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Autor: Profa. Letícia Cunha de Andrade Oliveira Profa. Camila Cristina Ribeiro Luis Profa. Ana Elisa Thomazella Gazzola Colaboradores: Prof. Enzo Fiorelli Vasques Prof. Jefferson Lécio Leal Processos e Práticas em Relações Internacionais Professores conteudistas: Letícia Cunha de Andrade Oliveira / Camila Cristina Ribeiro Luis / Ana Elisa Thomazella Gazzola Letícia Cunha de Andrade Oliveira Graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) em 2011. Mestre pela Universidade de Brasília (UnB) em 2013. Doutora pela Universidade de São Paulo (USP) em 2019. Graduada em História pela Universidade Paulista (UNIP) em 2020. Desde 2017 coordena o curso de Relações Internacionais do campus de São José dos Campos da Universidade Paulista (UNIP) e leciona na mesma Instituição. Camila Cristina Ribeiro Luis Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2007. Mestre (2013) e doutora (2018) pela mesma universidade. Leciona na Universidade Paulista (UNIP) no curso de Relações Internacionais e Ciências Econômicas desde 2017. Ana Elisa Thomazella Gazzola Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2009. Pós-graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em 2013. Mestre (2017) e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas – UNESP, UNICAMP e PUC-SP. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR) e da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (Repri). Professora titular da Universidade Paulista (UNIP). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) O48p Oliveira, Letícia Cunha de Andrade. Processos e Práticas em Relações Internacionais / Letícia Cunha de Andrade Oliveira, Camila Cristina Ribeiro Luis, Ana Elisa Thomazella Gazzola. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 180 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Organização. 2. Negociações. 3. Integração. I. Oliveira, Letícia Cunha de Andrade. II. Luis, Camila Cristina Ribeiro. III. Gazzola, Ana Elisa Thomazella. IV. Título. CDU 341.12 U511.25 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Elaine Pires Vitor Andrade Sumário Processos e Práticas em Relações Internacionais APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 A PRÁTICA DIPLOMÁTICA............................................................................................................................. 11 1.1 História e funções da diplomacia .................................................................................................. 12 1.2 Agentes diplomáticos consulares e a missão diplomática .................................................. 14 1.3 Principais documentos da prática diplomática ....................................................................... 19 1.4 A carreira diplomática no Brasil ..................................................................................................... 21 2 OS ATOS INTERNACIONAIS .......................................................................................................................... 23 2.1 Termos empregados para caracterização de atos internacionais ..................................... 25 2.2 Processo negociatório dos atos internacionais ........................................................................ 30 3 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................................................... 33 3.1 Definição e origem das Organizações Internacionais ........................................................... 34 3.2 História das Organizações Internacionais .................................................................................. 38 3.3 Características e estrutura das Organizações Internacionais Intergovernamentais .............. 40 3.4 O funcionário público internacional ............................................................................................ 42 4 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ............................................................................................... 43 4.1 Origem e propósitos ............................................................................................................................ 43 4.2 Estrutura .................................................................................................................................................. 49 4.3 A questão da reforma do Conselho de Segurança ................................................................. 55 4.4 Problemas contemporâneos de competência da ONU: meio ambiente, saúde pública e terrorismo ..................................................................................................................... 57 Unidade II 5 REGIMES INTERNACIONAIS ........................................................................................................................ 68 5.1 Conceito ................................................................................................................................................... 68 5.2 O caso dos refugiados ........................................................................................................................ 72 5.3 O Brasil na proteção aos refugiados ............................................................................................. 79 6 NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS ............................................................................................................. 87 6.1 Atores ........................................................................................................................................................ 88 6.1.1 Renascimento ........................................................................................................................................... 88 6.1.2 Iluminismo e Revolução Industrial .................................................................................................. 89 6.1.3 Globalização .............................................................................................................................................. 92 6.2 Teorias e abordagens .......................................................................................................................... 94 6.2.1 Abordagens utilitárias e subjetivistas ............................................................................................. 95 6.2.2 Natureza do objeto ................................................................................................................................96 6.2.3 Perfis dos negociadores ........................................................................................................................ 97 6.3 Práticas e técnicas das negociações ............................................................................................. 98 6.3.1 Variáveis condicionantes dos processos de negociação ......................................................... 99 6.3.2 Organização Mundial do Comércio (OMC): um exemplo prático .....................................101 6.4 Estudo de caso .....................................................................................................................................104 Unidade III 7 INTEGRAÇÃO REGIONAL ............................................................................................................................113 7.1 Conceito .................................................................................................................................................113 7.2 Categorias..............................................................................................................................................115 7.3 Principais blocos comerciais ..........................................................................................................123 7.3.1 Europa ...................................................................................................................................................... 123 7.3.2 Américas .................................................................................................................................................. 128 7.3.3 Ásia e Pacífico........................................................................................................................................ 134 7.3.4 África ......................................................................................................................................................... 136 8 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ..............................................................................................................138 8.1 História e teorias ................................................................................................................................140 8.2 Tipos de cooperação e o lugar do Brasil ...................................................................................148 7 APRESENTAÇÃO Caro aluno, o livro-texto que aqui se apresenta tem por objetivo ser um guia para os seus estudos da disciplina Processos e Práticas em Relações Internacionais, uma disciplina instigante que integra o currículo do nosso curso e traz em si um dos maiores desafios da área: como associar a prática do saber-fazer a um curso de formação superior essencialmente teórico? Derivado da ciência política e de outras ciências sociais, Relações Internacionais, enquanto uma área autônoma de estudos acadêmicos, consolidou-se a partir do dilema de paz e guerra entre os Estados, logo após a Primeira Guerra Mundial. Nesse sentido, estudos foram realizados com o objetivo de compreender a dinâmica das relações entre a soberania estatal e o mundo anárquico. Nas palavras de Mônica Herz (2002, p. 8-9): As questões que surgem a partir da existência de Estados soberanos e da ausência de uma autoridade central são o ponto de partida que gera o campo de estudos de Relações Internacionais. A convivência entre o conceito de soberania e a imagem de um sistema político anárquico acompanha a história da disciplina. O reconhecimento deste fato básico e a multiplicidade de questões teóricas e práticas correlatas conferem uma identidade discursiva à disciplina. Os estudos teóricos, portanto, foram predominantes na consolidação do curso, fazendo com que a vivência prática estivesse por conta de atividades de extensão ou científicas, ou ainda na busca pela inserção no mercado de trabalho. Os processos práticos, contudo, acontecem o tempo todo, desde o momento em que tentamos entender o noticiário internacional até quando entramos em um supermercado e nos deparamos com produtos de origem externa, nos mais diferentes preços, resultantes dos acordos do comércio exterior brasileiro. Ainda assim, o desafio de compreender e desenvolver a dimensão do exercício prático integrado à formação dos alunos continua existindo, e ainda persistirá, uma vez que o profissional da área é extremamente dinâmico e está em constante transformação, tal como o mundo que nos dispomos a analisar. É por isso que este livro-texto é tão somente um guia. É um convite para que você, aluno, exerça a regência sobre sua formação, construa pontes entre teorias e práticas e alimente sua criatividade para observar o mundo ao seu redor, descobrindo as mais diversas maneiras de aproveitamento dos elementos base da sua formação superior. Esperamos que você percorra uma jornada de muitas descobertas e de sucesso nos desafios apresentados nesta instigante disciplina. Bons estudos! 8 INTRODUÇÃO A área acadêmica de relações internacionais é definida, desde a sua formação na primeira metade do século XX, como uma área multidisciplinar. Isso significa que suas origens remetem a outros campos de estudo, basicamente história, ciência política, sociologia, direito, geografia e economia. Com tantos componentes teóricos, cujo foco de análise é o meio internacional, isto é, temas que se processam além das fronteiras dos Estados, torna-se complexo definir processos e práticas nas relações internacionais. Afinal, se Relações Internacionais é um curso predominantemente teórico, fundamentado na multidisciplinaridade, qual o significado de estudar processos e práticas? Ou, indo mais além, é possível estudar processos e práticas na formação acadêmica dos alunos de Relações Internacionais? Em absoluto, não temos resposta definitiva para tais questões, porém entendemos que a prática é um componente essencial em qualquer formação superior, e, portanto, o conteúdo do livro-texto Processos e Práticas em Relações Internacionais constitui-se em um esforço direcionado para associação entre o aprendizado teórico e a prática. Nesse sentido, o estudo desta disciplina é definido como o conjunto de atividades voltadas para o desenvolvimento de habilidades práticas essenciais para o desempenho profissional do futuro formando em Relações Internacionais. A importância de estudar processos e práticas, portanto, reside no fato de a disciplina, enquanto componente curricular do curso de Relações Internacionais, proporcionar o enriquecimento da formação dos futuros profissionais da área, promovendo atividades e conteúdos analíticos com o objetivo de desenvolver o pensamento crítico e habilidades constituídas mediante experiência prática. Para tanto, na composição deste material, selecionamos um conjunto de conteúdos considerados essenciais para o enriquecimento da formação do aluno. Entretanto, tal seleção é apenas uma parte de infinitas possibilidades de aplicações práticas desses estudos, visto que contamos com número limitado de páginas. Ainda assim, realizamos uma seleção criteriosa, de forma a abarcar os principais tópicos estudados quando considerados os processos e as práticas na área de relações internacionais. Dessa forma, nas três unidades que compõem o presente livro-texto serão abordados temas como os principais elementos que constituem a prática diplomática – tema que deriva das centralidades dos Estados no universo das relações internacionais –, documentos, reuniões, carreira diplomática e Organizações Internacionais, especialmente a Organização das Nações Unidas (ONU), ao longo da Unidade I. Já a Unidade II aborda os regimes internacionais e a negociação internacional, de forma a possibilitar ao estudante o conhecimento das conjunturas de governança global e dos principais processos analíticos e negociatórios empregados no dia a dia da vivência no mercado profissional. Por fim, na Unidade III, analisaremos os fenômenos da integração regional e da CooperaçãoInternacional, recentes e, ao mesmo tempo, em constante transformação devido às diferentes visões dos governantes ao longo dos anos. 9 Além dos conteúdos que serão abordados conforme descrito anteriormente, utilizaremos “Lembretes”, “Saiba mais” e “Observações” para reforçarmos o aprendizado e ainda dar dicas de estudos práticos, sítios na internet etc., para ampliar seus conhecimentos. Ao final de cada unidade, os “Exemplos de Aplicação”, resolvidos e comentados, e os “Resumos” vão ajudá-lo a retomar o conteúdo estudado. 10 11 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Unidade I 1 A PRÁTICA DIPLOMÁTICA A diplomacia é um instrumento da política exterior dos Estados e, por isso, um importante mecanismo de intercâmbio e promoção dos interesses entre as comunidades políticas desde a Antiguidade. É também um relevante mecanismo de solução pacífica de controvérsias nas relações internacionais, além de promover atividades comerciais e culturais entre os povos. Mas, afinal, o que é diplomacia? E mais, o que podemos entender sobre a prática diplomática? Essas são algumas das questões que analisaremos, finalizando com uma breve descrição sobre a carreira diplomática no Brasil. Desde uma perspectiva sociológica das relações internacionais, Raymond Aron, autor do clássico livro da área Paz e guerra entre as nações (2002, p. 111), descreve a diplomacia como “a arte de convencer sem usar a força”. No mesmo sentido, Accioly, Silva e Casella (2012, p. 533), desde o ponto de vista do direito, definem diplomacia como a “arte de representar os Estados, uns perante os outros, ou o conjunto de regras práticas referentes às relações pacíficas e as negociações entre os Estados”. Em suma, por essas definições, entende-se que a diplomacia enquanto “arte” requer o domínio do exercício prático para realizar o intercâmbio entre as nações. Tal intercâmbio, contudo, se processa por meios pacíficos, ou seja, por um conjunto de regras pelas quais os diplomatas tentam convencer-se mutuamente a fim de que os Estados não venham a recorrer ao emprego da violência. A diplomacia é, portanto, um recurso do Estado, enquanto comunidade política moderna e principal ator das relações internacionais, e requer o desenvolvimento de habilidades de negociação. Dessa forma, a prática diplomática consiste em todo o processo negociatório entre os Estados, desde a preparação daqueles que exercerão a função de diplomatas – perpassando as reuniões em que se desenrolam as negociações de fato – até a composição final de documentos resultantes do processo. É sobre o desenrolar desse processo que trataremos, considerando o passo a passo da prática diplomática a partir da perspectiva e da abordagem das relações internacionais. É igualmente necessário destacar a importância da existência de espaços abertos especificamente para que as negociações diplomáticas aconteçam, tais como as representações permanentes junto aos governos estrangeiros, que gozam de imunidade jurídica especialmente para o exercício dos interesses de seu país; as Organizações Internacionais Intergovernamentais regionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e as Organizações Internacionais Intergovernamentais globais, com destaque para a Organização das Nações Unidas (ONU). Sem a abordagem desses múltiplos espaços em que a prática diplomática se desenrola, este material não estaria completo. 12 Unidade I 1.1 História e funções da diplomacia As origens da diplomacia remontam à Antiguidade. Na Grécia Antiga, as pessoas que cumpriam a função de diplomatas eram os chamados heraldos, isto é, arautos, os portadores da mensagem do soberano. Conforme a mitologia grega, os heraldos gozavam da proteção do deus Hermes, o mensageiro dos deuses e, por isso, deveriam ser respeitados, dando início ao reconhecimento de imunidade àqueles que cumpriam a função de mensageiros dos soberanos. Entre os requisitos para cumprir a função, era necessário que os heraldos tivessem boa memória, rigoroso preparo físico e uma potente voz. É também da Grécia Antiga que surgiram as instituições até hoje conhecidas do direito diplomático, tais como os tratados, a utilização de arbitragem para resolução de conflitos e a inviolabilidade dos heraldos. As tradições das relações consulares também tiveram suas origens entre os gregos, chamados por eles de proxenia. Para os gregos as instituições consulares eram de suma importância, haja vista o respeito de acordos de hospitalidade mútua entre os entes políticos e as imunidades conferidas aos seus representantes públicos (BUENO; FREIRE; OLIVEIRA, 2017). Ainda das origens gregas acredita-se que deriva a palavra diplomacia: do grego diplos, que significa duplicidade; ou seja, o diplomata é aquele que cumpre dupla função, em seu Estado de origem ao qual representa, e aquele que é designado para levar a mensagem. Outras definições, contudo, apontam que diplomacia deriva do latim diploma, que, em Roma, designava documentos ou títulos de circulação formados de placa dupla dobrada, relativos a acordos exteriores ou aptos a conferir determinado privilégio a seu titular (RANGEL, 1988). Além dos gregos, outros povos igualmente contribuíram para a consolidação do desenvolvimento histórico da diplomacia. Na China, desde a Antiguidade, as práticas diplomáticas eram empregadas como uma das formas mais complexas de diálogo para resolução de disputas entre povos vizinhos. Por sua vez, os povos islâmicos tiveram um importante papel na construção no direito diplomático, especialmente no que concerne à inviolabilidade dos embaixadores e ao respeito do cumprimento das obrigações convencionais (BUENO; FREIRE; OLIVEIRA, 2017). Entretanto, inexistia na Antiguidade uma organização institucionalizada, tal como os atuais ministérios das relações exteriores dos Estados, com a incumbência de centralizar as decisões relativas às práticas diplomáticas. Conforme explica Rangel (1988, p. 89), a diplomacia é inerente à formação das comunidades políticas desde os tempos mais remotos, porém, naquela época, a prática diplomática era descrita pelas seguintes características: Nos tempos primevos, a diplomacia se apresentou com três características: ser ambulante, ser inorganizada e estar circunscrita no tempo e no espaço. Este último traço decorria das limitações dos meios de comunicação. Ambulante, ela consistia no envio de negociadores com vistas ao exame de questão precisa: acordos comerciais, tratados de paz, de aliança, solução de litígios e de conflitos armados. Inorganizada, ela vingava de modo rudimentar nas nações mais antigas – egípcios, assírios, judeus, persas –, alcançando alguma consistência entre os gregos e, mais ainda, entre os romanos (RANGEL, 1988, p. 90). 13 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Entre os povos da Antiguidade, foram os romanos que deram à diplomacia sua característica de arte política sustentada, devido à necessidade de administrar conflitos e rivalidades com um grande número de adversários do imenso Império Romano. Os embaixadores romanos eram designados pelo Senado para missões diplomáticas de curta duração e, ao retornarem, deviam prestar contas da missão recebida. Dessa forma, a diplomacia em Roma tomou dimensões institucionais e permanentes, vinculadas aos demais órgãos políticos que compunham a dinâmica do império. A prática diplomática tal como impulsionada pelos romanos tomou impulso no Império Bizantino, em cuja corte surgiram os primeiros organismos governamentais encarregados de política exterior e foram formados os primeiros negociantes profissionais, além de estabelecidas as principais regras de protocolo e de precedências de amplo alcance. Como exemplo, podemos citar o fato de que, no decorrer do século XIII, foi criado o departamento governamental para assuntos exteriores, com o objetivo de ensinar a arte da negociação e da organização e envio de embaixadas. Da mesma forma, outro departamento foi também criado com a incumbência derecepcionar e controlar as embaixadas estrangeiras (RANGEL, 1988). Na virada para a Era Moderna, iniciada pelo Renascimento no século XV, as cidades italianas, especialmente Veneza, despontaram como as principais herdeiras das práticas diplomáticas do Império Bizantino. Entrepostos por onde passava o maior volume do comércio medieval, as repúblicas italianas possuíam inúmeros vínculos que as ligavam aos povos externos à península. Tal fato colaborou para o intenso desenvolvimento da diplomacia, dando origem ao moderno conceito de embaixada, isto é, representação permanente com posto fixo e com a missão de não apenas representar e negociar, mas também informar e avaliar. Dessa forma, foi a dinâmica das relações entre os Estados renascentistas italianos que moldou a diplomacia moderna, e, ademais, o surgimento da figura do embaixador propiciou uma relevante modernização das práticas diplomáticas. À medida que a permanente tensão entre os principados italianos acelerava a necessidade de acordos, a diplomacia tornou-se um canal de diálogo constante, justificando o envio de representantes permanentes com residência no local de representação. Entre os mais simbólicos embaixadores desse período, destaca-se a figura de Nicolau Maquiavel, que atuou como representante da República de Florença em várias missões diplomáticas (BUENO; FREIRE; OLIVEIRA, 2017). Além de escrever inúmeros textos sobre a realidade da política italiana à época, Maquiavel foi um exímio observador da arte diplomática, e assim descreveu a postura requerida para um embaixador naquele contexto: O Embaixador deve buscar acima de tudo o bom conceito pessoal, que poderá adquirir comportando-se como homem de bem, reto e liberal, nunca como um avaro, hipócrita que pensa uma coisa e diz outra. Este é um ponto muito importante: conheço pessoas que, a despeito da sua grande astúcia, pela duplicidade perderam a confiança do Príncipe, a ponto de não poderem continuar negociando com ele. Se, como às vezes acontece, é forçoso dissimular alguma coisa, convém usar muita arte para que isso não apareça; e se aparecer, que haja uma desculpa pronta (BATH, 1988, p. 59). 14 Unidade I A prática diplomática institucionalizada pelos Estados italianos propagou-se por toda a Europa, sendo ainda reforçada pelo contexto de consolidação dos Estados nacionais europeus. Nos séculos seguintes, tais práticas tornaram-se parâmetro das relações diplomáticas do moderno sistema de Estados que se expandia para todo o mundo. A princípio, a prática diplomática não era regulamentada por documentos ou tratados internacionais, sendo apenas um padrão de conduta internacional amplamente respeitado pelo costume ou tradição. Essa situação, no entanto, foi gradualmente alterada a partir do Congresso de Viena, ocorrido em 1815 após as Guerras Napoleônicas. No Anexo 17 da Ata Final do referido Congresso, foi observada a primeira tentativa sistemática de codificar as práticas da diplomacia, estabelecendo um padrão de classificação para os agentes diplomáticos a fim de tornar mais transparentes e céleres as negociações diplomáticas (BUENO; FREIRE; OLIVEIRA, 2017). Ao longo dos séculos XIX e XX, à medida que a sociedade internacional expandia-se e tornava-se mais complexa, novos esforços foram empreendidos para codificação das normas das práticas diplomáticas, culminando na Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, em 1961. Dois anos depois, em 1963, também foi promovida a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, e, posteriormente, o trabalho de codificação universal das práticas diplomáticas foi complementado por mais duas convenções: a Convenção sobre as Missões Especiais, adotada pela Assembleia das Nações Unidas, em 1969; e a Convenção sobre a Representação de Estados em suas Relações com Organizações Internacionais Intergovernamentais, de caráter universal, realizada em Viena, em 1975 (BUENO; FREIRE; OLIVEIRA, 2017). Saiba mais Para aprofundar os seus estudos sobre a história da diplomacia, sugerimos a leitura dos seguintes livros: BATH, S. O que é diplomacia. Brasília: Brasiliense, 1989. MOGIARDIM, M. R. Diplomacia. Lisboa: Almedina, 2007. 1.2 Agentes diplomáticos consulares e a missão diplomática Na prática das relações internacionais, os Estados precisam construir canais de comunicação permanente com seus pares, bem como com os organismos e Organizações Internacionais Intergovernamentais das quais fazem parte, de forma a conduzir a concretização de seus objetivos externos satisfatoriamente. Um Estado que não domina habilmente os recursos de diálogo e intercâmbio com o meio internacional também não poderá participar ou influenciar as decisões em matéria de política internacional e, consequentemente, ficará isolado e privado de exercer seus interesses externos. Daí a importância de conhecer e compreender os recursos que são empregados pelos Estados para condução prática das suas relações exteriores. 15 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Em primeiro lugar, é fundamental destacar que cabe ao chefe de Estado – quer se intitule imperador, rei ou presidente da República – o órgão principal encarregado das relações internacionais do Estado. Conforme explicam Accioly, Silva e Casella (2012, p. 526), cabe ao Estado em questão comunicar oficialmente aos demais o nome do indivíduo ou dos indivíduos que cumprem a função de chefe de Estado, isto é, do órgão central de suas relações internacionais, não cabendo a este o direito de opinar sobre a sua qualidade e legitimidade, desde que seja aceito como tal pelos habitantes do país. No entanto, o chefe de Estado é geralmente auxiliado por um ministro ou secretário com funções exclusivas na condução das relações internacionais do país. Para tanto, ao observarmos a composição da estrutura interna dos Estados, é possível identificar a existência de um órgão específico, com status ministerial, isto é, administrado diretamente pelo Poder Executivo para a realização do intercâmbio com a sociedade internacional. No Brasil, esse órgão é chamado de Ministério das Relações Exteriores, porém não há uma padronização para a denominação desse órgão para todos os Estados. Nos Estados Unidos, por exemplo, o órgão institucional que cumpre essa função é o Departamento de Estado, já em Portugal é chamado de Ministério dos Negócios Estrangeiros. Independentemente da denominação, o essencial é saber que a organização institucional interna de um órgão com poder para condução das relações com as demais nações é uma prática consolidada nas relações entre os Estados, subordinado diretamente ao chefe de Estado. Esse órgão é conduzido por um ministro, também chamado na tradição diplomática de chanceler, que chefia o corpo diplomático e consular do país, isto é, do pessoal especializado para trabalhar com as questões relativas à política exterior do Estado. Além de chefiar o corpo diplomático e consular, as funções exercidas pelo ministro das relações exteriores no Brasil são: 1) seguir a política exterior determinada pelo presidente da República; 2) dar as informações necessárias para a execução da política exterior; 3) representar o governo brasileiro; 4) negociar e celebrar tratados; 5) organizar e instruir missões especiais; 6) coordenar as conferências internacionais que se realizarem no Brasil; 7) proteger os interesses brasileiros no exterior; 8) representar o governo brasileiro nas relações oficiais com missões diplomáticas estrangeiras e junto a organismos internacionais (HUSEK, 2000, p. 95). Tais funções mencionadas são semelhantes em outros Estados, com pouca ou nenhuma variação. No geral, cabe ao chanceler a função de manter contato constante com os governos estrangeiros, seja diretamente, seja por intermédio das missões diplomáticas que lhe são subordinadas ou com as embaixadas existentes no país (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2012, p. 530). É também de sua incumbência a negociação e assinatura de tratados e acordos internacionais.Porém, como já mencionado, o chanceler é auxiliado por uma equipe especializada que, quando está cumprindo funções no exterior, é chamada de agentes diplomáticos. 16 Unidade I Conforme explica Husek (2000, p. 68), os agentes diplomáticos são pessoas que o governo de um determinado Estado acredita a outro, com o objetivo de representar seus interesses. Nas relações entre os países, antes de se acreditar chefe de missão diplomática junto a um Estado, é comum e de boa prática consultar o Estado acreditado para saber se o indicado é ou não persona grata, isto é, se existe alguma objeção quanto à sua pessoa, para então realizar a investidura. Esse processo de consulta é chamado de pedido de agreement (HUSEK, 2000, p. 98). Observação Na terminologia empregada na prática diplomática, é importante saber que Estado Acreditante é aquele que envia os agentes diplomáticos para cumprirem missão junto ao governo de outro Estado, e Estado Acreditado é aquele que recebe os agentes diplomáticos. O ato de acreditação representa um consentimento mútuo, pois se um Estado recebe os agentes diplomáticos de outro, significa que esse Estado acredita que também poderá enviar seus próprios agentes diplomáticos junto ao governo acreditante. Por ser um ato formal, a acreditação geralmente é feita pelo chefe de Estado. As funções designadas aos agentes diplomáticos somente chegam ao fim quando há rompimento das relações diplomáticas entre os Estados, ato que se configura como um gesto de animosidade e geralmente acontece em um contexto de escalada de tensões. Uma vez que a prática diplomática corresponde a um canal de diálogo mútuo, o rompimento das relações diplomáticas significa que não é mais possível conversar amistosamente, e outras medidas mais árduas podem ser adotadas para valer os interesses dos Estados. Como o agente diplomático representa o poder soberano dos Estados, o exercício de suas funções corresponde a uma condição indispensável para a existência do próprio sistema das comunidades políticas. Por isso, foi instituído primeiramente pelo costume da prática diplomática e depois convencionado pelo direito internacional que o agente diplomático deve gozar de alguns privilégios e imunidades quando em missão no estrangeiro. São estes: • Inviolabilidade para o desempenho das funções diplomáticas, o que abrange a missão diplomática e as residências particulares dos agentes diplomáticos. • Imunidade de jurisdição civil e administrativa, criminal e de execução, porque são invioláveis os bens da missão diplomática. • Isenção de impostos. • Direito ao culto privado. • Direito de arvorar a bandeira nacional. • Liberdade de circulação e trânsito, salvo em zona que interesse à segurança nacional. 17 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Além dos agentes diplomáticos, existem os agentes consulares, que, diferentemente dos primeiros, são funcionários administrativos do Estado que este envia para proteger seus interesses comerciais, legalizar documentos e prestar auxílio aos nacionais que estão no estrangeiro, entre outras funções determinadas pelo governo. Apesar de não possuir função política, os agentes consulares também correspondem a um canal de diálogo com os demais Estados e, por isso, estão vinculados ao Ministério das Relações Exteriores. Conforme explica Husek (2000, p. 100), o cônsul recebe sua função por meio de uma carta-patente assinada pelo chefe de Estado, e o Estado receptor concede sua autorização, isto é, seu exequatur. Existem também os cônsules honorários, isto é, escolhidos entre os nacionais do Estado em que vão servir, e os cônsules de carreira, ou seja, servidores públicos. No Brasil não existe uma carreira específica para agentes consulares, sendo geralmente o cônsul escolhido entre os agentes diplomáticos. Observação Atenção para não confundir agentes diplomáticos e agentes consulares, pois existe uma grande diferença entre eles: o cônsul trata apenas de questões administrativas, não tendo o aspecto representativo no sentido político, enquanto o agente diplomático o tem. Os agentes diplomáticos têm atuação em todo o território do Estado Acreditado e tratam primordialmente de assuntos políticos. Por fim, é importante compreender que o conjunto de agentes diplomáticos e de funcionários da equipe com a função de representar um Estado junto a outro ou em uma organização internacional corresponde a uma missão diplomática. Conforme observam Accioly, Silva e Casella (2012, p. 531), […] as missões diplomáticas destinam-se a assegurar a manutenção de boas relações entre o Estado representado e os Estados em que se acham sediadas, bem como a proteger os direitos e interesses do respectivo país e de seus nacionais. A missão diplomática é integrada não só pelo chefe de missão e pelos demais funcionários diplomáticos, mas também pelo pessoal administrativo e técnico e pelo pessoal de serviço. O conjunto dos agentes diplomáticos acreditados num mesmo Estado é conhecido pela denominação de corpo diplomático, ou corpo diplomático estrangeiro, para se distinguir do corpo diplomático nacional, composto pelo conjunto de representantes diplomáticos que o Estado acredita nos países estrangeiros. O porta-voz do corpo diplomático – aquele que fala em nome do grupo – é conhecido como decano, que é o mais antigo agente diplomático entre os de mais alta hierarquia no posto (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2012, p. 533). 18 Unidade I Accioly, Silva e Casella (2012, p. 534) ainda lembram que as funções da missão diplomática de hoje são precisamente as mesmas de outros momentos históricos: • Representação: o agente diplomático fala em nome de seu governo com o Estado junto ao qual se acha acreditado. • Negociação: promover relações amistosas, como o intercâmbio econômico, cultural e científico. • Proteção: o diplomata deve proteger os interesses de seu estado e de seus nacionais perante as autoridades do país. • Observação: consiste em inteirar-se por todos os meios lícitos das condições existentes e da evolução dos acontecimentos no Estado Acreditado. • Informação: informar o seu governo dos acontecimentos e condições no Estado Acreditado. Por outro lado, existem também alguns deveres que as missões diplomáticas precisam observar junto ao Estado Acreditado, chamados de deveres de lealdade. São estes (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2012, p. 534): • Tratar com respeito e consideração o governo e as autoridades locais. • Não intervir na sua política interna. • Não participar de política partidária. • Não fornecer auxílio a partidos de oposição. • Respeitar as leis e os regulamentos locais. A observação dessas práticas é essencial para evitar incidentes e resultar em maior eficiência da missão, porém é possível identificar em alguns momentos acusações de ingerência, e até mesmo ações de espionagem de agentes diplomáticos em questões internas no Estado Acreditado. Saiba mais Sobre as funções e questões cotidianas que envolvem e perpassam as missões diplomáticas, é interessante assistir ao seguinte filme, aclamado com três Óscares: ARGO. Direção: Ben Affleck. EUA: Warner Bros., 2012. 120 min. 19 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS 1.3 Principais documentos da prática diplomática Na prática diplomática existem dois documentos de base que orientam a condução das relações diplomáticas e consulares: a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, de 1961, e a Convenção de Viena sobre as Relações Consulares, de 1963. As negociações que possibilitaram a celebração de ambos os tratados foram promovidas pelas Nações Unidas na cidade de Viena, na Áustria, com o objetivo de codificar, isto é, redigir e celebrar práticas que já eram adotadas pelo costume nas relações diplomáticas e consulares entre os Estados. Nesse sentido, as convenções de Viena, como ficaram conhecidas, foram bem-sucedidas, pois os tratados resultantes foram assinados e ratificados pela quase totalidade dos Estados.Destaca-se que, no que se refere à Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, a grande novidade do texto do tratado foi consagrar a tendência de deslocamento da principal responsabilidade diplomática da figura do embaixador para a missão diplomática entendida em seu conjunto (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2012). Dessa forma, a expressão agente diplomático perdeu o conceito que era utilizado durante o século XIX, que se aplicava somente ao chefe da missão. Conforme o texto da convenção: “agente diplomático é o chefe da missão ou um membro do pessoal diplomático da missão”. Essa mudança conceitual possibilitou maior abrangência de direitos e imunidades ao conjunto do grupo de pessoas que compõem a missão, implicando melhor desempenho de suas funções. Outro ponto importante convencionado no Tratado de Viena de 1961 foi a divisão do chefe das missões diplomáticas em três classes: • Embaixadores ou núncios acreditados perante chefes de Estado e outros chefes de missão de categoria equivalente. • Enviados, ministros ou internúncios, acreditados perante chefes de Estado. • Encarregados de negócios, acreditados perante ministros das relações exteriores. Entre os agentes das duas primeiras categorias não existem diferenças essenciais quanto às suas prerrogativas e funções. Porém, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas estabelece que, se um Estado acredita um chefe de missão diplomática em mais de um Estado, poderá nomear um encarregado de negócios naqueles Estados em que a missão diplomática não possui sede. Um encarregado de negócios também poder ser nomeado em caso de o chefe da missão diplomática estar temporariamente impossibilitado de cumprir suas funções. Por isso, os encarregados de negócios se diferenciam dos demais chefes de missão diplomática porque sua função é representar a missão ou, mais precisamente, os negócios da missão. Disso resulta que suas prerrogativas possibilitam negociar e tratar de assuntos e interesses somente junto ao ministro das relações exteriores do Estado Acreditado, e não diretamente com o chefe de Estado (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2012, p. 532). Além desses documentos básicos de orientação das relações diplomáticas e consulares e outros documentos produzidos pelas negociações entre os Estados, a prática diplomática no desenrolar de suas 20 Unidade I ações ao longo dos séculos gerou uma imensa quantidade de documentação dos tipos mais variados, sendo que alguns foram consolidados como instrumento oficial de documentação diplomática. Dentre esses documentos destacam-se: • Telegramas: na linguagem diplomática, são chamados telegramas os expedientes transmitidos dos postos no exterior para a chancelaria, na capital. Embora sejam mensagens eletrônicas, mantêm, por tradição, o nome do sistema de envio de mensagens físicas. O telegrama é sempre assinado pelo chefe do posto. • Despacho telegráfico e circular telegráfica: são comunicações eletrônicas oficiais enviadas da Secretaria de Estado para postos no exterior contendo instruções do governo. • Guia de mensagem e documentação: expediente que tem por finalidade o encaminhamento físico, por meio postal, de material e de publicações diversas. O envio de material entre a Secretaria de Estado e os postos no exterior (e vice-versa) é feito por meio de mala diplomática. • Nota diplomática: nota escrita em terceira pessoa com assinatura não identificada, porém autenticada pelo governo do Estado que emite a nota. • Nota assinada: carta direcionada, empregada como ato solene entre autoridades diplomáticas. • Carta pessoal: não compromete os Estados, pois se refere somente às pessoas em questão, geralmente é menos protocolar e mais amigável. • Nota coletiva: esse documento é redigido coletivamente por um grupo de Estados e dirigido a um governo pelos representantes de vários Estados. • Ultimatum: expressa uma exigência sobre um determinado assunto. • Pró-memória (aide-memoire, em francês, ou non-paper, em inglês): é um relato ou rascunho de reuniões diplomáticas, podendo conter impressões e posicionamentos daquele que o redige, muito embora não seja necessariamente assinado. • Documento de posição oficial: é um documento que expressa a posição do governo representado sobre determinado assunto tema de debates em comitês de organismos internacionais, como a ONU. É o documento mais empregado em simulações de negociações internacionais multilaterais. Ademais dos documentos listados anteriormente, as missões diplomáticas elaboram relatórios com relativa frequência, descrevendo a situação política, econômica, social e cultural do Estado Acreditado, como também iniciativas e resultados. Tais relatórios podem ser apenas descritivos e narrativos, mas também podem ser analíticos, com pareceres e recomendações para ação. Ainda sobre a documentação diplomática, é importante salientar que diplomacia é, sobretudo, um ato de comunicação. Nessa perspectiva, faz-se necessário o emprego de um determinado idioma tanto 21 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS para a condução das negociações, como para a redação dos documentos. É claro que, entre o corpo diplomático nacional, geralmente se emprega a língua oficial do país. Contudo, na comunicação entre missão diplomática e governo acreditado elege-se um idioma de referência universal. Nos primórdios da formação dos Estados modernos, o latim era a língua empregada tanto na redação de documentos diplomáticos e atos internacionais, como na condução das negociações, pelo seu apelo cosmopolita na Europa. Com o desenrolar das atividades diplomáticas na Era Napoleônica, o francês alcançou o status de língua oficial da diplomacia. Atualmente, contudo, o inglês é o idioma comumente empregado em tais atividades, ainda que os atos internacionais devam ser redigidos tanto em inglês como em francês. 1.4 A carreira diplomática no Brasil A carreira diplomática no Brasil é estabelecida pela admissão dos futuros candidatos a agentes diplomáticos ao Instituto Rio Branco por meio de concurso de amplitude nacional, que ocorre regularmente desde 1937. Ao ser aprovado no concurso, o candidato já ingressa na carreira diplomática como terceiro-secretário. Figura 1 – Sede do Instituto Rio Branco, em Brasília É pré-requisito para ingressar na carreira diplomática do Brasil ser brasileiro nato porque, assim como os cargos de presidente da República, presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado, ministro do Supremo Tribunal Federal e oficial das Forças Armadas, é uma função que diz respeito ao centro das decisões do Poder Soberano. Além disso, é imprescindível formação acadêmica em nível superior, com amplo conteúdo na área de humanidades. No concurso público para ingressar no Instituto Rio Branco, as provas a que são submetidos os candidatos exigem apreciável conhecimento em português, francês, inglês, história, geografia, ciência política, economia, direito e política internacional. A formação no curso de preparação à carreira diplomática corresponde a uma especialização para o exercício das funções e tem duração média de dois anos. O Instituto Rio Branco (IRBr) foi criado em 22 Unidade I 18 de abril de 1945 como parte da comemoração do centenário do nascimento de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, considerado patrono da diplomacia brasileira. Em março de 1946, fixou-se o Curso de Preparação à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco, cuja primeira turma foi composta de 27 cônsules de terceira classe, como se chamavam então os terceiros-secretários de hoje. O Instituto Rio Branco teve suas instalações na antiga sede do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro, até 1975. A transferência para Brasília, nova capital do país, ocorreu na gestão do embaixador Azeredo da Silveira. Saiba mais O Barão do Rio Branco foi ministro das Relações Exteriores entre 1902 e 1912 e sua brilhante atuação a frente do ministério, especialmente na resoluçãodas pendências de fronteiras herdadas da época do Império, estabeleceu um padrão de condução das ações diplomáticas brasileiras, cuja habilidade e competência funcional é considerada como exemplo para o serviço público diplomático. Daí a homenagem ao instituto responsável por formar novos diplomatas. Para conhecer mais sobre a vida e a atuação profissional de Rio Branco, leia: SANTOS, L. C. V. G. O dia em que adiaram o Carnaval. São Paulo: Unesp, 2010. Após o processo de formação no Instituto Rio Branco, o terceiro-secretário, desde que aprovado, ingressa no Itamaraty, nome pelo qual o Ministério das Relações Exteriores passou a ser conhecido como sinônimo da diplomacia brasileira. O terceiro-secretário pode vir a ser promovido obedecendo à seguinte hierarquia da carreira diplomática: segundo-secretário, primeiro-secretário, conselheiro, ministro de segunda classe e, por fim, ministro de primeira classe, ponto final da hierarquia. Em cada fase de sua carreira o diplomata cumpre diferentes funções. Como terceiro-secretário, o ingressante no Instituto Rio Branco exerce essa função enquanto ainda está em processo de capacitação. Após a conclusão do curso, ocorre a promoção para o cargo de segundo-secretário, cuja função é realizar suas atividades no local ao qual for designado até chegar sua promoção. Já como primeiro-secretário é possível trabalhar como assessor do ministro das relações exteriores ou do secretário geral da presidência da República. Além disso, faz parte de suas atribuições auxiliar deputados e senadores no processo de referendo dos tratados internacionais pelo Congresso Nacional. Após cerca de nove anos no exercício da função, o primeiro-secretário é promovido a conselheiro. Nesse cargo, as atribuições do diplomata é chefiar as divisões internas do Ministério das Relações Exteriores. Por fim, no exterior, os ministros de segunda e primeira classe podem exercer função de embaixador. A esse respeito, é importante destacar que o cargo de embaixador não é exclusivo de um profissional da carreira diplomática. Conforme explica Husek (2000, p. 97), 23 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Profissional é o diplomata de carreira, que utiliza sua técnica, sua formação e aprendizado a serviço da Nação. Necessariamente, não é o caso do embaixador, que, às vezes, se notabiliza pela sua expressão política. Oswaldo Aranha e San Tiago Dantas não eram diplomatas de carreira, mas imprimiram no Itamaraty uma nova filosofia, uma nova maneira de agir. Apesar dessas considerações, entendemos que uma embaixada deva ser ocupada, na grande maioria das vezes, pelos homens de carreira, só se justificando a presença de outra pessoa de forma excepcionalíssima. Como foi possível observar, a carreira diplomática brasileira é muito bem estruturada e demanda muito estudo e dedicação para ingresso no Instituto Rio Branco, devido à enorme concorrência. Contudo, é uma também uma carreira de grande prestígio, dentro e fora do Brasil, e muito bem remunerada. É ainda importante lembrar que existem outras carreiras atinentes ao exercício da diplomacia brasileira, tais como o oficial de chancelaria e o assistente de chancelaria. Oficiais de chancelaria são servidores com formação superior que prestam atividades de formulação, implementação e execução dos atos de análise técnica e gestão administrativa, necessários ao desenvolvimento da política externa brasileira. Assistentes de chancelaria são servidores de nível médio que prestam apoio técnico e administrativo no Brasil e nas representações brasileiras no exterior. Da mesma forma que a carreira diplomática, o ingresso em ambas as carreiras se dá por meio de aprovação em concurso público. Lembrete Diplomata é o servidor público aprovado no concurso do Instituto Rio Branco. Embaixador é o título conferido ao chefe de uma missão diplomática (embaixadas e representações junto a organismos internacionais), pertencendo ele ou não à carreira diplomática. É prerrogativa do presidente da República indicar embaixadores, e qualquer cidadão pode ser designado. Cônsul-geral é o título que é conferido ao diplomata que chefia um consulado-geral. Chanceler é o título que é conferido ao ministro das relações exteriores, sobretudo na tradição latino-americana. 2 OS ATOS INTERNACIONAIS O desenvolvimento da sociedade internacional e a intensificação das relações internacionais desde a formação do sistema de Estados modernos resultaram em uma complexidade de interações e temas de interesse comum que ampliou enormemente a quantidade e a diversidade de documentos elaborados em âmbito da condução das relações internacionais. São esses documentos denominados atos ou tratados internacionais. Nosso objetivo primordial é conhecer e entender, em termos práticos, as principais diferenças entre eles. 24 Unidade I A denominação dos atos internacionais é bastante variada, uma vez que o tema sofreu consideráveis transformações ao longo dos tempos. De qualquer forma, na contemporaneidade, são os tratados que regulamentam matérias das mais variadas e possuem fundamental importância no contexto internacional, além de contribuírem para a codificação de inúmeros temas que antes eram regulamentados quase que exclusivamente pelo chamado direito costumeiro. Mazzuoli (2011, p. 189) afirma que o próprio processo de transformação das normas costumeiras em regramento escrito tem colaborado para que os tratados se multipliquem na sociedade internacional. De fato, é possível observar que, nos dias de hoje, a vida internacional funciona quase que primordialmente por meio dos tratados internacionais. São esses documentos o recurso pelo qual os Estados e as Organizações Internacionais Intergovernamentais conseguem acomodar seus interesses, mesmo quando conflitantes, e cooperar entre si para a satisfação de suas necessidades comuns (MAZZUOLI, 2011, p. 190). Apesar da importância nas relações internacionais contemporâneas, os tratados têm origem histórica muito remota, mais de 12 séculos antes de Cristo, na Antiguidade Oriental. Conforme explica Mazzuoli (2011, p. 191), o primeiro registro de um tratado internacional foi firmado entre o rei dos hititas e o faraó egípcio, por volta de 1280-1272 a.C., colocando fim às guerras que aconteciam em terras sírias. Porém, foi a partir do século XIX, com a dinamicidade empregada às relações internacionais e o rápido desenvolvimento econômico e político da sociedade internacional que a prática de celebração de tratados ganhou força. Já no século XX surgiram Organizações Internacionais de caráter permanente, as quais também passaram a deter a capacidade de celebrar tratados, contribuindo para sua expansão. A respeito do rápido desenvolvimento dos tratados, Mazzuoli (2011, p. 165) explica que o motivo para isso foi: A crescente solidariedade que se estabeleceu entre os diversos elementos da sociedade internacional: a solidariedade mecânica que existe entre os Estados é de tal natureza que toda mudança dos elementos altera o equilíbrio de poder dentro da totalidade do sistema; por sua vez, a natureza da totalidade dos interesses gerais da humanidade requer que os problemas sejam atacados de forma comunitária e simultânea; e, por último, também se deve levar em conta a solidariedade dos indivíduos no desenvolvimento da cultura e da opinião pública. A confluência desses fatores somada à maior importância que os tratados alcançaram na regulamentação da vida internacional resultou na necessidade de regulamentar o próprio ato de celebrar tratados, isto é, criar normas e padrões para estabelecimento dos atos internacionais. Para tanto, as Nações Unidas realizaram conferências e trabalhos para codificar o direito dos tratados, cujo resultado foi a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em maio de 1969. Desde então, esse é o documento base tanto para o estudo, como para orientar e dirimir quaisquer atritos na celebração dos atos internacionais. 25PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS 2.1 Termos empregados para caracterização de atos internacionais Conforme explica Mazzuoli (2011, p. 205), a expressão tratado é uma expressão-gênero, isto é, um termo que congrega dentro de si diferentes nomenclaturas com a finalidade de classificar os mais diversos tratados internacionais, conforme sua finalidade, a qualidade das partes, o assunto versado ou o número de Estados-parte. A seguir, listamos e descrevemos os termos e acepções usualmente empregados na prática das relações internacionais. Tratado De acordo com o texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, ato ou tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica. O tratado, desse modo, é uma manifestação de vontades efetuada por meio de um acordo escrito entre os Estados. Para tanto, é importante saber que “ratificação”, “aceitação”, “aprovação” e “adesão” significam, conforme o caso, o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado estabelece o seu consentimento a um tratado; assim, “Estado-parte é um Estado que consentiu em se obrigar pelo tratado e em relação ao qual este esteja em vigor” (CONVENÇÃO…, 1969). Assim, tratado é a expressão utilizada para definir todos os acordos com caráter político; sendo internacional, bilateral ou multilateral, o termo é utilizado para apontar ou fazer reparos no que foi acordado entre as partes. Isso ficou acertado na Convenção de Viena de 1969, que acabou por igualar o significado das palavras tratado e convenção. Tratado, portanto, é o nome dos atos internacionais consagrados na literatura jurídica e diplomática. Há, contudo, uma variedade de nomes que não guarda relação com o teor substancial do tratado, visto que pode ele referir-se a uma gama imensa de assuntos que, na prática, muitas vezes, leva-nos a fixar nomes mais aplicáveis em um ou em outro caso (HUSEK, 2000, p. 53). Observação Interessante observar que, comumente na prática das relações internacionais, denomina-se tratado o ato bilateral ou multilateral ao qual se deseja atribuir especial relevância política. Dessa forma, chamamos, por exemplo, os tratados de paz e amizade, como o Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial; o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul; ou o Tratado de não Proliferação Nuclear. Convenção O termo convenção passou a ser usado para se referir a congressos e conferências internacionais após um aumento desses eventos, nos quais eram debatidos assuntos importantes para a sociedade internacional. A expressão refere-se, então, a tratados solenes e multilaterais em que as partes celebram 26 Unidade I em conferência internacional e não discordam totalmente. É exemplo desse tipo de denominação a própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. É um tipo de instrumento internacional destinado, em geral, a estabelecer normas para o comportamento dos Estados em uma gama cada vez mais ampla de setores. No entanto, existem algumas poucas convenções bilaterais, como a Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal, celebrada com a Argentina (1980), e a Convenção sobre Assistência Judiciária Gratuita, celebrada com a Bélgica (1955). Pacto Pacto é um termo usado para definir um acordo firmado entre as partes. Foi utilizado para designar o acordo constitutivo da Sociedade das Nações, em 1919. Atualmente tem sido empregado para restringir o objetivo político de um tratado, como, por exemplo, o Pacto de Aço, celebrado em 1939, ou o Pacto de Varsóvia, de 1955. No âmbito das Nações Unidas, o termo pacto é utilizado para designar dois dos mais importantes tratados de direitos humanos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos celebrados em Nova York, em 1966 (MAZZUOLI, 2011, p. 207). Acordo Acordo é um termo muito utilizado para referir-se a tratados de natureza econômica, cultural, financeira ou comercial. Quando esses tratados são multilaterais ou bilaterais, com poucos participantes e referentes a um dos tratados citados, utiliza-se o termo acordo. Acordos podem ser firmados, ainda, entre um país e uma organização internacional, a exemplo dos acordos operacionais para a execução de programas de cooperação e os acordos de sede. Mazzuoli (2011, p. 208) explica que a origem do termo é o agrément, do direito norte-americano, referindo-se a atos internacionais concluídos pelo presidente sem aval do Senado. Apesar de comumente o termo acordo compreender atos internacionais com reduzido número de participantes e sobre temas de importância relativa, sua importância não deve ser diminuída, pois seu maior exemplo foi o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, sigla em inglês). Acordo por troca de notas Essa modalidade de acordo se refere a trocas de notas entre diplomatas sobre outros acordos já acertados. Dessa forma, utilizam-se notas diplomáticas para esclarecer dúvidas ou realizar alguma alteração. Versam, geralmente, sobre assuntos de natureza administrativa. Acordo em forma simplificada ou acordo do Executivo É o tratado realizado pelo Poder Executivo sem a aprovação do Poder Legislativo. Eles são realizados em sua maioria por troca de correspondência, nota ou outro processo diplomático. Por serem acordos 27 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS simplificados, não necessitam de ratificação do Estado para serem concluídos. Nesse ponto, novamente Mazzuoli (2011, p. 208) lembra que existem diversos motivos para o Poder Executivo adotar acordos em formas simplificadas. Entre esses motivos, podemos citar a rapidez na sua conclusão, o caráter técnico, a necessidade de conservar certo sigilo etc. Entretanto, o principal fator que impulsiona a realização desse tipo de tratado é a morosidade decorrente da intervenção do Legislativo na tentativa de frear a atuação do Poder Executivo na esfera internacional. Gentlemen’s agreements A expressão pode ser traduzida como “acordos de cavalheiros”. Esse acordo tem como base a honra e acontece entre chefes de Estados ou Governos. Tal ato não pode ser considerado um tratado porque não tem valor jurídico, por isso, é justamente denominado “acordo de cavalheiros”, já que não acarreta qualquer sanção ou responsabilidade internacional em caso de descumprimento. Esses acordos declaram por escrito procedimentos políticos que os países-membros do acordo irão seguir como um compromisso de honra. Como exemplo, pode ser citado o acordo Rook Takahira, de 1907, pelo qual o Japão se obrigou a prosseguir na sua política de desencorajamento da imigração dos seus nacionais para os Estados Unidos (MAZZUOLI, 2011, p. 210). Carta A carta é geralmente utilizada para estabelecer os objetivos que compõem uma organização internacional, tal como a Carta das Nações Unidas, de 1945, e a Carta da Organização dos Estados Americanos, de 1948. Também pode ser utilizada para designar um tratado solene que reúna os direitos e deveres para todos os Estados-parte, a exemplo da Carta Social Europeia. Protocolo Essa expressão pode ser usada em dois casos: quando se refere aos resultados de uma conferência diplomática ou de um acordo menos formal; e quando é usada para nomear um tratado que tem ligação direta com um anterior. Nesse sentido, o termo protocolo é empregado para designar acordos complementares ou interpretativos de tratados ou convenções anteriores, por exemplo, o Protocolo de Ouro Preto, de 1994, que complementa o Tratado de Assunção, de 1990. Porém, o protocolo também pode ser um acordo sem vínculo com algum outro tratado. É utilizado também no fim de conferências internacionais, como protocolos finais ou protocolos de encerramento. Ato ou ata Referem-seàs regras que ficam estabelecidas ao fim de um acordo numa conferência internacional. Existem também atos que não são tratados, que têm apenas caráter moral, e não jurídico. Podem ser utilizados para cobrir eventos diplomáticos e em seus encerramentos, com a expressão ata final. 28 Unidade I Declaração A declaração é um termo usado em atos que determinam regras ou princípios jurídicos, ou ainda normas de direito internacional de posições políticas de interesse coletivo. Essa expressão pode ser sinônimo de tratado, também para entender e interpretar um ato internacional já estabelecido ou que ainda entrará em vigor, e para proclamar o modo de ver e de agir de um ou mais Estados sobre determinado assunto (MAZZUOLI, 2011, p. 211). Modus vivendi Refere-se a acordos temporários ou provisórios, geralmente de caráter econômico ou algo relativo a isso. A característica principal desse termo é sua condição de algo passageiro. Por isso, ele é empregado quando as partes acordam em manter a situação como está, até que se tenha um tratado ou semelhante definitivo. Tais acordos são, geralmente, estabelecidos por meio da troca simples de notas diplomáticas (MAZZUOLI, 2011, p. 212). Arranjo Termo empregado para acordos temporários que não tenham caráter jurídico geralmente perante instituições internacionais, como é o caso de arranjos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Concordata É utilizada para definir acordos bilaterais de natureza religiosa entre a Santa Sé e Estados que possuem cidadãos católicos com o objetivo de definir questões relativas aos cultos religiosos, administração eclesiástica etc. As concordatas diferem-se dos tratados quanto à forma, uma vez que tratam estritamente de conteúdo religioso. Reversais ou notas reversais Essas notas são usadas com a única finalidade de estabelecer benefícios entre Estados – sejam eles recíprocos ou não – sem, contudo, desfazer direitos já estabelecidos. Assim, as notas reversais são trocadas entre as partes quando um tratado é concluído para assegurar direitos e compromissos já adquiridos. Ajuste ou acordo complementar Esses termos são empregados para definir compromissos de importância relativa ou secundária, mas sem perder a característica de tratados. É um tipo de ato que dá execução a outro, anterior, devidamente concluído e em vigor, ou que detalha áreas de entendimento específicas abrangidas por aquele ato. Como exemplo, podemos citar o Ajuste Brasil-Itália, de 1980, complementar ao Acordo Básico de Cooperação Técnica, de 1972 (MAZUOLLI, 2011, p. 213). 29 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Convênio Emprega-se esse termo para definir acordos de caráter político, porém, pode ser utilizado também para temas de menor importância, como cultura e transporte. Trata-se, geralmente, de um objeto específico, como o Convênio Internacional do Café ou o Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-Americana. Em algumas ocasiões, a expressão pode vir a ser confundida com acordos internos; sendo assim, convênios não podem ser definidos como tratados, já que estes são apenas utilizados para acordos internacionais. Compromisso O termo é utilizado em acordos nos quais os Estados envolvidos se comprometem a recorrer à arbitragem, ou seja, denominam outro Estado ou entidade para resolver os conflitos existentes entre eles. Assim, temos a expressão compromisso arbitral, que faz referência a uma cláusula já prevista no tratado para resolver conflitos. Estatuto Esse termo é empregado para designar tratados que determinam normas para os tribunais de jurisdição internacional. Atualmente, a expressão é muito empregada para dar forma regimental e limitar a competência desses tribunais. Regulamento Essa é uma expressão rara e sem uma definição específica, quase em desuso nos dias de hoje. Foi empregada no Congresso de Viena, em 1815, para determinar a ordem de precedência dos agentes diplomáticos. Atualmente é empregada para designar as normas que regulamentam alguns organismos internacionais, por exemplo, os Regulamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Código Essa expressão não tem sido atualmente utilizada, só foi empregada no Código Sanitário Pan-Americano de Havana, em 1924. O termo código, atualmente, acabou se tornando o título pelo qual se conhece no senso comum algumas importantes convenções internacionais. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, por exemplo, é comumente conhecida como Código dos Tratados. Constituição Esse termo muito raramente refere-se a tratados internacionais, pois pode ser confundido com a Constituição dos Estados. Entretanto, em 2004, a expressão foi utilizada na tentativa de realizar uma “Constituição Europeia”, porém, esta acabou não entrando em vigor. 30 Unidade I Contrato Essa expressão tem sido evitada para assuntos internacionais, pois tem um caráter ligado ao direito interno. Assim, esse termo define acordos internacionais entre Estados que não estejam ligados às regras do direito internacional público, o que é algo raro de acontecer (MAZZUOLI, 2011, p. 214). Encerrando essa extensa lista de denominação dos tratados, é importante mencionar que, independentemente de sua diversidade quanto à forma, todos esses atos internacionais são instrumentos úteis e empregados na prática diplomática, e possuem identidade jurídica nas relações entre os Estados. 2.2 Processo negociatório dos atos internacionais Uma vez estudado o conceito e as denominações dos tratados, é necessário compreender o processo pelo qual os atos internacionais são estabelecidos, desde o processo negociatório até sua entrada em vigor. É um processo longo, muitas vezes moroso, porém, fundamental para regulamentar as boas práticas das relações internacionais, como já vimos. No entanto, antes de tudo, é preciso destacar que tal processo é típico das sociedades democráticas, em que ocorrem debates internos a respeito do referendo dos tratados internacionais por parte do Congresso ou do Parlamento. Mazzuoli (2011, p. 228) identifica quatro fases pelas quais têm de passar os tratados até a sua conclusão. São elas: a) a formação do texto (negociações, adoção, autenticação) e assinatura; b) a da aprovação parlamentar por parte de cada Estado interessado em se tornar parte do tratado; c) a da ratificação ou adesão do texto convencional, concluída com a troca ou depósito dos instrumentos que a substanciam; e d) a da promulgação e publicação do texto convencional na imprensa oficial do Estado. Note-se que, no desenrolar desse processo, existe uma fase em que prevalece o elemento internacional, ao passo que, uma vez que o tratado adentra a análise parlamentar, inicia-se uma fase em que se mesclam elementos internacionais com o processo nacional. Por fim, quando o texto convencional é finalmente promulgado e publicado, prevalece o contexto interno, em que o tratado passa a ter a mesma validade de uma lei nacional. A figura a seguir resume o processo pelo qual se formam os tratados, considerando sua internalização comum em sociedades democráticas. Observe, ao longo das quatro fases, os momentos em que prevalece a fase internacional e interna. Na prática diplomática, as prerrogativas dos agentes diplomáticos prevalecem até o segundo momento, em que auxiliam o Poder Legislativo no referendo do tratado. Já a ratificação é exercida pelo chefe do Poder Executivo, e, só então, o tratado passará a vigorar para o Estado contratante. 31 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Negociações e assinatura Ratificação Referendo parlamentar Promulgação e publicação Fases internas Fases internacionais 1 2 3 4 Figura 2 – Fases de formação dos tratados Na fase 1, das negociações e assinatura, ocorre todo o processo negociatório, isto é, a construção do consenso em torno do objeto de interesse internacional. De forma geral, o texto convencional é formulado por meio de uma negociação que se inicia pela troca de notas diplomáticas, quando bilateral.Por conseguinte, tem-se o desenvolvimento das negociações, que acontecem no território de uma das partes, entre as chancelarias de um Estado e a embaixada do outro. Porém, caso se trate de negociações propostas ou convocadas por um organismo internacional, elas ocorrerão no interior de sua sede, e, no caso de uma negociação coletiva envolvendo muitos Estados, numa conferência diplomática (HUSEK, 2000, p. 57). Ainda nessa fase, como já observado, prevalece o contexto internacional. Por isso, no processo de negociação impera a capacidade e legitimidade dos negociadores envolvidos, isto é, do consentimento dado ao processo negociatório pelos Estados que negociam. Dessa forma, a representação das partes no caso dos Estados é feita pelo chefe do Estado ou ministro plenipotenciário, que é o ministro de Estado responsável pelas relações exteriores, ou mesmo o chefe de missão diplomática. Para além dessas pessoas, outros representantes poderão ser admitidos como agente negociador em nome do Estado que representam, porém, para que isso ocorra, é necessário que tal pessoa porte uma carta de plenos poderes expedida necessariamente pelo chefe de Estado. Conforme explica Husek (2000, p. 58), a carta de plenos poderes é uma formalidade que habilita os agentes que representam o Estado: O destinatário da carta é o governo que copactua o tratado, devendo a entrega de tal carta preceder o início da negociação. Na referida carta vem escrito que o presidente da República nomeia determinada pessoa, qualificando-a, como seu plenipotenciário para assinar, em determinada cidade, em nome do governo, determinada convenção (HUSEK, 2000, p. 58). Quando as negociações têm como participante uma organização internacional e o representante não é um chefe governamental ou um plenipotenciário, em regra, o secretário-geral ou outro funcionário sob título diverso pode estar à frente do corpo administrativo da organização. Da mesma forma, quando as negociações se desenrolam no interior de uma organização internacional, a carta de plenos poderes, quando necessária, é apresentada ao secretário-geral da organização em questão. 32 Unidade I Após a negociação dos termos do tratado, o texto segue para votação, sendo adotado, no caso de uma conferência internacional, quando há maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, ou pelo consenso. Caso aconteça de algum Estado não ter participado das negociações, mas apresente interesse em tornar-se parte do tratado, deve-se entrar com um pedido de adesão. A adesão ocorre, pois, em um segundo momento, quando o Estado resolve, depois de estabelecidos os parâmetros, aderir ao tratado. Uma vez que seu pedido de adesão for aceito pelos critérios determinados no texto do tratado, o Estado passa a fazer parte daquele ato internacional (HUSEK, 2000, p. 59). Uma vez que o tratado foi votado e aprovado, o texto segue para assinatura de todos os Estados. Assinar um tratado não significa a obrigação de cumpri-lo, dado que ainda se fazem necessários outros processos de ratificação. A assinatura, porém, atesta a concordância com as cláusulas e que estas são verídicas e autênticas. Esse ato faz parte da solenidade que acompanha o estabelecimento dos tratados. O ato da assinatura é realizado ao término dos trabalhos de negociação pressupondo a conclusão dos termos e fixando o texto convencional, sendo que, a partir daquele momento, o texto convencional não poderá mais ser alterado. O comprometimento definitivo, contudo, ainda depende de futura ratificação, que corresponde às demais fases do processo de formação dos tratados, tal como visto na figura anterior, agora já perpassando o contexto interno. Em alguns poucos casos, contudo, pode ocorrer de o representante do Estado estar autorizado, por meio de simples assinatura, a obrigá-lo internacionalmente, situação que depende da legislação interna de cada país (HUSEK, 2000, p. 59). A fase 2, correspondente ao referendo parlamentar, no caso brasileiro, é de competência exclusiva do Congresso Nacional. Concordando o Congresso Nacional com a celebração do ato internacional, elabora-se um decreto legislativo para referendar e aprovar a decisão do chefe do Executivo, dando-se a este uma carta branca para que possa ratificar o tratado. Ressalta-se que a edição do decreto legislativo aprovando o tratado não contém ainda uma ordem de execução do tratado no território nacional, uma vez que, ainda em se tratando da legislação brasileira, só ao presidente da República cabe decidir sobre sua ratificação (ARRUDA, 2014). Na fase 3 ocorre o processo de ratificação, que descreve, de acordo com Husek (2000, p. 59), “ato unilateral com o que o copartícipe da feitura de um tratado expressa em definitivo sua vontade de se responsabilizar, nos termos do tratado, perante a comunidade internacional”. A ratificação perante a comunidade internacional é expressa por meio de uma carta de ratificação, pela qual: O país faz saber que foi concluído um acordo e, no caso do Brasil, tendo sido aprovado pelo Congresso, o presidente da República confirma e ratifica, para produzir seus devidos efeitos, prometendo o cumprimento do tratado. A carta é assinada pelo presidente da República e deve ter o selo das Armas da República, sendo, também, referendada pelo ministro das Relações Exteriores. Tais formalidades se justificam, porque a partir do momento da entrega da Carta de ratificação no órgão internacional designado para recebê-la ou no Estado partícipe que foi determinado para tanto, o Estado se obriga internacionalmente (HUSEK, 2000, p. 59). 33 PROCESSOS E PRÁTICAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Por fim, ainda considerando o processo no caso brasileiro, a última fase é a da promulgação e publicação do texto convencional na imprensa oficial do Estado, isto é, o presidente da República do Brasil, mediante decreto, promulga o texto, com o objetivo de que o tratado seja incorporado e com isso passe a ter efeitos no ordenamento jurídico interno. Cabe ainda mencionar que, para entrar em vigor, tratados bilaterais necessitam apenas de trocas de cartas de ratificação. Contudo, tratados multilaterais precisam atingir um número mínimo de depósitos de instrumentos de ratificação estipulado no texto da própria convenção. Além disso, é possível um Estado ratificar o texto do tratado com “reservas”, quando o Estado em questão informa que não concorda e que, por isso, não cumprirá determinados termos do documento, sem prejuízo para a realização geral do tratado. Saiba mais Sobre o tema dos tratados internacionais, aprofunde seus estudos lendo o seguinte livro: GUIMARÃES, A. M. C. Tratados internacionais. São Paulo: Aduaneiras, 2009. 3 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS As Organizações Internacionais são instituições do sistema internacional que foram elaboradas para garantir medidas de governança global e facilitar a prática do intercâmbio político entre os Estados. Com a intensificação das interações mundiais a partir do século XIX, houve uma grande multiplicação do número de Organizações Internacionais no decorrer do século XX, acarretando, por consequência, maior intensificação da prática diplomática. Atualmente o desenrolar de negociações internacionais entre os Estado ocorre, na maioria das vezes, sob os auspícios de uma organização internacional, seja esta de abrangência global, seja de regional. Da mesma forma, as atividades da sociedade civil global têm sido facilitadas e articuladas por Organizações Internacionais não governamentais, que influenciam a opinião pública internacional e, por extensão, a forma como os Estados tomam suas decisões em matéria de política internacional. Assim, Accioly, Silva e Casella (2012, p. 638) salientam que as Organizações Internacionais, das mais diversificadas ações, multiplicam-se à medida que aumenta a conscientização a respeito dos problemas especificamente internacionais, sobre os quais os Estados não conseguem dar conta, mesmo os que se pleiteiam à condição
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