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TRIBUNAIS Legislação Penal Especial Capítulos 1 ao 4 TRIBUNAIS Legislação Penal Especial Capítulo 1 1 Olá, aluno! Bem-vindo ao estudo para os concursos de Tribunais. Preparamos todo esse material para você não só com muito carinho, mas também com muita métrica e especificidade, garantindo que você terá em mãos um conteúdo direcionado e distribuído de forma inteligente. Para isso, estamos constantemente analisando o histórico de provas anteriores com fins de entender como os assuntos do edital costumam ser cobrados em provas para a Magistratura. Afinal, queremos que sua atenção esteja focada nos assuntos que lhe trarão maior aproveitamento, pois o tempo é escasso e o cronograma é extenso. Conte conosco para otimizar seu estudo sempre! Ademais, estamos constantemente perseguindo melhorias para trazer um conteúdo completo que facilite a sua vida e potencialize seu aprendizado. Com isso em mente, a estrutura do PDF Ad Verum foi feita em capítulos, de modo que você possa consultar especificamente os assuntos que estiver estudando no dia ou na semana. Ao final de cada capítulo você tem a oportunidade de revisar, praticar, identificar erros e aprofundar o assunto com a leitura de jurisprudência selecionada. E mesmo você gostando muito de tudo isso, acreditamos que o PDF sempre pode ser aperfeiçoado! Portanto pedimos gentilmente que, caso tenha quaisquer sugestões ou comentários, entre em contato através do e-mail pdf@cers.com.br. Sua opinião vale ouro para a gente! Racionalizar a preparação dos nossos alunos é mais que um objetivo para Ad Verum, trata-se de uma obsessão. Sem mais delongas, partiremos agora para o estudo da disciplina. Faça bom uso do seu PDF Ad Verum! Bons estudos 2 SOBRE O CONCURSO Daremos início ao estudo das Leis Penais Extravagantes. Para os concursos de Tribunais, esta disciplina é de extrema importância. As Leis Penais Extravagantes geralmente estão previstas no edital de Direito Penal. Vale esclarecer que nem todas as legislações aqui abordadas são cobradas em um mesmo edital nos concursos de tribunais, mas é importante que o concurseiro tenha acesso a toda essa legislação para se preparar para qualquer edital que esteja por vir. O estudo das leis penais extravagantes como complemento da matéria de Direto Penal é fundamental para uma boa pontuação nas provas de Tribunais e faz a diferença na aprovação. Em razão disso, este material busca fornecer ao aluno um conhecimento amplo e suficiente, abordando os principais institutos específicos da matéria, conforme os temas costumam ser cobrados nas provas de concurso. Ao final de cada capítulo serão colacionadas questões para treinamento, sempre priorizando os concursos da área, com comentários que ajudarão a resolvê-las e a revisar o conteúdo. É muito importante, também, ler toda a legislação apontada na “Legislação Compilada”, pois, assim como o posicionamento doutrinário, a leitura da legislação complementa o estudo e faz com que o aluno acerte um maior número de questões. Lembre- se que muitas questões pedem o conhecimento do que a legislação expressamente prevê. Vamos iniciar os estudos?! 3 SUMÁRIO LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL, CAPÍTULO 1 ......................................................................................................... 6 1. Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06)........................................................................................................................ 6 1.1 Considerações iniciais ......................................................................................................................................... 6 1.1.1 Conceito de Drogas ............................................................................................................................................. 7 1.1.2 Proibição das drogas e exceções ................................................................................................................... 8 1.1.3 Direito Intertemporal ........................................................................................................................................... 9 1.2 Crimes em Espécie ................................................................................................................................................ 9 1.2.1 Consumo Pessoal: Art. 28, caput e §1º ....................................................................................................... 9 1.2.2 Tráfico de drogas propriamente dito e por equiparação (art. 33, caput e §1º) .................... 18 1.2.3 Induzimento, instigação ou auxílio ao uso indevido de droga (art. 33, §2º) ............................ 18 1.2.4 Cessão eventual de droga para consumo conjunto (art. 33, §3º) ................................................. 19 1.2.5 Tráfico privilegiado (art. 33, §4º) ................................................................................................................... 20 1.2.5 Maquinismos e outros objetos destinados ao tráfico (art. 34) ....................................................... 20 1.2.6 Associação para o tráfico de drogas (art. 35) ......................................................................................... 21 1.2.7 Financiamento para o tráfico (art. 36) ........................................................................................................ 22 1.2.8 Informante colaborador (art. 37) .................................................................................................................. 22 1.3 Causas de aumento (art. 40) .............................................................................................................................. 22 1.3.1 Transnacionalidade do delito (art. 40, I) .................................................................................................... 23 1.3.2 Dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, ensino e afins (art. 40, III) 23 1.3.3 Interestadualidade do tráfico de drogas (art. 40, V) ............................................................................ 24 1.3.4 Envolvimento de criança, adolescente ou quem tenha a capacidade de entendimento suprida ou diminuída (art. 40, VI) ............................................................................................................................ 24 1.3.5 Financiamento ou custeio do tráfico (art. 40, VII) ................................................................................. 24 4 1.4 Procedimento penal ............................................................................................................................................... 24 2. Lei de Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296/96) .................................................................................... 26 2.1 Conceitos ............................................................................................................................................................... 26 2.2. Cabimento ................................................................................................................................................................. 26 2.3. Aspectos importantes para admissibilidade da interceptação das comunicações telefônicas .......................................................................................................................................................................... 27 3. Lei de Tortura (Lei nº 9.455/97) ........................................................................................................................ 30 3.1 Considerações iniciais ...................................................................................................................................... 30 3.2 Espécies de Tortura ...........................................................................................................................................30 3.2.1 Tortura probatória, tortura crime e tortura discriminatória (art. 1º, I) ....................................... 30 3.2.2 Tortura castigo (art. 1º, II) .............................................................................................................................. 31 3.2.3 Figuras equiparadas .......................................................................................................................................... 32 3.2.4 Modalidade omissiva ........................................................................................................................................ 32 3.2.5 Qualificadoras e causas de aumento de pena ...................................................................................... 33 3.2.6 Efeitos da Condenação .................................................................................................................................... 34 3.2.7 Aspectos do cumprimento da pena .......................................................................................................... 34 3.2.8 Extraterritorialidade ........................................................................................................................................... 34 4. Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98)........................................................................................... 36 4.1 Considerações iniciais ...................................................................................................................................... 36 4.1.1 Expressão “lavagem de dinheiro”................................................................................................................ 37 4.1.2 Conceito de lavagem de dinheiro .............................................................................................................. 38 4.1.3 Bem jurídico tutelado ....................................................................................................................................... 38 4.1.4 Gerações de leis de lavagem de capitais ................................................................................................ 38 4.1.5 Fases da lavagem de dinheiro ..................................................................................................................... 39 4.1.6 Acessoriedade da lavagem de capitais .................................................................................................... 40 1.1.7 Sujeitos do crime ................................................................................................................................................. 40 5 4.2 Crime em espécie .............................................................................................................................................. 41 1.2.1 Teoria da Cegueira Deliberada ...................................................................................................................... 42 1.2.2 Lavagem em cadeia (“lavagem da lavagem”) ......................................................................................... 43 1.2.3 Peculiaridades processuais .............................................................................................................................. 43 5. Crimes contra a Ordem Tributária (Lei n 8.137/90) ................................................................................. 44 5.1 Considerações iniciais ...................................................................................................................................... 44 5.2 Crimes em Espécie ............................................................................................................................................. 44 2.2.1 Dos crimes praticados por particulares ..................................................................................................... 44 2.2.2 Dos crimes praticados por funcionários públicos ................................................................................. 46 5.3 Bem jurídico tutelado ....................................................................................................................................... 47 5.4 Princípio da insignificância nos crimes contra a ordem tributária ............................................... 47 5.4.1 Competência para julgamento ..................................................................................................................... 47 5.5 Sujeitos do crime ............................................................................................................................................... 48 5.6 Consumação e tentativa ................................................................................................................................. 48 5.7 Extinção da punibilidade pelo pagamento do débito ....................................................................... 49 QUADRO SINÓPTICO ................................................................................................................................................... 50 QUESTÕES COMENTADAS ........................................................................................................................................ 52 GABARITO ........................................................................................................................................................................... 66 QUESTÃO DESAFIO ......................................................................................................................................................... 67 GABARITO DA QUESTÃO DESAFIO.......................................................................................................................... 68 LEGISLAÇÃO COMPILADA............................................................................................................................................ 70 JURISPRUDÊNCIA ............................................................................................................................................................. 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................................. 78 6 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL Capítulo 1 1. Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) Caro aluno, dentre os temas relativos ao Direito Penal, as disposições sobre a Lei de Tóxicos são muito cobradas em concursos. Além disso, frequentes alterações legislativas e jurisprudenciais exigem constante estudo deste assunto. Deste modo, empenhe especial atenção ao disposto a seguir. 1.1 Considerações iniciais A edição de ato legislativo com tratamento mais severo à prática do tráfico ilícito de entorpecentes deita raízes no mandamento de criminalização previsto no art. 5º, XLII da Constituição Federal, que aduz: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.” Diante do referido mandamento constitucional, no dia 23 de agosto de 2006, foi editada a Lei nº 11.343/06, que “institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências”, sucedendo a Lei nº 6.368/76 e 10.409/2002. A referida lei trouxe inúmeras novidades, podendo-se citar: a) não imposição de pena privativa de liberdade a quem possui drogas para consumo pessoal; b) criação de crime especial para a cessão de pequena quantia de droga para consumo pessoal; c) criação dotráfico 7 privilegiado; d) elevação da pena do tráfico de drogas; e) tipificação do financiamento ou custeio ao tráfico e f) instituição de novo rito processual. Vale destacar, ainda, que a nova Lei de Drogas possui uma política criminal bifronte, ao passo que conjuga o viés preventivo (no que concerne ao uso indevido de material entorpecente) e repressivo (no que tange ao tráfico ilícito de drogas). Merece destaque, ainda, a política de redução de danos, consistente em políticas públicas que visam a atenção e reinserção de usuários ou dependentes de drogas, bem como a redução dos riscos e dos danos à saúde em virtude do consumo de entorpecentes. Exemplos: artigos 19, VI, c/c 20 e 22, caput e inciso IV). 1.1.1 Conceito de Drogas De acordo com o art. 1º, parágrafo único da Lei nº 11.343/06: “Consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.” Em síntese, droga é a substância ou produto assim relacionado em lei ou ato administrativo. Da leitura do referido dispositivo, pode-se observar que os crimes previstos na Lei de Drogas são normas penais em branco em sentido estrito (ou “cegas”/”abertas”), de sorte que possuem preceito primário incompleto, cuja complementação ocorre com lei ou ato administrativo. Atualmente, a relação de drogas se encontra prevista na Portaria SVS/MS 344/1998, editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Desta forma, se porventura alguma substância considerada como “droga” prevista na Portaria SVS/MS 344/1998 seja excluída do referido ato administrativo, opera-se a abolitio criminis quanto aos agentes que tenham sido condenados pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes envolvendo tal substância, sendo obrigatória a retroatividade in mellius. Se determinada substância for capaz de causar dependência física ou psíquica mas não se encontrar na Portaria mencionada, o elemento normativo não se encontra satisfeito, não podendo-se realizar analogia in malam partem. Neste sentido, já decidiu o STJ no REsp 1.444.537/RS. 8 1.1.2 Proibição das drogas e exceções A regra geral é a proibição das drogas em todo o país. Sendo assim, o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas e produzidas drogas são vedados, de forma que o Delegado de Polícia pode, inclusive, destruir imediatamente as plantações ilícitas de entorpecentes (art. 50-A), recolhendo material suficiente para exame pericial. Vale adiantar, neste ponto, que o cultivo ilícito de drogas pode configurar crime equiparado ao tráfico (art. 33, §1º), conforme será melhor estudado posteriormente. PLANTAS DE USO ESTRITAMENTE RITUALÍSTICO-RELIGIOSO FINS MEDICINAIS OU CIENTÍFICOS Origem: Convenção de Viena (incorporada ao direito pátrio pelo Decreto nº 79.388/77) É necessário ter autorização legal ou regulamentar. Ex.: uso do chá “santo daime”, feito com cipós amazônicos de efeitos alucinógenos e empregado nos rituais de manifestação religiosa. Autorização pela União. Local e prazo determinados, mediante fiscalização. É necessário ter autorização legal ou regulamentar. No que tange às manifestações religiosas, vale ressaltar que existem doutrinadores que defendem a absolvição de quem fizer uso de cannabis em rituais de rastafarianismo, com fulcro no direito à liberdade religiosa (CF, art. 5º, inciso VI). Neste sentido, Fábio Roque, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar. No direito comparado, pode-se mencionar que a Suprema Corte Americana, ao decidir o caso “Gonzáles v. O Centro Espírita Beneficente União do Vegetal”, entendeu que o direito à liberdade religiosa pode englobar o direito à utilização de substância proscrita em ritual religioso, sendo ônus do Estado em comprovar os riscos concretos à saúde pública que fundamentem o sacrifício do direito à liberdade religiosa. 9 Por fim, ressalte-se que o STF, em decisão unânime, entendeu que a marcha para legalização da maconha é constitucional, levando-se em conta a liberdade de pensamento, expressão, informação e comunicação (ADPF 187). 1.1.3 Direito Intertemporal Com efeito, a Lei nº 11.343/06 possui um viés mais benéfico em alguns aspectos do que a Lei nº 6.368/76, bem como mais prejudicial em outros. Desta forma, deve-se atentar para algumas regras de direito intertemporal. Por isso, vejamos: De acordo com o entendimento do STF (RE 600.817/MS), acompanhado do entendimento sumulado pelo STJ, é vedada a criação da lex tertia, ou seja, não é possível que os juízes, no caso concreto, combinem partes de duas leis, pois se tornariam legisladores positivos. Neste sentido, se posicionam os doutrinadores Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli. Desta forma, torna-se necessário avaliar qual lei, separadamente, é mais benéfica ao acusado. 1.2 Crimes em Espécie 1.2.1 Consumo Pessoal: Art. 28, caput e §1º De início, insta consignar que uma das inovações trazidas pela Lei nº 11.343/06 consiste na proibição da aplicação de pena privativa de liberdade a quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. 10 Com efeito, a prisão dos usuários não trariam benefícios efetivos, de forma que obstariam o tratamento de eventual dependência química e poderiam inserir mero “consumidor” no âmbito do tráfico de drogas, com o risco de sua cooptação. Em que pese a despenalização em comento, o entendimento majoritário é de que as condutas narradas no artigo 28 da Lei de Drogas constituem crimes. Entretanto, pode-se mencionar o posicionamento contrário de Luiz Flávio Gomes, que defende que o porte de drogas para consumo pessoal não se enquadra no conceito previsto no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, porque não comporta pena de reclusão ou detenção. Seria, portanto, uma infração penal sui generis. Importante mencionar, ainda, a existência de debate jurídico quanto à (in)constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo pessoal. 1ª corrente: Zaffaroni, Luís Greco: É inconstitucional, porque vila o direito à intimidade, à autodeterminação e à dignidade da pessoa humana. Outrossim, afirma que contraria o princípio da alteridade, pois a conduta causa prejuízo somente a quem a tenha praticado. 2ª corrente: Andrey Borges de Mendonça, Paulo Roberto Carvalho: É constitucional, diante do perigo social que representa. Atualmente, há um RE (635.659/SP) com julgamento suspenso no STF para análise de sua constitucionalidade. Bem jurídico tutelado: o bem jurídico tutelado é a saúde pública, pois a conduta do agente atinge não somente a es fera pessoal de quem consome a droga, mas toda a coletividade. Daí, portanto, o argumento de que a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal não fere o princípio da alteridade. Objeto material: é a droga destinada ao consumi pessoal por quem a adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo. No §1º, são as plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga. Núcleos do tipo: Trata-se de tipo misto alternativo (delito plurinuclear ou de ação múltipla). 11 Nos tipos mistos alternativos, a prática de mais de um núcleo do tipo penal, no mesmo contexto fático, enseja crime único. Logo, se o agente adquire e traz consigo, no mesmo contexto fático, drogas para consumo pessoal, haverá crime único, e não concurso material de crimes. Conforme leciona Cleber Masson, se o sujeito importar pequena quantidade de droga para consumo pessoal, deverá ser aplicado o artigo 28, caput, mesmo que não haja previsão de tal núcleo, em detrimento da aplicação do artigo 33, caput. O fundamento reside naanalogia in bonam partem. O mesmo raciocínio se aplica a quem prepara pequena quantidade de droga para consumo pessoal. Registre-se que o uso pretérito da droga, por si só, não configura crime. De fato, tratando-se de delito contra a saúde pública, esse bem jurídico não corre perigo se a substância já deixou de existir. (Neste sentido, o STF: HC 79.189/SP). Para analisar se a droga era destinada ao consumo pessoal do agente, é necessário utilizar- se do sistema de quantificação judicial – art. 28, §2º e art. 42 – de modo a aferir os critérios, de forma cumulativa, quanto à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e os antecedentes do agente. Tratando-se de delito de posse de droga para consumo pessoal em ambiente castrense, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância. (STF: HC 119.458/AM). Imperioso ressaltar, inclusive, que a mera condição de usuário de drogas, por si só, não afasta o eventual tráfico de drogas praticado pelo sujeito. Em verdade, trata-se de prática comum no âmbito criminal a alegação do agente, ao ser preso e processado por tráfico de drogas, afirmar ser mero usuário. Por tal razão, torna-se necessário analisar, com seriedade, os requisitos supracitados a fim de realizar a correta tipificação de sua conduta. 12 A cautela exigida para a diferenciação entre os crimes em comento é imensa. A título exemplificativo, caso se tome como pressuposto somente os antecedentes do agente que possua condenação anterior por tráfico de drogas para subsunção de sua conduta ao crime previsto no artigo 33, caput da Lei de Drogas, estar-se-á coadunando com o Direito Penal do Autor. Por outro lado, tal circunstância, aliada a aspectos externos (por exemplo: o local da prisão é conhecido por dominância de facção criminosa), tal análise se encontra em harmonia com o Direito Penal do Fato. Sujeito Ativo: é crime comum ou geral, de forma que qualquer pessoa pode cometê-lo. Sujeito Passivo: é a coletividade, logo, trata-se de crime vago. Elemento Subjetivo: dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico) – “para consumo pessoal”. Ausente tal condição, o agente poderá responder por delito de maior gravidade. Exemplo: se o agente traz consigo drogas para consumo de terceiro, pode responder por tráfico de drogas. Consumação: são crimes formais (de consumação antecipada ou resultado cortado). Para a sua caracterização, “não se faz necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem jurídico tutelado. Isso porque, ao adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio nefasto, pondo em risco a saúde pública e sendo fator decisivo na difusão dos tóxicos” (STJ, RHC 35.920/DF). Quanto à prova da materialidade, vale ressaltar que, à luz do art. 50, §1º da Lei de Drogas, é necessário o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga. Para oferecimento da denúncia e lavratura do termo circunstanciado, basta o laudo provisório (STJ). Aplica-se o princípio da insignificância ao artigo 28 da Lei de Drogas? 13 Há forte controvérsia no âmbito doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de posse de droga para consumo pessoal. 1ª corrente: STJ, STF: Não é possível aplicar o princípio da insignificância, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida. (STJ: RHC 35.920/DF e STF: HC 102.940/ES). 2ª corrente: 1ª Turma do STF: É possível, desde que preenchidos os requisitos (mínima ofensividade da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica). Adotado de forma isolada no HC 110.475/SC. Tentativa: É possível. Exemplo dado por Cleber Masson e Vinícius Marçal: no momento em que alguém seja flagrado no instante em que tenta adquirir drogas para seu consumo pessoal, mas não consegue fazê-lo por circunstâncias alheias à sua vontade. É possível aplicar, portanto, a diminuição de pena de 1/3 a 2/3 na forma do artigo 14, parágrafo único do Código Penal? 1ª corrente: não é possível, uma vez que as penas cominadas ao crime são alternativas. (Roberto Delmanto). 2ª corrente: é possível, pois o Código Penal se aplica às leis especiais quando não houver disposição específica (artigo 12 do CP). Deve ocorrer a redução do prazo da medida de 1/3 a 2/3. Desapropriação-confisco: De acordo com o artigo 243, caput da Constituição Federal: “Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º”. Uma vez que a norma constitucional não exige que essa produção de drogas seja ligada ao tráfico, é plenamente possível aplicar tal dispositivo ao crime tipificado no artigo 28, §1º da Lei de Drogas. 14 Ação penal: pública incondicionada. Penas: há previsão de três modalidades de penas, a serem aplicadas conforme o que dispõe o artigo 421 da Lei de Drogas: 1) advertência sobre os efeitos das drogas; b) prestação de serviços à comunidade; e c) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Observação: é possível afirmar, portanto, que não é cabível pena privativa de liberdade para os crimes previstos no artigo 28, caput e §1º da Lei nº 11.343/06. Por sua vez, em observância ao princípio da homogeneidade, de igual maneira não há que se falar em cabimento de prisão preventiva, temporária ou em flagrante. Desta forma, também não cabe habeas corpus, aplicando-se por analogia o que dispõe a Súmula 639 do STF.2 As sanções penais anteriormente mencionadas poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, bem como ser substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor (artigo 27 da Lei de Drogas). Reincidência: a condenação pelo delito de posse de drogas para consumo pessoal é apta a gerar reincidência? Há duas correntes sobre o tema: 1ª corrente: Sim, a condenação definitiva pelo crime tipificado no art. 28 da Lei de Drogas configura reincidência. O STJ já se posicionou nesse sentido (HC 275.126/SP). 2ª corrente: Não gera reincidência. O STJ, com fundamento no princípio da proporcionalidade, já adotou este posicionamento (REsp 1.672.654/SP, noticiado no Informativo 632). Curiosidade: ambos os julgados acima transcritos são da 6ª Turma do STJ. O adepto à segunda corrente é mais recente, tendo sido julgado em 21/08/2018. Penas em Espécie 1Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. 15 Advertência sobre os efeitos das drogas: consiste em admoestação verbal sobre os efeitos maléficos do consumo de entorpecentes, seja para a saúde do particular ou para a saúde pública, reduzida a termo e assinada, caso seja aplicada em sede de transação penal. Se porventura a medida for aplicada em sentença condenatória, caberá ao magistrado a designação de audiência monitória para a sua efetivação. O Enunciado 83 do FONAJE assim afirma: “Ao ser aplicada a pena de advertência, prevista no art. 28, I, da Lei nº 11.343/06, sempre que possível deverá o juiz se fazer acompanhar de profissional habilitado na questão sobre drogas.” E se o réu não comparece à audiência monitória? Neste caso, o juiz estará autorizado asubstituir a pena por outra, na forma do artigo 27 da Lei de Drogas. Crítica doutrinária: há quem defenda que a aplicação da pena de advertência não se coaduna com as funções de repressão e prevenção. Masson e Marçal afirmam, ainda, que cabe ao Ministério da Saúde (e demais órgãos e entidades a ele ligados) a advertência acerca dos efeitos maléficos do uso de entorpecentes, e não ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário. Prestação de serviços à comunidade: De acordo com o §5º do art. 28 da Lei de Drogas: “A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.” A sanção será aplicada pelo prazo máximo de 5 meses, salvo se o condenado for reincidente, hipótese em o prazo máximo se eleva a 10 meses (§4º). Quanto as horas a serem cumpridas diariamente, aplica-se o que dispõe o Código Penal, devendo a tarefa ser cumprida à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho (art. 46, §3º do Código Penal). Medida educativa de comparecimento a programa ou curso: deve ter como foco a prevenção do consumo ou a recuperação de usuários e dependentes químicos. Conforme entendimento de Guilherme Nucci, não significa que o programa precise ter como tema exclusivo os malefícios causados pelo uso de drogas. Nas palavras do autor, é 16 possível que “estejam relacionados a cursos de especialização profissional, cuja frequência pode contribuir para uma possível reinserção social do usuário de drogas, já que o exercício de uma atividade laborativa é importante instrumento de combate à vulnerabilidade decorrente do uso indiscriminado de drogas.” A sanção deverá ser aplicada pelo prazo máximo de 5 meses, exceto se o condenado for reincidente, caso em que o prazo máximo se alargará para 10 meses. Indaga-se: essa reincidência capaz de alterar o prazo máximo de cumprimento da prestação de serviços à comunidade e do comparecimento a programa ou curso precisa ser específica? Há duas posições: 1ª corrente: Somente a reincidência específica autoriza a exasperação (ou seja, a condenação anterior deve ser por prática do crime do art. 28, caput ou §1º da Lei de Drogas). Neste sentido, Renato Marcão. 2ª corrente: Basta a reincidência genérica. Adotado por Masson e Marçal. Fundamento: quando o legislador pretende que a reincidência mencionada seja a específica, ele declara de forma expressa. (Exemplo: art. 83, V do Código Penal e artigo 44, parágrafo único da própria Lei de Drogas). Peculiaridades das penas: destaca-se que as penas cominadas ao delito em comento se revestem de duas características próprias: a) a não substitutividade; b) a não conversibilidade em penas privativas de liberdade. Por vedação à substitutividade entende-se que elas não substituem as penas privativas de liberdade, ou seja, elas são aplicadas de forma direta. Ademais, seu descumprimento jamais gerará a conversa em prisão, por falta de previsão legal. Medidas de apoio Caso o agente, de forma injustificada, descumpra as medidas educativas supracitadas, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente, a: I – admoestação verbal; II – multa. 17 MEDIDAS DE APOIO Aplicadas, de forma sucessiva, na hipótese de descumprimento injustificado das medidas educativas ADMOESTAÇÃO VERBAL Não se confunde com a advertência sobre os efeitos das drogas. A advertência é uma pena para orientar o sujeito sobre os efeitos nocivos das drogas. A admoestação é medida coercitiva para estimular o cumprimento das penas. MULTA Só pode ser aplicada após a admoestação verbal. Critério bifásico, como ocorre no Código Penal. A aplicação considera a reprovabilidade da conduta. Varia entre 40 a 100 dias multa, e o valor será entre 1/30 a 3 vezes o valor do salário mínimo. A prescrição ocorre em 02 (dois) anos. Observação: o artigo diz expressamente que a admoestação verbal e a multa devem ser aplicadas de forma sucessiva. O que isso significa? Significa que, primeiramente, deve o juiz adotar a admoestação verbal; e, somente depois, e em caso de descumprimento, a multa. Infere- se, portanto, que é impossível a aplicação simultânea de tais medidas. A multa poderá ser aplicada quantas vezes forem necessárias, respeitando-se o valor máximo de 100 dias-multa prevista o no artigo 29 da Lei nº 11.343/06. Os valores serão creditados no Fundo Nacional Antidrogas, e seu pagamento não implica a exoneração do cumprimento da pena. O que acontece se o descumprimento ocorrer no bojo de transação penal? Para os demais delitos, na hipótese de descumprimento de condição imposta a título de transação penal, retoma-se a situação anterior, possibilitando o andamento da persecução penal (Súmula Vinculante 35). Entretanto, na hipótese do delito de posse de drogas para consumo pessoal, a sanção será a possibilidade de incidência das medidas de coerção. Prescrição: a prescrição, à luz do artigo 30 da Lei nº 11.343/06, ocorrerá em 02 anos. (Observe que, se um agente com 19 anos estiver respondendo a processo pelo crime em comento, o prazo prescricional aplicável será de apenas 01 ano, tendo em vista a necessária 18 redução do quantum prescricional pela metade em razão do que dispõe o artigo 115 do Código Penal). JECRIM: Os crimes previstos no artigo 28, caput e §1º da Lei de Drogas são de menor potencial ofensivo, de sorte que a competência para seu julgamento é do Juizado Especial Criminal (artigo 61 da Lei nº 9.099/95). 1.2.2 Tráfico de drogas propriamente dito e por equiparação (art. 33, caput e §1º) O bem jurídico tutelado é a saúde pública. As condutas descritas no artigo 33, caput e §1º são equiparadas a crime hediondo. É tipo misto alternativo, ou seja, a prática de mais de um tipo nuclear, no mesmo contexto fático, enseja crime único. Importantíssimo! Apreensão de drogas mantidas em depósito no interior de residência invadida por policiais, sem autorização judicial, É VÁLIDA por se tratar de crime permanente, desde que as circunstâncias do caso concreto permitam aos agentes públicos concluírem, antes do ingresso no imóvel, que a situação de flagrante estava ocorrendo (STF - RE 603.616/RO). Flagrante preparado: os Tribunais Superiores rechaçam tal hipótese, posto que o crime já estaria consumado em momento anterior, na forma “ter em depósito” (HC 245.515/SC). A marcha pela descriminalização da maconha não configura o crime do parágrafo 2º do artigo 33. (STF ADI 4274). “Não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha”. STF. 2 Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/09/2018 (Info 915) 1.2.3 Induzimento, instigação ou auxílio ao uso indevido de droga (art. 33, §2º) Observação: na sistemática da Lei anterior (Lei nº 6.368/76), a conduta de induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de drogas configurava tráfico por equiparação, com pena de reclusão de 03 (três) a 15 (quinze) anos e multa. Sendo assim, pode-se observar que se operou uma novatio legis in mellius, de forma que a nova lei retroagirá para alcançar fatos pretéritos. 19 Não se trata de tráfico de drogas, logo, não é crime hediondo por equiparação. O bem jurídico tutelado é a saúde pública. A cessão de droga para consumo de outrem configura tráfico de drogas, e não o crime em comento. O auxílio, neste caso, pode ocorrer, por exemplo, com o empréstimo de um cachimbo para o consumo de crack. Também é tipo misto alternativo, logo, existirá crime único se o agente praticar, contra a mesma pessoa e no mesmo contexto fático, mais de um núcleo do tipo. A conduta deverá se dirigir a pessoa determinada. Se porventura sevoltar a pessoas indeterminadas, poderá configurar incitação ao crime (artigo 286 do CP) ou apologia ao crime (artigo 287 do CP). Cabe suspensão condicional do processo, uma vez que a pena mínima cominada é de 01 (um) ano de detenção, desde que preenchidos os demais requisitos do artigo 89 da Lei nº 9.099/95. 1.2.4 Cessão eventual de droga para consumo conjunto (art. 33, §3º) O referido dispositivo foi criado com vistas a corrigir uma falha legislativa verificada na Lei nº 6.368/76, que tratava a cessão eventual de droga para consumo conjunto como atividade ligada à traficância. Não é crime equiparado a hediondo. Para que não configure tráfico de drogas propriamente dito, é necessário o preenchimento de quatro requisitos cumulativos: a) oferecimento eventual da droga; b) sem objetivo de lucro; c) a pessoa do relacionamento do ofertante; d) consumo conjunto. A ausência de qualquer um desses elementos acarreta na classificação da conduta como o tipo penal previsto no artigo 33, caput da Lei de Drogas, na modalidade “entregar a consumo”. Se a denúncia oferecida capitular a conduta do réu ao artigo 33, §2º da Lei de Drogas, caberá ao Ministério Público comprovar, além do oferecimento da droga, os demais elementos 20 especializantes. Por outro lado, se a denúncia classificar a conduta como a prevista no artigo 33, caput da referida Lei, há quem defenda que o ônus de comprovar os elementos especiais da cessão eventual de drogas para consumo conjunto é da Defesa. Uma vez que a pena máxima cominada ao delito é de 01 (um) ano de detenção, cabe transação penal e suspensão condicional do processo, na forma da Lei nº 9.099/95, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo. 1.2.5 Tráfico privilegiado (art. 33, §4º) Tem natureza jurídica de CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA, (conduz à redução de 1/6 a 2/3) aplicada aos delitos previstos no caput e §1º do artigo 33, desde que presentes, cumulativamente os seguintes requisitos legais: o agente deve ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa. Para comprovação da dedicação do agente à atividades criminosas e à integração de organização criminosa, não se exige que haja processo criminal transitado em julgado. De acordo com o STJ, é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006. (REsp nº 1.719.525-GO). Não possui natureza hedionda. HC 118.533/MS. Rel. Min. Carmém Lúcia. Dj 23/06/2016. Cabe à acusação comprovar a impossibilidade de aplicação da minorante (STF HC 103.225/RN). Progressão de regime no caso de tráfico privilegiado: 1/6 da pena. ATENÇÃO! Súmula 630-STJ: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio. 1.2.5 Maquinismos e outros objetos destinados ao tráfico (art. 34) O artigo 34 da Lei de Drogas trata da utilização do maquinário para fabricação, preparação, produção ou transporte da droga. 21 É crime subsidiário (como leciona Nelson Hungria, “soldado de reserva”). Se o agente praticar o tráfico de maquinário e também o tráfico de drogas, o crime de tráfico absorverá o crime do art. 34. É equiparado a crime hediondo. 1.2.6 Associação para o tráfico de drogas (art. 35) Pelo princípio da especialidade, este delito prevalecerá sobre o crime de associação criminosa (art. 288 do CP). Não possui natureza hedionda (STJ. AgRg no HC 485.529/RS) O parágrafo único do artigo 35 prevê as mesmas penas para quem se associa para financiar o tráfico, respondendo, portanto, pelo art. 35 e art. 36 em concurso material. O crime de associação para o tráfico é formal, que tutela a paz pública. Logo, não é necessária a apreensão da droga ou o seu exame. A materialidade (prova de existência da infração penal) pode dar-se por qualquer outro meio lícito (exemplo: conversas extraídas de interceptação telefônica deferida judicialmente). É crime autônomo, logo, não há relação de interdependência com o tráfico de drogas. ATENÇÃO! STJ: é necessário comprovar a estabilidade e a permanência da associação; caso contrário, restará configurado mero concurso eventual de agentes. (HC 108.359/MS e HC 212.000/SP). A progressão de regime na associação para tráfico de drogas ocorre quando o preso tenha cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário. 22 1.2.7 Financiamento para o tráfico (art. 36) Quem financia ou custeia qualquer das hipóteses previstas no art. 33, caput e §1º, e art. 34 comete o crime previsto no artigo 36. Não há especial fim de agir. CUIDADO: Autofinanciamento para o tráfico ilícito de drogas: o agente incide nas penas do artigo 33, caput, com a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso VII, da Lei de Drogas. (Info. 534 STJ, REsp 1.290.296/PR). 1.2.8 Informante colaborador (art. 37) É colaborador aquele que transmite informação relevante, útil ou necessária (relevância causal) para o êxito das atividades do grupo, associação ou organização criminosa, que visam a prática dos crimes do artigo 33, caput, §1º e art. 34. Exige-se a eventualidade da colaboração. Caso a colaboração não seja eventual, agindo como um dos integrantes da associação, responderá pelo artigo 35. 1.3 Causas de aumento (art. 40) As hipóteses de causa de aumento previstas no artigo 40 da Lei nº 11.343/06 se restringem aos crimes previstos nos artigos 33 a 37 (itens 1.2.2 a 1.2.8 deste Capítulo). Incidem na terceira fase da dosimetria da pena, e acarretarão no seu aumento entre 1/6 a 2/3. Hipóteses: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; 23 IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; VII - o agente financiar ou custear a prática do crime. Passemos a analisar os principais aspectos cobrados quanto a algumas das causas de aumento supracitadas. 1.3.1 Transnacionalidade do delito (art. 40, I) A transnacionalidade do crime de tráfico de drogas implica na competência para processamento e julgamento da causa à Justiça Federal. Não é necessária a efetiva transposição de fronteiras, basta que haja provas acerca de evidências de que a droga se destinava a outro país. Neste sentido é a Súmula 607 do STJ: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei 11.343/06) se configura com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras”. 1.3.2 Dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, ensino e afins (art. 40, III) Trata-se de rol taxativo,sendo vedada a analogia in malam partem. A razão de ser da majorante incide na comercialização (ou, ao menos, o início de sua execução) de material entorpecente no interior dos locais mencionados no inciso em comento. Por tal razão, o STJ, no Informativo 543, decidiu que o fato do agente levar a droga em transporte público, sem a comercializar em seu interior, não implica na incidência desta majorante. Por sua vez, à luz do entendimento do STF, a aplicação desta causa de aumento se justifica quando constatada a comercialização de drogas nas dependências ou imediações de 24 estabelecimentos prisionais, sendo irrelevante se o agente infrator visa ou não aos frequentadores do local (Informativo 858 do STF). 1.3.3 Interestadualidade do tráfico de drogas (art. 40, V) De igual maneira ocorre com a transnacionalidade, para fins de incidência da majorante, basta a comprovação de que o destino do material entorpecente era localidade em outro Estado da Federação. Súmula 587 STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, inciso V, da lei 11.343/06 é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre Estados da Federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual. 1.3.4 Envolvimento de criança, adolescente ou quem tenha a capacidade de entendimento suprida ou diminuída (art. 40, VI) No caso de crianças e adolescentes, o réu somente poderá ser condenado por corrupção de menores se a sua conduta não estiver tipificada entre os artigos 33 a 37 da Lei de Drogas; caso contrário, ocorrerá a incidência desta majorante, sendo vedada a sua cumulação com o crime do art. 244-B do ECA, sob pena de bis in idem. 1.3.5 Financiamento ou custeio do tráfico (art. 40, VII) Esta majorante somente será aplicada se o financiamento for eventual. Caso seja habitual, trata-se da figura típica prevista no artigo 36 da Lei de Drogas. 1.4 Procedimento penal No que tange ao procedimento para apuração e julgamento dos processos que envolvem os crimes previstos na Lei de Drogas, impende tecer alguns comentários quanto às suas peculiaridades. A prisão em flagrante pela prática de crime previsto nesta Lei deverá ser comunicada de forma imediata ao juiz e em 24 horas ao Ministério Público – trata-se de previsão expressa na Lei de Drogas. Quanto ao envio de cópia do Auto de Prisão em Flagrante à Defensoria na 25 ausência de advogado que represente o preso, há entendimento na doutrina pela sua obrigatoriedade, com fulcro no artigo 306, §1º do Código de Processo Penal. Para lavratura do APF e para o oferecimento da denúncia, basta o laudo preliminar firmado por um perito oficial e, na sua falta, por uma pessoa idônea. Por sua vez, para fins de condenação, será necessário o laudo definitivo, apto a comprovar a materialidade delitiva. O laudo definitivo pode ser firmado por um perito oficial e, na sua falta, por duas pessoas idôneas. Vale ressaltar que não há impedimento do perito subscritor do laudo preliminar quanto à confecção do laudo definitivo. PRAZOS PARA CONCLUSÃO DO IP LEI DE DROGAS PRESO: 30 dias, prorrogáveis por igual período SOLTO: 90 dias, prorrogáveis por igual período CPP PRESO: 10 dias SOLTO: 30 dias No que toca ao relatório policial, vale destacar uma peculiaridade quanto aos crimes da Lei de Drogas: via de regra, o Delegado de Polícia não emite juízo de valor no relatório. Entretanto, tratando-se de crime previsto na Lei de Drogas, é necessário juízo de valor para fins de classificação delitiva. (Exemplo: o Delegado de Polícia deve analisar se a droga encontrada com o acusado se destinava a consumo pessoal, tipificando a conduta no artigo 28, ou se destinava à comercialização, tipificando-a no artigo 33). A infiltração policial será possível tanto na fase investigativa quanto na fase processual, não possuindo prazo máximo. Será necessário, contudo, autorização do juiz e oitiva do membro do Ministério Público. De igual maneira ocorre com a ação controlada. Ao receber o inquérito policial, o Ministério Público deverá oferecer denúncia no prazo de 10 dias, independentemente do indiciado estar preso ou solto. De igual maneira, a defesa 26 prévia deverá ser oferecida em até 10 dias. Para ambas as partes, é permitido arrolar até 05 testemunhas. Por fim, vale ressaltar que, diferentemente do que prevê o artigo 57 da Lei de Drogas, o interrogatório do acusado deverá ser realizado ao final da instrução criminal, conforme entendimento do STF (HC 12.7900/AM). 2. Lei de Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296/96) 2.1 Conceitos A primeira Constituição do Brasil que previu a inviolabilidade das comunicações telegráficas e telefônicas foi a Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 01 de 17/10/69. Com o advento da Constituição Federal, passou-se a admitir a interceptação telefônica, pelo preenchimento dos requisitos: ordem judicial e para investigação criminal, nas hipóteses e na forma que a lei prescrever. O art. 1º da Lei 9.296/96 abrange a interceptação telefônica e a escuta telefônica, enquanto as demais hipóteses estão albergadas pela regra prevista no artigo art. 5º, X da CF/88. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA Captação da comunicação telefônica alheia por terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores. ESCUTA TELEFÔNICA Captação da comunicação telefônica alheia por terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores. 2.2. Cabimento De acordo com o art. 5, XII, da CF e art. 1º da Lei 9.296/96 a interceptação telefônica e escuta telefônica somente são cabíveis para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Não cabem em Ação Civil Pública. Podem, contudo, ser levadas ao processo cível, trabalhista como prova emprestada, mediante autorização do juízo criminal. 27 Atente-se para o fato de que termo “Investigação Criminal” engloba não apenas o inquérito policial, mas também outros meios de investigação, a exemplo de CPIs e investigações no âmbito interno do MP. SV 14: é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa, já que a interceptação corre em segredo de justiça. Segundo STJ (HC 57.624), não cabe interceptação telefônica antes de encerrado o procedimento administrativo fiscal, pois não há crime antes do lançamento definitivo do tributo (condição objetiva de punibilidade nos crimes materiais contra a ordem tributária). Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei (art. 10). Nesse sentido, cabe destacar que não é possível a decretação de interceptação telefônica com base unicamente em “denúncia anônima” ou “delação apócrifa” (STJ, 6ª Turma, HC 204.778/SP, Rel. Min. Og Fernandes, j. 04/10/2012). Contudo, não há ilegalidade no início das investigações com base em "denúncia anônima", para a verificação da veracidade das alegações nela contidas. Assim, a partir dessas diligências preliminares, associadas a outras informações e elementos eventualmente obtidos durante a investigação, poderá ser requerida a decretação da interceptação telefônica do investigado ao Juízo competente (STF, 2ª Turma, RHC 132.115/PR, Rel. Min. Dias Tóffoli, j. 6/2/2018). Por fim, vale destacar que o Plenário do STF, em recente decisão, reafirmou a jurisprudência no sentido de não é imprescindível que a transcrição de interceptações telefônicas seja feita integralmente, salvo nos casos em que esta for determinada pelo relator do processo. (Agravo Regimental na Ação Penal 508, julgado em 6 de fevereiro de 2019). 2.3. Aspectosimportantes para admissibilidade da interceptação das comunicações telefônicas Ordem judicial devidamente fundamentada: Controle judicial de legalidade deve ser sempre prévio. Autorização judicial concedida por juiz incompetente é nula. Contudo o 28 STF flexibiliza a regra tendo em vista a teoria do juízo aparente, quando a interceptação ocorrer no curso das investigações criminais (cautelar preventiva), conforme jurisprudência do STF (Info. 701). Natureza cautelar: a admissibilidade da interceptação está condicionada à presença do fumus comissi delicti e do periculum in mora. Infração punida com reclusão: a lei fala em crime punido com reclusão, destarte não caberá interceptação para apurar contravenções ou crimes punidos apenas com detenção, salvo no caso de encontro fortuito de crimes. Sigilo profissional do advogado: as conversas entre advogado e cliente são consideradas inadmissíveis no processo, salvo quando o advogado esteja envolvido com o crime objeto da investigação (Info. 541, STJ). Serendipidade: descoberta de fato diverso do investigado ou de pessoa não prevista na ordem judicial. Também conhecido como “encontro fortuito”. Se o crime descoberto não possui relação com o fato investigado (serendipidade de segundo grau), pode ser usado como base para investigar, não como prova. Somente será usada como prova, se tiver relação com o fato investigado. A validade da prova inesperadamente obtida está condicionada à legalidade da diligência. Legitimados: Juiz de ofício3, autoridade policial (na investigação criminal) e MP (na investigação criminal ou na instrução processual). Atenção: Acerca da decretação ex officio pelo magistrado, acompanhar o julgamento da ADI 3.450 proposta em face da alegada afronta ao sistema acusatório, inércia de jurisdição e parcialidade do juiz. Quanto às atribuições do MP no pedido de interceptação, o STF adotou entendimento de que é constitucional a Resolução 36/2009 do CNMP, que dispõe sobre o pedido e a utilização de interceptações telefônicas no âmbito do Ministério Público, nos termos da Lei nº 9.296/96. A norma foi editada no exercício das atribuições previstas diretamente no art. 130-A, § 2º, I e II, da CF/88. A Resolução apenas regulamenta questões administrativas e disciplinares relacionadas ao procedimento de interceptação telefônica, promove a 3Possível reanálise diante da Lei nº 13.964/19 (“Pacote Anticrime”), que modificou substancialmente a atuação do juiz de ofício no processo penal, primando-se pela sistemática do sistema acusatório. 29 padronização formal mínima dos ritos adotados (STF. Plenário. ADI 4263/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/4/2018). Prazo: 15 dias, renováveis por igual tempo, quantas vezes for necessária desde que presente os fundamentos da indispensabilidade. Foro privilegiado: se no curso da interceptação aparecer autoridade com prerrogativa de função, os autos devem ser enviados imediatamente para o Tribunal competente, sob pena de nulidade. 30 3. Lei de Tortura (Lei nº 9.455/97) 3.1 Considerações iniciais Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil já havia se obrigado a reprimir o crime de tortura pela adoção da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (1984) e pela Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985). Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve a previsão expressa da vedação à tortura, bem como quanto ao mandado de criminalização de sua prática: art. 5º, III: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e XLIII: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evita-los, se omitirem”. Importante notar que o crime de tortura é equiparado a crime hediondo. Para atender o referido mandado de criminalização, foi editada a Lei nº 9.455/97. 3.2 Espécies de Tortura Os crimes previstos na Lei de Tortura são todos promovidos mediante ação penal pública incondicionada. 3.2.1 Tortura probatória, tortura crime e tortura discriminatória (art. 1º, I) Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; 31 b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; O que diferencia as condutas previstas nas alíneas do inciso I do art. 1º da Lei de Tortura é o elemento subjetivo especial, ou seja, a intenção do agente. Na hipótese prevista na alínea “a”, a intenção do agente é a obtenção de prova em desfavor da vítima ou de terceira pessoa; quanto à alínea “b”, a motivação é a prática de ação ou omissão com relevância no âmbito penal; por fim, a alínea “c” descreve a conduta daquele que pratica tortura com fins discriminatórios pautados em raça ou religião. É crime comum, de forma que pode ser praticado por qualquer pessoa. Também não se exige qualidade especial da vítima, podendo ser qualquer pessoa. Todas as modalidades constituem crime formal, ou seja, estará consumado com o sofrimento físico ou mental causado à vítima, mesmo que a finalidade do agente não seja alcançada. Quanto à tortura discriminatória, vale observar que o legislador não previu as hipóteses de discriminação com fins sexuais ou políticos. 3.2.2 Tortura castigo (art. 1º, II) II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Nesta modalidade de tortura, a intenção do agente é castigar a vítima ou aplicar-lhe medida de caráter preventivo através de violência ou grave ameaça, aptos a provocar sofrimento físico ou mental. Aqui, o crime é próprio quanto ao sujeito ativo, de forma que somente poder ser praticado por quem tenha a guarda, poder ou autoridade em relação à vítima. É crime especial em relação aos maus tratos (art. 136 do CP), que é praticado para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia, diferentemente do crime de tortura castigo, que é praticado para causar padecimento à vítima, causando-lhe sofrimento físico ou mental, sem qualquer cunho educativo. 32 3.2.3 Figuras equiparadas §1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Como não há distinção feita pelo legislador, engloba a prisão em flagrante, preventiva e temporária, bem como a prisão definitiva. Ademais, também engloba os jovens infratores apreendidos, internados ou em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade. Por fim, vale ressaltar que engloba também o preso civil por dívida de alimentos. Igual raciocínio deverá ser aplicado à medida de segurança: abrange tanto a internação ou o tratamento ambulatorial. A colocação do preso em RDD sem prévia determinação judicial também implica no cometimento deste delito. É crime comum quanto ao sujeito ativo; entretanto, exige-se que a vítima seja pessoa presa ou sujeita à medida de segurança. 3.2.4 Modalidade omissiva § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. Trata-se da conduta do agente que deve evitar ou apurar a prática dos delitos de tortura, mas não o faz. Este delito não é equiparado a hediondo. A pena mínima é de um ano de detenção, destaforma, admite a suspensão condicional do processo. Quanto ao sujeito ativo, é crime próprio, pois somente poderá ser praticado por quem tem o dever de apurar a ocorrência da prática de qualquer modalidade de tortura. Não é possível aplicar a causa de aumento de pena prevista no §4º, I do art. 1º da Lei, pois constituiria bis in idem, uma vez que o crime é cometido por funcionário público por essência. 33 É crime especial quanto aos delitos de prevaricação (art. 319 do Código Penal) e condescendência criminosa (art. 320 do Código Penal). É incabível a tentativa nesta modalidade, pois se tratando de crime omissivo próprio, não há que se falar na possibilidade de tentativa. 3.2.5 Qualificadoras e causas de aumento de pena § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. Tanto a qualificadora da lesão corporal grave ou gravíssima e a morte consistem em figuras qualificadoras preterdolosas, pois o agente tem o dolo de torturar e, culposamente, causa a lesão grave ou a morte. A diferença do homicídio qualificado pela tortura (art. 121, §2º, III do Código Penal) e da tortura qualificadora pela morte é a intenção do agente. Homicídio qualificado pela tortura O dolo do agente é de matar. Há dolo de matar e a tortura é meio utilizado para a prática do delito. Competência do Tribunal do Júri. Tortura qualificada pela morte O dolo do agente é torturar, e a morte é um resultado culposo decorrente de sua conduta. Competência do juízo singular. § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) III - se o crime é cometido mediante sequestro. 34 As causas de aumento em comento são aplicáveis a todas as modalidades de tortura; quanto à tortura cometida na modalidade omissiva, conforme anteriormente dito, não caberá a majorante do inciso I, uma vez que se exige que o sujeito ativo seja funcionário público, de sorte que o reconhecimento desta causa de aumento ocorreria em bis in idem. No que tange à majorante do inciso III, é necessário observar que a privação da liberdade deverá ser o meio utilizado para a prática da tortura. Caso contrário, haverá concurso de crimes entre a tortura e o sequestro ou cárcere privado (artigo 148 do Código Penal). 3.2.6 Efeitos da Condenação § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. O efeito somente poderá ser aplicado com o trânsito em julgado da condenação. É efeito automático, não sendo necessária a motivação expressa na sentença. 3.2.7 Aspectos do cumprimento da pena § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A proibição de fiança, anistia e graça atende ao mandamento constitucional do art. 5º, XLIII da Carta Magna. O STF entende que o indulto também não é cabível. Quanto à imposição do regime inicial de cumprimento de pena fechado, o entendimento do STF é de que este dispositivo é eivado de inconstitucionalidade, uma vez que fere o princípio da individualização da pena. 3.2.8 Extraterritorialidade Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando- se o agente em local sob jurisdição brasileira. De acordo com tal dispositivo, a Lei de Tortura é revestida de extraterritorialidade, ao passo que é aplicável ao crime ocorrido fora do Brasil, desde que a vítima seja brasileira ou o torturador se encontre em território nacional. 35 São hipóteses de extraterritorialidade incondicionada, uma vez que a lei não impõe qualquer condição para a sua aplicação a crimes cometidos fora do território nacional. 36 Capítulo 2 4. Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98) 4.1 Considerações iniciais O surgimento da criminalização da lavagem de dinheiro surgiu com a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico de Drogas celebrava em Viena no ano de 1988. Em 1991, com o Decreto nº 154, houve a ratificação deste Tratado pelo Brasil. A Lei nº 12.683/12 foi responsável por significativas mudanças na Lei nº 9.613/98, podendo- se ressaltar: supressão do rol taxativo de crimes antecedentes; aprimoramento das medidas assecuratórias e ampliação das pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela comunicação de operações suspeitas. Art. 1º da Lei nº 9.613/98 antes da Lei nº 12.683/12 Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003) III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa. VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto- 37 Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002) Pena: reclusão de três a dez anos e multa. Rol atual: Art.1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Registre-se que, em que pese a supressão do rol taxativo de crimes antecedentes, somente poderá ser considerada infração penal antecedente da lavagem de capitais aquelas capazes de produzir bens, direitos ou valores que poderão ser objeto de lavagem. Quanto ao aprimoramento das medidas assecuratórias, no art. 4º, §1º, há previsão expressa da alienação antecipada de bens, conforme será posteriormente estudado. Por fim, quanto à ampliação subjetiva dos responsáveis pelas comunicações suspeitas, vale ressaltar a figura dos gate keepers, prevista no art. 9º da Lei nº 9.613/98. 4.1.1 Expressão “lavagem de dinheiro” A origem da denominação “lavagem de dinheiro” deita raízes no direito norte-americano, notadamente na expressão Money Laundering. Trata-se de expressão oriunda de um famoso caso na cidade de Chicago na década de 20, em que vários líderes de organizações criminosas passaram a abrir lavanderias de fechada com superfaturamento dos lucros, para justificar o seu padrão de vida. Vale ressaltar que em alguns países europeus, o crime de lavagem de dinheiro é conhecido como “branqueamento de capitais”; entretanto, essa terminologia não é adequada, por eventualmente remeter à uma concepção preconceituosa. 38 4.1.2 Conceito de lavagem de dinheiro Trata-se da “conduta pela qual se busca ocultar ou dissimular a origem, localização, disposição ou movimentação de ativos provenientes da prática de uma infração penal, tendo por finalidade sua futura reinserção na economia formal, revestido de aparência de ilicitude”. Em outras palavras, cuida-se do crime que visa dar uma aparência lícita ao produto proveniente de uma infração penalantecedente. 4.1.3 Bem jurídico tutelado Existem, basicamente, três correntes acerca da definição do bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro: 1ª corrente: o bem jurídico tutelado é o mesmo da infração penal antecedente. (Ex.: Horst Hund defende essa posição) 2ª corrente: é a Administração da Justiça. (Posicionamento minoritário defendido, por exemplo, por Marcelo Mendroni, Gustavo Badaró, Rodolfo Tigre Maia) 3ª corrente: majoritária – é um crime contra a ordem econômico-financeira (socioeconômica). De acordo com o GAFI (Grupo de Ação Financeira), a lavagem de dinheiro apresenta “nocivos impactos ao regular desenvolvimento econômico”, uma vez que os criminosos regularmente procuram novas formas de continuar praticando a lavagem de dinheiro. Vale ressaltar que é plenamente possível a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de lavagem de capitais. 4.1.4 Gerações de leis de lavagem de capitais A primeira geração da lei de lavagem de capitais previa somente o tráfico de drogas como crime antecedente; por sua vez, as leis de segunda geração geraram uma ampliação dos crimes antecedentes, em rol taxativo. 39 As leis de terceira geração, tal qual a Lei nº 9.613/98 atualmente, preveem que qualquer infração penal pode funcionar como antecedente da lavagem de capitais, desde que seja capaz de produzir ativos financeiros passíveis de lavagem. 4.1.5 Fases da lavagem de dinheiro As fases da lavagem de dinheiro foram elaboradas pelo GAFI. Não é necessário que o crime percorra todas as fases para a sua consumação; a divisão em fases é meramente didática, bem como para facilitar a identificação de atos de lavagem na vida prática. Fase da colocação (Placement) É é o dinheiro “colocado” em circulação no mercado, geralmente em países com sistemas financeiros liberais. Pode ocorrer, por exemplo, através da compra de bens e depósitos. Geralmente, a colocação dos ativos em circulação ocorre de maneira gradual e em pequenas quantidades. É conhecida como “smurfing”. Pratica lavagem de dinheiro o sujeito que recebe propina por meio de depósitos bancários fracionados, em valores que não atingem os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à comunicação compulsória dessas operações. Ex.: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo depósito acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao COAF; diante disso, um Deputado recebia depósitos periódicos de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o crime de lavagem. Trata-se de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida pela prática do crime antecedente. STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info 904). Fase da ocultação/dissimulação/mascaramento (Layering) Realização de sucessivas operações com vistas a “reciclar” os ativos financeiros, passando a obter aspecto de licitude. Pode ocorrer através de conversão de valores em instrumentos financeiros ilícitos, transferência eletrônica de fundos, aquisição de bens móveis de alto valor como joias e obras de arte e afins. 40 Fase da integração (integration) É a integração do ativo já “lavado” de maneira formal à economia regular. Exemplo: compra de empresa já existente, pagamento de serviços. 4.1.6 Acessoriedade da lavagem de capitais Lei n. 9.613/98 - Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: (...) II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; No que tange ao crime de lavagem de capitais, há a adoção da teoria da acessoriedade limitada: exige-se, portanto, que a infração penal antecedente seja típica e ilícita. Vale ressaltar que não é necessário aguardar o trânsito em julgado de decisão condenatória em relação à infração penal antecedente: basta que haja indícios suficientes de sua prática; o crime de lavagem de capitais é acessório/parasitário. Registre-se que a denúncia do crime de lavagem de capitais deverá expor os indícios suficientes da prática da infração penal antecedente: trata-se da justa causa duplicada. Se houver conexão ou continência entre as ações que julgam o crime de lavagem de capitais e o processo referente à infração penal antecedente, o juízo competente para o processo e julgamento do crime de lavagem será quem decidirá acerca da reunião e/ou separação dos feitos, ainda que a pena cominada ao delito conexo seja mais grave. Aqui, não se aplica o Código de Processo Penal, em razão do princípio da especialidade. 1.1.7 Sujeitos do crime Trata-se de crime comum, que poder ser praticado por qualquer pessoa. Vale ressaltar que a posição majoritária é que o crime de autolavagem (selflaundering). O STJ admite que o autor do crime antecedente responda por lavagem de dinheiro, considerando que os bens jurídicos são diversos e que trata-se de crime autônomo, inexistindo bis in idem. (STJ, 5ª Turma, Resp 1.234.097/PR). 41 Registre-se que é plenamente possível a punição pelo crime de lavagem de dinheiro a quem não tenha sido responsável pela prática da infração penal antecedente (ex.: típico caso de “laranjas”). 4.2 Crime em espécie Art.1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Trata-se de crime de ação múltipla ou conteúdo variado ou tipo misto alternativo, ou seja, ainda que mais de um verbo seja praticado no mesmo contexto fático, haverá crime único. É perfeitamente cabível a tentativa, na forma do artigo 14, II do Código Penal. STJ: Se a absolvição pela infração penal antecedente ocorrer pela atipicidade da conduta ou inexistência do fato, não será possível a condenação pelo crime de lavagem de dinheiro. Vale ressaltar que o fato de usufruir de valores obtidos pela prática de uma infração penal se trata de mero exaurimento da infração antecedente. Para melhor ilustrar o tema, veja dois recentes julgados do STF: O mero recebimento de valores em dinheiro não tipifica o delito de lavagem, seja quando recebido pelo próprio agente público, seja quando recebido por interposta pessoa. STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info 904). Não configura o crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98) a conduta do agente que recebe propina decorrente de corrupção passiva e tenta viajar com ele, em voo doméstico, escondendo as notas de dinheiro nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias. Também não configura o crime de lavagem de dinheiro o fato de, após ter sido descoberto, dissimular (“mentir”) a natureza, a origem e a propriedade dos valores. STF. 1ª Turma. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955). 42 Ainda sobre entendimento jurisprudencial vale ressaltar que o STF (AP 863) entende que a lavagem de capitais na modalidade “ocultar” é crime permanente, ou seja, há atração da Súmula 711 do STF (A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência). Quanto à possibilidade de punição a título de dolo eventual, a única modalidade de lavagem de capitais que somente a punição a título de dolo direto é a figura prevista no art. 1º, §2º, II (“incorre ainda, na mesma pena, quem: participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei). 1.2.1 Teoria da Cegueira Deliberada Trata-se de uma teoria que surgiu no direito norte-americano
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