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Fisiologia Veterinária II Digestão Fermentativa nos Ruminantes ESTRUTURA DO ESTÔMAGO DOS RUMINANTES Os ruminantes possuem o chamado pré- estômago, que são câmaras fermentativas com a presença de uma flora microbiana bastante diversificada. O trabalho fermentativo dessas câmaras permite que esses animais façam a digestão de carboidratos provenientes de vegetais, os quais outros mamíferos não conseguem aproveitar. Esse pré-estômago, também chamado de estômago não-secretor, é composto pelo rúmen, pelo retículo e pelo omaso. Entre essas câmaras, o rúmen- retículo vai ser o mais importante. No rúmen- retículo, o alimento pode ficar armazenado, e durante esse armazenamento, o alimento vai sofrendo o processo de fermentação. O estômago verdadeiro ou estômago secretor vai ser composto pelo abomaso, que se assemelha aos estômagos dos outros mamíferos. O abomaso possui as regiões do corpo, do fundo e do antro, e este promove a digestão proteica. INERVAÇÃO DO ESTÔMAGO DOS RUMINANTES A inervação do estômago dos ruminantes vai ser composta por fibras simpáticas e parassimpáticas do sistema nervoso autônomo, comunicando com o sistema nervoso intrínseco. Tanto a secreção quanto a motilidade, se dá majoritariamente via sistema nervoso intrínseco ou entérico, com as mesmas características dos outros mamíferos: plexos mioentérico e submucoso, gânglios e receptores localizados na mucosa e na submucosa, eventualmente fazendo comunicação com fibras vagais do parassimpático principalmente, e também com fibras do simpático provenientes dos gânglios celíaco e mesentérico, e vários outros nervos emergentes da medula toracolombar. O nervo vago vai inervar praticamente toda a extensão do TGI dos ruminantes. As fibras parassimpáticas vão participar do aumento da motilidade e da secreção, e as fibras simpáticas vão inibi-las. Há também a presença de mecanorreceptores nas células musculares lisas, que são sensibilizados pela distensão das vísceras pela presença do alimento, e também quimiorreceptores nas células epiteliais da mucosa do rúmen, do retículo e do abomaso, que são sensibilizados por substâncias ácidas ou alcalinas provenientes das moléculas alimentares. IRRIGAÇÃO DO ESTÔMAGO DOS RUMINANTES O estômago é altamente vascularizado, e essa irrigação é feita por ramos da artéria celíaca e da artéria hepática. A drenagem venosa se dá pela veia porta-hepática até a veia cava. MASTIGAÇÃO E DEGLUTIÇÃO O processo de mastigação nos ruminantes ocorre em dois momentos. Num primeiro momento, o animal faz a apreensão do alimento e faz uma mastigação muito rápida, quebrando os alimentos folhosos em partículas menores para serem deglutidas → fragmentação mecânica dos alimentos folhosos e sólidos. O segundo processo mastigatório é mais prolongado, e ocorre durante o processo de ruminação. Durante a mastigação, a produção de saliva é bastante abundante, ocorrendo através da estimulação de mecanorreceptores bucais. Nesse momento, também ocorre a mistura do alimento com a saliva, tornando esse ambiente já favorável à ação de micro-organismos que dependem de um meio líquido para o seu desenvolvimento. A partir daí, inicia-se então a deglutição, com as ondas de contração esofagianas, que irão propelir o alimento para o pré-estômago (rúmen, retículo, omaso) e também depois de volta no processo de retropropulsão na ruminação e eructação. SALIVAÇÃO NOS RUMINANTES A produção de saliva vai ocorrer nas glândulas salivares, com os mesmos estímulos vistos nas outras espécies: parassimpático e simpático atuando sobre as glândulas, produzindo a saliva por meio das células acinares, que segue através dos ductos incorporando íons bicarbonato até chegar na cavidade bucal. O volume de saliva produzido é muito expressivo nos ruminantes, chegando a uma produção diária de 60-160L. Isso é importante para que se mantenha o volume líquido necessário para os processos fermentativos ao nível do rúmen-retículo. Essa é uma secreção isotônica, com ausência de atividade da amilase, ou seja, não há o início da digestão de nenhum carboidrato durante o processo mastigatório. No entanto, essa saliva contém ureia, que auxilia na transformação dessa secreção isotônica em uma secreção alcalina (pH em cerca de 8,0): importante para o tamponamento dos AGVs (ácidos graxos voláteis) – produto do processo fermentativo – mantendo a homeostase do pH nas câmaras fermentativas. MOTILIDADE RUMINORRETICULAR Os movimentos serão regulados pelo sistema nervoso intrínseco, e eles vão seguir uma sequência muito ordenada, que será importante para a mistura do conteúdo presente do rúmen e no retículo. Esses movimentos vigorosos serão sempre no sentido retículo → rúmen, sendo aumentados imediatamente após a ingestão. Esse processo será importante para promover a estratificação do conteúdo alimentar. Ao mesmo tempo, partículas menores vão sendo transferidas para o omaso. A regulação dessa motilidade envolve fibras vagais (parassimpático – estimulador da motilidade) – regulação extrínseca, regulada pelo plexo mioentérico (regulação intrínseca) – formação das ondas lentas. Mecanorreceptores participam desse processo, estando presentes em quase todas as regiões (boca, pré-estômago, abomaso) e também quimiorreceptores (abomaso). Acredita-se que tenha também a participação do bulbo encefálico, coordenando esses movimentos na ordem em que eles ocorrem. Os movimentos de 1 a 16, promovem a mistura e a maceração do conteúdo alimentar, além de sua estratificação, facilitando o processo fermentativo. As últimas ondas contráteis (17 a 21) vão ser responsáveis pela fase da ruminação e da eructação (eliminação de gás presente nas câmaras fermentativas). ESTRATIFICAÇÃO DO CONTEÚDO RUMINORRETICULAR Pequenas movimentações específicas, muito bem ordenadas, ocorrendo no rúmen e no retículo, no saco dorsal e no saco ventral, fazem com que a parte mais líquida do alimento se deposite no saco ventral do rúmen, a parte mais pastosa fique entre as regiões dorsal e ventral, e o conteúdo mais sólido fique no saco dorsal. Nessa última porção, há ainda a separação dos gases do conteúdo alimentar. Aos poucos, partículas menores vão sendo transferidas para o omaso, através do orifício retículo-omasal. As partículas que ainda não passaram para o omaso, vão seguir pela zona de ejeção e passar novamente para a cavidade oral, onde irá ocorrer a remastigação. RUMINAÇÃO O processo de ruminação é o ato de remastigar o alimento, e esse é um processo integrativo, ou seja, acompanha grande parte da vida do animal (1/3 do seu tempo de vida). Esse processo tem um aspecto comportamental importante para esses animais (associado a períodos de sonolência/relaxamento), e vai ocorrer várias vezes ao dia, dependendo da dieta do animal. Esses eventos têm o envolvimento de centros de ruminação, mas ainda não se sabe ao certo sua localização (hipotálamo e conexões com o sistema límbico?). EVENTOS ORDENADOS DA RUMINAÇÃO 1. Contração extra do retículo, com abertura da cárdia e do esfíncter esofagiano inferior. 2. Regurgitamento do conteúdo pastoso presente no retículo (esôfago relaxado para receber esse conteúdo). 3. Formação de ondas de contração esofagianas no sentido oral (retropropulsão). 4. Fechamento da glote (evitando que o alimento siga pela laringe e trato respiratório). 5. Alimento é depositado na cavidade oral. 6. Inicia-se os movimentos mastigatórios regulares com mais adição de saliva. 7. Alimentos são macerados em partículas bem reduzidas. 8. Com deglutições regulares, o alimento retorna para o retículo (não sofrem fermentação novamente, seguindo direto para o omaso via orifício retículo-omasal). ERUCTAÇÃO A eructação consiste na eliminação de gases: durante o processo fermentativo, além da formação dos AGVs, há também a formação de uma quantidade significativa de moléculasgasosas (gás carbônico, nitrogênio e metano). A eructação é um mecanismo reflexo após as contrações secundárias do rúmen-retículo, que vai eliminar o acúmulo de gases da fermentação que se localiza na camada acima do volume fibroso, no saco dorsal do rúmen. Essa eliminação acontece em intervalos frequentes, entre 1 a 2 minutos, na seguinte ordem: 1. Propulsão de gases do saco ruminal para o cárdia; 2. Abertura do cárdia e esfíncter esofagiano inferior; 3. Onda de contração esofagiana oral; 4. Abertura do esfíncter esofagiano superior; 5. Gases em direção a boca. DIGESTÃO FERMENTATIVA Os ruminantes são capazes de promover hidrólise enzimática de grandes moléculas através de processos fermentativos promovidos pela flora microbiana presente nas câmaras fermentativas. Compartimentos fermentativos: pré-estômago dos ruminantes, porção proximal estômago glandular de suínos e de equinos, ceco/cólon dos equinos (mais importante, fermentação pós-gástrica). Todos esses compartimentos têm condições apropriadas para o desenvolvimento e multiplicação da flora microbiana (pH, temperatura, umidade, força iônica). A digestão fermentativa vai se dar através de uma população microbiana que conta com cerca de 28 espécies (protozoários, bactérias e fungos), que são, em sua maioria, anaeróbios. Esses micro-organismos mantêm uma relação de simbiose entre eles, importante para a manutenção de suas ações e número adequados. FLORA MICROBIANA RUMINAL BENEFÍCIOS DA DIGESTÃO FERMENTATIVA O benefício central da digestão fermentativa é a utilização de celulose como principal nutriente. Além disso, esses animais podem sintetizar proteína microbiana de alto valor biológico a partir de proteínas vegetais de baixo valor, e também a partir de nitrogênio não-proteico (ureia e derivados). Também ocorre a síntese microbiana de vitaminas do complexo B. PRINCIPAIS NUTRIENTES DA DIETA A parede celular das forragens pode conter celulose, hemicelulose ou pectina, que são carboidratos complexos. Mas todos eles podem sofrer o processo de hidrólise pelas celulases microbianas – enzimas presentes na parede das bactérias da flora microbiana que quebram essas grandes cadeias de carboidratos, transformando-as em cadeias menores (oligossacarídeos e em algumas vezes até monossacarídeos). A partir de outros degradadores da flora microbiana, esses oligossacarídeos são transformados em glicose e em outros açúcares, que podem sofrer absorção ou serem utilizados pelas próprias bactérias para sua sobrevivência e multiplicação. Esses açúcares são transformados em piruvato, NADH e ATP (energia para flora microbiana), que vão produzir os ácidos graxos voláteis ou AGVs (principais produtos energéticos para os ruminantes). ÁCIDOS GRAXOS VOLÁTEIS (AGVs) São representados pelo acetato, propionato e butirato (ácido acético, ácido propiônico e ácido butírico), sendo produtos do metabolismo anaeróbio microbiano, que podem variar de acordo com a dieta: dietas ricas em amido promovem uma maior produção de AGVs. SÍNTESE MICROBIANA DE VITAMINAS DO COMPLEXO B Subproduto da fermentação microbiana importante para o ruminante e para a flora. Necessita de um aporte adequado de cobalto. PRODUÇÃO DE GASES Produção máxima em torno de 2-4 horas após a refeição. Principais gases: CO2 (60%), CH4 (30-40%), H2S, H2 e O2. Sua eliminação vai ser dar pelo processo de eructação. ABSORÇÃO DOS AGVs A medida em que vão sendo produzidos, os AGVs vão sendo absorvidos pelas paredes do rúmen, do retículo e do omaso principalmente, nas folhas/lâminas omasais. Essa absorção se dá por meio de difusão, combinado com íons H+. Nas células epiteliais do omaso, ocorre a reação de hidratação do CO2, catalisada pela anidrase carbônica, formando íons H+ e HCO3-. O íon bicarbonato auxilia no tamponamento do pH ruminal, e o íon H+ se combina com os AGVs para sua absorção pelas células especializadas dos pré-estômagos. FUNÇÃO DO OMASO Além da absorção dos AGVs, o omaso também absorve água e eletrólitos devido à suas inúmeras folhas. Para que o material reticular passe pelo orifício retículo-omasal, ele precisa estar em partículas menores que 1mm, sendo importante o processo de ruminação. FUNÇÃO DO ABOMASO A função do abomaso consiste em secretar o ácido clorídrico (células parietais) e o pepsinogênio (células principais), que em meio ácido se converte em pepsina para degradar o conteúdo proteico dos alimentos. A digestão enzimática ocorre em um pH em torno de 3,0. A regulação da passagem do conteúdo para o duodeno através do esfíncter pilórico vai ser dar de forma lenta, pela ação da CCK (retarda o esvaziamento gástrico, abrindo o esfíncter pilórico de tempos em tempos para que o conteúdo do abomaso passe de uma forma mais lentificada, para que o duodeno esteja preparado de forma adequada com as secreções pancreáticas e biliares para receber o conteúdo ácido). OBS.: Parasitas no abomaso (Ostertagia): ↑ produção de gastrina → ulcerações. UTILIZAÇÃO DOS COMBUSTÍVEIS ENERGÉTICOS NOS RUMINANTES A maior parte dos carboidratos sofre fermentação nos pré-estômagos, gerando os AGVs. Pouca glicose vai ficar disponível para absorção no intestino delgado, porque grande parte vai ser utilizada pela flora microbiana (sobrevivência, multiplicação e trabalho de fermentação). Como esses animais necessitam da glicose para outras funções celulares de outros tecidos e sistemas, eles realizam um processo de gliconeogênese (fígado) constante a partir do propionato ou ácido propiônico que entra na circulação porta-hepática, e também a partir de aminoácidos absorvidos no intestino delgado. Afirma-se que esses animais fazem uma conservação da glicose: eles utilizam menos do que os outros mamíferos, para que se tenha um estoque em forma de glicogênio nas células musculares e hepáticas, para que seja utilizado em momentos de necessidade. DIGESTÃO NO RUMINANTE JOVEM O estômago dos ruminantes jovens não está formado do modo em que este se encontra na fase adulta, passando por um processo de crescimento e desenvolvimento. Da fase de recém-nascido (0 a 24 horas) até a fase de pré-adulto, na pós-desmama (8 semanas), eles vão ter uma mudança muito grande em sua estrutura estomacal. No animal recém-nascido, o maior compartimento do estômago é o abomaso (estômago secretor), e o pré-estômago é pequeno e afuncional, com papilas rudimentares, além disso, não apresenta flora microbiana. Nessa fase, a dieta do animal consiste apenas em colostro, alimento rico em imunoglobulinas (IgM), vitaminas (A, D, E) e minerais (Ca++ e Mg++). Nesse momento também há a ausência de secreção ácida, já que esta poderia digerir e inativar as imunoglobulinas. A digestão da lactose se inicia então no intestino delgado, quebrando-a em glicose e galactose. Na fase pré-ruminante (1 a 3 semanas), o alimento continua sendo apenas o leite. Nessa fase, a produção de saliva contém a esterase, uma enzima que inicia a digestão de lipídeos do leite. Também nessas primeiras semanas de vida do animal, ocorre o desenvolvimento da goteira esofágica, uma “calha” com origem no cárdia até orifício retículo-omasal que desvia o leite do rúmen. Quando o animal começa a sucção de leite, ocorre o reflexo da goteira esofágica: o início da mamada (estímulo) faz com que os músculos dessa estrutura fiquem projetados, formando um canal que desviará o leite diretamente para o abomaso. EVENTOS ORDENADOS DO REFLEXO DA GOTEIRA ESOFÁGICA 1. Estímulos: cefálicos (início da mamada) e quimiorreceptores na faringe. 2. Encaminhados para o bulbo encefálico (tronco cerebral). 3. Promove o reflexo do fechamento da goteira ou sulco reticular (contração e encurtamento dos músculos da goteira, formando um canal) e relaxamento do orifício retículo-omasal. 4. Desvio do leite para dentro do omaso, que vai rapidamente para o abomaso. No abomaso,o leite sofre a ação da enzima renina, que perde sua ação no estômago dos adultos. A renina vai promover a coagulação desse leite, separando-o em coágulo (gorduras e proteínas) e em soro (albumina e lactose). Cada um dos componentes do coágulo e do soro vai sofrer a ação de enzimas específicas no duodeno. As gorduras e proteínas vão sofrer a ação das lipases e das proteases, transformando-as em ácidos graxos e em glicerol. Já a albumina e a lactose vão sofrer a ação de proteases, mas também da lactase na mucosa duodenal, gerando glicose e galactose, e aminoácidos, dipeptídeos e tripeptídeos. Na fase transicional (3 a 8 semanas), o alimento principal ainda é o leite, mas há uma ingestão progressiva de forragem, estimulando o aumento da produção da saliva a partir dos movimentos mastigatórios. Inicia- se também a aquisição da flora microbiana (alimento e água “contaminados” por bactérias dos ruminantes adultos - saliva). A partir desse momento, há uma produção crescente de AGVs, importante para o desenvolvimento do rúmen (papilas ruminais) e da flora ruminal como um todo, além do desenvolvimento das folhas do omaso. Nessa fase, também se iniciam alguns movimentos ruminatórios, e a eructação já vai estar presente. Na fase de pré e pós-desmama (8 semanas – adulto), vai ocorrendo um declínio gradual da amamentação e uma maior dependência de forragens. Também há o estabelecimento completo da flora microbiana ruminal e dos ciclos de motilidade, e a substituição da renina pelo pepsinogênio no abomaso.
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