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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 A SOCIEDADE DIGITAL ............................................................................. 4 2.1 A Evolução do Direito ........................................................................... 7 3 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL ................. 9 3.1 As Redes Sociais e o Comércio Social .............................................. 10 3.2 Redes Sociais: Aspectos Jurídicos .................................................... 11 4 DIREITO DIGITAL .................................................................................... 13 4.1 Do Direito Digital e da sua Relação com os Outros Ramos do Direito ............................................................................................................15 5 OS DESAFIOS DA NORMATIZAÇÃO DO USO DA INTERNET .............. 18 5.1 O Elemento Tempo ............................................................................ 20 5.2 Territorialidade ................................................................................... 21 5.3 Direito à informação e à liberdade de pensamento ............................ 23 6 OUTROS DESAFIOS................................................................................ 25 6.1 Darknet e Navegação Anônima .......................................................... 25 6.2 Criptografia ......................................................................................... 26 6.3 Criptomoedas ..................................................................................... 27 6.4 O Caso Cambridge Analytica ............................................................. 28 7 DIREITO DIGITAL NO BRASIL ................................................................ 30 8 O MARCO CIVIL DA INTERNET .............................................................. 34 8.1 O Marco Civil da Internet no Contexto Nacional ................................. 36 8.2 O Processo de Tramitação e Aprovação da Lei nº 12.965 de 2014 ... 38 9 LEI Nº 13.709/18 – LGPDP ....................................................................... 43 10 O MUNDO DIGITAL E ENVOVIMENTO DO MENOR ........................... 48 11 LEIS DE CRIMES DIGITAIS .................................................................. 50 2 11.1 Ciberterrorismo e Guerra Cibernética ............................................. 53 12 ANÁLISE DE CASOS PRÁTICOS À LUZ DO MARCO CIVIL DA INTERNET ................................................................................................................55 12.1 Ofensa à Honra e à Imagem via Facebook ..................................... 58 12.2 Implicações dos casos apresentados com a privacidade na internet .........................................................................................................60 13 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 63 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! A Rede Futura de Ensino, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 A SOCIEDADE DIGITAL Fonte: tecnologiae.com.br Ao procurarmos o significado da palavra sociedade, encontramos um rol de definições: 1. conjunto de pessoas que vivem em estado gregário, corpo social 2. conjunto de pessoas que mantêm relações sociais, coletividade 3. estado dos animais que vivem normalmente em agrupamentos 4. relação entre pessoas, convivência 5. associação (civil, comercial ou industrial); agremiação; reunião 6. local onde se reúnem os membros de uma agremiação; clube 7. participação; parceria 8. Direito, Economia contrato em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade. (In Infopédia – Dicionário de Língua Portuguesa) Atualmente, entretanto, essas definições se tornam insuficientes. Ao adentrarmos a chamada era digital. O Mundo tecnológico cresceu potencialmente nas últimas décadas, assumindo uma grande importância no dia-a-dia das pessoas, 5 automatizando e gerando maior velocidade nas ações de um modo geral. A utilização de novas tecnologias promove uma modificação no universo humano. O uso do computador e da Internet influenciou significativamente as relações humanas, sobretudo no que se refere à comunicação. As tecnologias digitais possibilitaram uma nova dimensão dos produtos, da transmissão, arquivo e acesso à informação alterando o cenário econômico, político e social. O desenvolvimento de novas tecnologias no setor da informática suplantou um mercado cada vez mais competitivo e especializado, resultante da globalização, aceleração e instantaneidade dos processos produtivos e padrões de mercado vigentes. O uso da rede integrada de computadores entre as pessoas e empresas, se tornou algo imprescindível nos dias atuais. É totalmente possível acessar uma vasta rede de informações em tempo real e também trocar e cruzar dados a qualquer momento. Com o uso do computador, os serviços se tornaram mais fáceis e rápidos, se reduziu a mão-de-obra em ocupações que substituíram o trabalho humano, mas que abriu portas para novas ocupações especializadas no ramo da informática (programadores, webdesigners, administradores de rede) e das comunicações (marketeiros e jornalistas virtuais). Qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, pode conseguir qualquer informação instantaneamente. A visibilidade dos fatos se tornou infinitamente maior e mais rápida, e os dados são atualizados a todo segundo. A interface digital expande o campo do visível, evidenciando a emergente evolução que diversificou, facilitou e transmitiu as informações de forma instantânea e ampla. A internet fez o cidadão potencialmente interagente e agente comunicador. Ele começou a dispor de maior acesso à informação como também pode participar dela efetivamente, opinando e interagindo ao mesmo tempo em que a recebe. Não mais se trabalha pelos mesmos padrões, não se socializa pelos mesmos canais, nem se comunica pelos mesmos meios; até mesmo o processo criativo mudou radicalmente. Os usuários habituam-se aos benefícios do digital, que se adapta às exigências constantes de um consumidor informado e inconformado. Surge uma nova linhagem de utilizadores que enaltece o individualismo, a autenticidade e a comunicação significativa dentro das comunidades. Portanto, as tecnologias passam a ser não a origem das necessidades dos consumidores, mas sim 6 os meios que os permitem realizar as tarefas do seu dia-a-dia, característica essa ligada ao que hoje vemos como sendo os meios de comunicação sociais há muito profetizados por Toffler – apud Silva (2013, p.3):“(...) já não são os recursos que limitam a decisão. É a decisão que faz os recursos” (1970: p.17). O autor acredita que os recursos e as possibilidades das novas tecnologias são, à época, altamente afetados pela maneira como os utilizadores as exploram e adaptam dentro do seu estilo de vida. E foi assim que os usuários alteraram e se aproveitaram das redes de produção e distribuição da Internet como resposta às suas novas adendas sociais. As redes sociais são consideradas o ponto essencial da questão. Estas plataformas, esclarece Silva, oferecem ferramentas que permitem formar relações pessoais significativas em comunidade, ao mesmo tempo que cada usuário é entendido como um veículo de divulgação de conteúdos e conhecimentos. Incluídas nos meios digitais. (…) meios de comunicação que tendem a ser digitais, dirigidos a computador, interativos, e, em muitos casos, capazes de servir mais especificamente as necessidades de quem procura informação do que os meios de comunicação tradicionais.(…) Também permitem uma vasta e rápida disseminação de informação” (Kawamoto, 2003: p.10.- apud Silva 2013, p.4) A Redes Sociais (meios sociais), são espaços que permitem aos usuários a aplicação de material disponibilizado pelos meios de comunicação, com opção de transmitir em anexo uma opinião e receber o feedback dos membros restantes da comunidade. São plataformas fortemente marcadas pela personalização e interatividade. Tamanho fascínio pelo mundo digital, acaba por fazer com que o consumidor se afaste do mundo consumista físico, que de alguma forma pode não atender suas expectativas, e passa a se resguardar no mundo de consumo digital, onde assume as entidades que quiser, buscando qualquer tipo de satisfação. Entretanto, explica Silva, existem duas fases na necessidade para que consumidor se refugie num mundo digital. Se, por um lado, pode ser vista como uma comodidade relativamente ao consumo de uma grande quantidade de informação em pouco tempo, pode também ser entendida como a necessidade do consumidor se afastar de um mundo sobrelotado de mensagens, de duplos sentidos e expectativas demasiado elevadas quanto a comportamentos por parte dos utilizadores. Acostumados a se refugiar nos seus ecrãs e dispositivos digitais, os “hiperconsumidores” experimentam um 7 sentimento de calma quando desenvolvem relações sociais, o que se tornou difícil de encontrar numa sociedade que estabelece expectativas irreais e provoca um elevado nível de stress no utilizador. No caso dos hiperconsumidores, a pessoa se sente mais confortável nas redes, se isolando do universo real. As relações criadas na rede também merecem atenção. Como sabemos, às vezes é mais fácil falar com alguém que não nos conhece. Por essa razão, muitos usuários preferem compartilhar os seus segredos mais íntimos e problemas pessoais na Internet, se afastando das pessoas reais à sua volta. As relações formadas na rede se tornam por vezes bases importantes na vida psicológica do usuário, que ao estabelecê-las não sente necessidade de criar relações na vida real. Ao estabelecer intimidade, através dos meios digitais, encontra-se em solidão perante as pessoas que fazem parte do seu espaço físico. Para ele as relações estabelecidas no digital são geridas com mais facilidade, enquanto as relações pessoais exigem uma capacidade de concentração e interesse no outro, o que torna a tarefa de gerir os relacionamentos reais e os relacionamentos digitais num malabarismo que o utilizador não almeja fazer. Esta sociedade digital, portanto, é marcada por mudanças significativas na forma como os usuários consomem, comunicam e se relacionam uns com os outros. Ao mesmo tempo que se individualizam produtos e conteúdos, por meio da intensa ligação à Internet, essa sociedade aproxima consumidores e culturas, através de uma rede democratizada que mais do que separar objetos culturais, os une, através das ações dos usuários, formando uma cultura universal. 2.1 A Evolução do Direito Conforme leciona o Dr. Samuel Huntington – apud Pinheiro, 2013, o maior desafio da evolução humana é cultural. Afirmamos o mesmo a despeito do Direito. Como instrumento de regulação de condutas, o Direito precisa refletir a realidade da sociedade. Mas, quem vai adaptar os legisladores e os aplicadores da lei à nova realidade social? Como fazer tal mudança cultural se está tão enraizada em todos nós? 8 Estamos tão acostumados a trabalhar o tempo, as palavras, a paciência que para nós é muito difícil ser “trabalhados pelo tempo”, forçados a tomar decisões imediatas, mudar uma estratégia ou um posicionamento em questão de minutos, em virtude das mudanças no mercado, da concorrência, da variação das ações na bolsa, de um novo business plan etc. Também passamos a assumir maiores responsabilidades, sem muito tempo para pensar, refletir, fazer consultas. Isso quando há fontes para serem consultadas. (Pinheiro, 2013) Para se adaptar a essa nova realidade é preciso dar continuidade à vocação histórica do Direito, que sempre acompanhou as transformações ocorridas na estrutura da sociedade. Na Era Agrícola, por exemplo, onde o instrumento de poder era a terra, e o domínio, no mundo ocidental, estava fortemente centralizado pela Igreja, o Direito era canônico, baseado em forte hierarquia, sob a justificativa de manter o controle e a paz social. Na Era Industrial, onde o instrumento de poder era o capital, que viabilizava os meios de produção, o domínio deveria ser do Estado, que protegeria suas reservas contra-ataques de outros Estados, sob a justificativa da soberania, o Direito torna-se estatal e normativo, dentro de um sistema de comando e controles sobre os conceitos de territorialidade e ordenamento, em que a burocracia jurídica se transforma em mecanismo para a diminuição dos erros jurídicos e de monopólio da força. Na Era Digital, onde o instrumento de poder é a informação, não só recebida mas também refletida, a liberdade individual e a soberania do Estado são hoje medidas pela capacidade de acesso à informação. No lugar de empresas, temos organizações moleculares, baseadas no Indivíduo. A mudança é contínua e os avanços tecnológicos afetam diretamente as relações sociais. Destarte, o Direito Digital é, necessariamente, pragmático e costumeiro, baseado em estratégia jurídica e dinamismo. 9 3 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL Fonte: i1.wp.com Com o advento das tecnologias da informação, as pessoas se tornaram capazes de organizar informações como nunca, entretanto, a taxa de crescimento dessas novas tecnologias se torna incompatível com o crescimento padrão social contemporâneo. Com a realidade da Internet, o Direito enfrenta diversos desafios e precisa, então, preencher as lacunas que surgem. Deve o Direito entender e acompanhar as novas tecnologias, de forma a manter a paz social e o Estado Democrático de Direito. No Brasil, em maio de 1995, foi criado o Comitê Gestor para a Internet (CGI.br), possuindo como princípios fomentar o desenvolvimento de serviços na Internet, recomendar padrões e procedimentos técnicos para a Internet no país, assim como, disseminar informações sobre serviços ligados à Internet. Através da Internet e das redes sociais acontece uma verdadeira extensão da personalidade humana, na qual os horizontes das comunicações se expandem. Pessoas localizadas em qualquer parte do mundo podem se comunicar de forma instantânea, informações são compartilhadas ao piscar de olhos. O crescimento social e cultural com as tecnologias da informação é inovador e espetacular, porém devemos nos atentar ao mau uso dessa ferramenta. 10 A Internet tornou-se mais uma forma de extensão do homem. Extensão que é coroada pelo fato de estar em determinados lugares ao mesmo tempo, quedando imóvel. Pode-se conversar com alguém que estejaalém-mar. Com o Oriente, com a América e, até, com um vizinho. Vizinho no aspecto físicocorporal, porque no mundo mítico da Internet há como que uma aproximação do Oriente com o Ocidente, estendendo as possibilidades do ser humano que é a deslocação rápida, eficaz e sem maiores traumas, pois basta um click para a viagem começar. (SANTOS, 2001, p. 22 – apud SOARES, 2016, p.4) Muita coisa mudou ao longo dos anos com as inovações tecnológicas, no que diz respeito aos costumes e aos relacionamentos que temos com os as outras pessoas. As novidades tecnológicas trouxeram um grande avanço para a sociedade, todavia, enormes riscos podem vir com esses avanços, como os denominados crimes digitais. No lugar de armas, os criminosos se utilizam da rede digital para cometer diversos tipos de delitos. A Internet tornou-se um lugar propenso a crimes, uma vez que facilita o anonimato e a dificuldade de aplicação da lei. Nesse sentido: ...esses direitos fundamentais que vêm esculpidos no inciso X, art. 5.º, da Constituição Federal, merecem largo amparo em qualquer situação e, na Internet em particular, porque o anonimato e a ausência de freios inibitórios, pois a pessoa que pretende ofender, em regra, não está diante de multidão ou do próprio ofendido para diminuir a sanha jurídica, sente-se mais à vontade para o cometimento do seu desiderato. (SANTOS, 2001, p. 166 – apud SOARES, 2016, p.5). Assim, alguns crimes e violações se tornam mais propensos a serem praticados no âmbito da internet, já que no âmbito digital muitas vezes o delinquente acredita na proteção do anonimato e sua impunidade. 3.1 As Redes Sociais e o Comércio Social O comércio social nasceu da união entre o comércio eletrônico (vendas de produtos online) e as redes sociais (ferramentas de interação). O usuário consumidor tem muitas vezes, a opção de adquirir produtos ou serviços com o uso de cartões de crédito. Comumente, esses serviços sofrem ataques, sendo coletados dados do cartão e senhas dos usuários, e comercializados no mercado negro. As empresas que oferecem esses produtos ou serviços por meio das redes sociais, devem adotar meios para proteger os dados de seus clientes, principalmente os dados bancários. Todavia, verifica-se que muitas dessas empresas são negligentes 11 e não adotam medidas de segurança disponíveis, cooperando de certa forma com esses crimes virtuais. Os usuários consumidores, quando fornecerem seus dados, acreditam que terceiros não terão acesso a essas informações, entretanto, não existem mecanismos de proteção para a fiscalização e o controle sobre ataques. Algumas empresas captam informações de publicações e de relações dos usuários das redes sociais para traçar perfis de consumo, tendo por intuito o incentivo ao consumo de forma mais efetiva. Empresas de redes sociais disponibilizam serviços para qualquer empresa interessada obter informações no que se refere aos usuários, havendo a possibilidade de incluírem essas informações a seus sistemas, separando, combinando e comparando para incentivar esses usuários ao consumo. Tal tipo de ação caracteriza uma ofensa ao direito subjetivo do consumidor, uma vez que, tendo a empresa informações de suas preferências, fica o usuário vulnerável a oferta. Todavia, essa prática de comercialização e fornecimento de dados é permitida mediante a autorização do usuário consumidor. Instâncias superiores já se manifestaram equiparando as redes sociais a “provedores de conteúdo”, sendo, portanto, aplicável a legislação consumerista no relacionamento entre rede social e usuário. 3.2 Redes Sociais: Aspectos Jurídicos Com o aprimoramento das tecnologias da informação surgiram as redes sociais no âmbito digital. A primeira rede social na Internet surgiu em 1995, nos Estados Unidos e no Canadá, e se chamava Classmates. Hoje em dia, existem na rede mundial de computadores diversos tipos de redes sociais, como por exemplo, as profissionais, e as de relacionamentos. Entre as redes sociais de relacionamentos mais utilizadas podemos destacar Twitter, Facebook e Instagram. As redes sociais, além de interligar e aproximar pessoas que se encontram distantes fisicamente, possui uma grande função democrática, uma vez que podemos compartilhar informações e conhecimentos em instantes com milhares de pessoas. O Brasil é um dos países em que mais se acessa redes sociais, perdendo apenas para os Estados Unidos, Espanha e Reino Unido 12 O direito busca acompanhar esse desenvolvimento e regulamentar o uso das novas tecnologias. No Brasil existem algumas leis que objetivam impor limites e garantir direitos aos usuários da Internet, como por exemplo a Lei 12.737/12, conhecida como Lei Carolina Dieckman, que dispõe sobre tipificação criminal para delitos informáticos. A Lei 12.737/12, inclui ao nosso Código Penal tipificações para delitos informáticos, in verbis: Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. A Lei também equipara o cartão de crédito ou débito ao documento particular, no caso de falsificação ou alteração, de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 298 do Código Penal. A Lei 12.965/2014, instituiu um ponto de partida para a regulamentação da Internet no Brasil. Seus princípios e fundamentos, interligados a alguns direitos Constitucionais, vieram para garantir a proteção de direitos já adquiridos na realidade física ao âmbito digital. Estabelece também, direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a privacidade no que diz respeito ao uso da Internet no Brasil: 13 4 DIREITO DIGITAL Fonte:cryptoid.com.br O Direito Digital consiste na evolução do próprio Direito, e abrange todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas. Ao Direito cabe a garantia e proteção ao direito à privacidade, a proteção do direito autoral, do direito de imagem, da propriedade intelectual, dos royalties, da segurança da informação, dos acordos e parcerias estratégicas, dos processos contra hackers e muito mais. Assim, o Direito Digital deve ser entendido e estudado de modo a criar novos instrumentos capazes de atender a esses anseios. De acordo com o entendimento de Mario Antônio Lobato de Paiva: O Direito Digital ou Direito Informático é o conjunto de normas e instituições jurídicas que pretendem regular aquele uso dos sistemas de computador - como meio e como fim - que podem incidir nos bens jurídicos dos membros da sociedade; as relações derivadas da criação, uso, modificação, alteração e reprodução do software; o comércio eletrônico e as relações humanas estabelecidas via Internet. (PAIVA,2002) Completa Almeida Filho: Trata-se do conjunto de normas e conceitos doutrinários destinados ao estudo e normatização de toda e qualquer relação em que a informática seja 14 o fator primário, gerando direitos e deveres secundários. É o estudo abrangente, com o auxílio de todas as normas codificadas de Direito, a regular as relações dos mais diversos meios de comunicação, dentre eles os próprios da informática. (ALMEIDA FILHO, 2005, p.11) Consagradamente, todos os veículos de comunicação que compõem a sociedade convergente passaram a ter relevância jurídica a partir do momento em que se tornaram instrumentos de comunicação de massa, uma vez que a massificação do comportamento exige que a conduta passe a ser tutelada pelo Direito, sob pena de criar insegurança no ordenamento jurídicoe na sociedade. Para Ricardo Cantu – apud Anhert, (2016, p.3) ao se falar em Direito Digital, sua nomenclatura dependerá do grau de avanço de determinado país: - Tendência inicial ou básica: há pouco avanço e desenvolvimento da informática jurídica e do Direito Digital, pela pouca importância dada à matéria pelos professores de Direito das universidades e também pelos funcionários do governo; ainda está sendo planejada a inclusão da matéria informática jurídica nos planos de estudo das faculdades de Direito, desenvolvendo inicialmente a doutrina nacional; - Tendência crescente ou progressiva: distingue claramente a informática jurídica e o Direito Digital (ramos relacionados, mas que são independentes um do outro); Direito Digital como ramo autônomo do Direito (é incluído nos planos de estudo das principais faculdades de Direito do país), de maneira separada a matéria de informática jurídica; na Europa recomenda-se aglutinar ambas as matérias sobre a concepção "Informática e Direito", por considerar mais completa esta definição; - Tendência avançada ou próspera: enfatiza sobre a necessidade e a importância de se desenvolver um trabalho legislativo no que diz respeito ao Direito Digital, com normas específicas para regular a sua aplicação, uma vez já ter o mesmo alcançado importância e respeito na doutrina e jurisprudência; desenvolvimento e consolidação da legislação, doutrina e jurisprudência nacional do Direito Digital, controvérsia de casos práticos nacionais e internacionais na Corte Suprema do país; - Tendência culminante ou inovadora: avanços consideráveis no que diz respeito ao desenvolvimento da informática jurídica meta-documental ou decisória, uma vez que os centros de investigação para a utilização de sistemas com inteligência artificial aplicados ao Direito já desenvolvem teses de doutorado referentes à inteligência artificial e ao Direito; desenvolvimento de projetos práticos e específicos de utilização da inteligência aplicados ao Direito. 15 Precisamos levar em consideração que em se tratando de termos de mundo digital o compasso do tempo é impetuosamente veloz e algumas fases, por questões das próprias relações contraídas a todo o momento, avanços de outras ou mesmo necessidade de mercado, serão suprimidas. Tamanha a velocidade das transformações, que há quem defenda o Direito Digital como um ramo jurídico autônomo, como o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Empresarial, o Direito Tributário, e demais. O Direito Digital possui todas as características para ser considerado uma disciplina autônoma, justificando a sua posição através de três argumentos: possui um objeto delimitado, qual seja a própria tecnologia, dividido em duas partes, sendo a primeira o objeto mediato, ou seja, a informação, e o segundo o objeto imediato, ou a tecnologia; a existência de uma metodologia própria, a qual visa possibilitar uma melhor compreensão dos problemas derivados da constante utilização das novas tecnologias da informação (informática) e da comunicação (telemática); tal tarefa se realiza mediante o uso de um conjunto de conceitos e normas que possibilitam a resolução dos problemas emanados da aplicação das novas tecnologias às atividades humanas; a existência de fontes próprias, ou seja, fontes legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias; não havendo como negar a existência dessas fontes no âmbito do Direito Digital; foi justamente a existência de ditas fontes que possibilitaram, em um grande número de países, principalmente os mais desenvolvidos, a criação da disciplina do Direito Digital nos meios acadêmicos. (ALVES, 2009, apud Anhert, 2016, p.5) 4.1 Do Direito Digital e da sua Relação com os Outros Ramos do Direito O direito Digital se apresenta multidisciplinar, uma vez que lida em um ambiente onde as relações jurídicas estão apresentadas sob diversos contextos, ou seja, a sua influência é percebida em praticamente todos os ramos jurídicos que sejam compreendidos no meio virtual. Alexandre Atheniense- apud Anhert, (2016, p.5), quando expõe acerca dos distintos ramos jurídicos que se correlacionam com o Direito Digital menciona: O material e o Processual Civil (assinatura digital, responsabilidade civil, invasão da privacidade e destruição de propriedade virtual ou informatizada; provas ilícitas; direitos autorais sobre software e hardware; atividades irregulares no processo; composição judicial por meios eletrônicos), Penal (diferenciação dos crimes de informática puros e impuros; valoração e pena; discussão acerca da tipicidade ou inaplicabilidade de dispositivos velhos em atividades realizadas através de aparelhagem eletrônica), Tributário (tributação de atividades econômicas realizadas no mundo virtual, distinção das atividades, aplicação ou não de certas normas tributárias; incidência tributária territorial; regulamentação e legitimação da informática como uma forma de pagamento, declaração de imposto) e até Trabalhista (nos casos de trabalho realizado à distância através de instrumentos informatizados). 16 Anhert, acrescenta ainda no Direito Civil é recorrente a ação de danos morais por difamação, no Constitucional, existe a controvérsia da privacidade quanto ao monitoramento de e-mails, sobre o Código de Defesa do Consumidor, compartilhamento de banco de dados com informações do consumidor, sendo válido salientar a intrínseca relação entre este e o Direito Digital uma vez que a expansão de compras on line patrocinou o aparecimento de vários avanços nos contratos de compra e venda, comodato, empréstimo e da inserção de novas cláusulas nos termos de adesão. Para Paiva apud Anhert, (2016, p.6), as disciplinas são: Direitos Humanos: utilização da informática para que ocorra a aceleração de processos de milhares de detentos no país, permitindo, dessa maneira, julgamentos mais céleres, progressões de regimes automáticas, dentre outras medidas que reduziriam consideravelmente as injustiças que o Estado tem perpetrado contra tantos apenados, os quais, muitas vezes, já até cumpriram suas penas, embora continuem presos à espera de uma solução jurisdicional; Propriedade Intelectual: a inter-relação entre o Direito Digital e a propriedade intelectual é de suma importância e ocasiona uma série de preocupações por parte dos estudiosos, advindas de implicações jurídicas provenientes da facilidade de reprodução e utilização da propriedade intelectual, que pode vir a ser violada através de um simples toque de comando por intermédio de um computador; a tecnologia digital permite cópias perfeitas, enquanto que a Internet sem fronteiras propicia rápida disseminação das cópias, sem custo de distribuição; Direito Civil: dessa relação tem-se incontáveis pontos de convergência materializados pelo direito contratual e das obrigações; o fenômeno da internet é um movimento social que demanda o amparo jurídico e legal para fins de pacificação dos possíveis conflitos provenientes dos choques de interesses dali decorrentes, dentre os quais, os referentes à contratação por meio eletrônico; outra questão é quanto à jurisdição ou Tribunal competente para se julgar o caso, já que na rede mundial de computadores a existência de espaços virtuais dificulta, senão inviabiliza, a individualização do lugar onde se deu o evento danoso; Direito Comercial: as relações comerciais vêm sofrendo uma série de modificações que tem fundamental importância para a própria sobrevivência ou não da empresa no mercado, o que enseja uma série de problemas jurídicos que 17 necessitam ser dirimidos pelo Direito Comercial, que, no entanto, não está apto a fornecer soluções eficazes para os problemas surgidos; daí a necessidade da correlação entre os dois direitos para fomentar o comércio eletrônico, através da criação de normas reguladoras e de definições legais a respeito do tema, posto que inexistam hoje em termoslegislativos no Brasil; Direito Tributário: as atividades realizadas pelas redes virtuais têm gerado discussões polêmicas, sendo uma das principais com relação ao comércio eletrônico, especificamente sobre se a tributação incide ou não sobre esse tipo de transação e, caso incida, como efetivá-la; os sites não são qualificados como estabelecimentos virtuais, devendo ser considerados meras extensões dos estabelecimentos físicos, daí a necessidade de legislação que regule as peculiaridades dos mesmos; Direito do Consumidor: a proteção aos direitos do consumidor tem que se estender às relações de consumo realizadas via internet, o que revela maior evidência e importância para o entrelaçamento entre as duas matérias que precisam caminhar juntas, para que assim, a referida relação se mantenha pautada pelos princípios do Direito; Direito Eleitoral: em todo o país, o processo eleitoral foi modernizado, os eleitores passaram a exercer seu direito de voto através da evolução tecnológica demonstrada pela utilização da urna eletrônica; eleição totalmente informatizada, do início ao fim, do registro do eleitor à totalização dos votos, passando pelo ato de votar; contudo, essas inovações ocasionam questões jurídicas que, por intermédio do Direito Eleitoral, terão que ser adequadas e estudadas com a devida vinculação aos princípios e normas pertinentes do Direito Digital. Tal discriminação pode ser ainda mais extensa visto que o exposto considera apenas a amostra de algumas áreas jurídicas em que o Direito Digital se imiscui, notadamente uma relevante amplitude de influência existindo muitas outras questões e princípios relevantes, o que determina a introdução de novos temas e elementos para o pensamento jurídico, em todos os seus ramos. 18 5 OS DESAFIOS DA NORMATIZAÇÃO DO USO DA INTERNET Fonte: i2.wp.com No Brasil, começou-se a utilizar a internet antes de qualquer previsão legal sobre o assunto. Em consequência desse fato, o ordenamento jurídico buscou preencher, durante muito tempo, as lacunas legislativas referentes aos conflitos jurídicos envolvendo esta seara, principalmente através do uso de analogias. Entretanto, os problemas pontuais e característicos da revolução científico tecnológica não puderam ser supridos por semelhanças com outras realidades. Um dos grandes empecilhos para a criação de normas específicas referentes ao uso do ambiente informático é em relação à inexistência de seus limites territoriais e, consequentemente, de sua jurisdição. Apesar dessa questão ainda permanecer como objeto de muita discussão, a atenção dos legisladores se direcionou ao controle do comportamento dos usuários nesse espaço, como esclarece Ana Cristina Azevedo Pontes Carvalho- apud Cazelatto, (2016, p.7): [...] a regulamentação da internet diz respeito a normas sobre o próprio funcionamento da rede, estabelecendo claramente quais os direitos e deveres dos seus usuários e das empresas provedoras da conexão e das aplicações de internet, cujo objeto envolve questões como a guarda dos registros de conexão e de acesso a aplicações pelos provedores, entre outras providências essenciais à identificação dos autores das condutas ali praticadas (CARVALHO, 2014, p.107–108). A exposição excessiva aos meios digitais, fez com que surgisse a necessidade de uma disciplina jurídica aplicável ao controle da navegação na internet. Todavia, 19 essa ideia não é unânime entre os doutrinadores, porque para alguns a plataforma virtual deve ser livre de normatização. Destarte, a criação de normas para disciplinar a utilização da internet sempre foi um desafio, principalmente com relação ao seu alto grau de complexidade e pela sua especificidade tecnológica, sempre em constante transformação. Ainda assim, é se faz válido a reflexão acerca de sua tutela jurídica através de legislações específicas. Cazelatto relata que uma das correntes que aborda a temática foi elaborada em 1996, pelo jurista norte-americano John Perry Barlowque, através de um manifesto pela independência da rede, intitulado por Declaration of the Independence of Cyberspace, onde o mesmo defendia a internet como um espaço livre. Em sua concepção, qualquer tentativa de regulamentá-la restaria frustrada e ineficiente, visto que o estabelecimento de normas se daria pelos próprios usuários, devendo ser rejeitada qualquer intervenção governamental em seu desfavor. Entretanto, com a utilização cada vez maior do espaço digital para práticas ilícitas, apareceram outras indagações, como as de David G. Johnson e David G. Post, que propuseram a criação de um “direito do ciberespaço”, almejando este atender genericamente os ensejos jurídicos mundiais, com relação à regulamentação da internet, através de uma legislação universal (LEONARDI, 2012, p. 135 apud Cazelatto, 2016, p.21). Todavia, com as peculiaridades culturais, econômicas, sociais e jurídicas de cada Estado, a ideia se demonstrou inviável. Levando em conta as frustradas tentativas com relação as discussões em torno da regulamentação ou não da internet, se destacou então, uma corrente que sustentava a utilização do sistema jurídico em conjunto com a arquitetura virtual, objetivando à tutela dos conflitos dela decorrentes. Lawrence Lessig foi seu maior defensor, ele acreditava na possibilidade de regulamentação das atividades informáticas por meio de uma arquitetura de controle, qual seja, de mecanismos tecnológicos sobrepostos “às características originais da Rede que intencionalmente restringem o comportamento de seus usuários, forçam certas condutas ou possibilitam coibir determinadas práticas”, assim como através do próprio sistema jurídico associado às normas sociais (LEONARDI,2012,p.148 - apud Cazelatto, 2016, p.21). Tal corrente se tornou a adotada pelo o ordenamento jurídico brasileiro, haja vista a 20 obtenção de resultados positivos com relação à efetividade na tutela dos direitos e deveres no âmbito da internet. 5.1 O Elemento Tempo Patrícia Pinheiro ensina que a sociedade de direito institucionalizou o poder e passou ao ordenamento jurídico a missão de fazer a intermediação entre as atividades políticas e os valores morais, diante de uma fórmula tridimensional que consiste em Fato, Valor e Norma. O Direito Digital atua dentro destes conceitos, todavia, introduz um quarto elemento na equação: o Tempo. Tornando-se, assim, um conjunto de estratégias que atendem a nossa sociedade digital e não mais apenas normas regulamentadoras. Primeiramente, toda norma tem um elemento tempo determinado, que chamamos de vigência, ou seja, a duração dos efeitos de uma norma no ordenamento jurídico. No entanto, o elemento tempo no Direito Digital extrapola o conceito de vigência e abrange a capacidade de resposta jurídica a determinado fato. Ou seja, o conjunto “fato, valor e norma” necessita ter certa velocidade de resposta para que tenha validade dentro da sociedade digital. Esse tempo pode ter uma relação ativa, passiva ou reflexiva com o fato que ensejou sua aplicação, ou seja, com o caso concreto. (PINHEIRO, 2013) A autora considera como tempo ativo aquele em que a velocidade de resposta da norma pode acarretar o próprio esvaziamento do direito subjetivo. Como exemplo, temos o caso de uma empresa que precisa que um contrato de tecnologia seja cumprido e seja feito upgrade em seus equipamentos. Se ele não encontrar uma velocidade de aplicação, pode levar não só a obsolescência do que se está pleiteando como o seu esvaziamento. Foi o que ocorrida à época do bug do milênio, onde a discussão de quem deveria ou não ser responsável pela modificação dos códigos não poderia ultrapassar a data da virada do ano, porque os efeitos seriam irremediáveis. Nada de mais grave aconteceu, entretanto muitas empresas não conseguiram fazer valer seus contratos de tecnologia e arcaram com os custos sozinhas. Sobretempo passivo, ela o explica como aquele que é explorado principalmente pelos agentes delituosos, justamente por acreditarem que a morosidade jurídica demotivará a parte lesada a fazer valer seus direitos. Isso acontece especialmente nas questões referentes ao direito do consumidor. Como é o caso por exemplo, da entrega de uma mercadoria comprada na Internet, na qual o 21 consumidor não faz a reclamação por pensar que a demora de decisão e todo o tempo a ser gasto são mais caros que o próprio valor da mercadoria. Assim, muitas empresas, cientes disso, não têm interesse na solução dos problemas com o consumidor, sendo a pressão social e o uso da imprensa os únicos mecanismos que conferem algum poder de coerção sobre elas, pelo medo de criar uma imagem negativa na marca e não pelo temor de um ordenamento jurídico eficaz. Tempo reflexivo, ensina Patrícia: e “ aquele que opera de modo ativo e de modo passivo, simultaneamente, provocando efeitos em cadeia e prejudicando outros que se encontrem conectados no espaço virtua”l. Como exemplo foi apresentada a questão dos crimes na Internet, como a pedofilia, a pirataria, a atuação de hackers, o jogo clandestino, os quais, de alguma maneira, contaminam todos os que não necessariamente estariam praticando o delito. A adição do elemento Tempo à fórmula tridimensional do direito resultará, portanto,no Direito Digital. O elemento Tempo seria fundamental, pois estabeleceria as obrigações e os limites de responsabilidade entre as partes, seja no aspecto de contratos, serviços, direitos autorais, ou na proteção da própria credibilidade jurídica com relação à sua capacidade em solucionar conflitos. “Sendo assim, o advogado digital é um senhor do tempo, devendo saber manipular tal elemento em favor de seu cliente, pois um erro de estratégia jurídica pode ser fatal em uma sociedade em que a mudança é uma constante.”(PINHEIRO, 2013) 5.2 Territorialidade Até onde vai o alcance de um ordenamento jurídico? Essa questão não se encontra apenas no âmbito da Internet, mas em toda sociedade globalizada e convergente, na qual muitas vezes não se consegue determinar qual o território em que se deram as relações jurídicas, os fatos e seus efeitos, sendo difícil, assim, determinar qual a norma a ser aplicada utilizando os parâmetros tradicionais. No mundo tradicional, a questão da demarcação do território sempre foi definida por dois aspectos: os recursos físicos que esse território contém e o raio de abrangência de determinada cultura. A sociedade digital rompe essas duas barreiras: o mundo virtual constrói um novo território, dificilmente demarcável, no qual a própria riqueza assume um caráter diferente, baseada na informação, que, como vimos, é inesgotável e pode ser duplicada infinitamente. A questão se complica se lembrarmos que, com a Internet, as diferentes culturas se comunicam o tempo todo. Não precisamos ir à Turquia para nos relacionarmos com alguém que vive no território geográfico da 22 Turquia. Também, se pretendemos relacionar-nos culturalmente, por via do mundo virtual, com alguém desse território (aqui entendemos cultura no seu modo mais amplo, que inclui, por exemplo, a maneira como os Indivíduos encaram transações comerciais ou questões jurídicas), talvez seja preciso entendermos sua cultura de uma maneira mais profunda do que se nos deslocássemos fisicamente até lá. Em suma, no Direito Digital, temos de ter uma existência e um entendimento global. (PINHEIRO, 2013) Nesse aspecto, a territorialidade se faz essencial. Afinal, que valores devemos proteger em relações de pessoas de origens diversas? Patrícia traz como referência o Direito Internacional, no qual se determinou que, para identificar a norma a ser aplicada, diante da extrapolação dos limites territoriais dos ordenamentos, tem que se averiguar a origem do ato e onde este tem ou teve seus efeitos, para que assim, possa ser aplicado o Direito do país que deu origem ou em que ocorreram os efeitos do ato. Entretanto, na Internet, muitas vezes não se consegue reconhecer facilmente de onde o interlocutor está interagindo. Vários sites possuem terminação “.com”, sem o acompanhamento do sufixo de país de origem (por exemplo, sem o “.br” quando originário do Brasil) o que teoricamente significa que estão localizados nos Estados Unidos. Todavia, muitos estão apenas registrados nos Estados Unidos e não têm nenhuma existência física nesse país. Uma tendência mundial, pontua Patrícia, é assumir definitivamente o endereço eletrônico como localização da origem ou efeito do ato. Dessa forma, se uma empresa brasileira registra um site como “.com”, em vez de “.com.br”, poderá ter que se sujeitar às leis de diversos países no caso de questões jurídicas internacionais. Com relação à parte a ser protegida, um consenso gira em torno da proteção ao lesado. Caso um consumidor chileno for lesado por um site brasileiro, as regras daquele país serão aplicadas. Se esse site não quer se responsabilizar por problemas que gere no Chile, deve então deixar claro, de alguma maneira, seu limite de atuação; informando quais os usuários que terá condições de atender e a que legislação está submetido, uma vez que não necessariamente um site chileno tem empresa constituída no Chile, como o fato de um site brasileiro ter terminação “.com” não significa que tem empresa constituída nos Estados Unidos. Possuir presença virtual acomete a responsabilidade de poder ser acessado por pessoas de qualquer lugar do mundo. Isto posto, o princípio de proteção na sociedade da informação é justamente a informação. 23 Sobre a territorialidade, vários princípios serão analisados visando determinar qual a lei aplicável ao caso: princípio do endereço eletrônico, o do local em que a conduta se realizou ou exerceu seus efeitos, o do domicílio do consumidor, o da localidade do réu, o da eficácia na execução judicial. Há casos, inclusive, em que ocorre a possibilidade da aplicação de mais de um ordenamento. No Brasil, especificamente com relação ao crime eletrônico, que hoje não tem barreiras físicas, ocorre de todo lugar, em todo lugar, causando vítimas, o Código Penal brasileiro alcança a grande maioria das situações, por meio da aplicação de seus arts. 5º e 6º, in verbis: Territorialidade Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando- se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. Lugar do crime Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. 5.3 Direito à informação e à liberdade de pensamento Uma justificativa dada por Patrícia Pinheiro para que a proteção do Direito à Informação seja um dos princípios basilares do Direito Digital, é de que a Sociedade Digital já não seria mais uma sociedade de bens. E sim, uma sociedade de serviços, em que a posse da informação prevaleceria sobre a posse dos bens de produção. Nessa perspectiva, haveria a divisão do direito à informação em três categorias, de acordo com o sujeito de direito: a) direito de informar, que é um direito ativo; b) o direito de ser informado, que é um direitopassivo; c) o direito de não receber informação, que é um direito ativo e passivo. A autora explica que a questão da informação possui maior relevância no Direito Digital devido seus desdobramentos comerciais e de responsabilidade civil. O 24 acesso à informação constitui o maior valor de uma sociedade democrática, e a massificação da Internet como serviço de informação e informatização possibilita um aumento de competitividade global de comunidades antes marginalizadas. Concomitantemente, há o direito à não informação, que é um limitador ao direito de informar, no qual o valor protegido é a privacidade do indivíduo. Contudo, como equilibrar essas relações sem que a intervenção do Estado para imposição de limites venha a ferir o direito de liberdade de pensamento? Até onde um e-mail é adequado ou vira um spam, vira uma “invasão de privacidade”? A solução desta questão se dá muito mais pelo comportamento do próprio mercado consumidor de informação do que pelo Estado ou pelo Direito. A evolução da Internet da fase quantitativa para a qualitativa, como acontece em todas as inovações tecnológicas, acarreta uma transformação no direito à informação, pura e simplesmente, para o direito à informação de qualidade, significando, “de informação autêntica com responsabilidade editorial pelo conteúdo”. Essa mudança qualitativa transforma o próprio consumidor capaz de determinar as regras e normas a serem seguidas pelo mercado num ambiente competitivo, uma das formas de livre regulação que encontra na Lei da Oferta e da Procura sua solução. É fundamental fazer a ressalva no tocante ao direito de liberdade de Expressão, que, com o advento dos mecanismos de comunicação e a sua disseminação, tem provocado certo conflito jurídico com outros direitos, como o da proteção da imagem e reputação do indivíduo. Devemos observar que a Constituição Federal de 1988 protegeu a liberdade de expressão em seu art. 5º, IV, mas determinou que seja com “responsabilidade”. Isso quer dizer que devemos interpretar a aplicação dela à luz do novo Código Civil, em seus arts. 186 e 187, que determina a responsabilidade por indenizar pelo dano causado, quer quando o ato ilícito tenha sido causado por ação ou omissão, quer quando é fruto do exercício legítimo de um direito no qual o indivíduo que o detém ultrapassou os limites da boa-fé e dos bons costumes. (PINHEIRO, 2013). Na chamada era da Informação, o poder se encontra nas mãos do indivíduo, entretanto, precisa ser utilizado de maneira ética e legal, sob pena de no exercício de alguns direitos acabar por infringir outros direitos, e isso não pode ser tolerável em um ordenamento jurídico equilibrado. Dessa forma, a tecnologia pode ser ao mesmo tempo a solução para harmonizar as diversas forças sociais, e se tornar seu principal inimigo, causando estragos irreparáveis, “como o cachorro que, em vez de proteger, morde a mão do próprio dono”. 25 6 OUTROS DESAFIOS A Constituição Federal protege a privacidade, ao estabelecer, no art. 5.º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Nossa Lei Maior também declara livre a manifestação do pensamento. Repudiando, entretanto, o anonimato (art. 5°, IV), salvo no que diz respeito ao denominado “sigilo de fontes” (art. 5°, XIV), também previsto na Lei de Imprensa como instrumento necessário do exercício profissional. Como vimos, porém, a privacidade não é um direito absoluto. Quando ocorre em conflito com outros preceitos constitucionais, como a segurança pública, pode e tem sido afastada por ordem judicial para fins de investigação criminal. É feita, então, a ponderação dos valores em jogo, e, se houver motivo idôneo e grave que a justifique, a intervenção no direito individual é legítima. Tal ponderação é o que denominamos como princípio da proporcionalidade. As tecnologias disponíveis, entretanto, têm sido empregadas para o anonimato e se apresentam, muitas vezes, como escudos para práticas ilícitas, ocultando a identidade dos agentes e se estabelecendo como entraves à investigação criminal. A privacidade também tem sido desafiada por empresas que oferecem serviços gratuitos, como o Facebook, enquanto coletam dados de seus usuários sobre seus relacionamentos, ocupação, preferências, perfis de consumo, etc. 6.1 Darknet e Navegação Anônima Fonte: abc.es/media/tecnologia 26 A Marinha dos EUA, na década de 1990, se dedicou à concepção de um software que permitisse a navegação anônima na Internet. Pimentel (2018, p.21) nos explica que tal ferramenta serviria a pessoas submetidas a regimes totalitários. Este projeto deu origem à construção do chamado “Tor”, browser gratuito, multiplataforma e preferido para ocultar identidade e localização de seus usuários. A privacidade da navegação é conseguida através de um processo denominado onion routing, que encripta os dados e os transmite através de séries de servidores. Assim, o host não identifica de qual IP partiu a requisição. Pimentel relata que 2 milhões de pessoas por dia utilizam o Tor e que parte disso acesse alguns dos 5.000 sites ocultos. Vários desses sites são utilizados para venda de drogas, armas e serviços ilegais e podem ser facilmente encontrados em pesquisa feita diretamente no browser, numa experiência parecida com o Google (EMCDA, 2017 – PIMENTEL, 2018, p.22). 6.2 Criptografia Fonte: oficinadanet.com.br Em 2017, o FBI tentou, sem obter êxito, acessar 7.775 dispositivos eletrônicos protegidos por criptografia (THE WASHINGTON POST, 2018 – PIMENTEL, 2018, p.22). O diretor da instituição, Christopher Wray, narra o fato como um grave problema de segurança pública. Os Estados Unidos consideram a ideia de se exigir que os fabricantes criem soluções que permitam o acesso de autoridades ao conteúdo de aparelhos encriptados. Mas as corporações de tecnologia como a Apple são contra, e 27 argumentam que essas soluções (backdoors) criam vulnerabilidades que serão, futuramente, exploradas por hackers em detrimento de seus consumidores. Investigando o atirador de San Bernardino, Syed Farook, o FBI contratou hackers profissionais para desbloquear o iPhone 5Cs (rodando o iOS 9) apreendido em poder do criminoso. A agência pretendia estabelecer a relação do atirador e de sua esposa com grupos externos. (PIMENTEL, 2018, p.22) No caso específico do iPhone, a senha de desbloqueio fica armazenada no próprio dispositivo. Então depois de dez tentativas de senhas erradas, o aparelho deleta seu conteúdo. De acordo com o Washington Post, os hackers do FBI encontraram ao menos uma falha no iOS e os investigadores teriam assim, obtido os arquivos armazenados. Não se sabe de que modo o conteúdo foi acessado. 6.3 Criptomoedas Fonte: images.immedia.com.br A moeda digital (bitcoin, dash, monero e outras mais) existe no mundo virtual. Trata-se de um valor existente e que circula, é aceito para pagamentos e compras, e pode vir a ser transformado em moeda real – dólar americano ou outra moeda emitida por algum país. Cada vez mais gente está usando criptomoedas (especialmente bitcoins), dinheiro virtual de pouca rastreabilidade, que circula mundialmente e sem depender do sistema bancário. O site coinmap.org estima que mais de 80 estabelecimentos de São Paulo (Capital) já o aceitem. (PIMENTEL, 2018, p.22) 28 Essas moedas digitais não são emitidas por nenhum governo ou organização internacional. São algorítimos complicados que devem ser decifrados, em gigantescos trabalhos de processamento de dados. Conforme a pessoa, com seu equipamento (computador e outros específicos para tanto), vai “minerando” os dados, ou seja, vai decifrando os códigos, o algorítimo, isso vai lhe rendendo alguns centavos naquela moeda, eassim por diante. Pimentel relata que Em Buenos Aires, quando se restringiu a compra de moeda estrangeira na Argentina, parte da população foi buscar proteção contra a inflação na moeda digital e, hoje, há muita dessa espécie sustentando negócios no país vizinho. Em novembro de 2017, um desenvolvedor do Google publicou uma lista com 1.000 sites que mineravam criptomoedas. Dentre eles estava o Portal do Cidadão, mantido pelo Governo do Estado de São Paulo (no endereço www.cidadao.sp.gov.br). Assim, quando o usuário acessava o serviço, um código malicioso escrito em JavaScript sequestrava parte do poder da CPU do visitante e a utilizava para criar dinheiro digital em determinada conta (RKbAaJRO6...Qti8a), mantida no site Coinhive. A mágica era possível porque a oferta da capacidade computacional para manter a rede que controla as transações virtuais é remunerada. (PIMENTEL, 2018, p.22) Um desenvolvedor de Caxias do Sul Notificou a Coinhive e a conta então, foi bloqueada. O Governo emitiu uma nota informando que fora uma “falha pontual já superada” e o script já havia sido removido da página. 6.4 O Caso Cambridge Analytica Fonte: raw.cdn.cennoticias.com http://www.cidadao.sp.gov.br/ 29 Em 2014, narra Pimentel, que pesquisadores do Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge solicitaram aos usuários do Facebook, que os mesmos baixassem um aplicativo e respondessem a um questionário sobre suas personalidades, para fins acadêmicos. Duzentas e setenta mil pessoas atenderam à pesquisa. Na época, o Facebook consentia que aplicativos retirassem informações de perfis do usuário (e de seus amigos) e, assim, o professor Aleksandr Kogan, responsável pela pesquisa, obteve os dados brutos de mais de 50 milhões de pessoas, e os repassou à Cambridge Analytica posteriormente. Oficialmente, a Cambridge Analytica é uma empresa britânica de publicidade estratégica, que trabalha com big data (massa de dados) para traçar perfis de personalidade de consumidores e eleitores para, em seguida, dirigir-lhes o tipo de propaganda mais propícia a influenciá-los segundo esses perfis. Os perfis são traçados segundo o modelo teórico das ciências comportamentais conhecido como O.C.E.A.N., que reflete as características de indivíduos, considerados os parâmetros Openess (abertura para novas experiências); Conscientiousness (nível de consciência e preocupação com organização e eficiência); Extroversion (nível de sociabilidade e positividade); Agreeableness (amabilidade e empatia); e Neuroticism (intensidade emocional com que a pessoa reage diante das informações). (PIMENTEL, 2018, p.23). Há pouco tempo, a partir de uma reportagem investigativa realizada pela TV Channel 4, veio à tona, que a Cambridge Analytica analisou clandestinamente informações de 87 milhões de perfis do Facebook (SILVA, 2018 - apud PIMENTEL, 2018, p.23) e as utilizou para influenciar em eleições de países democráticos. A matéria mostra o diretor da empresa Chris Wiley arrependido de seu papel destruidor dos pilares da democracia. Ele relata como capturava as preferências dos usuários das redes sociais e como as utilizava, em escala maciça, para difundir informações relevantes no curso do processo eleitoral (CHANNEL 4, 2018 - apud PIMENTEL, 2018, p.23). Usando câmeras ocultas, repórteres se passaram por integrantes de um partido político do Sri Lanka e obtiveram confissões de executivos da empresa de sua responsabilidade por vitórias eleitorais diversas. A técnica, segundo eles, não se baseava em fatos, mas nas emoções humanas, esperança e medo. As informações vão para a Internet de modo sutil e se expandem sem que pareçam propaganda. (PIMENTEL, 2018, p.23). A Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017, alterando regras eleitorais, permitiu, expressamente, o denominado impulsionamento de conteúdo no Facebook, ao acrescentar à Lei nº 9.504 (Lei das Eleições), de 30 de setembro de 1997, o art. 57– C, assim redigido: 30 Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes. A autorização legislativa permite que campanhas políticas sejam direcionadas a segmentos específicos de eleitores (FOLHA DE SÃO PAULO, 2017), tornando bastante valiosas todas as informações que permitam discriminá-los segundo suas crenças ou preferências. 7 DIREITO DIGITAL NO BRASIL Fonte: cache.olhardigital.com.br O Direito Digital, ou Direito Eletrônico, como geralmente é conhecido no ambiente acadêmico, constitui uma ciência normativa relativamente nova para o panorama jurídico nacional. É proveniente da evolução de normas características do Direito Privado e do Direito Público, sendo uma de suas características principais: a celeridade, o dinamismo e a auto-regulamentação, a existência de poucas leis específicas, a base legal nos costumes, o uso da analogia e a solução por arbitragem, não se encontrando dispostos em um mesmo ordenamento jurídico. Internacionalmente, o Direito Digital ganhou espaço através de comunidades acadêmicas de formação jurídica, a exemplo da Universidade de Harvard, que em 31 1996 fundou o Berkman Klein Center for Internet & Society, cuja finalidade era explorar e compreender o ciberespaço, estudando seu desenvolvimento, suas dinâmicas, normas e padrões, além de avaliar a necessidade ou a ausência de leis e sanções para regulamentá-lo. No contexto nacional, o desenvolvimento do Direito Digital, ocorreu de forma precária, apesar do elevado número de usuários per capta em território brasileiro e dos conflitos originários do ciberespaço. Ricardo Cantu – apud Rocha (2017, p.15) considera que a transição para o reconhecimento e acolhimento do Direito Digital nos países Latinos, passou por quatro etapas distintas que tiveram início ao final da década de 90: - A primeira etapa, denominada de tendência inicial, se caracteriza pelo distanciamento do Direito Digital como matéria jurídica, sendo preferível seu desenvolvimento quanto doutrina a ser discutidas nas academias jurídicas. - A segunda etapa, chamada de tendência progressiva, começa a diferenciar a informática jurídica do Direito Digital, que já passa a ser reconhecido como ramo autônomo de direito. - A terceira etapa, descrita pelo autor, é a nomeada como tendência avançada, em que se destaca a necessidade de desenvolvimento de projetos legislativos de Direito Digital que já alcançou importância doutrinária e jurisprudencial. - A última etapa, a tendência inovadora, abrange avanços em centros jurídicos especializados que investigam e utilizam sistemas de inteligência informática para aplicação do Direito Digital. Embora muitos doutrinadores discordem da autonomia do Direito Digital no ordenamento jurídico, Bernardo Santos – apud Rocha (2017, p.15), leciona que por nortear e conduzir os litígios específicos do âmbito digital respeitando as limitações do ordenamento Constitucional o Direito Digital constitui, portanto, ramo próprio do Direito, merecendo ser respeitado e ter seu desenvolvimento prosperado, observando a sua condição de autonomia. A ausência de instrumentos legais específicos no sistema normativo jurídico para lidar com os crimes virtuais, condicionou o Direito Digital a se utilizar dos princípios gerais do Direito Constitucional e de dispositivos infraconstitucionais para evitar as anomias jurídicas decorrentes das práticas de cibercrimes. 32 Rocha relata que em 2016, o Brasil ocupou o quarto lugar como país com maior número de usuários registrados da Internet. Foram contabilizadas aproximadamente 139.111.185 pessoas, de indiscriminadas idades e classes sociais, com acesso regular à Internet através dos dados do Banco Mundial e da UniãoInternacional de Telecomunicações (UIT). Como um dos países com maior número de usuários da Internet no mundo, o desenvolvimento de normas que amparassem a existência de delitos envolvendo o ambiente virtual encontrava-se limitadas pelos incisos IV e V do artigo 109 da Constituição Federal até meados da década de 1990. Assim, a transnacionalidade dos cibercrimes seria de competência dos Tribunais Federais, tendo em vista que somente este possui autoridade para julgar casos previstos nos Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil era signatário nesse período. Todavia, a regulamentação do comportamento dos usuários na Internet ocorreu, mesmo que à passos lentos, considerando-se o posicionamento dos tribunais, que acanhadamente iniciavam sua atuação nos litígios envolvendo Internet com a aplicação de normas presentes na Lei nº 12.965/14 que atualmente, compõe um novo índice da jurisprudência nacional. Neste ponto e vista, condescendeu em declaração no Seminário Internacional sobre Sistemas Tradicionais e a Era Digital, a Ministra Laurita Vaz, presidente do STJ: O embate entre o antigo e o novo nunca esteve tão acentuado como nos dias de hoje. Somos compelidos a compor dissensos com elementos estranhos à lei e à jurisprudência, porque as novidades surgem com enorme rapidez e, como determina o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. (STJ, publicação de 26 de maio de 2017) É certo que a utilização massiva dos atuais instrumentos de comunicação proporciona uma nova dimensão formal e material para a legislação jurídica pátria. E assim, o Direito Digital contempla a criação de instituições e conjuntos normativos que regulamentem a utilização da Internet e o comportamento de seus usuários, nas suas mais diversas possibilidades, garantindo segurança dos cidadãos que se utilizem da rede mundial em território nacional. Enquanto, no panorama nacional, a legislação digital propõe um desafio aos operadores do direito, a solução viria a apresentar-se por meio da criação de espaços democráticos de amplo acesso à informação protegidos pelo Poder Judiciário. 33 Este desafio de composição normativa do Direito Digital no Brasil, também advém de conhecimentos técnicos sobre os meios telemáticos de informática para que a elaboração das normas se concretize na realidade jurídica do ciberespaço. Nesse seguimento, o professor Irineu Barreto Júnior – apud Rocha (2017, p.18) considera: Tais avanços trazem novos desafios ao Direito que se depara com novas situações e vem respondendo a elas. Porém, o Direito possui uma velocidade muito mais lenta que as evoluções tecnológicas, então esse mundo digital possui muito a ser juridicamente discutido e trabalhado. Leis como a 12.737/12, sobre delitos informáticos, e o Marco Civil da Internet, são exemplos desse trabalho. A escassez com relação às normas de direito tradicionais se manifesta em face da virtualização do Direito e da sociedade a como previstos no Direito Civil à exemplo dos artigos 194, 236, 367 e 945 do diploma processual civil em vigor; do Direito Penal com os artigos 154- A, 266 e 268 do Código Penal; do Direito do Consumidor com o Decreto nº 7.962 de 15 de março de 2013; e do Direito do Trabalho com o artigo 6º da Código de Leis Trabalhistas. As modificações dos dispositivos normativos no sentido da virtualização das práticas delituosas são observáveis até mesmo no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 214-A e seguintes. Se observa, todavia, que a falta de resiliência na elaboração e aplicação das normas pode levar à obsolescência legislativa, configurando, dessa maneira, grande ameaça à proteção dos direitos dos cidadãos. Sem o devido conhecimento técnico sobre o que se pretende tutelar, o legislador corre o risco de propor normas condenadas à obsolescência, consolidando a falsa ideia de não ser possível solucionar conflitos no espaço da Internet. 34 8 O MARCO CIVIL DA INTERNET Fonte: projetodraft.com O Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/14, deriva de projeto nascido em 2009, forjado por intenso debate público. Surgiu como um contraponto ao projeto de lei de cibercrimes, conhecido como “Lei Azeredo”, por alguns alcunhado de “AI-5 digital”. A possibilidade de um Marco Civil digital no Brasil, pontua Rocha, confrontou uma tendência legislativa de regulamentação fragmentada, pontual e casualista. A fragmentação normativa não se mostrava capaz de disciplinar juridicamente a utilização da Internet por seus mais diversos usuários e garantir a não ocorrência de delitos no ambiente virtual. A responsabilização civil para as atividades por meio da Internet ganhou posicionamento jurídico a partir dos fundamentos elencados no capítulo I, artigo 2º da Lei nº 12.965/14. Art. 2o A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I - o reconhecimento da escala mundial da rede; II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede. 35 O propósito para a criação da norma civil que regulasse as relações sociais e profissionais no ciberespaço foi o estabelecimento de princípios e garantias, bem como direitos e deveres, pelo meio de procedimentos e dispositivos que suprisse a ausência de legislação específica para questões de natureza telemáticas e informáticas. É notório que o ambiente digital engloba um vasto panorama de usuários e interesses contrapostos, além de compreender em sua configuração posicionamentos distintos sobre a liberdade de funcionamento do ciberespaço e sua arquitetura colaborativa cuja finalidade, privilegia a liberdade de expressão de seus usuários. Nesse cenário, nos expõe Rocha, a prática dos cibercrimes foi rapidamente adaptada aos moldes sofisticados da tecnologia digital. Em 2016 um percentual de aproximadamente 39% da população total de usuários, o que representa 42,4 milhões de brasileiros, foram vítimas de delitos digitais, de acordo com o relatório anual da Internet Security Threat Report (ISTR). A prática de maior impacto econômico, ocupando cerca de 40% dos delitos identificados foram as fraudes bancárias cujas vítimas, instituições financeiras, chegaram a registrar perdas de até 1,8 bilhão de reais em 2015. Diante desse fato o Estado viu a importância de se guardar as relações sociais e econômicas na rede e converte em necessidade de se resguardar juridicamente a dignidade e a segurança dos usuários. Tal circunstancia foi brevemente amparada pelas normas penais conforme exemplifica a Lei 12.737 de 30 de novembro de 2012 (Lei Carolina Dieckmann). Entretanto, vários autores foram contrários à aprovação de regimes penais de regulamentação das práticas digitais, antes que todos os dispositivos e previsões de responsabilidade civis sejam esgotados. Igualmente, observa-se a pretensão legislativa em tornar territorialmente regulamentado, um ambiente virtual de escala internacional. É aspecto intrigante do Marco Civil da Internet a ingenuidade do legislador brasileiro de manter a pretensão de solução de problema de escala mundial, com efeitos extraterritoriais, por meio de uma lei nacional. A própria estrutura da internet permite que as violações dos direitos das pessoas ocorram em qualquer parte do mundo, passando ao largo da jurisdição brasileira. (TOMASEVICIUS FILHO, 2016. p. 276). Conquanto a norma penal tenha representado um destemido passo na evolução do Direito Digital, os dispositivos alterados pelos decretos não acarretaram 36 o fimdos conflitos com relação à regulamentação da Internet e dos interesses da sociedade civil em jogo. Inserido nessa conjuntura, o Marco Civil da Internet, passou a contemplar quesitos anteriormente negligenciados pelo ordenamento jurídico pátrio, em relação ao ciberespaço, como a liberdade de expressão; a proteção da privacidade dos usuários; e a neutralidade dos servidores. 8.1 O Marco Civil da Internet no Contexto Nacional O cenário que antecedeu a Lei 12.965/14, era composto por um conjunto de leis esparsas, delimitadas pelas premissas constitucionais, devido à ausência de legislação específica sobre Direito Digital. O dinamismo das relações virtuais e as repercussões da utilização da Internet na sociedade civil, constituíram modificações normativas nas diversas searas do Direito que se encontravam desprovidas de previsões normativas de natureza digital. A legislação existente até então, se utilizava de uma maior abrangência no sentido de tipificação dos delitos, todavia sofresse com a escassez de regulamentação jurídica em aspectos como inquérito, processo e jurisdição nos casos de delitos digitais. A Constituição, enquanto mecanismo regulador de toda a ordem política e jurídica do Estado, acabou abarcando a responsabilidade de dar contornos jurídicos à nova realidade social, cultural e econômica emergente. Em razão desse processo de adaptação normativa, os Tribunais nacionais se posicionavam de forma contraditória quando confrontados com questões similares. Enquanto a inovação da sociedade virtual repercutiu no âmbito do Direito Penal e Direito Civil, tão somente no ano de 2012. Até então, a internet era isenta de qualquer regulamentação jurídica específica e em virtude disto, se tornou meio apto para a realização de crimes e condutas danosas. Ronaldo Lemos, 2014 - apud Rocha (2017, p.21) leciona a respeito: A situação pré-Marco Civil era de completa ausência de regulamentação civil na internet no país. Ao contrário do que alguns entusiastas libertários poderiam achar, a ausência de leis nesse âmbito não representa a vitória da liberdade e do laissez-faire. Ao contrário, gera uma grande insegurança jurídica. Uma das razões é que juízes e tribunais sem um padrão legal para a tomada de decisões sobre a rede, acabam decidindo de acordo com as regras muitas vezes criadas ad hoc, ou de acordo com as suas próprias convicções, resultando em inúmeras decisões judiciais contraditórias. (Lemos, 2014, p.10). 37 Em uma retrospectiva feita por Rocha acerca da normatização jurídica nacional, o mesmo identificou como a primeira lei revestida da iniciativa de fomento e regulamentação da tecnologia da informática, a Lei nº 7.232 de 29 de outubro de 1984, que viria a ser conhecida nos dias atuais por Lei de Informática ou Política Nacional de Informática. Seu conteúdo regimental estabelecia um conjunto de princípios, objetivos e diretrizes para a formação de uma política nacional de informática, a partir da criação de órgãos específicos para gestão e regulamentação de assuntos envolvendo tecnologia da informação e automação. Essa lei foi a responsável pela evolução do arcabouço comercial, governamental e social da década de 1980, através da modernização do mercado nacional impulsionada pela entrada de indústrias estrangeiras. A Lei de Informática obedecia aos requisitos do Processo Produtivo Básico (PPB) garantindo benefícios fiscais voltados para a capacitação informática. Na década de 1990, com o advento da Lei nº 8.248/91, outra determinação normativa de incentivo da Lei de Informática foi estabelecida: a concessão de desonerações fiscais pelo período de oito anos consecutivos (amparados pela reserva informática) para as empresas instaladas em território brasileiro que investissem em P&D. Após a Lei da Informática, o complexo de leis voltadas aos meios de comunicação telemáticos e informáticos configurou-se através da Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, conhecida por Nova Lei de Direitos Autorais. O objetivo era adaptar a tutela das obras musicais, literárias e visuais à reprodução em massa possibilitada pela informatização da tecnologia de comunicação. O conteúdo normativo da Lei de Direitos Autorais passou a prever pena de detenção de seis meses ou multa, para transgressões ao direito autoral, por meio da utilização ilegal de programas de computador. No âmbito do Direito Penal, dois Projetos de Lei, obtiveram êxito em suas tramitações. O Projeto de Lei nº 84/1999 de Eduardo Azeredo (PSDB-MG), ganhou força na Câmara dos Deputados em 2011 após uma série de ocorrências envolvendo invasão de dispositivos eletrônicos e divulgação de informações e dados pessoais de figuras públicas. O projeto foi então sancionado para tornar-se a Lei Ordinária 12.735 de 30 de novembro de 2012 e previa a criação de delegacias especializadas ao combate de crimes cibernéticos na Polícia Civil e Federal. 38 O segundo Projeto de Lei, foi de número 35/12, que originou a Lei nº 12.737 de 30 de novembro de 2012, que tipificou os crimes informáticos de invasão de aparelhos eletrônicos e alterou o conteúdo dos artigos 266 e 298 do Código Penal, além de adicionar o dispositivo 154-A43. No ano seguinte, em decorrência das revelações de espionagem internacional da National Security Agency (NSA), em que o Brasil figurava como uma das vítimas, o Congresso Nacional se encontrou pressionado a acelerar a tramitação do Projeto de Lei 2.126/11 para a validação imediata do Marco Civil da Internet. Logo após esse episódio, o governo brasileiro passou a tentar protagonizar a discussão mundial sobre governança da Internet. Para tanto, aprovar uma avançada regulamentação nacional de princípios para a Internet passou a ser essencial a fim de apontar diretrizes na discussão internacional. (BIANCO, 2015. P. 7 – apud ROCHA 2017, p.22). Então, o nosso governo realizou uma parceria com o governo da Alemanha, que encaminhou à Organização das Nações Unidas um projeto de resolução intitulado “O Direito à Privacidade na Era Digital”. O mesmo foi apresentado com modificações colaborativas de mais 22 países e finalmente aprovado em 26 de novembro de 2013. Este documento reafirmou os objetivos da Carta das Nações Unidas, bem como os fundamentos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o comprometimento com o programa de ação estipulado pelo Pacto de Viena. De sua apresentação seguiu-se à resolução 69/166 sobre o direito à privacidade na era digital, que foi aprovada posteriormente em 18 de dezembro de 2014 pela Assembleia Geral da ONU. Por meio dessa resolução, a Assembleia Geral instou o Conselho de Direitos Humanos a considerar a possibilidade de estabelecer um mandato para a promoção e proteção do direito à privacidade em escala internacional. 8.2 O Processo de Tramitação e Aprovação da Lei nº 12.965 de 2014 Originário do Projeto de Lei nº 2126/2011, cujo relator Alessandro Molon, confrontava o Projeto de Lei nº 84/1999, conhecida como a Lei Azeredo ou AI-5 Digital, cujo viés atendia as demandas criminais, pleiteando a constituição de um Marco Civil da Internet, despertou controversas opiniões de juristas, doutrinadores e usuários individuais no referente à neutralidade da rede e a formação de “data centers”. 39 A condição que acelerou a homologação do PL 2.126/11 no final de 2013 foi de origem internacional. A pressão para sua aprovação ganhou forças após o ex- funcionário da National Security Agency, Edward Snowden, fazer revelações sobre a natureza dos programas de vigilância do governo Norte Americano, conduzidos para a realização de espionagem de diversos países, dentre os quais, o Brasil. Nesse contexto, o projeto do Marco Civil da Internet, então PLC 21/201454 passou a tramitar em regime de urgência constitucional em conformidade com o artigo nº 64, §§1º e 2º, da Constituição Federal. Ao final do mesmo ano em exercício,
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