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NUTRIÇÃO DE RUMINANTES -resumo Telma Teresinha Berchielli Alexandre Vaz Pires Simone Gisele de Oliveira ❏ Anatomia e Fisiologia do trato gastrointestinal → Anatomia do Sistema Digestório Para alguns pesquisadores, a presença dos pré-estômagos tem colocado os ruminantes em posição de destaque entre os mamíferos. A fermentação microbiana ruminal faz com que o uso de alimentos relevantes para a espécie humana não seja competitivo quando se refere à nutrição de ruminantes. O processo adaptativo dos ruminantes esteve vinculado ao tipo de alimento disponível para sua alimentação. Assim, quanto menor capacidade do animal em aproveitar alimentos menos fibrosos, menor o desenvolvimentos dos pré-estômagos; contudo para aqueles que dependiam para sua alimentação de gramíneas e outros alimentos altamente fibrosos, o desenvolvimento dos pré-estômagos foi acentuado. Os bovinos estão classificados dentre esses últimos, por serem consumidores de diferentes tipos de forragens e por se encontrarem espalhados pelos diferentes pontos do globo terrestre. - Boca, língua, dentes, esôfago e glândulas anexas As presenças das glândulas na cavidade oral é fundamental para o processo mastigatório. A cavidade é recoberta por uma mucosa cutânea espessa e muito ramificada, que se exterioriza para o lábio superior e, nessa estrutura nasolabial, encontram-se glândulas serosas grandes. A musculatura para o movimento dos lábios é relevante não apenas no processo de apreensão, mas a contração muscular determina esvaziamento das glândulas mucosas, as quais estão presentes entre as fibras musculares. Nos bovinos, existe a glândula bucal ventral que possui múltiplas aberturas e desemboca no vestíbulo bucal. Este também recebe toda secreção da glândula parótida, via conduto parotídeo. A saliva produzida pela glândula parótida tem função especial para os bovinos. Outra característica da cavidade oral é o palato duro, o qual se liga intimamente à lâmina dental, por causa da perda evolutiva dos dentes incisivos dos bovinos. A língua dos bovinos apresenta características próprias, pois como o animal não é um consumidor seletivo de forragens, atua como um êmbolo, ou seja, atua no sentido de empurrar o alimento para a cavidade bucal e, posteriormente, na deglutição, para os demais segmentos do trato. A superfície da língua é grossa e cornificada na porção anterior e fina na face inferior. É interessante salientar que a distribuição dos botões gustativos nos bovinos não está na mesma proporção das papilas, podendo existir mais de um botão por papila circunvalada. Nos bovinos, o número de papilas circunvaladas é em torno de 8,0 para cada lado. Essa característica anatômica, comparada com outros ruminantes, parece conferir aos bovinos a seleção primária do alimento por meio da gustação e, em outros ruminantes, pelo olfato. Os bovinos não possuem incisivos superiores; do nascimento até a segunda semana de idade têm a dentição (temporária) totalmente eruptada (nascida). Essa erupção é variável e, aproximadamente 75% dos animais bem criados, nascem com todos os incisivos eruptados. A faringe é a porção central da cavidade bucal que conduz o alimento ao esôfago. Sua estrutura anatômica e funcional tem papel relevante para a mastigação e deglutição do alimento. A conexão entre faringe e retículo-rúmen é feita por meio do esôfago. É interessante salientar que nesse segmento há o controle voluntário, sendo utilizado em ambos os sentidos: oral-caudal e caudal-oral, face às necessidades fisiológicas dos bovinos. Por outro lado, é um segmento que se encontra entre regiões de diferentes pressões do trato digestório. Em decorrência do efeito trófico dos nutrientes, as dietas ricas em concentrado têm capacidade para reduzir a atividade de síntese e, com isso, acelerar o desenvolvimento estrutural do trato digestório. Dessa forma, autores têm mostrado que o desenvolvimento do trato pode caracterizar as fases para os ruminantes: 1) 0-3 semanas após o nascimento, caracterizado como a fase de não-ruminante, na qual há ingestão de colostro e leite materno. 2) Fase de transição entre a 3° e 8° semanas. 3) Após a 8° semana, quando há o desenvolvimento pleno do trato, passando o animal para a fase adulta de ruminante. - Pré-estômagos O estômago multi cavitário dos ruminantes deriva embrionariamente do estômago simples, o que, segundo alguns autores, evidencia o grande desenvolvimento evolutivo nesses animais. Os compartimentos, retículo, rúmen e omaso, com funções associadas ao processo fermentativo que ocorre nesses locais, têm como característica um epitélio não-glandular, sendo recoberto por epitélio mucoso, com capacidade absortiva. O abomaso tem similaridade com o estômago de monogástricos, apresentando um epitélio de revestimento com mucosa repleta de glândulas secretoras (ácidos, muco e hormônios). Considerando a característica alimentar dos ruminantes, em especial os bovinos, com ingestão de forragem (celulose, fibras de baixa ou nenhuma digestibilidade), os pré-estômagos (retículo, rúmen e omaso) têm função de reter o alimento nesses segmentos para a ação fermentativa dos microrganismos ruminais, que têm papel relevante na digestão das fibras, por meio da fermentação anaeróbica. Assim, quanto maior o tempo de permanência da digestão nos pré-estômagos, mais intenso será o processo fermentativo e a transformação desses nutrientes em ácidos graxos voláteis, produto final da fermentação anaeróbica. É importante salientar que o desenvolvimento dessas estruturas é causado pelo tipo de alimento que o animal consome. Considerando que o volume do retículo-rúmen está associado ao seu papel funcional, ou seja, à fermentação dos nutrientes, o tamanho do retículo-rúmen será tanto maior quanto mais forragem for adicionada à dieta do animal. Caso o bovino seja alimentado com dieta rica em concentrado, o tamanho (volume) do retículo-rúmen comparado com animal alimentado com forragem é menor. No entanto, essas estruturas de pré-estômago têm capacidade adaptativa em razão da dieta a que o animal é submetido. O abomaso é o estômago verdadeiro, glandular e com grande capacidade de digestão dos nutrientes. Durante a lactação, o abomaso é o compartimento do estômago de maior volume e, após a introdução da dieta sólida em sua plenitude, os pré-estômagos apresentam desenvolvimento acentuado. - Epitélio dos pré-estômagos As superfícies dos pré-estômagos têm características próprias, por causa do papel fisiológico no processo de digestão (fermentação microbiana) e absorção. O epitélio que reveste os pré-estômagos é escamoso estratificado com intensa cornificação, com papel importante na ação mecânica e protetora. A estrutura do epitélio também está associada à absorção. Não há no epitélio queratinizado completo, sendo diferente de outros epitélios em vários aspectos. No estrato basal, por exemplo, existem células com organelas (vesículas, ribossomos, mitocôndrias e vesícula de Golgi) que são relevantes na assimilação dos produtos derivados da fermentação ruminal, como ácidos graxos voláteis e amônia. A musculatura, sob inervação parassimpática, tem papel relevante na mobilidade do rúmen, estando o desenvolvimento da camada muscular associado ao tipo de alimento do animal, ou seja, quanto maior a quantidade de alimento fibroso ingerido, maior a necessidade de mobilidade ruminal e maior será o desenvolvimento da camada muscular. ● Rúmen O rúmen está dividido em sacos dorsal e ventral. Esses sacos são separados por pilares que são pregas musculares que se projetam na parede. A parte dorsal está dividida em saco cranial, saco dorsal e saco cego caudo ventral. O retículo-rúmen ocupa todo o lado esquerdo do abdômen e, dependendo do grau de enchimento, também se estende ventralmente ao lado direito. O epitélio do rúmen apresenta a musculatura da mucosa (musculaturalisa) e quatro estratos celulares: basal, espinhoso, granuloso e córneo. O rúmen possui, na sua estrutura, sulcos, nos quais se encontram vasos sanguíneos, linfáticos e tecido adiposo, sendo unidos no sentido horizontal, formando um anel, que divide a câmara fermentativa ruminal em dois sacos ruminais: dorsal e ventral. Além desses existem outros sulcos no sentido vertical subdividindo os sacos dorsal e ventral, formando os pilares os cintas que têm como função aumentar a capacidade contrátil, assim como a resistência da parede. A inserção externa dos compartimentos, em bovinos, ocorre por meio de inserção nos músculos sublombares e diafragma. Essa característica faz com que esses animais sejam sensíveis à contração ruminal, quando comparados com outros ruminantes de ingestão seletiva de alimentos. A capacidade contrátil dos compartimentos está na dependência da camada muscular. Existem nessas estruturas duas camadas musculares, mas com disposição diferente entre os segmentos. O controle da atividade contrátil está na dependência do sistema nervoso, especialmente sob controle do nervo vago. A mucosa do rúmen é formada por papilas cônicas que se projetam para a luz a partir da membrana mucosa. Essas papilas podem ter 1,5 cm de comprimento e conter um eixo de tecido conjuntivo altamente vascularizado, composto por fibras colágenas finas e fibras elásticas. O hábito alimentar dos ruminantes é que define seu número, distribuição e tamanho, pois essas estruturas estão na dependência da ação trófica dos alimentos sobre o desenvolvimento da mucosa. Os ruminantes que ingerem mais concentrados apresentam distribuição mais uniforme das papilas, existindo diferenças quanto ao seu número e tamanho, e que a área de superfície com relevâncias fisiológicas pode ser calculada como sendo: O processo adaptativo da mucosa ruminal (papilas, número, tamanho, distribuição) em consequência da nutrição do animal requer o período de três semanas. O mecanismo adaptativo da mucosa ruminal está associado a quantidade de ácidos graxos, butírico e propiônicos produzidos durante a fermentação bacteriana, sendo que a necessidade de maior contribuição de sangue para o processo absortivo induz, por intermédio de agentes tróficos e hormônios, maior atividade mitótica nas papilas. Por outro lado, quando a alimentação do ruminante é a base de fibras e a fermentação induz produção de grandes quantidades de ácido acético, ocorre a redução no tamanho das papilas. Por isso nos ruminantes que ingerem grandes quantidades de forragem (fibras), as papilas no rúmen, não apresentam distribuição uniforme.Deve ser salientado que, na parede dorsal do rúmen, não existem papilas, portanto não ocorre a absorção de produtos derivados da ação microbiana. A papila é recoberta de um epitélio delgado com células superficiais, as quais têm capacidade de dilatação de retração. A região central da papila é composta de um sistema vascular (vênulas e capilares) em paralelo, com fluxo sanguíneo derivado de uma arteríola central ou de uma ou duas arteríolas periféricas. Os ácidos graxos, que atravessam a barreira epitelial por difusão simples, alcançam o sistema vascular, o qual desemboca no sistema porta-hepático até o fígado. ● Retículo O retículo é aproximadamente esférico e está parcialmente separado do rúmen pela prepa ruminorreticular, que, quando contraída, forma um grande orifício entre o rúmen e o retículo. Por essa razão, o rúmen e o retículo operam como uma unidade funcional conjugada, apesar das claras diferenças anatômicas entre os dois compartimentos. A membrana mucosa do retículo tem numerosas pregas primárias que estão orientadas na forma de um retículo ou favos de mel. Essas pregas são denominadas cristas do retículo e delimitam espaços tetra, penta ou hexagonais, que recebem o nome de células do retículo. Cada retículo está subdividido em retículos menores com o fundo cheio de papilas córneas agudas. Essa formação de retículo desaparece perto do esôfago ou da prega ruminorreticular. A 3 ou 5 centímetros dessa última prega, a membrana mucosa apresenta disposição papilar similar ao do rúmen. O orifício retículo-omasal está situado na curvatura menor do retículo e apresenta papilas córneas peculiares. O sulco esofágico ou reticular, também chamado de goteira esofágica, é uma depressão da mucosa que se inicia no cárdia (orifício de entrada no rúmen) e termina no orifício retículo-omasal. As bordas do sulco são espessas e constituem os chamados lábios do sulco do retículo. Dependendo da idade do animal e do tipo de alimento a ser ingerido, esses lábios se fecham, formando um canal que conduz o alimento diretamente ao abomaso; caso contrário, o alimento cairá no rúmen ou no retículo para, posteriormente, chegar ao abomaso. Em animais lactantes, por exemplo, o leite é conduzido diretamente para o abomaso. ● Omaso A mucosa do omaso tem capacidade absortiva, corresponde a área da superfície a mais de 10% da existente no rúmen. É constituída de um epitélio escamoso estratificado, o qual tem capacidade de absorção similar às papilas existentes no rúmen. ● Abomaso O abomaso é constituído pelas regiões fúndicas, pilórica e corpo. A mucosa é retorcida em dobras (rugas) que correm em forma espiral longitudinalmente através da região fúndica e partes do corpo e estão ausentes na região pilórica. O seu campo de projeção na parede abdominal ventral é variável de acordo com a idade, sendo influenciado cranialmente pelas contrações do retículo e, caudalmente, durante a prenhez adiantada, pelo útero que que se projeta para frente. O abomaso tem característica similar à dos outros mamíferos, pois possui mucosa gástrica glandular e tecido não-glandular. Os ruminantes consumidores de alimentos mais ricos em proteínas (concentrados) possuem no abomaso uma porção glandular maior para secreção de HCl (células parietais) O estômago dos ruminantes também é altamente vascularizado, permitindo aumento do fluxo sanguíneo quando a digestão está ocorrendo e durante a absorção dos produtos finais. → Desenvolvimento dos pré-estômagos O tamanha relativo e o desenvolvimento da digestão gástrica nos compartimentos modificam-se com a idade. Ao nascer, os pré-estômagos são pequenos e não-funcionais. Eles apresentam 39% do total do estômago com base no peso úmido, não contêm microrganismos, e as papilas rumino reticulares e folhas omasais são muito rudimentares. O abomaso não secreta ácido nem pepsinogênio durante o primeiro dia, permitindo, assim, a absorção de imunoglobulinas sem serem digeridas. No bezerro recém-nascido, o retículo-rúmen, em conjunto, permanece em colapso e sem funcionamento enquanto a dieta for limitada ao leite. Isso porque, quando o leite passa através da faringe, estimula quimiorreceptores com vias aferentes do nervo glossofaríngeo. O impulso sensorial é integrado na medula oblonga e o impulso eferente vagal provoca fechamento do sulco reticular e relaxamento do orifício retículo-omasal e canal omasal. A contração do sulco reticular produz um tubo temporário que conecta os orifícios do cárdia e retículo-omasal, conhecido como goteira esofágica, desviando o leito do rúmen-retículo e terminando no abomaso onde sofrerá digestão enzimática. Durante o período de transição (3 a 8 semanas), os animais, além do leite, começam a ingerir maiores quantidades de alimentos fibrosos, os quais são responsáveis pelo início da secreção salivar e desenvolvimento ruminorreticular. Nessa fase, o retículo-rúmen acelera a colonização por microrganismos, principalmente pelo contato da saliva, eructação bolo ruminal e fezes de animais mais velhos. A produção de ácidos graxos voláteis (AGVs), é essencial para o desenvolvimento das papilas do rúmen e retículo e das folhas omasais. Ao final desse período (8 semanas), o retículo-rúmen terá as características, proporções,frequências e formas dos ciclos de motilidade da vida adulta. Além disso, o metabolismo intermediário é desviado da utilização de glicose para os AGVs, durante o período de transição, os pré-estômagos dobram seu tamanho relativo e o abomaso diminui para menos da metade. Portanto, com oito semanas de idade, a capacidade do retículo-rúmen é igual à do abomaso e, com 12 semanas de idade, esses compartimentos já apresentam aproximadamente o dobro da capacidade do abomaso. De acordo com pesquisadores, com cerca de um ano e meio de idade, o omaso é aproximadamente igual ao abomaso em capacidade e não ocorrem mais alterações da capacidade relativa das cavidades dos estômagos dos ruminantes. A nutrição exerce efeito marcante sobre o desenvolvimento dos compartimentos dos estômagos dos ruminantes, desenvolvimento das papilas ruminais e colonização por microrganismos. Em sistemas de criação em que os bezerros recebem pequena quantidade de leite na dieta, o desenvolvimento ruminal é favorecido. O consumo de alimento sólido, nas primeiras semanas de vida do bezerro, é o fator mais importante na transição de pré-ruminante para o ruminante adulto. Esse alimento, além de estimular o desenvolvimento do rúmen, permite também o aparecimento da população microbiana, resultando em alta atividade metabólica do rúmen. A formação das papilas é de extrema importância nutricional, pois aumenta a superfície absortiva do rúmen, no entanto a estrutura anatômica não é igual nos diferentes compartimentos estomacais. O desenvolvimento adequado das papilas está estreitamente relacionado ao hábito alimentar, disponibilidade e digestibilidade da forragem, e seu crescimento também é influenciado pela presença do concentrado na dieta. A utilização de sucedâneos do leite na alimentação de bezerros está associada à diminuição da idade ao desmame, reduzindo os custos da alimentação e, ao mesmo tempo, disponibilizando maior quantidade de leite ao consumo humano. O sucesso de ambos os processos, porém, depende do fornecimento de um sucedâneo do leite nutricionalmente adequado e palatável para estimular o desenvolvimento ruminal. Nesse sentido, conduziram experimento com bezerros da raça Holandês, distribuídos em três tratamentos: leite integral e dois tipos de sucedâneos comerciais. Após 60 dias de aleitamento, não foram verificadas diferenças no peso corporal e no desenvolvimento do rúmen, retículo, omaso e abomaso. No entanto, os animais alimentados com sucedâneos apresentaram menor altura de papilas ruminais. → Ruminação Uma particularidade do processo digestivo dos ruminantes é a ruminação, ou seja, o ato de remastigar o bolo alimentar. A ruminação exerce um efeito importante sobre a redução do tamanho das partículas dos alimentos e sobre o movimento do material sólido através do rúmen. O material regurgitado para a remastigação origina-se da porção dorsal do retículo e possui tamanho e gravidade característica na região pastosa. Nesse sentido, a ingesta que será ruminada não consiste em material grosseiro do rúmen e sim em material que já sofreu alguma atividade digestiva na zona sólida (região dorsal). A mastigação é dividida em duas etapas: a mastigação inicial e a ruminação. A primeira é rápida e sua função é conferir ao alimento tamanho que permita a deglutição, enquanto, na segunda, o bolo alimentar é regurgitado e remastigado até atingir tamanho adequado para posterior fermentação ruminal. A ruminação tem início com a regurgitação do bolo alimentar, que ocorre imediatamente antes da contração primária do rúmen. Há uma contração extra do retículo, com relaxamento do cárdia e uma inspiração profunda com a glote fechada. Essa atividade cria uma pressão negativa no tórax, favorecendo o movimento do alimento para dentro do esôfago. Quando o alimento entra no esôfago, surge uma onda anti peristáltica que leva o material cranialmente para a boca, iniciando a remastigação. Após a deglutição do bolo ruminado, segue-se uma pequena pausa, após a qual o processo se repete. O início da ruminação ocorre entre meia e uma hora e meia após a ingestão do alimento. O número e duração dos ciclos de ruminação dependem da estrutura (teor de fibra, tamanho das partículas), do número de refeições e da quantidade de alimento ingerido. Assim, podem ser observados, por dia, de 4 a 24 períodos de ruminação de 10 a 60 minutos cada, de maneira que até 7 das 24 horas podem ser gastas com a ruminação. Quando De acordo com pesquisadores, o tempo despendido com ruminação é influenciado pela natureza da dieta, em que alimentos concentrados reduzem o tempo de ruminação, enquanto forragens, com alto teor de parede celular, tendem a aumentá-lo. O teor de fibra foi positivamente relacionado ao tempo de ruminação e ao tempo de ingestão. O tamanho de partícula foi positivamente relacionado com a duração do tempo de ruminação e mastigação. → Intestino Os ruminantes apresentam tamanho de intestino proporcional ao comprimento corporal e tipo de alimentação rica ou não em fibras. Essa característica está associada ao fato de que há nos ruminantes uma câmara distal de fermentação (ceco) e um cólon espiral. Quanto mais o intestino, maior a capacidade de digerir fibras. Tem sido verificado que, quanto maior o tamanho do rúmen menor é o tamanho do intestino grosso, pois há maior capacidade ruminal de digerir as fibras. A estrutura histológica dos segmentos, ou seja, a mucosa intestinal assemelha-se à dos não-ruminantes. As vilosidades que estão presentes na mucosa são compostas por células absortivas (enterócitos), células secretoras de muco (células caliciformes) e células endócrinas. Os nutrientes têm relevante papel sobre o desenvolvimento, pois apresentam ação trófica e induzem o processo mitótico. Os vilos na mucosa podem atrofiar-se na ausência de nutrientes, pois o custo energético para o desenvolvimento da mucosa é extremamente elevado. Por outro lado, há fortes evidências de que em condições normais de nutrição, o turnover celular da mucosa intestinal é de 90-120 horas. Isso significa que a cada quatro dias ocorre a reposição completa de todas as células no intestino dos animais. O intestino grosso caracteriza-se pela ausência de vilosidades, com um número grande de células caliciformes produtoras de muco. → Manutenção do ambiente ruminal Os mecanismos fisiológicos dos pré-estômagos possibilitam a manutenção de padrões de fermentação benéficos ao hospedeiro. Essa é a razão pela qual o animal hospedeiro não tem controle direto sobre o metabolismo dos microrganismos no seu sistema digestório, mas são capazes de manter, dentro deste, condições que promovam o crescimento de bactérias, fungos e protozoários, favorecendo assim o processo fermentativo. Essas condições especializadas incluem: manutenção da temperatura, do pH, ausência de oxigênio, manutenção dos padrões de motilidade característicos do segmento ruminorreticular e a presença de microrganismos. Temperatura, pH e ausência de oxigênio nos pré-estômagos A temperatura do rúmen é mantida relativamente constante, ao redor de 39°C, pelos mecanismos homeostáticos dentro do hospedeiro. A temperatura da água consumida pode afetar a temperatura do rúmen e, consequentemente, a digestão e a fermentação ruminal. A ausência de oxigênio se faz necessária, uma vez que a digestão fermentativa ocorre em ambiente redutivo anaeróbico. O oxigênio, no entanto, penetra no rúmen aprisionado nos alimentos ingeridos com água ou por difusão do sangue. Porém, ele é rapidamente usado pelas bactérias anaeróbicas facultativas e/ou eliminado pela eructação, de modo que as concentrações ruminais são sempre baixas. Isso é essencial para a maioria dos microrganismos ruminais, os quais são anaeróbios estritos. Os microrganismos também necessitam de pH em faixa ideal para seu desenvolvimento. Os protozoários e bactérias celulolíticas necessitam de pH de 6,2, ou maisalto, enquanto as bactérias amilolíticas são ativas em condições mais ácidas com pH em torno de 5,8. Portanto o pH do fluido ruminal afeta a degradação dos alimentos e o seu valor ideal varia de 5,5 a 7,0. Para manter o pH do rúmen em níveis adequados, os ruminantes utilizam a saliva que é produzida em grandes quantidades. As glândulas parótidas são as responsáveis pela produção diária de 50% de saliva. Essa produção é estimulada pela mastigação da ingesta ou bolo ruminal, característica do alimento, estado fisiológico, etc. Os ruminantes produzem saliva isotônica comparada com o plasma sanguíneo, tendo concentração elevada de bicarbonato, fosfato e potássio e menores concentrações de sódio e cloro. O alto conteúdo salivar de HCO-3 e HPO-4 confere alta alcalinidade (pH=8,1), sendo um importante mecanismo para a neutralização dos ácidos graxos voláteis nos pré-estômagos. - Características e produção de saliva As glândulas salivares são compostas de 3 pares de glândulas principais (parótida, submaxilar e sublingual) e glândulas secundárias (parietais). Nessas glândulas existem células secretoras (células serosas e mucosas), as quais produzem secreção salivar específica. A principal glândula salivar, a parótida, apresenta alvéolos com células serosas e com exclusividade, enquanto as outras glândulas possuem nos alvéolos células serosas e células mucosas. A secreção das células serosas tem grande quantidade de água e proteínas. Já a secreção das células mucosas pe viscosa e com elevado teor de mucina. A quantidade de saliva secretada depende de vários fatores, dentre eles o tipo de alimento ingerido pelo animal. Alimentos ricos em água necessitam (ou induzem) de menor secreção salivar; já os alimentos ricos em fibras induzem a secreção de grandes volumes de saliva. - Controle da salivação A secreção salivar nos ruminantes está muito na dependência da presença do alimento na cavidade oral, não sendo evidente que haja ação reflexa da secreção salivar nesses animais. Assim, a preensão e mastigação do alimento têm forte papel na indução da secreção. Por outro lado, a ruminação também se constitui em um forte estímulo para ativar a secreção das glândulas salivares. - Motilidade do trato gastrointestinal As paredes dos pré-estômagos, em todos os níveis, são musculares e capazes de se movimentar, possuindo ações diretas sobre a ingesta (alimento). Dentre as ações estão: a) Empurrar o alimento de um local para outro b) Reter o alimento em um determinado local para digestão e absorção; c) Quebrar fisicamente o alimento e misturá-lo as secreções digestivas; A preensão e a consequente deglutição do alimento formam a primeira parte desse processo e constituem uma sequência ordenada de eventos que resultam no bolo alimentar misturado com a saliva o qual é empurrado para os pré-estômagos. As paredes do segmento ruminorreticular são musculares e possuem um extenso sistema nervoso, sendo capazes, portanto de realizar padrões de motilidade complexos e coordenados . Os receptores de estiramento nas paredes e, principalmente, nos pilares monitoram o volume do rúmen ou sua distensão. A distensão moderada aumenta a motilidade e a ruminação. o que tem um efeito sobre o tamanho das partículas, aumentando a velocidade da passagem pelos pré-estômagos. A consistência da ingesta também influencia a motilidade ruminal por meio dos receptores de tensão. Assim, dietas suculentas, em grãos ou finamente moídas, estão associadas à baixa tensão muscular com influência negativa (reduz), e a ingestão do material mais grosseiro, como feno secos e talos longos, tem um efeito positivo (aumenta) na motilidade ruminorreticular. Aparentemente, existem quimiorreceptores nas paredes do rúmen e do retículo que monitoram o pH, a concentração dos AGVs e a força iônica. Portanto o aumenta na concentração de AGV e o decréscimo do pH provocam supressão da motilidade ruminal. Quando o pH cai para menos de 5,0, a motilidade fica deprimida. Essa resposta é de natureza protetora, uma vez que a fermentação aumenta pela mistura do conteúdo ruminal; portanto a redução da motilidade torna o processo mais lento, permitindo que a absorção supere a produção dos AGV e consequentemente elevação do pH do rúmen. Dois padrões de motilidade ruminorreticular são geralmente descritos: contrações primárias ou de mistura e contrações secundárias ou de eructação. De acordo com Cunningham (1993): “ As contrações primárias se iniciam com uma contração dupla ou bifásica do retículo. Na primeira fase dessa contração reticular, o tamanho do órgão é reduzido para cerca da metade do normal, a segunda contração é forte, quase obstruindo a luz do retículo [...] O padrão de contração primária serve para misturar a ingesta e auxiliar na separação de partículas grandes e pequenas. As contrações secundárias, quando ocorrem, seguem-se imediatamente após as contrações primárias [...] A função da contração secundária é forçar o gás em direção a porção cranial do rúmen. Como essa contração movimenta o gás no sentido do cárdia, o saco cranial relaxa e o pilar cranial se eleva, permitindo que a ingesta líquida se afaste do cárdia e o gás possa entrar no esôfago e ser eructado.” Nesse sentido, as contrações do segmento ruminorreticular exercem importante influência sobre o fluxo da ingesta (líquido e sólido) através do rúmen. Pesquisadores observaram que partículas pesadas e pequenas em tamanho têm uma alta velocidade de passagem (menor tempo de retenção no trato digestório) do que partículas mais leves. A motilidade gastroduodenal pode ser influenciada por vários fatores, como a fome, natureza química do alimento, pH e o volume do conteúdo duodenal. Isso porque a velocidade com que o alimento deixa o estômago (abomaso) precisa igualar-se àquela com que possa ser digerido e absorvido no intestino. Tendo em vista que alguns tipos de alimentos podem ser digeridos e absorvidos mais rapidamente que outros, a velocidade com que o estômago esvazia pode ser regulada pelo conteúdo do intestino delgado. Esse controle reflexo do esvaziamento gástrico pelo duodeno é chamado reflexo enterogástrico. - Microbiologia ruminal Para que seja realizado o processo digestivo dos ruminantes, há a necessidade de colonização por microrganismos, uma vez que esses são essenciais para o processo de fermentação e digestão dos alimentos fibrosos que os ruminantes consomem. Essa colonização dos microrganismos, que forma a microbiota dos pré-estômagos, se dá imediatamente após o nascimento e aumenta durante as primeiras semanas de vida, até se tornar uma população predominantemente de bactérias anaeróbicas. O rúmen é um ecossistema aberto que fornece hábitat para o desenvolvimento dos microrganismos. Assim, o trato gastrointestinal dos ruminantes é colonizado por uma grande diversidade de microrganismos, estando presentes no rúmen uma das mais variadas e densas populações microbianas conhecidas na natureza. Os microrganismos responsáveis pelo processo de fermentação podem ser divididos em três grandes grupos: as bactérias, os fungos e os protozoários. - Ácidos graxos voláteis e uréia Os ácidos graxos voláteis (AGV) são produtos do metabolismo microbiano, sendo muito importantes para o hospedeiro, pois, sendo energéticos, suprem de 60% a 80% do requerimento energético dos ruminantes. Nesse sentido, é importante que o hospedeiro tenha boa capacidade de absorção desses AGVs. O epitélio dos pré-estômagos oferece um ótimo sistema que absorve quase todo o AGVs produzido, com escape de pequenas quantidades para as vias digestivas inferiores. Para isso, o epitélio ruminal é organizado em papilas, que possuem a mesma função de expansão da área que as vilosidades do intestino delgado, sendo o crescimento papilar estimulado pelos AGVs. Dietas com alta digestibilidade resultam em altas concentrações ruminais de AGV, o que estimulao desenvolvimento das papilas. Por outro lado, animais que recebem pouco alimento ou dietas de baixa digestibilidade possuem papilas ruminais curtas. O mecanismo molecular da absorção dos AGVs não está completamente entendido, entretanto parece envolver alterações locais no pH, próximo a superfície absortiva. A troca de íons sódio e hidrogênio pelas células epiteliais podem reduzir o pH local na superfície de absorção. Essa redução no pH faz com que a molécula de AGV passe do estado iônico para o de ácido livre. Uma vez que as membranas celulares no rúmen são permeáveis aos AGVs no estado de ácidos livres, a absorção se efetua por causa do gradiente de concentração entre a luz do pré-estômago e as células. Além do pH, a taxa de absorção dos AGVs é influenciada pelo tamanho da cadeia dos ácidos individuais, portanto ácidos de cadeia maior são absorvidos mais rapidamente (butírico>propiônico>acético). Todos os AGVs parecem ser absorvidos pelo mesmo mecanismo, sendo utilizados, no entanto, de forma diferente pelas células. Outro aspecto importante na fisiologia ruminal são os mecanismos de reciclagem de nitrogênio. O catabolismo protéico tem como produto a uréia, que é formada no fígado. Existem duas fontes de uréia hepática: na primeira, o nitrogênio provém da desaminação de aminoácidos endógenos; na segunda, o nitrogênio é absorvido como amônia no rúmen e chega ao fígado através do sistema porta-hepático de maneira muito eficiente por causa da toxidez da amônia, sendo essa a principal rota da amônia quando não é assimilada pelos microrganismos ruminais. A uréia é a principal forma pela qual os mamíferos eliminam os compostos nitrogenados. Nos monogástricos, praticamente, toda a uréia é excretada pelos rins, entretanto, nos ruminantes isso não ocorre. A uréia também pode ser secretada para dentro do rúmen de duas maneiras: uma através de uma absorção direta para o rúmen pelo sangue e a outra pela deglutição da saliva rica em uréia. Segundo pesquisadores, bovinos e ovinos podem secretar dentro do trato gastrointestinal cerca de 40% a 80% da uréia produzida no fígado. Uma vez no rúmen, a uréia é rapidamente transformada em amônia pela ação da enzima urease dando origem ao gás carbônico e à amônia. Determinadas bactérias promovem a combinação de amônia com os esqueletos de carbono (cetoácidos) resultantes da degradação dos carboidratos, sintetizando aminoácidos que são utilizados na constituição de sua proteína. Esse ponto é importante, pois a exigência protéica dos ruminantes é suprida principalmente pelos aminoácidos provenientes de proteína microbiana. O fluxo do nitrogênio não-protéico nos ruminantes, portanto, pode ser em direção ao rúmen, ou em direção ao fígado, como amônia. O que define a rota desse fluxo é a concentração de amônia dentro do rúmen. A concentração plasmática de uréia é diretamente relacionada à ingestão de compostos nitrogenados. Em situações em que o animal tem a sua disposição uma alimentação que proporcione uma elevada concentração de nitrogênio ruminal em relação aos carboidratos, esse sistema resulta em grandes concentrações de ureia sanguínea e grandes perdas de nitrogênio pela via urinária. Essa situação não é interessante economicamente, pois além do gasto energético para a formação da uréia em cerca de 12 kcal/g de nitrogênio há perdas de compostos nitrogenados, um componente generoso na alimentação do animal e uma redução na digestão de carboidratos. No entanto, em uma situação na qual o animal tem a sua disposição uma adequada disponibilidade de carboidratos em relação ao nitrogênio, o principal fluxo do nitrogênio é do sangue para o rúmen. Em tal condição, a concentração ruminal de amônia está baixa, e a maior parte da uréia sanguínea é oriunda do catabolismo endógeno protéico, portanto uma fração do nitrogênio que em monogástricos seria eliminada pelas vias urinárias. Nos ruminantes essa fração pode ser utilizada para a produção de proteínas microbianas e fornecer aminoácidos para o animal. → Digestão e absorção intestinal Após os processos fermentativos que ocorrem no rúmen, os nutrientes não-degradados no rúmen, como carboidratos, proteínas e gorduras, além da proteína microbiana, seguem para o abomaso e intestino delgado onde serão submetidos ao processo de digestão normalmente observado nos animais monogástrica. - Mucosa Intestinal Para que os processos de digestão e absorção possam ocorrer com maior eficiência, o epitélio intestinal deve apresentar grande superfície de contato. Por toda a extensão, a superfície da mucosa é coberta por vilosidades, que são projeções epiteliais digitiformes capazes de aumentar a superfície de contato em mais de 10 vezes em relação a uma superfície de mesmo tamanho. As vilosidades, por sua vez, apresentam em sua superfícies as microvilosidades (borda em escova) que aumentam ainda mais a superfície de absorção. Cada vilosidade apresenta em sua base as criptas de Lieberkuhn. A digestão é a quebra física e química de substâncias complexas em moléculas simples, que serão posteriormente absorvidas pelo epitélio intestinal e utilizadas pelos animais para a manutenção de suas atividades vitais e para crescimento. A digestão química dos carboidratos, gorduras e proteínas ocorre por hidrólise. Esse processo de hidrólise é catalisado por enzimas digestivas que se dividem em dois grupos: as que atuam no lúmen intestinal e as que atuam na superfície (enzimas de membrana). As enzimas que atuam no lúmen são provenientes das glândulas gastrintestinais, incluindo as salivares, e gástricas e principalmente o pâncreas. Portanto essas enzimas promovem a fase luminal da digestão, na qual o bolo alimentar é submetido à ação dessas enzimas no lúmen intestinal, geralmente, resultando em hidrólise incompleta dos nutrientes. A fase membranosa da digestão é realizada pelas enzimas de membrana que são quimicamente ligadas à superfície do epitélio do intestino delgado, promovendo a hidrólise dos polímeros remanescentes da fase luminal da digestão em monômeros que podem ser absorvidos através do epitélio. - Digestão de carboidratos As principais fontes de energia dos ruminantes são provenientes de cereais, como a aveia, cevada, milho, sorgo e trigo. Tradicionalmente, no Brasil, o milho é utilizado como energético na alimentação animal tanto pelo seu valor nutricional como pela alta disponibilidade para compra. Nos cereais, em média, o amido representa de 60% a 72% da matéria seca, podendo ser, que em dietas para vacas leiteiras, até 35% da matéria seca composta por amido. O amido, em sua maior parte, é fermentado no rúmen, portanto somente o amido não-degradado no rúmen é digerido no intestino delgado da mesma forma como ocorrem em outras espécies animais. - Digestão membranosa dos carboidratos As enzimas que atuam na fase membranosa são produzidas pelos enterócitos e estão quimicamente ligadas à membrana apical dos enterócitos. Dessa forma, os substratos que serão digeridos devem entrar em contato com essas enzimas na superfície intestinal que se encontra projetada na camada composta por: camada aquosa estacionária, muco e glicocálix. As enzimas responsáveis pela digestão dos carboidratos na fase membranosa são a maltose (digere maltose e maltotriose), a isomaltose (digere isomaltose) e a lactase (digere lactose). Portanto os produtos da digestão final dos carboidratos são monossacarídeos: glicose, galactose e frutose. - Digestão de proteínas Nos ruminantes, a maior parte da proteína que chega para a digestão abomasal e intestinal é a proteína microbiana proveniente da fermentação ruminal, sendo, portanto, importante a maximização da qualidade e quantidade dessa fermentação. Outra fração protéica que chega aos sítios de digestão é a proteína não-degradada no rúmen ou proteína sobrepassante. A digestibilidade intestinal da proteína é considerada constante.- Digestão membranosa das proteínas As peptidases, ou seja, as enzimas digestoras de peptídeos são produzidas e permanecem quimicamente ligadas aos enterócitos. Essas enzimas se projetam na luz intestinal na camada aquosa estacionária, no muco e no glicocálix e atuam hidrolisando os peptídeos resultantes da digestão luminal e gerando aminoácidos livres. Alguns peptídeos de cadeia longa são digeridos incompletamente, gerando dipeptídeos e tripeptídeos, que são absorvidos pelos enterócitos e, dentro dessas células, são digeridos por enzimas intracelulares. Os aminoácidos resultantes são absorvidos pela corrente sanguínea. - Absorção de carboidratos e proteínas A absorção envolve o movimento dos produtos da digestão através da mucosa intestinal até a corrente sanguínea para serem distribuídos para os tecidos onde serão utilizados. De forma geral, os mecanismos envolvidos na absorção podem ser passivos (sem gasto de energia) ou ativos (com gasto energético). Embora a água e alguns íons possam ser absorvidos por difusão passiva (sem gasto de energia) através dos enterócitos, os nutrientes orgânicos resultantes da digestão de carboidratos e proteínas não podem. Nesse sentido, o transporte ativo é uma das mais importantes formas de absorção desses nutrientes, conhecido como co-transporte de Na+. Na membrana basolateral dos enterócitos, existe a bomba sódio-potássio (Na+, K+) e a enzima ATPase que expulsa dos enterócitos três íons de Na+ para os espaços laterais e manda para dentro dos enterócitos dois íons de K+. Esse mecanismo ocorre com gasto de energia que está acumulada na forma de ATP. A bomba sódio-potássio e a enzima ATPase mantém o gradiente eletroquímico necessário para que ocorra a absorção. Ou seja, a membrana apical dos enterócitos fica polarizada com a superfície externa positiva e a interna negativa (gradiente elétrico), e a concentração de Na+ luminal é muito maior que a no interior dos enterócitos (gradiente químico). Ainda na membrana apical dos enterócitos, existem proteínas especiais para o transporte de glicose, frutose e aminoácidos. Essas proteínas apresentam sítios de ligação para esses nutrientes orgânicos e para o Na+. Quando esses sítios de ligação são preenchidos com Na+ e com um nutriente orgânico, ocorre uma modificação na conformação da proteína de transporte e ela se volta para o interior do enterócito aproveitando o gradiente eletroquímico favorável. Tanto o Na+ como os nutrientes orgânicos são liberados no interior do enterócito, e a proteína de transporte volta-se para a superfície luminal para transportar outros nutrientes. Os nutrientes orgânicos (glicose, galactose, frutose e aminoácidos) são transportados dos enterócitos para os espaços laterais por difusão facilitada em favor de um gradiente de concentração e, posteriormente, para a corrente sanguínea, enquanto o baixo teor de sódio intra-enterócito, necessário para a continuidade do processo de absorção, continua sendo mantido pela bomba sódio-potássio e a enzima ATPase na membrana basolateral. - Digestão de lipídios Os lipídeos biológicos constituem um grupo de compostos que, apesar de quimicamente diferentes entre si, exibem a insolubilidade em água como característica definidora e comum a todos, sendo solúveis em diversos solventes orgânicos, entre os quais o éter, o clorofórmio e o benzeno. A utilização de gorduras na dieta dos ruminantes pode trazer benefícios por causa da sua alta densidade energética, constituindo-se em uma importante fonte de energia em situações de alta demanda, tais como vacas leiteiras e bovinos de corte em confinamento. No entanto os efeitos negativos de suplementação de gordura são a redução da digestibilidade da fibra e o consumo de alimento. Os lipídios que chegam ao duodeno, em sua maior parte, estão na forma de ácidos graxos não estratificados, altamente saturados e ligados de forma não iônica às partículas dos alimentos como um complexo não solúvel. Dessa forma, essas alterações ocorridas nos lipídios dietéticos durante o metabolismo ruminal, especialmente as relacionadas ao grau de insaturação das gorduras, podem afetar a digestibilidade intestinal das gorduras. Normalmente, o coeficiente de absorção intestinal de ácidos graxos é de 80% para ácidos graxos saturados e de 92% para ácidos graxos insaturados em dietas convencionais, nas quais o teor de gordura varia de 2% a 3% de matéria seca. A digestão e absorção dos lipídeos podem ser divididas em quatro fases: emulsificação, hidrólise, formação e absorção de micelas. A emulsificação é o processo de redução das gotículas dos lipídeos em um tamanho que forme suspensões estáveis em água ou em soluções aquosas. Esse processo tem seu início no abomaso, onde os lipídeos são aquecidos à temperatura corporal e submetidos à intensa ação de mistura e agitação, decompondo os glóbulos lipídicos em gotículas que passam para o intestino delgado. No intestino delgado, a emulsificação se completa pela ação dos ácido biliares que solubiliza os lipídios em água por reduzirem sua tensão superficial, facilitando a ação da lipase e colipase pancreática. A hidrólise de triglicerídeos ocorre em virtude da ação combinada das enzimas pancreáticas lipase e colipase. A lipase é secretada em sua forma ativa pelo pâncreas, entretanto não pode atacar diretamente as gotículas lipídicas emulsificadas no intestino por causa da camada de produtos biliares que circunda as gotículas de lipídios. Assim, é necessária a ação da colipase, que abre uma passagem por entre os produtos biliares, permitindo à lipase o acesso aos triacilgliceróis. A lipase rompe a ligação dos ácidos graxos de cada extremidade da molécula do triacilglicerol, mas não ataca o ácido graxo central, resultando na formação de dois ácidos graxos livres e um monoglicerídeo, a partir de cada molécula de triacilglicerol hidrolisada. Os produtos da digestão lipídica hidrolítica combinam-se com os ácidos biliares e os fosfolipídeos, formando as micelas, pequenos aglomerados hidrossolúveis de ácidos biliares e lipídios. As micelas são consideravelmente menores que as gotículas de gordura emulsificadas, das quais se originaram. As micelas solúveis permitem que os lipídios se difundem através do lúmen intestinal para a camada aquosa estacionária, ficando em contato com a superfície de absorção da membrana apical. A estrutura para a digestão de gordura é bastante eficiente em bezerros jovens, como mostrado pela alta digestibilidade (94% a 97%) da gordura do leite, que varia de 3% a 9%. - Absorção de lipídios A absorção inicia quando as micelas se aproximam da superfície dos enterócitos e os diversos elementos lipídicos se difundem através do glicocálix para a membrana apical por proteínas ligadoras de ácidos graxos. Outros elementos micelares simplesmente se difundem pela membrana apical, por exemplo, monoglicerídeos, colesterol e vitaminas lipossolúveis. A membrana apical, como as outra membranas celulares, é composta principalmente de fosfolipídios. Os produtos altamente hidrofóbicos da digestão lipídica são solúveis na matriz fosfolipídica da membrana e podem, dessa maneira, difundir-se livremente através da membrana apical para a célula. Todos os componentes da micela difundem-se nos enterócitos, exceto os ácidos biliares, que atingem o íleo onde são reabsorvidos por co-transporte de sódio. Após a absorção, os ácidos biliares são transportados diretamente de volta ao fígado pelo sistema porta-hepático. O fígado vai extrair eficientemente os ácidos biliares do sangue porta, de modo que a quantidade dos ácidos biliares a circulação sistêmica é pequena. Os ácidos biliares são extraídos pelo fígado e são reciclados para a bile. Esse processo de reciclagem ocorre repetidamente e, assim, toda a massa de ácidos biliares no interior do organismo circula através do intestino várias vezes ao dia. Depois de atravessar a membranaapical, os lipídios são rapidamente captados por moléculas transportadoras (dentro dos enterócitos) e conduzidos intracelularmente para o retículo endoplasmático liso, onde os principais ácidos graxos são reesterificados e formam triacilgliceróis e fosfolipídios. Os ácidos graxos reesterificados são então estocados com o colesterol, lipídios dietéticos menos importantes e proteínas do retículo endoplasmático rugoso em estruturas conhecidas como quilomícrons. Os quilomícrons são estruturas esféricas com a parte central composta de triacilglicerol e éster de colesterol e, a superfície, de fosfolipídio e colesterol. Esses dois últimos dispõem-se com suas extremidades hidrofóbicas voltadas para os lipídios centrais e suas extremidades hidrofílicas voltadas para a superfície da partícula do quilomícron, tornando-o hidrossolúvel. Na superfície do quilomícron está presente pequena quantidade de moléculas proteicas que ajudam a estabilizar a superfície e também a dirigir o metabolismo da partícula. Depois de sua formação, os quilomícrons são expelidos da membrana basolateral para espaços laterais. Nos mamíferos, os quilomícrons são grandes demais para atravessar a membrana basal dos capilares intestinais, não sendo absorvidos pelo sistema sanguíneo intestinal. Em vez disso, os quilomícrons seguem através dos vasos linfáticos intestinais, que desembocam na veia cava.
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