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Texto O Que é a felicidade?

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1 
 
Progresso e Felicidade
1
 
 
 
Qual é a relação entre progresso e felicidade humana? É verdade que, nas últimas 
décadas, e nos últimos séculos, vimos uma melhoria notável em diversos indicadores sociais e 
econômicos da nossa sociedade. Exemplos: expectativa de vida, mortalidade infantil, renda per 
capita, acesso a saúde, escolaridade, etc. Em todos esses indicadores, bem como em muitos 
outros, é possível medir um progresso inegável em nossa civilização. Porém, uma pergunta que 
podemos nos fazer é: quais têm sido os efeitos de todas essas brilhantes conquistas no tocante à 
felicidade dos seres humanos? Até que ponto nossa civilização tem promovido ou dificultado a 
busca da felicidade? 
Antes de tentar responder essas perguntas bastante difíceis, é importante notar que falar 
da felicidade da “nossa” civilização significa compará-la com outras civilizações, ou seja, 
comparar nosso atual período com outros períodos históricos. É importante observar que 
comparações desse tipo são perigosas. Em geral, temos preconceitos com outras épocas, e os 
próprios rótulos que usamos para nos referirmos a elas já deixa isso claro (pensem, por exemplo, 
na “Idade Média”, termo que já demonstra se tratar de uma era intermediária entre um passado e 
o presente, ou na Primeira República brasileira, chamada por alguns historiadores de “República 
Velha”). Porém, embora difícil, refletir sobre a felicidade em nossa civilização e época exige 
alguma reflexão sobre o que se pensou sobre a felicidade antes de nós. 
Se queremos refletir sobre progresso e felicidade, talvez nenhuma época seja tão 
importante para considerarmos quanto o Iluminismo Europeu do século XVIII. O “Iluminismo” 
pode ser caracterizado como um período de grandes mudanças nas ciências, na filosofia, na 
sociedade e na política. Em termos filosóficos, o Iluminismo entendia a si mesmo como a 
chegada à maturidade da civilização, a chegada a uma época em que o ser humano seria 
governado pela Razão, e não mais por superstições e estruturas políticas arcaicas. 
A ideia iluminista de progresso marca uma ruptura clara em relação às ideias dominantes 
do mundo antigo e medieval. O avanço iluminista europeu pressupunha uma relação clara entre 
progresso da civilização e aumento da felicidade. Tal progresso era causado ou influenciado por 
uma série de fatores, tais como: 
 
- Avanço do saber científico; 
- Domínio crescente da natureza pela tecnologia; 
- Aumento da produtividade e da riqueza material; 
- Fim da opressão religiosa; 
- Fim da opressão política; 
- Aprimoramento intelectual e moral dos homens por meio da educação e das leis. 
 
1
 Adaptado de GIANNETTI, Eduardo (2002). Felicidade. São Paulo, Cia. das Letras. 
2 
 
 
Se o homem é produto do ambiente em que se forma e se o ambiente tende a se tornar 
cumulativamente melhor pela ação dos próprios homens, nada mais natural do que supor que, à 
medida que o mundo ao seu redor progride, também os homens vão ampliar sua competência 
como produtores de bens materiais e sua capacidade de moldar sua conduta de acordo com os 
princípios da razão. Pelo menos, essa era a visão dos iluministas. 
Seria interessante repassar uma pequena lista de de ilustrações textuais para entender as 
expectativas do iluminismo europeu sobre a relação entre progresso e felicidade. Consideremos, 
por exemplo, o que afirmou o filósofo e químico Joseph Priestley (1733-1804), descobridor do 
oxigênio: 
 
“Na vida em sociedade, são requeridos não mais do que poucos anos para se assimilar todo o 
progresso anterior de qualquer ciência; no restante de sua vida, o homem pode se dedicar à 
expansão do saber. Mas se desse modo alguma arte ou ciência vier a se tornar ampla demais para 
sua assimilação, uma subdivisão poderá ser feita. Assim, todo saber será subdividido e ampliado; 
e se o saber, como observou Bacon, é poder, os poderes humanos irão de fato se expandir. A 
natureza estará mais sob o nosso comando e os homens tornarão a sua condição neste mundo 
muito mais tranquila e confortável; eles irão prolongar sua existência nele e se tornarão dia após 
dia mais felizes, cada um em si mesmo, e também mais aptos a transmitir felicidade aos demais. 
Dessa forma, seja qual tenha sido o princípio deste mundo, o final será glorioso e paradisíaco.”
2
 
 
De modo semelhante, e com um esperança semelhante na perfectibilidade humana e no 
elo entre progresso e felicidade, o filósofo, matemático e político Marquês de Condorcet (1743-
1794) se propôs a demonstrar, em um livro, que “a bondade moral do homem é suscetível de um 
aprimoramento ilimitado e que a natureza vincula estreitamente, numa corrente indissolúvel, a 
verdade e a felicidade”
3
. A visão do Marquês, um grande expoente do iluminismo francês, um 
ateu com um fervor quase religioso na razão, era a de que o avanço do saber científico e a 
difusão da educação dissipariam as trevas da superstição e da intolerância. A estrada da razão e 
do progresso levaria à felicidade. A “Redenção” não se dará mais no além, no Paraíso cristão, 
mas aqui, neste mundo. 
Outro a compartilhar dessas expectativas era o filósofo político William Godwin (1756-
1836), pai de Mary Shelley, a autora de Frankenstein
4
, e ele também ateu confesso. Para 
Godwin, “quanto mais os homens se erguerem acima da pobreza, mais a decência prevalecerá 
 
2
 Apud Gianetti (2002), p. 24. 
3
 Op. Cit., p. 25. 
4
 É curioso observar que o título original do livro é Frankenstein: the Modern Prometheus, isto é, “O Prometeus 
Moderno”. Como se sabe, Prometeus é um personagem da mitologia grega que rouba o fogo dos deuses para levá-lo 
aos humanos. Sua história é, com frequência, usada como metáfora para uma ambição humana desmedida que busca 
alcançar (ou ser como) os deuses. A criatura criada por Victor Frankenstein poderia ser vista como uma imagem 
desse ambicioso projeto humano de domínio sobre a natureza na tentativa de se equiparar a Deus. 
3 
 
em sua conduta e a sobriedade nos seus sentimentos”
5
. Mesmo o austero Kant (1724-1804), 
talvez o mais influente filósofo dos últimos três séculos, também tinha grandes expectativas em 
relação ao que o processo civilizatório faria pela felicidade humana. Para Kant, os homens de seu 
tempo deveriam estar prontos a sacrificar o seu bem-estar presente tendo em vista a felicidade de 
uma comunidade ideal futura, uma comunidade internacional e universal que zele pela paz e “no 
seio da qual todas as capacidades da espécie humana irão por fim florescer”
6
. 
Para nós, hoje, a equação oferecida pelos autores iluministas (razão = progresso = 
felicidade) parece frágil, para dizer o mínimo. Muitas questões poderiam ser colocadas a ela. 
Para ficarmos em apenas uma: ainda que houvesse um consenso entre as pessoas sobre o que é 
bom e valioso no mundo, seriam essas coisas boas e valiosas compatíveis? Pensemos, por 
exemplo, no saber verdadeiro, na excelência moral, no belo estético, na liberdade individual e na 
eficiência econômica, para ficar apenas em alguns casos de coisas boas e valiosas. Será que todas 
elas podem ser realizadas? E será que podem sê-lo ao mesmo tempo? 
Seja qual for a resposta, podemos resumir o percurso até aqui dizendo que dificilmente 
alguém poderia negar os avanços nos campos da ciência, da tecnologia e da produtividade nos 
últimos séculos. Esses avanços trouxeram benefícios enormes para a vida prática dos seres 
humanos em termos de saúde, conforto, renda e condições de trabalho. Porém, em que pesem os 
avanços, o sucesso do projeto iluminista não pode ser medido apenas a partir desses avanços. Em 
certo sentido, ele acabou ficando muito aquém do que imaginavam os cientistas e filósofos 
iluministas do século XVIII e XIX. Refletindo hoje sobre o que disseram Priestley, Condorcet, 
Godwin ou Kant, quem diria que vivemoso futuro que eles achavam que viveríamos? 
Um dos grandes problemas no projeto dos pensadores iluministas foi a noção de que os 
avanços científicos, técnicos e políticos melhorariam não apenas as condições objetivas de vida 
(que de fato melhoraram), senão também a felicidade humana. Somos mais felizes hoje do que o 
eram os seres humanos de dois ou três séculos atrás? Se a resposta for negativa, o que falhou? 
Por que a promessa de felicidade iluminista não se cumpriu? 
Um segundo ponto importante nessa discussão, e, talvez, anterior ao apontado acima, diz 
respeito à própria noção de felicidade. É um termo vago, indefinido. O que se entende por 
“felicidade”? Talvez possamos distinguir (pelo menos) três sentidos diferentes: 
 
1. Alguém pode estar feliz porque algo em particular ocorreu (seu time ganhou, 
conseguiu um emprego, etc.), e esse fato tornou a pessoa mais feliz do que estava 
antes. 
2. Alguém pode estar feliz agora, neste exato momento, e isso independentemente de ter 
ou não motivos conscientes e definidos para explicar sua felicidade. 
 
5
 Op. Cit., p. 27. 
6
 Op. Cit., p. 28. 
4 
 
3. Alguém pode se dizer feliz porque, ao avaliar a própria vida no seu conjunto, isto é, 
de modo global, sente-se feliz com ela. 
 
Embora estejam interligados entre si, os três sentidos acima não são iguais. É provável 
que alguém feliz no sentido global (3) deve ter vivido alguns fatos particulares que o tornaram 
feliz (1), e, com isso, deve ter vivido momentos felizes (2). Na prática, porém, as coisas são bem 
mais complicadas do que isso. É plausível supor que alguém possa estar vivendo um momento 
de extrema felicidade, mas nem por isso se julgue, tudo considerado, uma pessoa feliz. Uma vida 
também pode ser feliz no sentido global, embora desprovida de altos vôo de felicidade 
momentânea. De modo semelhante, uma pessoa pode estar passando por um momento difícil, 
mas ainda assim se julgar feliz ao avaliar a sua vida como um todo. Uma vida pode ser marcada 
por uma sucessão alucinante de ‘picos’ de felicidade, e, não obstante, revelar-se um grande 
fracasso
7
. 
Um terceiro ponto nessa discussão tem a ver com a distância entre o que o iluminismo 
prometeu – “progresso trará felicidade” – e o que ele não cumpriu – “progresso não trouxe 
necessariamente felicidade”. Nesse sentido, valeria a pena nos lembrarmos dos estóicos. O 
estoicismo foi um movimento filosófico da Grécia Antiga. Os estóicos defendiam que emoções 
tais como o medo ou a inveja (ou quaisquer tipos de paixões) provinham de falsos julgamentos 
sobre o mundo, e que o homem sábio – a pessoa que alcançou a perfeição moral e intelectual – 
não sofreria por elas. Estóicos como Sêneca e Epiteto enfatizaram que o sábio é imune às 
desgraças da vida e que a virtude é suficiente para a felicidade
8
. 
Numa perspectiva estóica, todo o sofrimento humano, não importa qual seja, é resultado 
de uma discrepância entre nosso desejo, de um lado, e o curso dos acontecimentos que nos 
afetam, de outro. Como lidar com a discrepância entre nossos desejos e a realidade? Há duas 
formas básicas: a primeira é transformar as circunstâncias da realidade ao nosso redor; a segunda 
é moldar nossos desejos para que se adequem à realidade. Os filósofos estóicos defendiam a 
segunda opção. Como disse Epiteto, “não são as coisas em si mesmas que inquietam os homens, 
mas as opiniões que eles formam sobre estas coisas”
9
. A aceitação dos nossos limites pessoais, a 
autodisciplina interior e a pacificação dos desejos pela reflexão filosófica e a vida contemplativa 
são o segredo de uma existência plena, harmoniosa e serena. Ou, noutras palavras: “queira 
somente aquilo que pode ter e você será onipotente”. 
Ocorre que, talvez, a proposta iluminista seja o avesso radical do ideal estóico. Em vez de 
buscar a libertação da tirania dos desejos, o projeto iluminista pretendeu dar plena vazão aos 
desejos humanos, e transformar o mundo para garantir a máxima realização desses desejos. Ele 
representa uma aposta monumental na conquista da felicidade pela crescente, violenta e 
 
7
 Num outro extremo, tome-se como exemplo a vida de Jesus Cristo. Preso, injuriado, agredido, traído por seus 
melhores amigos e, por fim, crucificado. Apesar de tantos motivos para infelicidade, não seria incorreto dizer que, 
de um ponto de vista global, Cristo foi feliz. 
8
 Para mais informações, ver a Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/). 
9
 Op. Cit., p. 39. 
http://plato.stanford.edu/
5 
 
sistemática subjugação do mundo natural aos propósitos humanos. É claro que não precisamos 
necessariamente defender um desses dois extremos. Não é preciso ser um estóico afastado do 
mundo ou um iluminista radical. Talvez possamos reconhecer os aspectos positivos e objetivos 
que o iluminismo legou à nossa civilização sem, porém, acreditar que esse avanço nas condições 
materiais e sociais conduza à felicidade. A felicidade parece ser um pouco mais complicada do 
que isso.

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