maior parte dos microrganismos causadores de doenças alimentares. São representados principalmente pelas bactérias Acinetobacter, Micrococcus, Pseudomonas e Moraxella. Também existem espécies de bolores, Bacillus e leveduras (73). Facultativos: microrganismos facultativos multiplicam-se tanto na presença de oxigênio como na ausência dele. São principalmente representados pelas leveduras fermentativas, enterobactérias e Bacillus (74). Microaerófilas: estes microrganimos têm seu crescimento ideal em condições de baixa quantidade de oxigênio, porém não em sua ausência. As bactérias lácticas são as que mais representam este grupo nos alimentos (75). 2.7.5 Potencial de Hidrogênio (pH) 16 O pH mede a concentração de íons H+ presentes em um determinado alimento ou solução. Ele é representado matematicamente pela equação: pH = log 1/[H+] (76). De acordo com a equação é possível observar o nível de íons H+ no alimento, quanto mais elevada é a concentração destes íons, mais ácida é a solução ou alimento. Quando estes íons se apresentam diminuídos indicam que a solução ou alimento é mais alcalina (caráter básico) (77). Para os microrganismos este é um fator fundamental para o seu crescimento, pois a faixa de pH muda para cada espécie de microrganismo presente no alimento. O pH = 4,5 tem grande importância na microbiologia alimentar, pois quando abaixo deste valor já não há o desenvolvimento da bactéria causadora do botulismo Clostridium botulinum e de outras bactérias causadoras de doenças alimentares (72). Em alimentos onde o pH se encontra maior que 4,5 há condições para o desenvolvimento da maior parte das bactérias, muitas delas causadoras de doenças alimentares, assim como ocrescimento de alguns bolores e leveduras. Já em alimentos muito ácidos a qualidade dos microrganismos é bem mais restrita, sendo ideais para o crescimento de bolores, leveduras e em alguns casos bactérias lácticas e acéticas. O controle do pH geralmente é feito pela indústria de alimentos ao se utilizar acidulantes como o ácido cítrico, acético e láctico para diminuir o risco de deterioração ou atenuar tratamentos térmicos onde pode haver oxidação como nas conservas e enlatados. (78) De acordo com Leistner (2002), as interações entre os fatores extrínsecos e intrínsecos afetam diretamente a capacidade de sobrevivência e multiplicação dos microrganismos em alimentos. O controle destes fatores melhora a estabilidade e, consequentemente, a qualidade do alimento, tornando-o seguro para o consumo humano (79). 2.8 Principais Microrganismos Envolvidos em Intoxicações e Doenças Alimentares A contaminação do alimento pode-se dar pela infecção, toxinfecção alimentar e intoxicação. Em todos os três tipos de contaminação existem uma série de fatores que podem facilitar a ocorrência destes casos, podendo acontecer pela precariedade no saneamento básico, falta de fiscalização dos alimentos e pela falta de cuidado do manipulador tanto no processo de produção quanto durante o manuseio do alimento (80). A grande maioria dos casos de doenças alimentares é causada por bactérias, todavia também podem ocorrer infecções por fungos e parasitas, sendo as principais bactérias o 17 Staphylococcus aureus, o Clostridium perfringens e a Salmonella spp, que causam em grande parte dos casos sintomas como vômitos, diarréia, dores abdominais e complicações mais graves que podem até levar o indivíduo a óbito (81). 2.8.1 Clostridium perfringens O Clostridium perfringens é uma bactéria gram-positiva, com capacidade de esporulação, que cresce em meio anaeróbio e podem ser facilmente encontradas nos esgotos, dejetos, solo e intestino de animais e humanos, sendo parte da microbiota natural do intestino, todavia, em certos casos podendo se tornar patogênico (82). Em sua forma patogênica ela pode se apresentar como enterite necrosante, toxinfecção alimentar e gangrena gasosa, porém esta última está associada a não desinfecção de lesões graves e as outras duas primeiras são relacionadas ao consumo de alimentos contaminados, se enquadrando como uma doença veiculada por alimentos. Esta bactéria cresce rapidamente em meios ricos em carboidratos através da fermentação, produzindo grandes quantidades de hidrogênio e dióxido de carbono, que ajudam a manter um ambiente anaeróbio ideal para estas bactérias. Podem crescer em pH entre 5.5 e 9,0 e apresentam um melhor crescimento em ambientes com pH entre 6.0 e 7.0, sendo que para formar esporos o pH ideal deve estar entre 6.0 e 8.0. São facilmente inativadas por pasteurização e importantes indicadores da qualidade microbiológica do alimento, pois casos de doenças alimentares causadas por esta bactéria estão associados à carência de boas práticas de fabricação e saneamento básico. (83) 2.8.2 Staphylococcus aureus Provavelmente esta é a mais comum bactéria encontrada em alimentos, pois faz parte da microbiota comum da pele e mucosas dos seres humanos, porém em alimentos podem produzir toxinas termoestáveis que repercutem no desenvolvimento da intoxicação estafilocócica. O Staphylococcus aureus é caracterizado como um coco Gram-positivo e tem ampla distribuição em todo o Brasil, sendo responsável por 95% dos surtos de doenças transmitidas por alimentos no país e se apresentando como a terceira mais prevalente bactéria, apresentando 5,7% do percentual de casos (84). A contaminação por S. aureus pode ocorrer por meio do consumo de diferentes alimentos, como carnes, molhos, presuntos, salames, laticínios, entre outros. Geralmente a contaminação por esta bactéria vem associada a não utilização dos equipamentos de proteção 18 individual, tais como toucas, luvas e máscara durante o preparo dos alimentos, podendo ser encontrada, sobretudo nas mãos de manipuladores de alimentos enquanto desenvolvem suas funções de trabalho, indicando a falta de uma higienização adequada (85). Além disso, estas bactérias podem apresentar resistência a diversos antibióticos, crescem em uma faixa de temperatura entre 7ºC a 46ºC, pH de 4 a 9,8 e atividade de água entre 0,83 e 0,91 (86). Pelo menos 30% a 50% das cepas de S. aureus são capazes de produzir enterotoxinas estafilocócias que causam graves casos de intoxicação alimentar, podendo resistir aos processos de pasteurização e aos processos de hidrólise das proteínas intestinais e gástricas (87). A presença desta bactéria nos alimentos não necessariamente indica que há presença de suas enterotoxinas, já que para o desenvolvimento destas toxinas devem existir condições ideais, e por mais que ocorra a produção da enterotoxina no alimento deve também existir condições propícias inerentes ao individuo para o desenvolvimento da patologia, tais como estado nutricional e imunológico (88). O período de incubação e início dos sintomas pode variar entre 1 hora a 8 horas, dependendo diretamente da condição do indivíduo e da quantidade de toxina presente no alimento consumido, apresentando início violento, com sintomas como vômito, cólicas, alterações de pressão arterial, cefaléia, diarréia, entre outros. (89). 2.8.3 Clostridium botulinum É caracterizado como um bacilo gram positivo, anaeróbio, capaz de produzir esporos e encontrado com frequência no solo, em frutas, verduras, legumes, nas fezes humanas e sedimentos aquáticos. É também parte normal da microbiota do trato intestinal de bovinos, eqüinos e aves, onde se multiplica e é excretado pelos animais em grandes quantidades nas fezes (90). Seus esporos podem tolerar temperaturas de 100ºC, apenas é possível destruí-los se os alimentos contaminados forem aquecidos a 120ºC por 30min. São as formas mais resistentes do agente bacteriano que fora encontrado até o momento, tendo a capacidade de sobreviver por mais de 30 anos em meio seco e líquido. A germinação dos esporos de C. botulinum em alimentos é condicionado por um ambiente anaeróbio, com uma elevada atividade de água e pH superior a 4,5 (91) Esta bactéria é descrita em 7 tipos, de A à G, se distinguindo pelas características antigênicas da neurotoxina que são capazes de produzir, todavia apenas as toxinas de A à F 19 causam doenças em humanos, sendo a do tipo G apenas associada com alguns casos de morte súbita e à C e D exclusiva de animais (92). O C. botulinum é conhecido por causar o botulismo alimentar, que ocorre quando alimentos que contêm a toxina botulínica são ingeridos. Sendo também o principal agente etiológico do botulismo infantil, ocasionado pela ingestão dos esporos bacterianos nos alimentos. Quando os esporos chegam ao intestino imaturo infantil, em um ambiente com pouca competição microbiológica, pH elevado e falta de ácido biliar, o intestino se torna colonizado, fazendo com que a toxina botulínica seja absorvida pelas mucosas intestinais, acometendo principalmente nervos periféricos, ligando-se na membrana nervosa atuando como bloqueador da liberação de acetilcolina, ocasionando a paralisia dos músculos respiratórios, lesões histológicas, paralisia e morte (93). De acordo com os dados coletados, as conservas caseiras são consideradas o maior risco para o ser humano, pois os procedimentos ‘artesanais’ inadequados no momento da manipulação e preparação pode proporcionar um ambiente ideal para a propagação desta bactéria (93, 94). No ano de 1987, na cidade de Minas Gerais – MG, um surto de botulismo do tipo A envolveu sete pessoas de uma mesma família assim que ingeriram carne suína em conserva enlatada feita em casa. Esta foi considerada a segunda epidemia de botulismo no Brasil (95). A primeira epidemia aconteceuno ano de 1958, no estado do Rio Grande do Sul, onde foram relatados 9 casos onde os indivíduos vieram a óbito após ingerir conserva caseira de peixe (96). Também foi descrito um surto de botulismo alimentar no estado do Rio de Janeiro, no ano de 1982, em que uma pessoa veio a óbito e outra sobreviveu após consumirem patê de galinha, fora revelado que o alimento era mantido em condições precárias de refrigeração (97). 2.8.4 Salmonella spp. A Salmonella spp. é uma bactéria gram negativa, anaeróbia facultativa pertencente à família das enterobacteriaceae que causa doenças alimentares, sendo um dos principais agentes evolvidos em surtos nos principais países da América Latina e caribe. As salmonelas são capazes de crescer em uma faixa de temperatura entre 7ºC a 48ºC, porém apresentam faixa ideal de temperatura entre 35ºC e 37ºC. O pH ideal para crescimento é entre 4,5 e 9,3, apresentando taxa de crescimento máxima em pH entre 6,5 e 7,5. A atividade de água ideal para o crescimento de salmonelas é 0,93, embora o seu crescimento possa ser inibido em meio 20 que possua concentração de 3% a 4% de NaCl (cloreto de sódio), todavia são extremamente resistentes a ambientes secos (98). A salmonelose, afecção causada pela Salmonella spp, é um quadro de infecção gastrointestinal, tendo como sintomatologia cefaléia, diarréia, vômito, febre, com raros casos que levam ao óbito. Os primeiros sintomas começam a aparecer de 12 a 36 horas após o consumo do alimento contaminado, podendo durar até 72 horas. Porém este é o caso mais comum de salmonelose, podendo ter resolução em dois a três dias, raramente precisando de antibioticoterapia. Os sorotipos S. typhi e S. paratyphi são causadoras das formas mais severas da doença, a febre tifóide e a febre entérica, respectivamente. Em ambos os casos é necessário o tratamento com antibióticos. Anteriormente a descoberta dos antibióticos, a taxa de mortalidade era de 10% a 15%, caindo para apenas 1% depois do advento do antibiótico (99). O primeiro surto da doença ocorreu em 1888, na Alemanha, onde Gurtner notificou os casos de 59 pessoas que adoeceram e o óbito de um jovem, posteriormente se verificou que o mesmo teria ingerido oitocentos gramas de carne crua (100). A salmonelose é transmitida através de via fecal-oral que pode ocorrer através de alimentos e água contaminados. A maior incidência da doença ocorre em populações de grande densidade demográfica e com pouco saneamento básico. (101). Um dos estudos analisados apresentou que em carcaças de frango adquiridas do comércio da cidade de João Pessoa – PB, ao analisarem sessenta cortes de frango, que estavam armazenadas em embalagens de isopor sob refrigeração, foi constatada a contaminação por Salmonella spp. em 71% dos casos. Este mesmo estudo foi feito em carcaças de frango de abatedouros no Estado de São Paulo, sendo das 68 amostras analisadas 13 positivas para Salmonella enteridis (102). A possibilidade da contaminação por Salmonella spp. não está apenas relacionada a carne de frango, a relação dos alimentos que são preparados a base de ovos são os mais envolvidos em casos de salmonelose. É muito comum o consumo de ovos semicrus e maionese caseira em estabelecimentos alimentícios, onde se usam ovos crus para o preparo da maionese, sendo que para a destruição da bactéria é necessário temperaturas de 60ºC a 75º, o total cozimento do alimento é uma das formas mais eficientes no controle destas bactérias (103). Em campinas – SP, foi observado em uma das pesquisas analisadas, que 12,8% dos ovos coletados para amostra apresentaram positivo para Salmonella spp. na gema ou casca. Entretanto a presença do microrganismo no alimento não necessariamente indica que se o alimento for ingerido haverá repercussão em uma salmonelose, no entanto, as chances de 21 ocorrer uma doença alimentar aumenta caso o alimento não seja manipulado da maneira correta (104). Em outro estudo, dos surtos investigados, ao menos 72,8% possuíam matéria prima sem inspeção sanitária (20,2%) ou manipulação incorreta (34,7%) dos alimentos como principais fatores determinantes em surtos de doenças alimentares no Rio Grande do Sul (105). Outros alimentos envolvidos em surtos de salmonelose com menor freqüência é a lasanha em 2,8% dos casos, a carne bovina em 2,5% e o bacon em 1,2%. Um importante dado é quanto ao local de preparo dos alimentos envolvidos nas pesquisas, a maioria, isto é, 55,4% dos alimentos foram produzidos em residências, seguido pelo salão comunitário 12,2% e pelo comércio 28,3%. A matéria prima sem inspeção e manipulação incorreta foi registrada em 28,4% dos casos, sendo 1,4% na água não tratada e em 4% manipuladores já estavam infectados (106). 2.9 O Importante Papel das Boas Práticas na Manipulação de Alimentos para o Controle dos Surtos de Doenças Alimentares Globalmente, as DTAs têm uma incidência difícil de ser estimada, porém entre 2007 e 2021 foi relatado um total de 25.339 casos somente no estado de São Paulo (tabela 2) (107). Os registros epidemiológicos indicam que os serviços de alimentação são os principais contribuintes para o alto índice destas doenças. É estimado que os estabelecimentos alimentícios sejam responsáveis por 50% da ocorrência dos surtos, tendo como contribuintes a precariedade na manipulação de alimentos, o ambiente, equipamentos, utensílios, ausência da fiscalização e higiene (108) (tabela 2). Tabela 2 - Série histórica de surtos de doenças transmitidas por alimentos e número de casos envolvidos nos surtos no Município de São Paulo entre 2007 a 2021. Ano de notificação Notificação de Surtos % Número de Casos % 2007 179 6,6 1754 6,9 2008 204 7,7 1498 5,9 2009 316 12,0 2302 9,1 2010 328 12,4 1619 6,4 2011 314 11,9 2919 11,5 2012 412 15,6 3043 12,0 2013 269 10,2 2658 10,5 2014 155 5,9 2042 801 22 2015 125 4,7 1675 6,6 2016 88 3,3 1538 6,1 2017 78 3,0 1304 5,1 2018 58 2,2 1098 4,3 2019 64 2,4 1348 5,3 2020 20 0,8 193 0,8 2021 32 1,2 348 1,4 Total 2636 100,0 25339 100,0 Fonte: Coordenadoria em Vigilância em Saúde de São Paulo – COVISA/SP. A Resolução da Diretoria Colegiada, RDC 216, de 15 de setembro de 2004, define como manipulador de alimentos qualquer indivíduo do serviço de alimentação que atua em contato indireto ou direto com alimentos. Em 2002 foi identificado um surto que tinha como agente etiológico o S. aureus, atingindo 10 estudantes em uma escola na Tailândia, logo após o café da manhã, que se deu através de um manipulador que estava com uma das mãos lesionadas (47, 109). No mesmo ano de 2002, em um estudo feito na Universidade Federal de Santa Maria, em que foi pesquisada a presença de microrganismos patogênicos nas mãos de manipuladores dos restaurantes da universidade, antes e após a orientação quanto à correta higienização das mãos, teve como resultados que os alimentos, antes das orientações, obtiveram 100% das amostras contaminas. Em contrapartida, após o treinamento dos manipuladores, apenas 22,22% das mãos apresentavam alguma contaminação, demonstrando que apenas a correta higienização das mãos já é um importante fator na redução da contaminação dos alimentos (110). O manipulador é tido como principal via de contaminação dos alimentos, desempenhando um papel fundamental na segurança e preservação da higiene dos alimentos em toda a cadeia de produção, desde seu armazenamento, recebimento, processamento e até que o produto seja distribuído (111). Para garantir que haja um controle de qualidade é necessário que diversas decisões sejam tomadas com base em uma avaliação dos processos e operações, que dêem garantia de que o produto irá apresentar um padrão determinado ou ao menos um serviço com nível espera. Existem ferramentas que são utilizadas na análise de determinados problemas, uma destas ferramentas é o Diagrama de Causae Efeito de Ishikawa. O Diagrama de Ishikawa se demonstrou como uma eficaz ferramenta na revelação de causa e efeito, destacando como ponto positivo a sua ampla aplicabilidade nos processos 23 envolvidos no gerenciamento de qualidade. O Diagrama tem como base um brainstorming, que é caracterizado por uma discussão de idéias, onde se expõe pensamentos e idéias de cada membro de um grupo, sem restrições e de forma democrática (112). Na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, é comum encontrar no comércio popular de queijos artesanais, estes queijos são produzidos em muitos dos casos em cidades do interior do estado e nas comunidades ribeirinhas, fazendo para que o produto chegue à cidade seja necessário o transporte por via fluvial e/ou terrestre. O produto em muito dos casos fica exposto à temperatura ambiente durante o transporte até sua comercialização, onde ficará exposto nas feiras e mercados da cidade, onde há precariedade nas condições higiênico-sanitárias. Somente foi encontrado um estudo referente ao consumo de queijo contaminado na cidade de Manaus, o qual identificou o crescimento de Listeiria monocytogenes em amostras de queijo coalho produzido de forma artesanal, sem passar por pasteurização e com poucos critérios de higiene durante os processos de comercialização, manipulação, produção, entre outros. (87, 113). A qualidade microbiológica dos alimentos pode ser alcançada por meio de programas de capacitação de manipuladores de alimentos através de treinamentos específicos. Para que estes programas tenham êxito à percepção do risco no consumo de alimentos contaminados pelo manipulador deve ser imprescindível, pois em parte dos casos os manipuladores conhecem das boas práticas, todavia não colocam em prática pela falta de tempo, de recursos ou mão de obra. Então é possível concluir que as boas práticas na manipulação de alimentos é a principal barreira contra a contaminação de alimentos por microrganismos patógenos, podendo através da conscientização e treinamentos diminuir o número de surtos de doenças transmitidas por alimentos e diminuir os níveis de crescimento microbiológico. Isto é, a higiene é a maior aliada na saúde alimentar, sendo imprescindível a fiscalização sanitária em serviços de alimentação e indústria de alimentos (112,114). 24 3.0 OBJETIVOS 3.1 Objetivo Geral Alertar aos riscos à saúde publica representados pelo fomento de cozinhas fantasmas por plataformas digitais de entrega de alimentos. 3.2 Objetivos Específicos Demonstrar que sem a exigência do alvará sanitário em serviços de alimentação cadastrados nos marketplaces, os aplicativos colocam em risco a saúde da população, permitindo uma maior capilaridade de estabelecimentos clandestinos que não seria possível sem os recursos da plataforma digital, contribuindo para a veiculação das DTAs. 25 4.0 METODOLOGIA 4.1 Tipo de estudo O presente trabalho se trata de um estudo de revisão bibliográfica, de caráter descritivo, onde foram verificados os aspectos condicionantes ao desenvolvimento de microrganismos patógenos em alimentos e sua relação com a manipulação de alimentos pelos manipuladores do setor de serviços de alimentação, com foco nos estabelecimentos de produção caseira, que trabalham por aplicativos de entrega de alimentos, onde há pouca ou nenhuma regulação sanitária na forma da lei. 4.2 Descrição do estudo A pesquisa foi realizada através do levantamento de dados bibliográficos em artigos científicos nas plataformas de busca Scielo, Scifinder, PubMed e Google Scholar, nas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) referentes aos serviços de alimentação, dados do Sistema Único de Saúde – SUS, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, e pelos próprios aplicativos de marketplace através de seus contratos de adesão de novos parceiros, portal de atendimento ao cliente, de seus formulários para cadastro de novos parceiros, artigos em revista, nos jornais de referência e do Código Sanitário do Município de Manaus. Além disso, foram utilizadas também as palavras-chave em português: “doenças transmissíveis por alimentos”, “aplicativos de entrega de alimentos”, “dark kitchen”, e “manipulação de alimentos”. Foi inicialmente feito a leitura dos resumos dos artigos científicos selecionados pelo título, dos contratos dos aplicativos de entregas e levantamento da legislação para serviços de alimentos. Em seguida os artigos e os dados foram listados e utilizados para extrair as informações relevantes ao tema, os quais foram essenciais como bases para a escrita da revisão de literatura (Figura 5). 26 Figura nº 4 - Fluxograma das atividades desenvolvidas Fonte: Elaborado pelo autor, 2021. 4.3 Critérios de exclusão e inclusão Os critérios de seleção se limitaram a artigos que apresentavam assuntos sobre as doenças veiculadas por alimentos, microrganismos presentes nos alimentos, que apresentavam informações sobre a história da alimentação, da distribuição das doenças alimentares, dados sobre a manipulação de alimentos, do crescimento das cozinhas por aplicativo, dos aplicativos marketplace, e documentos legais encontrados ao período de publicação entre 2000 a 2021. Não foram incluídos neste trabalho artigos com datação anterior ao ano 2000 que não tivessem verdadeira relevância para a produção desta pesquisa. 4.4 Análise e interpretação dos resultados Foi realizada uma leitura e análise rigorosa dos artigos e dados selecionados, com a finalidade de organizar as informações contidas de forma que as respostas propostas pelo objeto da pesquisa fossem respondidas. Todos os artigos e dados consultados e utilizados na escrita foram citados e referenciados neste trabalho de acordo com as normas de VANCOUVER-UNIP. Conclusão Desenvolvimento do Trabalho Foram Selecionados 114 Artigos Foram inclúidos os artigos com relevância ao tema desta pesquisa e excluídos os mais antigos sem contribuição para a pesquisa. Leitura e seleção dos artigos e dados coletados Escolha do Tema. 27 5.0 RESULTADOS E DISCUSSÃO As bibliografias analisadas somaram 114 artigos, onde foi possível constatar dados sobre a evolução da alimentação, boas práticas de manipulação em serviços de alimentação, da legislação sanitária para funcionamento de estabelecimentos do serviço de alimentação e da ampla distribuição dos aplicativos de entrega de alimentos. Foi possível através da análise da RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004 e da RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002, revelar que estabelecimentos que compartilham o ambiente laboral com o ambiente habitacional funcionam na inobservância da lei. Também foi possível comprovar a facilidade em se cadastrar nos aplicativos de entrega, podendo operar uma cozinha com ou sem entregadores terceirizados, na própria residência, de forma clandestina, com pouco ou nenhum controle por parte destes aplicativos, fazendo com que muitas conzinhas clandestinas operem por estas plataformas. Isto possibilita que alimentos contaminados por patógenos e toxinas alimentares circulem na população mais facilmente. Os alimentos preparados de forma caseira, como muitas vezes o queijo coalho produzido na cidade de Manaus, onde Ramos (2003) identificou a ocorrência de Listeria monocytogenes nos queijos analisados em sua pesquisa, e as conservas caseiras como descreve Gottlieb (2007), também são comumente responsáveis por surtos de doenças alimentares. Demonstrando que alimentos produzidos por manipuladores que não passaram por uma prévia orientação sobre boas práticas na manipulação de alimentos e estabelecimentos que não passam por uma inspeção sanitária constituem em maior risco para o consumidor. Os aplicativos de entrega têm um importante papel na distribuiçãodestes alimentos, pois durante o período do ano de 2020 ao ano de 2021 obtiveram um crescimento de mais de 103%, sendo o Brasil um dos países onde houve maior número de pessoas aderindo aos aplicativos de entrega de alimentos (gráfico 2), sendo que não apenas captaram mais consumidores, mas também ocorreu uma maior migração de estabelecimentos caseiros clandestinos para as plataformas. Em 2020 o programa de microempreendedor individual (MEI) cresceu em mais de 8.4%, já existindo mais de 7 milhões de brasileiros cadastrados no programa. O setor é responsável por 56,7% do total de negócios em funcionamento no país, sendo assim, os aplicativos de entrega de alimentos obtiveram um crescimento gigantesco no cadastro de novos restaurantes, facilitando ainda mais ao não exigirem confirmação de alvará sanitário, pedindo somente o CNPJ, este podendo ser de MEI, uma conta corrente ou popança ativa e inscrição estadual dependendo do estado onde está atuando. 28 Gráfico 2 - Crescimento do delivery por aplicativos marketplace durante o período de 2020 a 2021 no Brasil, México e Argentina. Fonte: Elaborado pelo autor, 2021. Durante a análise dos artigos sobre manipulação de alimentos, foi possível observar que a higiene das mãos dos manipuladores contribui diretamente na qualidade dos alimentos, fazendo com que o ato de lavar as mãos seja uma das principais barreiras na prevenção de doenças alimentares. Figura 5 - Principais fontes de contaminação dos alimentos por microrganismos patógenos Fonte: Elaborado pelo autor, 2021. A higiene dos manipuladores de alimentos é fundamental para a manutenção da qualidade microbiológica dos alimentos (figura 7). Entretanto, fatores externos como o aumento da umidade, da atividade de água, elevação ou redução do pH e o contato com o oxigênio ou ausência do mesmo podem alterar a qualidade deste alimento, aumentando sua perecibilidade e aumentando o risco no consumo destes alimentos. É possível evitar estes problemas seguindo as normas de armazenamento e distribuição de acordo com as boas práticas de manipulação. 0 10 20 30 40 50 60 48.77% 27.07% 11.85% Argentina México Brasil Fontes de contaminação de alimentos Manipulação Embalagem Armazenamento Distribuição 29 Figura 6 - Índice de contaminação dos alimentos antes e após a lavagem das mãos Fonte: Elaborado pelo autor, 2021. De acordo com a pesquisa as bactérias mais frequentes relatadas em casos de doenças alimentares ou intoxicações são o Clostridium perfringens, Staphylococcus aureus, Clostridium botulinum, Salmonella spp. e outras enterobactérias. Dos fungos os mais descritos foram Aspergillus flavus, Aspergillus fumigatus, Penicillium spp e Rizomucor pusillus. Antes de lavar as mãos Depois de lavar as mãos 0% 20% 40% 60% 80% 100% 120% Contaminação dos alimentos antes e após a lavagem das mãos por manipuladores Contaminação dos alimentos antes e após a lavagem das mãos por manipuladores 30 6.0 CONCLUSÃO Na cultura humana a alimentação é um dos principais fatores do desenvolvimento da sociedade, fazendo parte das necessidades básicas do ser humano. Com o chegar da modernidade, se alimentar virou uma arte que expressa às marcas evolutivas de cada povo. Nos estudos apresentados foi constatado que em grande parte dos casos relatados sobre a condição dos manipuladores de alimentos, eles se apresentaram em condições de higiene desfavoráveis para a produção de alimentos, apresentando uma alta taxa na predominância de contaminação por Staphylococcus aureus e outros microrganismos, pois a grande maioria dos manipuladores desconhecem das boas práticas de fabricação. Foi também constatado o risco de se consumir em estabelecimentos que oferecem comida caseira sem ter passado pelo roteiro de inspeção sanitária descrito na RDC nº275/2002, que compartilham do ambiente com outros membros da família e animais, fora dos padrões higiênicos estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Estes estabelecimentos funcionam de maneira clandestina e oferece risco a saúde dos consumidores, funcionando em condições de precariedade sanitária, com manipuladores despreparados e ambiente inadequado para o funcionamento de serviços de alimentação. Um dos dados interessantes deste trabalho foi demonstrar como os aplicativos de entrega de alimentos contribuem para a circulação dos alimentos produzidos por cozinhas clandestinas através de suas plataformas, por facilitarem o cadastro destes estabelecimentos ao não exigir o documento de alvará sanitário. Isto é, agem diretamente como protagonistas na veiculação de microrganismos patógenos causadores de infecções, intoxicações e toxinfecções alimentares. Então é possível concluir que as Dark Kitchen funcionam clandestinamente ao atuarem em ambiente domiciliar, o que aumenta o risco de contaminação dos alimentos por patógenos, onde distribuem alimentos contaminados através dos aplicativos de entrega de alimentos, pois não exigem comprovação de inspeção sanitária no momento do cadastro em suas plataformas e muito menos comprovação da emissão do alvará sanitário. A exigência do documento de alvará sanitário e a orientação dos manipuladores de alimentos se demonstraram uma solução eficaz na prevenção destas doenças. 31 7.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Oliveira AB, Paula CM, Capalonga RC, Cardoso MR, Tondo EC. Doenças transmitidas por alimentos, principais agentes etiológicos e aspectos gerais: uma revisão. Rev HCPA. 2010;30(3):279-285. 2. Amson GV, Haracemiv SMC, Masson ML. Levantamento de dados epidemiológicos relativos à ocorrências/ surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTAs) no estado do Paraná - Brasil, no período de 1978 a 2000. Lavras. 2006;30(6):1139-1145. 3. Morales T, Vieira V. Conhecimento dos manipuladores de alimentos sobre boas práticas de manipulação. Unilago. 2019;1(1):1-11. 4. Brasil. Doenças transmitidas por alimentos. Governo Federal [internet]. 2021 mai.27 [citado 2021 out. 21]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/doencas-transmitidas-por- alimentos. 5. Brasil. 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