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Marina Moura Fé – M7 Introdução Muitas vezes, os pacientes idosos são tratados como pacientes adultos, desconsiderando-se a singularidade do processo de senescência e senilidade. Isso faz com que, entre outros fatores, os pacientes idosos sejam especialmente sujeitos à ocorrência de eventos iatrogênicos, o que é evidenciado na elevada prevalência de iatrogenias nessa população. Além disso, as mudanças orgânicas decorrentes do envelhecimento ocasionam alterações importantes na resposta aos medicamentos. No idoso, há alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas que exigem mais atenção na prescrição medicamentosa. Em contrapartida, a intervenção farmacológica é a mais utilizada nas pessoas idosas, sendo que a maioria delas faz uso de polifarmácia. Apesar de o conceito de polifarmácia ainda não ser consensual, o termo é utilizado na maioria dos estudos na referência ao uso de 5 ou mais medicamentos concomitantes. A palavra “iatrogenia” vem do grego e é uma composição de duas palavras: iatrós (aquele que cura) + genós (gerador, origem). Etimologicamente, significa a geração de efeitos a partir da prática médica. Ela é usada para designar repercussões negativas consequentes da ação da equipe de saúde. Em resumo, iatrogenia é qualquer prejuízo que o paciente tenha que não é decorrente de uma doença, mas sim da ação ou da omissão de qualquer intervenção por parte de algum membro da equipe de saúde, seja ele médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, fisioterapeuta, etc. Iatrogenia Iatrogenia X Erro médico É de suma importância diferenciarmos dois conceitos: iatrogenia e erro médico. Muitas vezes esses termos são usados como sinônimos, porém dizem respeito a situações distintas. A diferenciação se faz clara ao pensarmos que, apesar de na maioria das vezes os erros médicos levarem à iatrogenia, em algumas situações um erro médico pode não gerar prejuízo algum ao paciente, não ocasionando, nesse caso, iatrogenias. Da mesma forma, é importante notar que nem todas as iatrogenias são decorrentes de erros médicos, na verdade, a maioria das iatrogenias decorre de situações indicadas, e não por erro médico. A iatrogenia não acarreta a responsabilidade civil do profissional da saúde, uma vez que ela decorre de um agir tecnicamente correto. Nesse caso, além da intenção benéfica do profissional para uma tentativa de cura do paciente, há um proceder preciso e correto, de acordo com as normas e princípios ditados pela ciência de sua área profissional. Na direção oposta está o erro médico. Este sim é gerador da responsabilidade civil do profissional pelos danos dele decorrentes. O erro médico advém de conduta ou omissão negligente (descuido), imprudente (sem precaução, imponderado) ou imperita (inabilidade ou desconhecimento técnico) do profissional, da qual resultou um dano ao paciente. Tipos de Iatrogenias Uma iatrogenia pode ocorrer em consequência a uma ação, medida ativa, do profissional ou a uma situação de omissão. Marina Moura Fé – M7 Além disso, há casos em que a iatrogenia decorre de questões ligadas à comunicação. Dentro dessas categorias – ação, omissão ou comunicação –, podemos classificar o tipo de iatrogenia de acordo com o momento do processo médico em que ela acontece. ➢ Iatrogenia por ação: Quando é devida a uma ação, a iatrogenia pode ocorrer durante o processo diagnóstico, no tratamento ou na prevenção de uma doença. Por exemplo, quando um paciente tem indicação de realização de uma tomografia computadorizada com contraste para a realização do diagnóstico de alguma doença, caso esse paciente desenvolva reação alérgica ao contraste iodado, esse prejuízo – a reação alérgica – seria categorizado como uma iatrogenia decorrente de uma ação diagnóstica. Da mesma forma, o efeito adverso a algum medicamento utilizado para o tratamento é considerado uma iatrogenia decorrente do tratamento. Como exemplo de uma iatrogenia devido a medidas preventivas, podemos pensar em um paciente que sofre perfuração intestinal na realização de uma colonoscopia preventiva. É importante ressaltar que, quando o dano ocorre por uma ação de imperícia ou imprudência, é configurado um erro médico. ➢ Iatrogenias por omissão: também podem ocorrer no momento do diagnóstico, do tratamento ou da prevenção, destacando novamente que, em situações em que há negligência, fala-se de erro médico. Utilizando o mesmo exemplo da tomografia computadorizada com contraste iodado, caso o médico opte por não a realizar pelo risco de choque anafilático e o paciente sofre as consequências da falta do diagnóstico que seria feito, temos uma situação de iatrogenia por omissão diagnóstica. Quando há demora na prescrição de algum medicamento e o quadro clínico do paciente piora em consequência disso, tem-se uma iatrogenia por omissão de tratamento. Por fim, há iatrogenia por omissão de medidas preventivas quando o paciente desenvolve uma doença por falha na sua prevenção, por exemplo. ➢ As iatrogenias de comunicação: podem resultar de deficiências comunicativas por parte do paciente e profissional, do conteúdo e da forma de se comunicar más notícias e até mesmo da grafia do profissional. Os problemas de comunicação ocorrem especialmente com os pacientes que possuem deficiências de compreensão, como baixa escolaridade ou deficiência auditiva por exemplo, contudo, pode ocorrer também quando o profissional não consegue explicar o conteúdo desejado da forma mais apropriada. Isso é visto principalmente nos momentos de comunicação de más notícias, em que o profissional passa uma impressão de que o problema é menor ou maior do que é de fato. Por fim, iatrogenias também acontecem, com certa frequência, por questões de grafia não compreensível. Quando a caligrafia do médico em uma prescrição, por exemplo, não é compreendida pelo farmacêutico ou mesmo pelo próprio paciente, pode ocorrer trocas de medicamentos e/ou erro de dosagem e frequência. Reação adversa a medicamentos (RAM) A Organização Mundial da Saúde (OMS) define “reação adversa a medicamento” (RAM) como “qualquer efeito prejudicial ou indesejado que se manifeste após a administração do medicamento, em doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma enfermidade”. Marina Moura Fé – M7 Devido às alterações farmacodinâmicas e farmacocinéticas que acompanham o envelhecimento, as RAM são muito comuns e mais graves em idosos. Além disso, o uso concomitante de diversos medicamentos (a polifarmácia), visto em muitos idosos, leva a uma maior propensão a interações medicamentosas e efeitos indesejáveis. É comprovado que em mais da metade das hospitalizações os idosos sofrem alguma RAM e, especialmente nessa população, é preciso atenção para não interpretar a manifestação da reação adversa como um novo sintoma, o que pode levar à introdução de uma nova medicação, no que dizemos ser uma cascata iatrogênica. É importante manter atenção especial aos idosos que possuem fatores de risco para desenvolver RAM. São eles os idosos com idade mais avançada, aqueles com alguma fragilidade, os pacientes com declínio cognitivo e os que fazem uso de polifarmácia. Fatores de Risco da Iatrogenia Ser idoso por si só já é um fator de risco para iatrogenias, tanto em função das alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas fisiológicas, quanto pelo despreparo de muitos profissionais na assistência a esses pacientes. Idosos com múltiplas comorbidades estão no grupo de maior risco, dado que seus órgãos e sistemas já possuem algum grau de comprometimento de suas funções. Idosos que passam por múltiplos médicos e que são acompanhados por diversos profissionais de saúde tambémestão mais expostos ao risco da iatrogenia, uma vez que se submetem a muitas avaliações diagnósticas recebem múltiplos tratamentos e fazem uso de polifarmácia. Polifarmácia A maioria dos estudos define como polifarmácia o uso de no mínimo 5 medicamentos. Apesar de o uso de remédios contribuir para o controle de doenças e comorbidades e, consequentemente, para a manutenção da capacidade funcional e da qualidade de vida dos idosos, se realizado de forma incorreta, pode gerar danos. Por isso, deve haver atenção à prescrição medicamentosa em idosos, sempre ponderando os riscos e os benefícios. Em idosos as prescrições medicamentosas devem ser receitadas com cautela, considerando as alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas próprias do envelhecimento, sob pena de provocar iatrogenias Farmacocinética Define-se farmacocinética como o conjunto de processos sofridos pelos fármacos no corpo humano a partir de sua administração, ou seja, abrange absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos medicamentos. Marina Moura Fé – M7 Absorção Estudos farmacocinéticos sobre o efeito do processo de envelhecimento sobre a absorção de fármacos apresentam resultados conflitantes. Essas disparidades de dados relacionam-se à via e ao tipo de absorção – passiva ou ativa. Atentando-se inicialmente à via oral (VO), forma de administração usual de medicamentos, o envelhecimento influencia a absorção de medicamentos. Processo não uniforme – nem entre idosos, nem entre medicamentos – merece atenção do prescritor particularmente quando o resultado esperado não ocorrer e/ou o paciente apresentar outras peculiaridades passíveis de interferir na absorção do fármaco indicado. A biodisponibilidade medicamentosa pela via oral depende basicamente da absorção pelo trato gastrintestinal e da primeira passagem hepática do fármaco. A absorção oral de medicamentos sofre interferências quando ocorre aumento do pH gástrico, retardo no esvaziamento do estômago, redução na mobilidade e no fluxo sanguíneo do sistema digestório; alterações observadas em percentuais significativos de idosos. Essas alterações interferem mais em substâncias e fármacos que dependem de transporte ativo para absorção intestinal como glicose e vitamina B12. Felizmente, a maioria dos medicamentos é absorvida nessa via por difusão passiva que apresenta baixo grau de evidências quanto a alterações relacionadas com o envelhecimento. Em contrapartida, a primeira passagem hepática –importante em processos de biodisponibilidade farmacológica – encontra-se geralmente reduzida em idosos. Deve-se isto à redução do parênquima e do fluxo sanguíneo hepático durante o envelhecer. Biodisponibilidade de medicamentos que se submetem a extenso metabolismo de primeira passagem – como metoclopramida e opioides – pode aumentar de forma significante, recomendando-se iniciar sua administração em doses menores que as de adultos jovens. Opondo-se a este fato, observa-se também a ativação mais lenta na primeira passagem hepática de vários profármacos como inibidores da enzima de conversão da angiotensina. O uso crônico desses fármacos reduz o impacto dessas alterações hepáticas, tornando-as clinicamente pouco relevantes. Mesmo com as alterações descritas antes, a absorção medicamentosa em idosos normalmente não apresenta prejuízo de monta, desde que se mantenha a integridade da mucosa gástrica. Há, porém, doenças e/ou circunstâncias comuns nessa faixa etária com potencial de interferir na absorção, como moléstia diverticular, gastrectomia prévia, estenose pilórica, pancreatite e síndromes de má absorção. Distribuição Significativas alterações da composição corporal ocorrem durante o envelhecimento. Isto interfere na distribuição de determinados medicamentos. Atenção especial deve ser dedicada quanto ao aumento do tecido adiposo entre 20 e 40% e à redução da água corporal total em até 15%. Assim, fármacos hidrofílicos como gentamicina, lítio e digoxina tendem a apresentar menor volume de distribuição em idosos, com consequente aumento da concentração plasmática. A redução do volume de distribuição de medicamentos hidrossolúveis é contrabalanceada pela significativa perda do clearance renal durante o envelhecimento, redundando em baixo efeito sobre a meia-vida de eliminação desses fármaco. Observa-se situação oposta em fármacos lipofílicos, como benzodiazepínicos, morfina e amiodarona, cujo volume de distribuição eleva-se progressivamente com a idade. Marina Moura Fé – M7 Obviamente, se o volume de distribuição aumenta, a meia-vida de eliminação medicamentosa também se prolonga. Essa associação entre volume de distribuição e meia- vida de eliminação maiores em fármacos lipossolúveis provoca em idosos maior tempo de ação medicamentosa e risco de efeitos colaterais mesmo após o encerramento da tomada de fármacos como diazepam e tiopental. Medicamentos com características ácidas – diazepam, fenitoína, varfarina, ácido acetilsalicílico – ligam-se à albumina sérica, enquanto fármacos básicos – lidocaína, propranolol – agregam-se à alfa-1 glicoproteína ácida. Mesmo não havendo alterações de concentração sérica das duas proteínas relacionadas com o envelhecimento normal, a albumina sofre reduções significativas em idosos portadores de quadros de desnutrição e de fragilidade, enquanto a alfa-1 glicoproteína ácida – marcador de doenças inflamatórias – aumenta principalmente em quadros agudos comumente observados nessa faixa etária. O principal fator que determina o(s) efeito(s) medicamentoso(s) é a concentração livre do fármaco. Esta concentração relaciona-se com a capacidade de ligação entre o medicamento e a proteína carreadora dele (albumina ou alfa-1 glicoproteína ácida) e modula as interações medicamentosas e os efeitos fisiológicos dos fármacos. Sendo sua relevância clínica limitada em muitos medicamentos, deve se, contudo, atentar a exemplos como o da fenitoína que apresenta seus efeitos farmacológicos e colaterais maximizados em pacientes com baixas concentrações de albumina sérica. Metabolismo A depuração hepática dos fármacos depende da capacidade do fígado em metabolizar o(s) medicamento(s) e do fluxo sanguíneo hepático. Classificam-se os fármacos quanto ao seu grau de depuração hepática (DH) em três grupos: (1) alto (DH > 0,7) como propranolol, meperidina e lidocaína; (2) intermediário (DH entre 0,3 e 0,70) como ácido acetilsalicílico, codeína, morfina e triazolam; e (3) baixo (DH < 0,3) como carbamazepina, diazepam, fenitoína e varfarina. Quando o grau de DH é alto, sua capacidade de depuração torna-se limitada pelo fluxo sanguíneo existente no fígado. Quando o grau de DH é baixo, mudanças no fluxo sanguíneo hepático provocam pequenas alterações na depuração. Assim sendo, a progressiva redução do fluxo sanguíneo do fígado durante o envelhecimento afeta principalmente medicamentos com alto grau de DH. Outro fato relevante relaciona-se com a redução progressiva do volume hepático em até 30% durante o processo de envelhecimento. Isto resulta em queda de sua depuração em magnitude similar à anteriormente relatada. Cabe como mais uma observação de que no fígado ocorre a conversão de medicamentos em metabólitos, em processo conhecido como biotransformação. Esta, por sua vez, tem duas fases: a fase I, que converte medicamentos em metabólitos ativos ou inativos (oxidação e redução, por exemplo), e a fase II, que estabelece graus de polaridade e hidrossolubilidade para facilitar a excreção dessas substâncias pelas fezes e urina. Com o avançar da idade há comprometimento da fase I, levando ao aumento da concentração sérica de fármacos como benzodiazepínicos, bloqueadoresde canais de cálcio e levodopa. Estima-se que após os 70 anos de idade, o volume e a atividade do complexo enzimático citocromo P-450 encontra-se reduzido em cerca de 30%. Marina Moura Fé – M7 Estados de fragilidade, desnutrição, multimorbidades e tabagismo também influenciam o metabolismo hepático. No entanto, não há provas de função hepática adequadas na prática clínica para apontar as alterações descritas no paciente idoso. Excreção A redução da taxa de filtração glomerular provocada pelo envelhecimento afeta a depuração de vários medicamentos como, por exemplo, anti-inflamatórios não hormonais, anticoagulantes orais (rivaroxabana e dabigatrana), diuréticos, digoxina, betabloqueadores hidrossolúveis (atenolol e nadolol), antibióticos hidrossolúveis (cefalosporinas e aminoglicosídios) e lítio. A importância clínica dessa redução relaciona-se ao risco potencial de toxicidade do fármaco. Medicamentos com doses terapêuticas estreitas como lítio, aminoglicosídios e digoxina tornam- se altamente suscetíveis a efeitos colaterais graves, mesmo em concentrações séricas minimamente superiores ao ideal em idosos. Recomenda-se o cálculo do clearance de creatinina sérica em todo paciente nessa faixa etária. Em geral utiliza-se a fórmula de Cockcroft e Gault (1976): Atualmente encontram-se aplicativos desta fórmula para celulares como também de outra equação para o mesmo fim. Cabe, porém, a observação de que esses cálculos não devem ser utilizados simultaneamente no mesmo paciente devido a resultados discrepantes entre si. Também não se encontram validados para idosos frágeis, devendo ser usados com cautela nesses casos. Farmacodinâmica Define-se farmacodinâmica como o(s) efeito(s) do fármaco no organismo, que, no paciente idoso, depende de alterações em mecanismos homeostáticos e de modificações em receptores e sítios de ação. Alterações em mecanismos homeostáticos A maior sensibilidade observada em idosos a várias classes de medicamentos decorre do declínio de certas funções orgânicas. Desse modo, a redução do fluxo sanguíneo cerebral secundária à doença ateromatosa interfere na sensibilidade a fármacos de ação central, como antidepressivos e benzodiazepínicos. Observam-se assim quadros de confusão mental e/ou disfunção cognitiva em usuários desses fármacos, particularmente quando tomados por longos períodos. Outro exemplo, comum na prática clínica, é a hipotensão ortostática desencadeada por anti- hipertensivos. Isto decorre da menor reatividade do reflexo barorreceptor associada ao envelhecimento. Igualmente, a associação das alterações da termorregulação em idosos com medicamentos como psicofármacos apresenta potencial de gerar quadros de hipotermia nessa faixa etária. Modificações em receptores e sítios de ação O envelhecimento influencia a interação de medicamentos e receptores, alterando consequentemente o padrão de resposta orgânica aos fármacos. Poucos dados são relatados sobre diferenças farmacodinâmicas em idades acima de 80 anos. Mas o que já se encontra estabelecido é que há alterações no número e na afinidade de receptores aos fármacos como também modulações alteradas nas respostas celulares aos medicamentos. Marina Moura Fé – M7 Peculiaridades da prescrição medicamentosa em idosos Interações medicamentosas Interações medicamentosas correspondem à capacidade de um medicamento modificar a ação de outro administrado sucessivamente ou simultaneamente. Em situações em que há aumento da eficácia dos agentes terapêuticos empregados, as interações são até desejáveis, como, por exemplo, é observado quando se empregam antibióticos ou anti-hipertensivos; por outro lado, interações podem levar a resultados deletérios, como aumento do risco de eventos adversos ou redução da efetividade do tratamento. As interações podem ser farmacocinéticas, quando um medicamento afeta a absorção, distribuição, metabolismo ou excreção de outro, ou farmacodinâmicas, que ocorrem nos órgãos-alvo quando a ação de um fármaco no seu sítio é modificada por outro fármaco, quer porque fármacos agem nos mesmos receptores, quer porque atuam nos mesmos sistemas fisiológicos por meio de receptores diferentes. Prejuízo da funcionalidade, piora da qualidade de vida e até eventos adversos potencialmente fatais são outras complicações das interações medicamentosas. Marina Moura Fé – M7 Por outro lado, cabe esclarecer que nem todas as interações cursam obrigatoriamente com tais complicações; de fato, a maioria das interações corresponde a interações medicamentosas potenciais. Uma interação potencial é definida como uma ocorrência na qual são prescritos concomitantemente dois medicamentos que sabidamente podem interagir e ocasionar consequências indesejáveis. Os medicamentos implicados com mais frequência em interações potenciais são justamente aqueles usados de rotina por idosos portadores de doenças crônicas, como os de ação no sistema cardiovascular e no sistema nervoso central. É importante acrescentar que tais medicamentos costumam estar implicados com interações medicamentosas graves, ou seja, aquelas que podem levar a eventos adversos sérios, inclusive risco de morte. A adoção de hábitos, como a escolha de medicamentos com perfil seguro, o conhecimento das principais interações indesejáveis, o monitoramento do nível sérico de medicamentos com índice terapêutico estreito (associados a maior probabilidade de interações) e o cuidado quanto à orientação do paciente para o risco da automedicação podem minimizar a chance de complicações associadas às interações medicamentosas. Aderência medicamentosa A Organização Mundial da Saúde define aderência como adequação do indivíduo, como fazer dieta, exercícios e usar medicamentos, à recomendação médica. Já a aderência a medicamentos é entendida como a utilização dos medicamentos prescritos em pelo menos 80% do seu total, observando horários, doses e tempo de tratamento. Pacientes com uso inferior a 80% apresentam risco quatro vezes maior de complicações, como eventos cardiovasculares agudos. Estimativas conservadoras sugerem que a má aderência está associada a 10% das admissões hospitalares de pacientes idosos e a 23% das institucionalizações. Existe também relação entre a má aderência e a mortalidade, como, por exemplo, no caso de pacientes ao longo do primeiro ano após infarto do miocárdio, nos quais houve um risco de óbito seis vezes maior dos não aderentes. Taxas de má aderência são mais altas entre idosos, especialmente em pacientes com múltiplas doenças crônicas, nos quais a prevalência pode chegar a 50%, ou seja, metade dos medicamentos prescritos na prática médica não são utilizados, ou são utilizados de maneira inadequada. A aderência medicamentosa em idosos é assunto complexo e multifacetado, que sofre influência de ampla gama de fatores, como polifarmácia, declínio cognitivo e funcional, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, sintomas depressivos, falta de suporte social e dificuldades financeiras; até mesmo certas doenças têm sido especialmente associadas à má aderência, constituindo o exemplo clássico a hipertensão arterial, devido à sua natureza em geral assintomática. A aderência deve sempre ser considerada uma via de mão dupla, e, desse modo, tanto o médico quanto o paciente exercem papel fundamental. Cabe ao médico acolher, orientar, informar, explicar sobre os possíveis eventos adversos, ensinar a montar tabelas com horários de administração e de doses, e encaminhar o paciente a programas públicos e privados de disponibilização de medicamentos, quando for o caso. Já aqueles pacientes e seus familiares que procuram esclarecimentosadequados e se conscientizam sobre o perfil de suas doenças e as possíveis complicações de um tratamento inadequado têm mostrado maior aderência, e, portanto, melhor evolução. Marina Moura Fé – M7 Fatores que influenciam a aderência medicamentosa em idosos Medicamentos e vias alternativas em idosos Medicamentos em apresentações adequadas a idosos com distúrbios de deglutição tornam-se normalmente desafios na prática clínica. A via parenteral – subcutânea, intramuscular ou intravenosa – garante bom grau de absorção, embora em idosos frágeis e/ou altamente dependentes, quadros de sarcopenia e alterações no tecido subcutâneo interfiram no tempo e dosagem de absorção medicamentosa. Merece observação que essa via propicia o risco de complicações, desconforto e alto custo, sendo pouco frequente seu uso a longo prazo. Outras vias – tópica, sublingual, retal, bucal ou transdérmica – embora opções em algumas circunstâncias, tornam-se limitadas pelo número de fármacos em disponibilidade comercialmente. Observa-se, porém, que, mesmo com possibilidades terapêuticas restritas, essas vias contêm potencial de interações medicamentosas e de sobredoses, visto que – com exceção da transdérmica e da tópica parcialmente – o processo de absorção farmacológica nelas encontra-se vinculado a mucosas. Torna-se assim cada vez mais comum – em idosos incapacitados de utilizarem a via oral – a indicação de sondas de alimentação como alternativa para o aporte de nutrientes e administração de medicamentos.
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