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106 Unidade III Unidade III 7 DIPLOMACIA Raymond Aron (2002) afirma que as relações entre os Estados implicam a paz e a guerra, sendo que a estratégia se refere às ações militares e a diplomacia, ao intercâmbio entre as nações. Segundo o autor, a diplomacia consiste em convencer sem usar a força, ao passo que a estratégia é o contrário. Nesse sentido, o governo tem dois personagens à sua disposição para executar a sua política externa: o soldado e o diplomata. Porém, Aron destaca que a estratégia e a diplomacia não podem ser dissociadas, pois constituem uma mesma política. Desse modo, as negociações prosseguem mesmo em épocas de conflito e o uso da força não deve ser totalmente desconsiderado mesmo em períodos de paz. Ressalta‑se a caracterização da diplomacia como a execução de uma política e como uma atividade que se desenvolve por meios pacíficos. A lógica do conflito já foi discutida neste livro‑texto. Agora, o foco recai sobre a diplomacia, caracterizando o que é tal atividade, sua evolução histórica, seus marcos no Direito Internacional, as atribuições dos agentes e das missões diplomáticas e quais são as modalidades de resolução pacífica de controvérsias. 7.1 Caracterização e evolução histórica da diplomacia Um primeiro passo necessário ao se discutir o tema é realizar a diferenciação entre relações internacionais, política externa e diplomacia, termos muitas vezes utilizados como sinônimos, especialmente no caso dos dois últimos. As relações internacionais são o conjunto de interações entre os atores em um determinado sistema, o Sistema Internacional. Por sua vez, a política externa refere‑se às diretrizes e orientações que um Estado confere às suas relações com os outros atores no cenário internacional e às medidas que se originam. Trata‑se da delimitação do conjunto de objetivos, instrumentos de atuação e valores que orientam a ação externa de um Estado, sendo que devem considerar os diferentes interesses presentes na sociedade. Nota‑se que é realmente uma política, e não simplesmente uma delimitação técnica de metas e objetivos. A política externa está baseada em uma determinada visão de mundo, um entendimento sobre o que é a ordem internacional, qual o papel do seu Estado nessa ordem e como se gostaria de transformá‑lo – ou de mantê‑lo. Em outras palavras, os pressupostos para a fixação de uma política externa fazem referência à concepção de destino de uma nação, a seu projeto e a seu papel na arena internacional (CERVO, 2008). Assim, tem caráter de formulações de caráter valorativo e normativo. Por sua vez, a diplomacia é a execução, um instrumento da política externa dos Estados que se desenvolve por meios e com fins pacíficos, sendo pautada pela negociação entre agentes devidamente acreditados (CALDUCH, 1993). Como sintetiza Magalhães (1996a, p. 90), a diplomacia é 107 RELAÇÕES INTERNACIONAIS a) um instrumento da política externa; b) para o estabelecimento e desenvolvimento dos contactos [sic] pacíficos entre os governos de diferentes Estados; c) pelo emprego de intermediários; d) mutualmente reconhecidos pelas respectivas partes. Assim, ressalta‑se o caráter instrumental e as relações pacíficas. Porém, há outros elementos a serem considerados: é uma atividade estatal, do governo central de um país conduzindo seus interesses e suas interações no cenário internacional. Além disso, seus agentes diplomáticos devem ser reconhecidos pelas duas partes, ou seja, não é qualquer pessoa que pode se declarar como um represente diplomático, devendo ser reconhecida como tal tanto pelo Estado que a envia como pelo que a recebe. Por fim, o diplomata é o intermediário da relação entre dois Estados. De todo modo, é a política externa que fornece o conteúdo da diplomacia e um diplomata cumpre sua função quando molda suas ações de acordo com as orientações estabelecidas na política externa (CERVO, 2008). Como afirma Cervo (2008, p. 9), “diplomacia sem política não passa de conduta vazia, movimento sem rumo, ação externa sem estratégia de realização de interesses nacionais e mesmo coletivos”. Evidencia‑se a diferença entre política externa e diplomacia e a necessidade de se considerar como tais questões estão associadas aos interesses da sociedade, que não deve se manter distante das discussões. Assim, diplomacia é [...] a implementação da política externa, sendo distinta do processo de formulação da política externa. Diplomatas podem influenciar a política, mas a principal função deles é negociar com os representes de outros países. Embaixadores, ministros e enviados são porta‑vozes oficiais para seus países no exterior e os instrumentos pelos quais os Estados mantêm contato regular direto […] A diplomacia formal é o sistema regularizado de comunicação oficial entre os Estados: os intercâmbios de embaixadores, a manutenção de embaixadas em capitais estrangeiras, o envio de mensagens por meio de emissários oficialmente acreditados, participação em conferências e outras negociações diretas (GRIFFITHS; O’CALLAGHAN; ROACH, 2008, p. 80‑81, tradução nossa). Sobre a evolução histórica da diplomacia, pode‑se afirmar que a diplomacia não é uma atividade recente da humanidade, apesar de ter sofrido transformações ao longo do tempo. Desde que as sociedades se organizam politicamente e há necessidade de estabelecimento de contatos entre elas, há a figura do que se conhece como diplomata, ou seja, a utilização de intermediários entre detentores do poder político sempre existiu (MAGALHÃES, 1996a). Calduch (1993) divide a evolução histórica da diplomacia em duas grandes fases: da Antiguidade ao século XV e do século XV à atualidade, sendo que a segunda pode ser repartida em três fases: do século XV ao Congresso de Viena de 1815, do Congresso de Viena ao fim da Primeira Guerra Mundial (1919), e do fim da Primeira Guerra Mundial aos dias atuais. De acordo com o autor, da Antiguidade ao século XV, a diplomacia é caracterizada por um caráter ambulante, pela ausência de organização e normas básicas e pelas restrições impostas pelos meios de 108 Unidade III transporte e de comunicação da época. O caráter ambulante é o componente fundamental para se pensar sobre essa primeira fase e significa que a diplomacia não era permanente, ou seja, os representantes eram designados de forma excepcional e por um período limitado, muitas vezes com o intuito de negociar uma questão específica, como acordos comerciais, alianças militares, tratados de paz e solução de litígios (RANGEL, 1998). Além disso, a atividade não contava com normas claras e codificadas, sendo limitada pelos meios de transporte e comunicação existentes na época, que dificultavam o estabelecimento de contato mais forte e regular. Magalhães (1996a) aponta que, desde a Antiguidade, intermediários eram usados nas relações entre diferentes grupos políticos, sendo que essa prática pode ser constatada entre egípcios, assírios, babilônios, hebreus, chineses e hindus. No caso dos últimos, o autor cita as Leis de Manu (século III a.C.), que afirmam que a paz e a guerra dependem dos embaixadores, uma vez que são eles que criam e separam aliados. Na Grécia Antiga, também havia o uso de intermediários para formar alianças a partir de interesses comuns, como pode ser observado na narrativa de Tucídides sobre a Guerra do Peloponeso. Por sua vez, Roma conferiu avanços à prática diplomática por meio do jus gentium e do pacta sunt servanda (RANGEL, 1988). O primeiro refere‑se às normas do direito romano aplicáveis a estrangeiros, enquanto o segundo diz respeito ao princípio de respeito às obrigações assumidas em tratados. Como curiosidade, pode‑se apontar que o termo “diplomacia” remonta ao verbo grego diploum, que significa “dobrar”, e deu origem à palavra “diploma”, que significava “peça oficial gravada em uma placa dupla de bronze” e era utilizada no Império Romano como passaporte ou título de circulação pelas rotas imperiais. Posteriormente, passou a se referir aos documentos oficiais– não mais metálicos – que conferiam privilégios ao portador ou registravam acordos exteriores (GONÇALVES, 2007). A principal característica que marca a divisão da evolução histórica da diplomacia no século XV é a permanência das missões diplomáticas. Ou seja, a diplomacia perde, progressivamente, seu caráter ambulante para se tornar permanente, tal qual se conhece na atualidade. A permanência confere maior estabilidade e duração às relações entre distintas unidades políticas. Entre os fatores que contribuíram para a evolução da atividade diplomática nesse sentido, é possível citar a emergência dos Estados modernos, o sistema de relações econômicas capitalistas e a expansão ultramarina (CALDUCH, 1993). Tais condições exigiam uma maior institucionalidade das ações exteriores, promovendo mais interações e oportunidades e facilitando o recolhimento de informações. Consagra‑se, assim, a indispensabilidade da diplomacia (MAGALHÃES, 1996a). Como apontado, uma primeira subdivisão dessa fase da atividade diplomática pode ser demarcada entre o século XV e o Congresso de Viena de 1815. Na primeira metade do século XV, a diplomacia começou a ganhar caráter permanente no complexo quadro das relações da cidades‑estados italianas, já que a necessidade de contatos frequentes levou ao estabelecimento de embaixadores permanentes (MAGALHÃES, 1996a). Veneza foi pioneira nesse processo, instituindo missões permanentes em Constantinopla e Roma, sendo mantida uma intensa comunicação oficial que reunia informações de cunho político, econômico e social (CALDUCH, 1993). Porém, foi com a Paz de Vestfália (1648) e o estabelecimento do sistema de Estados modernos, ponto que trabalhamos anteriormente, que a diplomacia permanente se expandiu pela Europa com o estabelecimento de escritórios encarregados de administrar as relações diplomáticas dotados de um corpo de funcionários (CALDUCH, 1993). 109 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Até o fim do século XV, o envio de embaixadores permanentes torna‑se corrente, mas sua difusão não foi simultânea e uniforme, ocorrendo de forma progressiva (MAGALHÃES, 1996a). Segundo Calduch (1993), nessa etapa a diplomacia apresenta as seguintes características: • existência de poucas normas de direito diplomático, tanto no que se refere a privilégios e imunidades como a cargos e hierarquia dos agentes diplomáticos; • caráter patrimonialista do Estado; • inexistência de carreira diplomática; • funções do diplomata não se limitam a negociações e informações para seu Estado e por vezes interferem na vida política interna do Estado em que estão acreditados; • início do desenvolvimento de normas protocolares ou de cortesia diplomática. Assim, como no período anterior, ainda não existiam regras claras e codificadas para reger as relações diplomáticas e começam a ser desenvolvidas normas, baseadas nos costumes, acerca da cortesia diplomática. Porém, ainda não havia um padrão bem estabelecido e incidentes eram constantemente gerados. O caráter patrimonialista do Estado refere‑se à consideração de que o Estado era patrimônio de seu governante, sendo que o diplomata era visto como representante de uma pessoa ou de uma dinastia, e não do Estado em si. Nesse sentido, o representante diplomático por vezes interferia no plano interno do Estado em que se encontrava com vistas a atender aos interesses e beneficiar seu governante. Nota‑se que ainda é o período de criação e consolidação do Estado, sendo que os princípios de soberania e não intervenção ganham força de forma progressiva. Além disso, não existia uma carreira diplomática no sentido de uma profissão exercida no âmbito da administração estatal. Os embaixadores eram escolhidos e nomeados pelo próprio governante e, como ocorria desde a Antiguidade, deviam ser uma pessoa de confiança. Por sua vez, a etapa compreendida entre o Congresso de Viena de 1815 e o fim da Primeira Guerra Mundial apresenta as seguintes características: os diplomatas convertem‑se cada vez mais em representantes dos Estados; início da carreira diplomática como parte da administração civil do Estado; consolidação de normas jurídicas internacionais; os diplomatas continuam mantendo significativo grau de autonomia na execução das diretrizes recebidas; caráter secreto da diplomacia (CALDUCH, 1993). O Congresso de Viena de 1815 ocorreu após a derrota de Napoleão Bonaparte e tinha como objetivo redefinir o mapa europeu e conter os ideais revolucionários. Entre as declarações e tratados firmados no seio do Congresso e incorporados no Ato Final do Congresso de Viena de 9 de junho de 1815, encontra‑se a Regulação dos Precedentes de Agentes Diplomáticos de 19 de março de 1815. Trata‑se de um dos legados mais duradouros do Congresso (LESAFFER, 2018) e que marca o início do estabelecimento de verdadeiras regras diplomáticas. A Regulação estabeleceu três categorias hierárquicas de agentes diplomáticos, a saber: 110 Unidade III • em primeiro lugar, embaixadores, núncios e legate; • em segundo lugar, representantes ou ministros acreditados pelo chefe de Estado; • por fim, encarregados de negócios acreditados pelos ministros das Relações Exteriores (LESAFFER, 2018). O núncio é o representante diplomático permanente da Santa Sé junto aos Estados, enquanto o legate é um representante temporário do Papa para propósitos especiais. Por sua vez, o encarregado de negócios é uma pessoa que representa o líder do seu governo ou de forma temporária, na ausência do embaixador, ou de modo permanente em um país em que não há embaixada. Observação Núncio: representante diplomático permanente da Santa Sé junto aos Estados. Legate: representante temporário do Papa para propósitos especiais. Além disso, a Regulação estabeleceu que o ranking dos membros de corpos diplomáticos de mesma classe é determinado pela data oficial de notificação de chegada dos agentes diplomáticos, e que os Estados receptores não devem desviar das novas regras por causa de relações dinásticas ou pactos familiares. Tais regras referem‑se a uma conquista diante de uma situação sensível, uma vez que tradições e costumes ditavam as regras de precedência e, em um contexto que o diplomata era visto como representante do governante, qualquer ofensa ou honra refletia diretamente no governante (LESAFFER, 2018). Como exemplo das desavenças anteriores, Lesaffer (2018) cita que os Habsburgos se recusavam a dar preferência à França, e embaixadores espanhóis sempre tinham preferência, de modo que a França só mandava representantes de baixo ranking. De qualquer modo, houve o início da codificação das regras diplomáticas e o agente diplomático passou a ser entendido como representante do Estado, e não de uma pessoa em específico. Tal ponto está relacionado à evolução dos regimes políticos e ao reconhecimento da soberania popular (CALDUCH, 1993). Ademais, houve o estabelecimento da carreira diplomática como parte da administração estatal, conferindo caráter profissional e burocrático. E os diplomatas continuavam dispondo de certa autonomia ao conduzirem as diretrizes recebidas, o que seria atenuado no fim do século XIX e, especialmente, no século XX, devido aos avanços dos meios de comunicação. Por fim, pode‑se constatar um caráter secreto da diplomacia, pois um grupo reduzido de pessoas dispunha de acesso aos assuntos exteriores e os acordos realizados muitas vezes não eram divulgados. Uma última fase é marcada pelo fim da Primeira Guerra Mundial (1919) aos dias atuais, sendo os avanços nos meios de transporte e comunicação extremamente relevantes para as novas facetas da atividade diplomática. Suas principais características são: diplomacia aberta e pública; maior controle da política externa pela opinião pública; independência dos agentes diplomáticos – e suas funções 111 RELAÇÕES INTERNACIONAIS privilegiadas – reduzida devido à execução direta da diplomacia pelos cargos mais altos do Estado; transformação, ampliação e especialização das funções diplomáticas,além do aparecimento de missões diplomáticas especiais e participação de técnicos e especialistas (CALDUCH, 1993). As propostas do presidente estadunidense Woodrow Wilson marcaram uma concepção sobre a ordem internacional pós‑Primeira Guerra Mundial. Com uma perspectiva liberal, Wilson defendia a superação da lógica do equilíbrio de poder, pautando uma proposta de segurança coletiva, diplomacia aberta e criação de uma Organização Internacional universal para promover a paz e a segurança internacional. A grande iniciativa gestada a partir dessa visão, a Liga das Nações, falhou e caiu em descrédito, mas isso não significa que as ideias de Wilson perderam totalmente a validade. Após a Primeira Guerra Mundial, houve um movimento de estabelecimento e consolidação da diplomacia como uma atividade aberta, negando a realização de tratados secretos. Magalhães (1996a) defende que, ao advogar por uma diplomacia aberta, Wilson não estava se referindo às negociações, mas aos seus resultados. Ou seja, está em pauta o resultado das negociações, os acordos, de forma que os cidadãos tenham acesso a esse material, obrigando os governantes a considerar a opinião pública. Porém, isso não significa negociar em praça pública. De todo modo, a partir desse período, começou a existir um maior controle da política externa pela opinião pública, o que se tornou cada vez mais proeminente com a evolução dos meios de comunicação, que facilitavam o acesso à informação. Houve uma demanda para que os governos se tornassem mais abertos no que se refere à política externa, permitindo que a população esteja ciente e acompanhe as ações e propostas de seu país. Pode‑se propor, nesse sentido, a ocorrência de um processo de democratização da diplomacia (GIALDINO, 2015). O avanço dos meios de transporte e comunicação podem ser associados à diminuição da margem de autonomia que os agentes diplomáticos dispunham ao cumprir suas funções, uma vez que se tornou mais fácil e rápido controlar suas ações. Além disso, alguns especialistas apontam que a diplomacia tradicional passou a sofrer uma erosão do seu papel, devido, especialmente, a dois fatores: a diplomacia de cúpula/diplomacia presidencial e a atuação de autoridades subnacionais (DEVIN; TOERNQUIST, 2010). A diplomacia de cúpula refere‑se à execução direta da diplomacia pelos mais altos cargos do Estado, sendo que em regimes presidencialistas, como o brasileiro, tal atividade recebe o nome de diplomacia presidencial, uma vez que se trata do próprio presidente conduzindo as negociações com outros países. Apesar de os termos “diplomacia de cúpula” e “diplomacia presidencial” terem se tornado populares, Magalhães (1996a) afirma que se tratam de noções incorretas, sendo negociação direta a denominação apropriada para essa modalidade. Isso ocorre porque a atividade diplomática é caracterizada, desde a Antiguidade, pelo envio de intermediários entre duas unidades políticas, que seriam os diplomatas. Logo, a condução das negociações pelas altas autoridades do Estado não constitui uma diplomacia de fato, mas uma atividade direta. A origem desse tipo de negociação não se encontra no século XX, mas foi devido à evolução dos meios de transporte que se tornou recorrente e pode ser entendida como uma forma de reduzir as funções privilegiadas dos agentes diplomáticos. Nesse contexto, há uma diversidade cada vez maior de atores internacionais, que ganham cada vez mais proeminência. Em termos da diplomacia, expande‑se atualmente um fenômeno denominado 112 Unidade III paradiplomacia, termo originado de diplomacia paralela. A paradiplomacia refere‑se à atividade internacional realizada por entes subnacionais, como cidades, estados da federação, juntas regionais, entre outros. Trata‑se do entendimento de que só as atividades internacionais realizadas no âmbito do governo central, a diplomacia tradicional, não atendem totalmente às expectativas e anseios desses entes subnacionais, que buscam estabelecer relações com entes subnacionais de outros países ou com governos centrais estrangeiros (VIGEVANI, 2006). Porém, tal atuação é limitada pela margem de autonomia desfrutada por tais entes, de acordo com atribuições constitucionais. Assim, […] se a diplomacia em si compete, nas relações internacionais, a uma política estatal tendo como figura condutora o próprio diplomata, podemos afirmar que a paradiplomacia representa uma política subnacional de vertente pública tendo como representante o “paradiplomata”, ou seja, um gestor ou encarregado político responsável pelas relações externas de um ator subnacional […] a paradiplomacia corresponde minimamente à inserção internacional de atores subnacionais ou à ação direta internacional por parte dos atores subnacionais que complementam e/ou desafiam as políticas centrais do Estado. […] Eles são considerados também atores infra ou subestatais, justamente por estarem inseridos em um ente político de maior grandeza, qual seja o próprio Estado‑nação (JUNQUEIRA, 2017, p. 43). A paradiplomacia pode ser entendida de um modo tanto positivo como negativo. No primeiro sentido, representa uma complementação à diplomacia tradicional, possibilitando maior inclusão e perseguição de interesses. Por outro lado, pode ser considerada como um desvio, uma perversão do que realmente constitui a atividade diplomática, focada no governo central. De qualquer modo, a discussão sobre paradiplomacia evidencia a presença de outros atores nas relações internacionais, em grande parte associada à evolução das tecnologias, dos meios de transporte e comunicação que impõe um novo desafio à lógica da soberania do Estado – e de sua primazia nas relações externas – consolidada com o Tratado de Vestfália de 1648. Para melhor compreensão da paradiplomacia, leia os textos a seguir: O estado de São Paulo O estado de São Paulo é, historicamente, uma região voltada para o mundo. Além de ser um dos Estados mais cosmopolitas em nível mundial, com cerca de 150 nacionalidades representadas, seus atributos geográficos, demográficos e econômicos estimulam a sua internacionalização. O Estado é o coração econômico da América Latina. A atuação internacional do Estado de São Paulo é feita em harmonia com o modelo constitucional e federativo brasileiro e se pauta, como Estado da federação, pela observância dos princípios que regem a política externa brasileira e as relações diplomáticas do Brasil. O espírito federalista da Constituição de 1988 criou oportunidades para que São Paulo 113 RELAÇÕES INTERNACIONAIS desenvolvesse uma atuação internacional centrada na projeção dos seus interesses específicos. Essa inserção internacional é um instrumento indispensável ao crescimento econômico e ao desenvolvimento humano do Estado e do País. O estado desfruta de um amplo portfólio de parceiros, projetos e programas de cooperação internacional, mantendo um espírito de abertura e de equidade, em áreas tão díspares quanto ciência e tecnologia, meio ambiente, segurança pública, educação, agricultura, direitos da pessoa com deficiência ou investimentos. Todas as Secretarias do Governo do Estado de São Paulo têm atividades internacionais. A atuação do Governo se materializa em nível bilateral, com o estabelecimento de programas de cooperação com países, estados/regiões, cidades, empresas multinacionais ou organismos internacionais (como o Banco Mundial, a ONU, JICA, ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento), ou em nível multilateral, por intermédio da participação em redes, fóruns e organismos internacionais. A cooperação de São Paulo está não só alicerçada na atração de boas práticas e recursos internacionais, mas também na capacitação e transferência de tecnologias para países em desenvolvimento na África e na América Latina, principalmente nas áreas de segurança pública (polícia comunitária), habitação e biocombustíveis. Fonte: Governo do Estado de São Paulo (s.d.). Mercocidades Descrição de Mercocidades Ativa há 22 anos, aRede de Mercocidades é uma organização presente, nos países do Mercosul e seus associados, que desde sua criação vêm apostando em um Mercosul mais justo e acessível ao cidadão. Os fins e os objetivos da Rede estão estipulados nos seus Estatutos. Mercocidades é uma rede de cooperação horizontal integrada atualmente por 341 cidades de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolivia, Equador, Colômbia e Peru, que promociona a inserção das mesmas no processo de integração regional do Mercosul, e cuja importância vem crescendo, tanto em quantidade de membros como em intercâmbio de experiências. Objetivos da rede De acordo ao art. 2 de seu Estatuto, Mercocidades se constitui para cumprir com os seguintes fins e objetivos: I – Favorecer a participação das cidades na estrutura do MERCOSUL 114 Unidade III II – Impulsionar a criação de redes de cidades através de unidades técnicas operativas que desenvolvam diversas ações, programas e projetos de interesse comum intermunicipal, adequados ao processo de integração. III – Criar mecanismos de comunicação em redes, entre as cidades, a fim de facilitar o intercâmbio de experiências e informações, bem como ao acesso dos cidadãos aos centros municipais de investigação, desenvolvimento tecnológico e cultural. IV – Estabelecer e impulsionar convênios e serviços recíprocos entre as diversas prefeituras e as redes que virem a se formar. V – Potencializar os recursos humanos e as experiências administrativas para gestões locais. VI – Coordenar a planificação e promoção de ações vinculadas ao crescimento e progresso urbano das cidades. VII – Coordenar projetos e desenvolver programas integrados, com o objetivo de facilitar a realização de serviços, e qualificar a infraestrutura urbana. VIII – Propugnar a cooperação intermunicipal no campo das ciências e tecnologia. IX – Desenvolver e potencializar atividades comuns e integradas vinculadas à cultura, recreação, esporte e turismo. X – Através de unidades técnicas de representação integrada efetuar o inventário do patrimônio cultural e histórico das cidades do Mercosul, propondo medidas comuns que garantem sua preservação e difusão. XI – Desenvolver e planejar o turismo regional. XII – Realizar estudos e colaborar na elaboração de planos e estratégias na área urbana e ambiental, com o objetivo de harmonizar e coordenar as ações nesta área. XIII – Colaborar na planificação das políticas e planos de desenvolvimento da cidade, levando em conta a necessidade de melhorar a qualidade de vida. XIV – Impulsionar a adoção de políticas adequadas frente ao crescimento populacional e prevenir a violência nas cidades. XV – Impulsionar a adoção de políticas que adéquem os projetos locais ao novo espaço regional. XVI – Impulsionar a criação de unidades técnicas intermunicipais, com representação integrada, para a planificação e o desenvolvimento de projetos comuns e regionais. 115 RELAÇÕES INTERNACIONAIS XVII – Propugnar e conscientizar sobre a participação cidadã, que conduz ao exercício ativo dos direitos no âmbito político, econômico, social e cultural. XVIII – Identificar as causas de acentuação das desigualdades sociais, a fim de propor e apoiar soluções passíveis de serem executadas pelos governos locais. XIX – Difundir uma cultura democrática e democratizadora a nível regional e nacional, estabelecendo uma relação mais estreita de cooperação para, através das prefeituras, definir políticas sociais adequadas. XX – Estudar e impulsionar, através das diversas prefeituras, a implantação de políticas coordenadas que tornem os serviços públicos acessíveis às parcelas mais pobres das cidades, integrando‑as ao desenvolvimento social e cidadão. Parágrafo único: A entidade poderá, igualmente, realizar toda e qualquer ação ou gestão destinada aos fins e objetivos propostos, sendo os anteriormente enunciados não limitativos do objeto geral da Mercocidades. Fonte: Mercocidades (s.d.). Outra característica citada como central da última fase da evolução histórica da diplomacia é a transformação, ampliação e especialização das funções diplomáticas, com a participação de técnicos e especialistas nas missões diplomáticas. Isso significa que a segunda metade do século XX assistiu a uma multiplicação do número de Estados e de Organizações Internacionais, incrementando as interações entre os Estados, sendo esse processo acompanhado da realização de negociações de temas cada vez mais específicos, o que demanda a participação de técnicos e especialistas no seio da atividade diplomática, uma vez que se torna necessário contar com pessoal capacitado na temática particular de uma negociação. Relacionada a esse ponto, encontra‑se uma importância nunca vista da diplomacia multilateral, aquela que reúne representantes de vários Estados por meio de conferências ou Organizações Internacionais, distinta então da diplomacia bilateral, que envolve representantes de dois Estados (MAGALHÃES, 1996a). Apesar de a diplomacia multilateral não constituir um fenômeno novo, é no século XX que ganha grande destaque, sendo muito relevante atualmente. Sua fundamentação encontra‑se no reconhecimento de que existem interesses compartilhados que devem ser tratados de forma conjunta pelos Estados. O termo “diplomacia parlamentar”, cunhado por Dean Rusk em 1955, refere‑se às negociações que ocorrem no seio da Organizações Internacionais. Desse modo, [...] é a diplomacia que se desenvolve entre os Estados‑membros das OIs e as próprias organizações. De fato, os Estados‑membros de uma organização estabelecem missões diplomáticas permanentes com objetivo de centralizar as atividades que lhes dizem respeito como membros. Uma parte substancial dessa diplomacia é a que se realiza no sistema ONU (CALDUCH, 1993, p. 16, tradução nossa). 116 Unidade III Magalhães (1996a) contesta a utilização do conceito “diplomacia parlamentar”, defendendo que, apesar de a diplomacia que ocorre nas Organizações Internacionais ter algumas particularidades, é uma forma de diplomacia multilateral. Figura 26 – Sede da ONU em Viena Lembrete Diplomacia bilateral: representantes de dois Estados. Diplomacia multilateral: representantes de vários Estados através de conferências ou Organizações Internacionais. Pode‑se concluir que a atividade diplomática sofreu alterações ao longo do tempo, mas pode ser encontrada desde que os povos se organizam em unidades políticas e há necessidade de contato entre diferentes organizações sociais. Assim, A constância da instituição diplomática através de alguns milhares de anos e em todas as civilizações conhecidas, demonstra tratar‑se de uma instituição inerente à própria vida internacional, que poderá sofrer transformações ou ser utilizada com mais ou menos intensidade, mas que não pode ser dispensada (MAGALHÃES, 1996a, p. 76). 117 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Quadro 4 – Evolução histórica da diplomacia Da Antiguidade ao século XV Do século XV à atualidade Caráter ambulante. Inexistência de organização e normas. Limitações pelos meios de transporte e comunicação da época. Do século XV ao Congresso de Viena de 1815 Do Congresso de Viena ao fim da Primeira Guerra Mundial (1919) Do fim da Primeira Guerra Mundial aos dias atuais Caráter permanente Existência de poucas normas de direito diplomático. Caráter patrimonialista do Estado. Não há carreira diplomática. Por vezes, diplomatas interferem na vida política interna do Estado em que estão acreditados. Início do desenvolvimento de normas de cortesia diplomática. Consolidação de normas jurídicas internacionais. Diplomatas vistos como representantes dos Estados. Início da carreira diplomática como parte da Administração civil do Estado. Diplomatas continuam mantendo significativo grau de autonomia na execução das diretrizes recebidas. Caráter secreto da diplomacia. Diplomacia aberta. Maior controle da política externa pela opinião pública. Independência dos agentesdiplomáticos reduzida devido à execução direta da diplomacia pelos cargos mais altos do Estado. Transformação, ampliação e especialização das funções diplomáticas, participação de técnicos. Adaptado de: Calduch (1993). Por fim, resta diferenciar as relações diplomáticas e as relações consulares. Como abordado, as primeiras dizem respeito às relações entre Estados, à representação dos interesses dos Estados. Por sua vez, as relações consulares consistem na representação de um Estado no estrangeiro para tratar de assuntos de interesse privado (BRAGA, 2009). Trata‑se, essencialmente, do atendimento ao cidadão no estrangeiro. O tratado central sobre o tema é a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963. As principais funções de um consulado incluem proteger os interesses dos nacionais do Estado que envia no exterior, expedir documentos de viagens e atuar como notário e oficial de registro civil. As atribuições completas são as seguintes, com adaptações a) proteger os interesses do Estado que envia e de seus nacionais no Estado que envia; b) fomentar o desenvolvimento das relações comerciais, econômicas, culturais e científicas; c) informar‑se, por todos os meios lícitos, das condições e da evolução da vida comercial, econômica, cultural e científica do Estado receptor; d) expedir passaportes e documentos de viagem aos nacionais do Estado que envia; e) prestar ajuda e assistência aos nacionais, pessoas físicas ou jurídicas do Estado que envia; 118 Unidade III f) agir na qualidade de notário e oficial de registro civil; g) resguardar, de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, os interesses dos nacionais do Estado que envia nos casos de sucessão por morte; h) resguardar os interesses dos menores e dos incapazes, nacionais do país que envia; i) representar os nacionais do país que envia e tomar as medidas convenientes para sua representação perante os tribunais e outras autoridades do Estado receptor; j) comunicar decisões judiciais e extrajudiciais e executar comissões rogatórias de conformidade com os acordos internacionais em vigor; k) exercer os direitos de controle e de inspeção sobre as embarcações que tenham a nacionalidade do Estado que envia, e sobre as aeronaves nele matriculadas, bem como sobre suas tripulações; l) prestar assistência às embarcações e aeronaves a que se refere a alínea “k” do presente artigo e também às tripulações; m) exercer todas as demais funções confiadas à repartição consular pelo Estado que envia (CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES CONSULARES, 1963, p. 3‑4): Lembrete Relações diplomáticas: relações entre Estados, representação e defesa do interesse do Estado. Relações consulares: representação de um Estado no estrangeiro para tratar de assuntos de natureza privada, apoio e proteção do cidadão no exterior. Saiba mais Leia, no link a seguir, a Convenção de Viena Sobre Relações Consulares: CONVENÇÃO de Viena sobre Relações Consulares, 24 de abril de 1963. Viena. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/ atuacao‑e‑conteudos‑de‑apoio/legislacao/relacoes‑diplomaticas‑ e‑consulares/relacoes‑diplomaticas‑e‑consulares/conv_viena_rel_ consulares_1963.pdf. Acesso em: 7 jun. 2019. 119 RELAÇÕES INTERNACIONAIS 7.2 O exercício da diplomacia Os interesses compartilhados e recíprocos dos Estados levam ao estabelecimento de relações diplomáticas, pautadas pelo princípio da reciprocidade e sempre baseadas no consentimento mútuo, uma vez que se tratam de Estados soberanos. O tratado central sobre a questão é a Convenção de Viena de Relações Diplomáticas de 1961, que versa sobre questões de estabelecimento e ruptura de relações diplomáticas, as funções de uma missão diplomática, as atribuições do chefe de missão, a hierarquia dos agentes diplomáticos, a imunidade de jurisdição, os privilégios do chefe de missão, entre outros. Denza (2009) afirma que a Convenção de Viena de 1961 constitui o instrumento mais exitoso dentre todos aqueles redigidos para desenvolver e codificar o direito internacional na ONU. Seu sucesso pode ser atribuído ao fato de que as normas essenciais das relações diplomáticas permaneceram estáveis por mais de 200 anos e à base das relações e missões, isto é, o consentimento mútuo. O primeiro ponto refere‑se à constância de fundamentos das embaixadas e de funções de representar, negociar e recolher informações. Por sua vez, o segundo aspecto diz respeito ao fato de que cada Estado é, ao mesmo tempo, acreditante e receptor, sendo que não surgiram conflitos básicos de interesses entre os Estados durante as negociações do tratado (DENZA, 2009). Saiba mais Leia a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961: BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965. Promulga a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Brasília, 1965. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d56435.htm. Acesso em: 7 jun. 2019. Inicialmente, é necessário definir o que é uma missão diplomática. Calduch (1993, p. 16‑17, tradução nossa) afirma que é “aquela pessoa ou conjunto de pessoas nomeadas por um Estado, denominado acreditante, para desempenhar funções diplomáticas sob a autoridade de um chefe de missão no território de outro Estado chamado receptor”. Alguns elementos podem ser destacados: a necessidade de uma nomeação formal, o destaque à figura do chefe de missão e a figura do Estado acreditante e do Estado receptor. O direito de legação é o direito de enviar e receber missões diplomáticas, existindo duas variações: o direito de legação passivo e o direito de legação ativo. O primeiro refere‑se ao recebimento de missões diplomáticas, enquanto o segundo é o envio de missões diplomáticas. O Estado era o único portador desse direito, mas hoje ele também é reconhecido às Organizações Internacionais (BRAGA, 2009). 120 Unidade III Lembrete Direito de legação ativo: envio de missões diplomáticas. Direito de legação passivo: recebimento de missões diplomáticas. Os Estados podem estabelecer relações diplomáticas sem trocar missões diplomáticas. O anúncio da decisão de dois Estados de estabelecer relações diplomáticas é feito, normalmente, por um comunicado conjunto, o que não implica o envio de missões diplomáticas permanentes, sendo necessária a existência de um acordo explícito nesse sentido, novamente baseado no consentimento de ambas as partes (MAGALHÃES, 1996b). Embora as relações diplomáticas sejam pautadas pelo princípio da reciprocidade, um Estado pode manter uma missão em outro sem que a reciprocidade ocorra, ou seja, sem que o primeiro Estado receba uma missão do segundo. Questões como escassez de recursos, falta de pessoal ou outros problemas do tipo podem afetar o estabelecimento de missões permanentes e as capacidades dos Estados no Sistema Internacional são extremamente discrepantes. Assim, é possível que uma das partes tenha condições de manter uma embaixada em um país estrangeiro e a recíproca não seja verdadeira. De acordo com essa mesma lógica, a retirada de uma missão diplomática, de forma definitiva ou temporária, não implica na ruptura de relações diplomáticas, uma vez que pode ocorrer pelos motivos acima citados. Por outro lado, a ruptura das relações diplomáticas, que pode ser unilateral, implica na retirada da missão diplomática que um Estado mantém no outro (MAGALHÃES, 1996b). Segundo a Convenção de Viena de 1961, em caso de ruptura, o Estado receptor é obrigado a proteger os bens, locais e arquivos da missão, mesmo em caso de conflito armado. Em termos de funções, as atribuições de uma missão diplomática foram ampliadas ao longo do tempo. Em épocas passadas, limitavam‑se a representar o Estados e buscar informações sobre questões específicas (MAGALHÃES, 1996b). Atualmente, é demandada uma preparação mais ampla e profunda do diplomata devido ao conteúdo diversificado e abrangente das negociações desenvolvidas, sendo asrelações complexas e variadas. São cinco as funções de uma missão diplomática, sendo as três primeiras essenciais e as duas últimas acessórias: • Representação O termo representação poderia resumir toda a atividade diplomática. No caso, deve ser entendido como mais do que mera representação social e menos do que uma noção genérica. Assim, diz respeito ao “conjunto de atuações do agente diplomático que tem um caráter puramente representativo, ou seja, de simples afirmação de presença ou responsabilização do Estado em nome do qual atua” (MAGALHÃES, 1996b, p. 24). Compreende a presença do agente diplomático em banquetes e atos oficiais do Estado receptor, incluindo posse de chefes de Estado, funerais oficiais, desfiles militares, inaugurações solenes, entre outras situações. Porém, também envolve as circunstâncias em que o agente diplomático fala em nome do 121 RELAÇÕES INTERNACIONAIS seu país e assume compromissos com autoridades estrangeiras. É nesse sentido que se pode indicar o caráter da responsabilização. Deve‑se ressaltar que, conforme a concepção de diplomacia da atualidade, o diplomata representa um Estado, e não uma pessoa específica, como seu governante. • Informação A informação também é um aspecto da diplomacia que pode ser encontrado desde as suas origens, ainda que tenha se ampliado. Trata‑se de recolher, selecionar e remeter informações relevantes para o país acreditante da missão diplomática. É uma atividade vasta que tem seus limites traçados pelo interesse do Estado que envia a missão. Pode‑se afirmar que hoje um grande desafio muitas vezes não é obter a informação, mas sim analisá‑la e selecionar o que deve ser enviado para os serviços nacionais, uma vez que o conjunto formado por questões de natureza política, econômica, social, cultural e militar é extremamente amplo. Cabe então ao agente diplomático selecionar quais informações são de interesse do seu governo e remetê‑las. Magalhães (1996b) aponta que se deve evitar o vício de só se relatar o que é julgado como de agrado do governo ou de se manipular a informação de modo que não contradiga os prognósticos ou expectativas do próprio agente diplomático. Saliente‑se que a Convenção de Viena de 1961 estabelece que a coleta de informações deve ser feita por meios lícitos, ou seja, a espionagem não faz parte da atividade diplomática. A espionagem [...] é a prática ou ação para obtenção de informações secretas de competidores, rivais ou inimigos, sem autorização destes, com objetivo militar, político ou econômico. A definição clássica do termo restringia‑se a um Estado, ou a seus agentes, que espionavam inimigos potenciais ou reais, principalmente para finalidades militares e para garantia de segurança nacional. Com o passar do tempo, a espionagem passou a abranger também a ação de entes privados […] Mais recentemente, desenvolveu‑se o conceito de ciberespionagem, ou espionagem cibernética, que faz uso não autorizado de meios de comunicação, notadamente a internet, para realizar espionagem […] A espionagem, por envolver a coleta de informação negada ou secreta, é considerada clandestina. Ainda que pese seu caráter ilegal, a prática continua sendo utilizada como método de coleta de informação da atividade de inteligência, da qual se diferencia (LIMA, 2018, p. 343). Desse modo, a espionagem é uma atividade antiga, mas que sofreu alteração com o decorrer do tempo, sendo transformada com as modificações tecnológicas e sendo utilizada por um conjunto amplo de atores. Constitui a obtenção de informações por meios ilegítimos, sendo uma atividade ilegal, mais ainda praticada. De todo modo, não faz parte da diplomacia, que pode ser desacreditada se associada a esse tipo de conduta. 122 Unidade III • Negociação A negociação é central da diplomacia, sendo que a própria definição da última estabelece que se trata de uma atividade desenvolvida por meio da negociação. Magalhães (1996b) aponta a existência de negociação formal e negociação informal, de negociação direta e negociação diplomática. A negociação informal pode ser entendida como um conceito mais amplo, que abrange os diversos contatos entre os diplomatas de diferentes Estados com o intuito de chegar a uma concertação. Por sua vez, a negociação formal é um conceito mais estrito, que faz referência aos contatos formais entre os Estados, em circunstâncias delimitadas, para se chegar a um acordo escrito sobre uma questão específica. Uma negociação internacional abrange os dois conceitos, sendo necessário relembrar a diferença entre negociação diplomática e negociação direta: a primeira é conduzida por intermediários, os diplomatas; a segunda é realizada pelos próprios detentores do poder político – a chamada diplomacia de cúpula ou diplomacia presidencial. Magalhães (1996b) aponta três condições para se proceder com uma negociação: definição de objetivos, preparação e condução. De acordo com o autor, a primeira é de competência do poder político, que deve limitar com precisão o objetivo de uma negociação. Por sua vez, a preparação envolve o recolhimento de informações, a consulta a técnicos e especialista quando necessário e a delimitação da estratégia e da tática de negociação. A estratégia de negociação é a orientação geral que se pretende conferir ao processo negociador, enquanto a tática é mais restrita, dizendo respeito ao conjunto de formas de atuação utilizadas pelo negociador (MAGALHÃES, 1996b). Por fim, a condução refere‑se justamente à aplicação da tática de negociação, que é tarefa do negociador. • Promoção A promoção refere‑se às ações do agente diplomático com o intuito de criar ou estimular um determinado tipo de relação entre o Estado acreditante e o Estado receptor (MAGALHÃES, 1996b). Serve para intensificar a representação e aumentar o escopo das negociações. Nesse sentido, é possível citar a promoção comercial e a promoção cultural. • Proteção Por fim, a proteção pode ser encarada como a defesa dos interesses do Estado no exterior. Magalhães (1996b) aponta que compreende interesses específicos do Estado que envia a missão, como garantir que o Estado receptor está cumprido as obrigações assumidas e defender os interesses patrimoniais do acreditante, e interesses genéricos, no sentido da proteção do interesse do cidadão no exterior. Cabe abordar a questão de prerrogativas de locais de missão e de agentes diplomáticos. A Convenção de Viena de 1961 estabelece as prerrogativas da missão diplomática, a saber: inviolabilidade dos locais de missão; isenções fiscais dos locais e receitas das missões; liberdade de comunicação; facilidade para o exercício da função. O primeiro aspecto é central, significando que agentes do Estado receptor, como polícia e forças armadas, não podem entrar no local da missão sem consentimento expresso do chefe da 123 RELAÇÕES INTERNACIONAIS missão. O local de missão é definido pelo art. 1 da Convenção de Viena de 1961 como edifícios e terrenos anexos utilizados para finalidades de missão. Além disso, os locais de missão estão isentos de impostos e taxas, sejam nacionais, regionais ou municipais, não devendo o pagamento de IPTU, por exemplo. Outro ponto‑chave é a inviolabilidade dos arquivos e documentos da missão, bem como de sua comunicação oficial. Deve‑se preservar a liberdade de comunicação da missão para todos os fins oficiais. Tais pontos indicam que a comunicação diplomática não deve sofrer controle ou supervisão por parte do Estado receptor. Ademais, tal Estado receptor se compromete a oferecer todas as facilidades para o funcionamento da missão. Leia a notícia a seguir para ter uma melhor compreensão do significado da inviolabilidade do local de missão diplomática: Julian Assange, cofundador do Wikileaks, é preso em Londres após Equador retirar asilo diplomático A Polícia Metropolitana de Londres deteve nesta quinta‑feira Julian Assange, cofundador do Wikileaks, depois que o Equador cassou o asilo diplomático que lhe oferecia há quasesete anos, segundo um tuíte da própria corporação policial britânica. O presidente do Equador, Lenín Moreno, também confirmou na rede social que cancelou o asilo diplomático a Assange, que vivia desde junho de 2012 dentro da Embaixada equatoriana em Londres […] “O Equador decidiu soberanamente retirar o asilo diplomático de Julian Assange por violar reiteradamente convenções internacionais e o protocolo de convivência”, escreveu o presidente equatoriano em um tuíte nesta quinta‑feira. “Conceder asilo ou retirá‑lo é faculdade soberana do Estado equatoriano”, acrescentou Moreno, que criticou também “a conduta desrespeitosa e agressiva” de Assange e “as declarações descorteses e ameaçadoras de sua organização”, acrescentando que “a transgressão dos convênios internacionais levou a situação a um ponto em que o asilo de Julian Assange é insustentável e inviável” […] O Wikileaks disse em sua conta oficial do Twitter que “o Equador encerrou de forma ilegal ao asilo político concedido a Assange, numa violação do direito internacional”. O portal especializado em vazar sigilos oficiais salientou que “Julian Assange não saiu andando da embaixada”, e sim que “o embaixador equatoriano convidou a polícia britânica a entrar e ele foi detido”. Fonte: Miguel (2019b). Em termos de membros da missão diplomática, é possível diferenciar entre agentes diplomáticos e outros membros, sendo que os primeiros se dividem em chefe da missão e pessoal diplomático, e o segundo, em pessoal técnico‑administrativo e pessoal de serviços. De acordo com a Convenção 124 Unidade III de Viena de 1961, art. 1, o chefe de missão é a pessoa encarregada por essa função; os membros do pessoal diplomático são as pessoas que têm o status de diplomatas, sejam diplomatas de carreira ou pessoas designadas de modo especial; os membros do pessoal técnico e administrativo são as pessoas que cumprem tais funções; por fim, os membros do pessoal de serviço são pessoas empregadas em serviços domésticos, como faxineiros e jardineiros. O quadro a seguir apresenta os membros da missão diplomática: Quadro 5 – Os membros da missão diplomática Agentes diplomáticos Chefe da missão Pessoal diplomático Outros membros Pessoal técnico‑administrativo Pessoal de serviço Fonte: Magalhães (1996b, p. 51). Os chefes de missão são divididos em três classes: a) embaixadores ou núncios acreditados perante chefes de Estados; b) enviados ou ministros acreditados perante chefe de Estado; c) encarregados de negócios (BRASIL, 1965). Nota‑se que são, essencialmente, as mesmas categorias consagradas pela Regulação da Convenção de Viena de 1815, abordada na evolução histórica da atividade diplomática. A precedência entre chefes de missão de mesma classe é realizada por data e hora em que assumiram as funções. A nomeação do chefe de missão deve contar com aprovação pelo Estado receptor, para que a acreditação possa ocorrer. No caso do pessoal diplomático, a nomeação é, a princípio, livre pelo Estado acreditante e é o próprio chefe da missão que deve notificar ao Estado receptor a ordem de precedência do seu pessoal diplomático, conforme art. 7 e 17 da Convenção de Viena de 1961. No que diz respeito a adidos militares – que são oficiais das forças armadas enviados em missões diplomáticas com objetivo de estreitar parcerias e intercambiar informações sobre assuntos miliares, o Estado receptor pode solicitar que seus nomes sejam submetidos para aprovação prévia. O Estado receptor pode realizar, a qualquer momento e sem justificativa, a declaração de persona non grata de qualquer membro do pessoal diplomático, ou de pessoal não aceitável para qualquer outro membro do pessoal da missão (BRASIL, 1965). A declaração de persona non grata significa que a pessoal não é bem‑vinda, que deve encerrar suas funções naquela missão. O Estado acreditante deve acatar tal decisão do receptor e retirar a pessoa em tempo hábil. 125 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Exemplo de aplicação Leia o texto a seguir: O que significa declarar um representante diplomático como persona non grata As relações entre Brasil e Venezuela enrijeceram ainda mais nesta semana com a declaração de ambos os países de que os respectivos embaixadores não eram mais bem‑vindos em seus territórios. O primeiro passo foi dado pelo governo venezuelano no sábado (23), quando declarou o embaixador brasileiro Ruy Pereira “persona non grata”, o que, em termos simples, equivale a uma expulsão. Três dias depois, na terça‑feira (26), o governo brasileiro retribuiu o gesto – seguindo o chamado “princípio de reciprocidade” – e expulsou Gerardo Antonio Delgado Maldonado, enviado venezuelano para gerir negócios no Brasil. Maldonado fazia as vezes do embaixador venezuelano, ausente no Brasil desde 2016. O diplomata designado pelo país vizinho para o posto, Alberto Efraim Castellar Padilla, foi convocado a retornar ao seu país em maio daquele ano. A medida foi uma sinalização de protesto ao processo de impeachment imposto à ex‑presidente Dilma Rousseff. Quanto a Ruy Pereira, o Ministério das Relações Exteriores informou que ele está no Brasil para as festas de fim de ano e ainda aguarda notificação formal da Venezuela sobre a medida. “Caso confirmada, essa decisão demonstra, uma vez mais, o caráter autoritário da administração de Nicolás Maduro e sua falta de disposição para qualquer tipo de diálogo”, disse o governo brasileiro, em nota. A expulsão do embaixador brasileiro se deu um dia depois de o governo de Michel Temer publicar nota, repudiando a dissolução de dois governos municipais – o da capital Caracas e da cidade Alto Apure – pelo governo venezuelano, supostamente por motivos políticos. O Brasil disse que Maduro pratica “contínuo assédio” à oposição. “São medidas que desmentem o anunciado interesse do governo venezuelano em buscar uma solução negociada ou duradoura para a crise”. O comunicado ainda “insta” (pede de forma insistente) o país vizinho a aceitar ajuda internacional, com a doação de alimentos e remédios. Em resposta, embasando a declaração de Ruy Pereira como persona non grata, a presidente da Assembleia Constituinte, Delcy Rodríguez, disse que o embaixador brasileiro continuará não sendo bem‑vindo no país “até que se restitua o fio constitucional que o governo de fato rompeu neste país‑irmão, após a destituição da presidente Dilma Rousseff”, e criticou a “permanente e grosseira intromissão nos assuntos internos da Venezuela”, feita pelo governo brasileiro. […] Fonte: Roncolato (2017). Utilizando a notícia a seguir como inspiração, reflita sobre o significado da declaração de persona non grata para as relações diplomáticas. As prerrogativas dos agentes diplomáticos constituem um tema intimamente relacionado à diplomacia, que muitas vezes habitam o imaginário popular em livros e filmes. A fundamentação da existência dessas prerrogativas reside em garantir o desenvolvimento adequado das atividades diplomáticas, não sendo baseada então no benefício de indivíduos específicos. O quadro a seguir resume as prerrogativas dos agentes diplomáticos, também determinada pela Convenção de Viena de 1961: 126 Unidade III Quadro 6 – As prerrogativas dos agentes diplomáticos Inviolabilidade pessoal Imunidade De jurisdição penal De jurisdição civil e administrativa De execução Isenções Fiscais De direitos aduaneiros De prestação de seguro social Liberdade de circulação e trânsito Uso de bandeira e escudos nacionais Facilidades Fonte: Magalhães (1996b, p. 69). A inviolabilidade pessoal do agente diplomático é o aspecto fundamental, servindo como bases para as outras prerrogativas. O agente diplomático é inviolável, não podendo ser objeto de prisão ou detenção e o Estado receptor deve tomar todas as medidas para evitar qualquer ofensa à sua liberdade ou à sua dignidade (art. 29). A residência do agente diplomático goza da mesma inviolabilidade do local de missão, bem como seus documentos e sua correspondência (art. 30). Decorrente disso,o agente diplomático conta com imunidade de jurisdição penal, imunidade de jurisdição civil e administrativa e imunidade de execução (art. 31). Imunidade de jurisdição significa não sujeição ao poder judicial do Estado receptor. A imunidade de jurisdição penal refere‑se aos tribunais penais do Estado receptor, ou seja, o agente diplomático não está sujeito a eles. É considerada uma imunidade absoluta, não admite exceções (MAGALHÃES, 1996b). Contudo, é possível ponderar que os agentes diplomáticos podem cometer crimes no exterior, sendo que estes não estão relacionados ao exercício da função diplomática. Tal situação, de fato, ocorre. Porém, mesmo nessas circunstâncias, o agente diplomático não pode ser detido, interrogado ou julgado, já que se trata de uma imunidade absoluta. A alternativa para o Estado receptor em caso de cometimento de crime é a declaração de persona non grata. Contudo, o agente diplomático não se encontra livre da jurisdição de seu próprio Estado. Desse modo, pode ser investigado e punido pelo Estado acreditante. Porém, não há nada que garanta que a punição ocorrerá de fato. Tal ponto serve como base para muitas denúncias de abuso de prerrogativas, mas as últimas continuam central para a diplomacia. Lembrete Persona non grata significa “pessoa que não é bem‑vinda”. Na linguagem diplomática, refere‑se à solicitação do Estado receptor de que o Estado acreditante retire um agente diplomático de seus territórios, onde não deve mais exercer funções diplomáticas. 127 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Também há a imunidade de jurisdição civil e administrativa, que diz respeito a outros tribunais que não o penal. Porém, tal imunidade admite algumas exceções: ação sobre imóvel privado; ação sucessória em que o agente figura privadamente; ação referente à atividade profissional fora das funções oficiais. Pode‑se afirmar que as exceções são sobre questões de cunho pessoal do agente diplomático. Há também a imunidade de execução, que se refere à execução da sentença. O agente diplomático também não é obrigado a prestar depoimento como testemunha. É prevista a possibilidade de renúncia de imunidades, segundo o art. 32 da Convenção de Viena de 1961. A renúncia deve ser expressa e feita pelo Estado acreditante, não pelo agente diplomático. Assim, em casos de crimes, por exemplo, o Estado receptor pode solicitar que o acreditante faça a renúncia da imunidade de jurisdição penal de seu agente. Se o pedido for acatado, o agente diplomático poderá ser detido, investigado e julgado pelo Estado receptor. Também há essa possibilidade de renúncia para a jurisdição civil e administrativa, bem como para imunidade de execução. Porém, cada renúncia deve ser clara e expressa, ou seja, a renúncia a uma não implica a renúncia das demais. Exemplo de aplicação Leia as notícias a seguir: Vaticano prende diplomata de alto escalão acusado de distribuir pornografia infantil A Santa Sé prendeu um diplomata de alto escalão e ex‑funcionário na nunciatura de Washington acusado de possuir e distribuir pornografia infantil. O monsenhor Carlo Alberto Capella foi acusado pelo Canadá de ter descarregado tais conteúdos durante uma estadia no país em dezembro de 2016. O monsenhor, diplomata de alto escalão, ex‑oficial da Seção para as Relações com os Estados da Secretaria de Estado, estava no Vaticano, no Colégio dos Penitentes, em restrição e esperando o julgamento. Agora, entretanto, está em uma cela do quartel da Polícia do Vaticano à disposição judicial. O que indicaria que foram reunidas mais provas contra ele. […] O caso chega em um momento em que ficam mais fortes as críticas ao Vaticano por não levar a eficácia à luta contra a pedofilia aos padrões de “tolerância zero” que o papa Francisco prometeu em sua chegada, há cinco anos. Especialmente depois da tempestade desatada após as supostas negligências no tratamento dos casos de abusos a menores no Chile e a proteção jurídica que, várias vezes, os religiosos acusados receberam. Os EUA pediram para que o religioso perca sua imunidade diplomática para que possa ser processado, mas a Santa Sé preferiu trazê‑lo de volta para julgá‑lo. As autoridades canadenses, de acordo com o Vaticano, não emitiram uma ordem de prisão para Capella. De maneira que, como aconteceu outras vezes, e tendo imunidade diplomática, o funcionário será julgado na Santa Sé apesar de ter cometido seu crime em solo estrangeiro. Fonte: Verdú (2018). 128 Unidade III Diplomata acusado de matar a mulher poderá deixar o país Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou decisão que proibia o diplomata espanhol Jesus Figón Leo, acusado de homicídio, de ausentar‑se do país sem autorização judicial. O diplomata foi denunciado pelo assassinato da esposa, ocorrido em 12 de maio de 2015, no apartamento do casal, em Vitória. Após o crime, o Estado espanhol indicou a renúncia da imunidade de jurisdição do agente diplomático, mas fez menção expressa de reservar a imunidade de execução, ou seja, embora o diplomata possa ser processado e eventualmente condenado no Brasil, a execução da pena se dará apenas na Espanha. Durante o processo, foi fixada medida cautelar consistente na proibição de que o diplomata se ausente do país, “a fim de assegurar a aplicação da lei penal, bem como a futura instrução processual”. Sem razoabilidade Contra a decisão, a defesa recorreu ao STJ. O relator, ministro Nefi Cordeiro, entendeu pela concessão da ordem de habeas corpus para afastar a medida cautelar, em razão da imunidade executória da pena. “O relevante fundamento esposado na fixação da cautelar foi assegurar a aplicação da lei penal, mas, não sendo ao Brasil cabível a execução de eventual pena, resta sem razoabilidade a proteção desse risco”, explicou o relator. O ministro reconheceu que a decisão também apontou que a medida seria necessária à instrução criminal, mas entendeu que impedir que o acusado saísse do país em nada afetaria a colheita de provas. Além disso, Nefi Cordeiro destacou não haver nenhuma indicação de que o diplomata teria tentado destruir provas ou ameaçado testemunhas e que “eventual intento de não comparecer a atos do processo é reserva de autodefesa a ele plenamente possível – sequer o júri restaria no caso impedido”. Fonte: STJ (2017). A partir das notícias, reflita sobre as prerrogativas dos agentes diplomáticos. Além das imunidades, as prerrogativas dos agentes diplomáticos envolvem isenções fiscais (art. 34). São livres de pagamento de impostos nacionais, regionais ou locais, com as seguintes exceções: impostos indiretos incluídos no preço dos produtos, impostos sobre bens imóveis privados, direitos de sucessão, impostos sobre rendimentos privados no Estado receptor, impostos relativos a serviços específicos e taxas de registro e hipoteca sobre imóveis privados. Há ainda a isenção de direitos aduaneiros (art. 36), referentes à importação de mercadorias. Assim, estão livres desses impostos objetos destinados ao uso da missão ou de uso pessoal do agente diplomático. Ademais, a bagagem do agente diplomático está isenta de sofrer qualquer forma de inspeção. Apenas se 129 RELAÇÕES INTERNACIONAIS existirem motivos graves de suspeita de materiais proibidos na bagagem é possível solicitar a inspeção, que deve ser feita na presença do próprio agente diplomático. Outra isenção é a de seguro social, relativo à previdência social. Assim, a figura do agente diplomática está isenta de contribuições nesse sentido, bem como empregados particulares que não sejam nacionais do Estado receptor ou tenham residência nele. Também há a liberdade de circulação e trânsito pelo território e a permissão para que o agente diplomático utilize símbolos do Estado acreditante, como a bandeira e o escudo nacionais. Por fim, o Estado receptor deve oferecer todas as facilidades para o agente diplomático, inclusive para que possa deixar rapidamente o território em caso de conflito armado. A família do agente diplomáticogoza da mesma inviolabilidade e isenção de direitos aduaneiros que o próprio agente (art. 37). Apesar de não haver na Convenção de Viena uma definição clara de família, há a indicação de que são familiares que vivam com o agente diplomático. Além disso, o mesmo artigo estabelece que o pessoal técnico e administrativo dispõe dos mesmos privilégios e imunidades, com ressalvas à imunidade de jurisdição civil e administrativa, que só se estende ao exercício da função. O pessoal de serviços não conta com tais prerrogativas. O quadro a seguir sintetiza tal ponto: Quadro 7 – Imunidades diplomáticas Categoria Pode ser preso ou detido? Possui inviolabilidade de residência? Pode ser intimado a depor como testemunha? Pode ser processado criminalmente? Pode ser processado civil ou administrativamente? Imunidades de familiares Missão diplomática (embaixadas) Agente diplomático Não Sim Não Não Não, com algumas exceções Igual ao do funcionário Funcionário técnico e administrativo Não Sim Não Não Não, com algumas exceções Igual ao do funcionário Pessoal de serviços Sim Não. Entrada policial sujeita a procedimentos normais Sim Sim, em caso de atos não oficiais Sim, em caso de atos não oficiais Nenhuma Repartição consular Agentes consulares de carreira Não, exceto em caso de crime grave Não. Entrada policial sujeita a procedimentos normais Não, com relação a atos oficiais. Sim, em caso de atos não oficiais Sim, em caso de atos não oficiais Nenhuma inviolabilidade ou imunidade Empregados consulares Sim Não. Entrada policial sujeita a procedimentos normais Não, com relação a atos oficiais Sim, em caso de atos não oficiais Sim, em caso de atos não oficiais Nenhuma inviolabilidade ou imunidade Adaptado de: Brasil (2019c). Desse modo, os funcionários técnicos e administrativos contam com as mesmas imunidades dos agentes diplomáticos, mas o mesmo não acontece para o pessoal de serviços. Além disso, é possível notar que os agentes consulares não dispõem da mesma extensão de privilégios, sendo sua imunidade restrita ao exercício da função. 130 Unidade III Exemplo de aplicação Para melhor fixação do conteúdo apresentado, leia as notícias a seguir: Entenda a crise diplomática envolvendo a Rússia, os EUA e a União Europeia Em um movimento quase que coordenado, o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, e países da União Europeia (UE) anunciaram a expulsão de diplomatas e oficiais da Rússia de seus territórios na manhã desta segunda‑feira (26).A medida, justificaram os aliados, é uma resposta ao uso de armas químicas em solo britânico, mais especificamente no ataque contra o ex‑espião Sergei Skripal no último dia 4 de março na cidade de Salisbury (Inglaterra). “As ações de hoje tornam os EUA mais seguros ao reduzir a capacidade da Rússia de conduzir operações que ameaçam a segurança nacional”, disse a Casa Branca em um comunicado. “Com esses passos, esperamos deixar claro para a Rússia que ações tem consequências”. O bloco europeu já havia se manifestado na semana passada sobre esse assunto e voltou a enfatizar ser “altamente provável” o envolvimento da Rússia no envenenamento de Skripal. A expectativa é a de que outros países anunciem medidas similares nas próximas horas, como Canadá e México, informou a agência Reuters. Relembre o caso Naquele dia, o ex‑agente foi encontrado junto com sua filha agonizando em um banco de um parque. O policial que os atendeu também foi afetado. Investigações britânicas revelaram que o agente usado era da família “Novitchok”, de fabricação soviética. O Reino Unido então passou a cobrar da Rússia explicações sobre o uso de armas químicas em seu solo e o envolvimento do país nesse episódio. O governo Putin, por sua vez, negou ter qualquer responsabilidade no ato. Diante do que foi visto pelos britânicos como falta de esclarecimentos, a primeira‑ministra Theresa May retaliou há cerca de duas semanas ao anunciar a expulsão de 23 diplomatas russos. A Rússia respondeu expelindo a mesma quantidade de oficiais britânicos do seu território. Alinhando‑se ao lado do Reino Unido, a UE logo passou a cobrar explicações dos russos e lembrou que o uso de agentes nervosos em um ataque como esse configuraria uma violação da Convenção de Armas Químicas, tratado que proíbe a produção, aquisição, estocagem, retenção, transferência e o uso deste tipo de armamento e do qual a Rússia é signatária. Quem é Sergei Skripal Nascido em 23 de junho de 1951, Skripal trabalhou até 1999 no serviço de inteligência do exército russo e chegou a coronel. De 1999 a 2003, trabalhou no Ministério das Relações Exteriores do país. 131 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Em 2004, foi detido e acusado de “alta traição” por ter repassado informações sobre as identidades de agentes secretos russos que trabalhavam na Europa para o serviço de inteligência britânico, o MI‑6, em troca de US$ 100 mil. Condenado a 13 anos de prisão, ele ficou preso até 2010. Depois de receber perdão do então presidente Dmitri Medvedev, foi incluído no que é considerada a maior troca de espiões desde o fim da Guerra Fria e vivia na Inglaterra desde então. Fonte: Ruic (2018). Rússia expulsa 59 diplomatas de 23 países em reforço de represália O Ministério de Relações Exteriores da Rússia comunicou nesta sexta‑feira a expulsão de 59 diplomatas de 23 países. A medida reforça a represália contra as nações que, nos últimos dias, também determinaram a retirada de diplomatas russos, seguindo o Reino Unido. A escalada de tensões vem depois da tentativa de assassinato do ex‑espião russo Sergei Skripal e a sua filha, Yulia Skripal, que sofreram um ataque com agente nervoso em Salisbury, na Inglaterra, em 4 de março. Vinte e sete países europeus e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a aliança militar ocidental, já anunciaram a expulsão de mais de 150 diplomatas russos nos últimos dias, seguindo Londres. Os países afetados foram Ucrânia, Espanha, Croácia, Noruega, Alemanha, República Tcheca, Irlanda, Lituânia, Itália, Polônia, Finlândia, Austrália, França, Dinamarca, Suécia, Macedônia, Moldávia, Romênia, Canadá, Albânia, Estônia, Letônia e Holanda. Ontem, o governo russo já havia anunciado a expulsão de 60 diplomatas americanos, numa medida idêntica à que havia sido tomada pela Casa Branca contra os russos na segunda‑feira. O consulado americano em São Petersburgo será fechado. Imagens de vídeo mostraram os embaixadores de vários países chegando ao Ministério de Relações Exteriores russo em Moscou e saindo pouco depois. O Kremlin já havia alertado que entregaria notas de protesto aos diplomatas, que seriam informados das medidas recíprocas de resposta diplomática. A escalada de tensões acontece porque o Reino Unido acusa a Rússia de envolvimento na tentativa de assassinato de Skripal e sua filha. Moscou, no entanto, nega que tenha participado e sugeriu que o Reino Unido poderia ser responsável no envenenamento: “Uma análise de todas as circunstâncias nos leva a pensar no possível envolvimento (no envenenamento) dos serviços de inteligência britânicos. Se evidências convincentes em contrário não forem apresentadas ao lado russo, consideraremos que estamos lidando com uma tentativa contra as vidas de nossos cidadãos como resultado de uma provocação política em massa”, disse o Ministério do Exterior da Rússia em um comunicado na quarta‑feira. 132 Unidade III Depois que o Reino Unido expulsou 23 russos — que afirmou ser espiões trabalhando sob disfarce —, a Rússia expulsou 23 diplomatas britânicos. No total, 29 países expulsaram 145 autoridades russas em solidariedade ao Reino Unido, e a Otan também retirou 10 russos da sua sede na Bélgica. Fonte: Rússia... (2018). Rússia: Caso Skripal é uma provocação grotesca do Reino Unido e dos EUA O diretor do serviço de inteligência externa da Rússia, Serguei Naryshkin, chamou o caso Skripal de “provocação grotesca” dos serviços especiais britânicose americanos. “Mesmo na questão da provocação grotesca do caso Skripal, fabricado de forma grosseira pelos serviços de segurança do Reino Unido e Estados Unidos, parte dos países europeus não se apressam em seguir cegamente Londres e Washington, e preferem compreender o que aconteceu”, declarou Serguei Naryshkin em uma conferência internacional sobre a segurança organizada em Moscou. Naryshkin também pediu a “retomada do diálogo saudável” entre Moscou e os ocidentais no caso do ex‑espião envenenado na Inglaterra, para evitar uma nova crise dos mísseis de Cuba. “É necessário acabar com este jogo irresponsável que consiste em seguir aumentando as apostas e renunciar ao uso da força nas relações internacionais, para não levar a situação a uma segunda crise dos mísseis de Cuba”, declarou Naryshkin. Moscou nega as acusações, que provocaram a crise diplomática mais grave entre Ocidente e Oriente desde a Guerra Fria e a expulsão de quase 300 diplomatas das duas partes. Fonte: AFP (2018). Comente a crise diplomática entre Rússia e Reino Unido a partir das discussões ocorridas até aqui. Considere os seguintes pontos: • O que são relações diplomáticas e qual seu fundamento? • As relações diplomáticas foram rompidas? • Os princípios das relações diplomáticas. • A espionagem é parte do cotidiano da diplomacia? • No que é fundamentada a expulsão de agentes diplomáticos? • Comentários gerais sobre o significado da crise diplomática. 133 RELAÇÕES INTERNACIONAIS 7.3 Solução pacífica de controvérsias Uma controvérsia internacional pode ser entendida como um desacordo entre Estados, seja sobre questões de direito ou sobre fatos. Uma controvérsia pode escalar e gerar uma situação de guerra, em que os Estados utilizam a violência na perseguição de seus objetivos políticos. Porém, há mecanismos para se buscar a resolução pacífica das controvérsias internacionais, sem recorrer à guerra. Em termos de solução pacífica de controvérsias, é possível identificar diferentes meios, citando os meios políticos. Aqui, o objetivo é permitir a diferenciação entre diferentes modalidades. A Carta de São Francisco, ou Carta da ONU, apresenta em seu art. 1 a solução pacífica de controvérsias como um propósito da Organização. Por sua vez, no art. 33 afirma‑se que as partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha (ONU BRASIL, 1945, p. 25). A ONU foi criada ao final da Segunda Guerra Mundial e apresenta como um objetivo central evitar a eclosão de um novo conflito de grandes proporções. Assim como a Liga das Nações, apresenta um conceito de segurança coletiva, condenando a guerra de conquista e agressão. De qualquer forma, esse documento basilar para as relações internacionais defende que a guerra é um último recurso, incentivando os Estados a buscarem outras formas para resolver suas contendas. Constituem então modalidades de solução pacífica de controvérsias: • negociação; • bons ofícios; • mediação; • inquérito; • conciliação; • arbitragem; • cortes/tribunais permanentes. Observação Todas as modalidades de solução pacífica de controvérsias necessitam do consentimento dos Estados envolvidos em uma disputa para serem colocadas em andamento, pois os Estados são soberanos. 134 Unidade III A negociação é o meio mais tradicional e simples para a solução pacífica de um litígio, consistindo nos diálogos e contatos entre as partes envolvidas sem a inclusão de terceiros (BRAGA, 2009). Pode ser uma negociação diplomática bilateral, quando envolve duas partes, ou multilateral, quando há várias partes envolvidas na questão. Além dessas, ainda pode ser utilizada a negociação direta. Os envolvidos reúnem e apresentam suas argumentações, cabendo ao negociador identificar os interesses em comum e construir consensos (AMARAL JÚNIOR, 2012). É possível que o resultado seja um acordo que coloca um fim à disputa (HUSEK, 2002). A negociação pode ser usada a qualquer momento. É comum que anteceda formas mais sofisticadas de solução, mas também pode ser utilizada após a instalação de outras modalidades para resolução de disputas. Os bons ofícios visam criar um ambiente favorável para que as negociações possam ser desenvolvidas, tratando‑se de uma prática antiga para aproximar os Estados em disputa que tem como intuito aliviar as tensões para diminuir hostilidades (AMARAL JÚNIOR, 2012). Os bons ofícios podem ser realizados por um Estado, uma Organização Internacional ou um indivíduo, que podem oferecer seus serviços, ou os Estados envolvidos na disputa podem solicitar os bons ofícios de terceiros. De qualquer modo, o consentimento das partes litigantes é necessário. É comum que os bons ofícios constituam o oferecimento de um lugar neutro para que as partes se encontrem. Dessa forma, a modalidade baseia‑se na tentativa de um terceiro de promover, amistosamente, o contato entre os litigantes, sendo que quem oferece os bons ofícios não se envolve nas negociações ou em um eventual acordo (BRAGA, 2009). Assim, o apoio é “meramente instrumental, isto é, o terceiro não propõe a solução para o conflito, nem observa as razões dos contendores, limitando‑se apenas a aproximar as partes e proporcionar um campo neutro para a negociação” (HUSEK, 2002, p. 195). Por sua vez, a mediação também está baseada no envolvimento de terceiros. Porém, diferente dos bons ofícios, na mediação a terceira parte está envolvida diretamente nas negociações, tomando ciência das razões alegadas por cada uma das partes e tendo como objetivo sugerir medidas para encerrar a contenda (AMARAL JÚNIOR, 2012; HUSEK, 2002). Trata‑se então de uma atuação mais profunda, em que o mediador realmente propõe uma solução para a controvérsia, não se limitando a aproximar as partes. Porém, o mediador não pode impor sua solução, uma vez que os Estados não são obrigados a aceitá‑la, e busca influenciar as partes para que aceitem sua solução. O mediador deve ser aceito por ambas as partes para que a mediação possa ocorrer, devendo assim ser considerado confiável por todos os envolvidos. O inquérito trata‑se de um procedimento específico, de natureza técnica, que visa esclarecer fatos, pois uma controvérsia pode ser gerada justamente por fatos que não estão claros (AMARAL JÚNIOR, 2012). Assim, o inquérito é conduzido por pessoal com reconhecida competência técnica, sendo normalmente instalada uma comissão de inquérito constituída por funcionários governamentais ou membros de Organizações Internacionais. É uma etapa preliminar, com o objetivo de elucidar questões para que possam ser promovidas outras formas de solução pacífica de controvérsias. Não é feito qualquer tipo de proposição para resolver o conflito, e só é aplicável quando um fato necessita ser esclarecido, não sendo assim utilizado, por exemplo, em disputas sobre aplicação de normas (REZEK, 2011). Exemplos de situações que podem requerer o procedimento de inquérito são casos em que se deve investigar as circunstâncias do ataque e naufrágio de uma embarcação em alto‑mar ou em que é necessário dimensionar um dano ambiental (AMARAL JÚNIOR, 2012). 135 RELAÇÕES INTERNACIONAIS A conciliação visa esclarecer fatos e fazer recomendações, tendo características da mediação e do inquérito, porém com maior formalidade (AMARAL JÚNIOR, 2012). É utilizada no seio de Organizações Internacionais ou por determinação de tratados. É criada uma comissão de conciliação, composta por três a cinco pessoas, que estabelece o conjunto de regras para o funcionamento da comissão, sendo que seu relatório final avalia os fatos e apresenta as recomendações da comissão de conciliadores acerca da controvérsia (AMARAL JÚNIOR, 2012). Suas deliberações não são vinculativas, ou seja, não têm caráter obrigatório, constituindo
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