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!2 FAZER CENAS Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema JOÃO NUNES Uma Edição QUARTO 237 !3 Direitos “Fazer Cenas: Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema” Autor: João Nunes Uma Edição Quarto 237 E-mail: joao@joaonunes.com Site: http://joaonunes.com Capa e paginação: J. L. Coelho Esta obra está protegida pela Lei e não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o meio utilizado, sem a autorização expressa do Autor e Editor. Qualquer transgressão à Lei do Direito de Autor será passível de procedimento judicial. O texto deste livro reflete apenas as opiniões do autor. Nenhum animal foi morto durante a sua escrita. © João Nunes - Quarto 237, 2017 !4 Índice Índice 4 ............................................................................................................................................... Prefácio 5 ............................................................................................................................................ Introdução 6 ....................................................................................................................................... O que faz o guionista 8 ...................................................................................................................... O que é um guião 10 ......................................................................................................................... A aparência de um guião 12 .............................................................................................................. Os elementos do drama 15 ................................................................................................................ Uma cena é uma mini-estória 18 ...................................................................................................... "O SILÊNCIO DOS INOCENTES" 20 .......................................................................................... O memorando de David Mamet 28 .................................................................................................. "CHINATOWN" 35 .......................................................................................................................... Um artigo de John August 43 ............................................................................................................ "ROMANCE PERIGOSO" 49 ......................................................................................................... Os Arquétipos 59 .............................................................................................................................. O formato do guião 63 ...................................................................................................................... Conclusão 73..................................................................................................................................... !5 Prefácio Há dois anos atrás, quando estava em Angola, alguns amigos que integram o coletivo de produção audiovisual Geração 80, convidaram-me a dar uma aula sobre a escrita de uma cena de cinema, no âmbito do seu programa interno de formação. "Fazer Cenas: Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema" é uma evolução do conteúdo que preparei para essa ação, adaptado ao formato escrito, e revisto e aumentado com algum conteúdo adicional. Os meus agradecimentos vão pois para a Tchiloia Lara, Jorge Cohen e Mário Bastos, os mentores da iniciativa, e para todos os jovens participantes nessa aula, tão cheios de sonhos e de energia, que tanto me inspiraram e ensinaram. !6 Introdução Neste pequeno livro "Fazer Cenas: Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema" vamos aprender as noções básicas de uma parte essencial do trabalho do guionista: escrever uma cena. Na realidade, escrever um argumento, guião, ou roteiro (vamos usar as três palavras como sinónimos, por simplicidade), é muito mais do que que a escrita das cenas. Estas são apenas o resultado final de um trabalho de desenvolvimento de personagens, relações, emoções, eventos e ações. Além disso, as cenas não são independentes entre si. Encadeiam-se umas nas outras, como elos de uma corrente, cada uma dependendo das que vieram antes, e influenciando as que se lhe seguem. Mas, para o efeito dos objectivos deste livro, vamos olhar apenas para esta etapa específica do trabalho do guionista: escrever a cena individual. Uma etapa que, em média, se repete duzentas vezes em cada guião. !7 Cada cena é um desafio gigante, com exigências próprias, que combina em partes iguais a arte do criador de estórias com a técnica do artesão das palavras. Muitos dos princípios fundamentais da escrita de uma boa cena, que vamos aprender aqui, são comuns ao desenvolvimento de uma boa estória. Afinal de contas, drama é drama, seja ao nível microscópico da cena, seja ao nível macroscópico do guião. !8 O que faz o guionista O guionista, ou roteirista no Brasil, é o profissional de cinema ou televisão a quem cabe a responsabilidade de criar a estória de um filme ou outra obra audiovisual, estruturá-la e, finalmente, escrevê-la, incluindo as descrições de todas as acções e os diálogos de todos os personagens. Com a excepção do raríssimo filme experimental, nenhum projecto audiovisual é filmado sem que haja um guião final - o chamado shooting script. Como tal o guionista é um dos primeiros membros da equipa a trabalhar num projecto. E sem ele terminar o seu trabalho, pouco mais pode ser feito. Nem o produtor consegue arranjar financiamento para o filme, nem o realizador pode planear a forma de o filmar, nem os actores podem começar a desenvolver os seus personagens. O guionista pode trabalhar por iniciativa própria, criando o chamado roteiro especulativo (ou spec script), ou por encomenda de uma empresa de produção audiovisual. Num caso ou noutro, a base do argumento pode ser uma ideia original, ou a adaptação de alguma estória ou !9 material pré-existente (de que se deverão ter os direitos): um romance ou peça de teatro, banda desenhada ou conto curto, jogo de vídeo ou, como no filme "Lego", um brinquedo de crianças. O resultado final será sempre o documento de que falaremos a seguir. !10 O que é um guião Um argumento, guião ou roteiro, é um documento escrito que descreve sequencialmente as cenas que compõem um filme e, dentro de cada cena, as acções e diálogos dos personagens, e todos os aspectos visíveis e audíveis relevantes que se poderão ver na tela. Na prática, o guião de uma longa metragem é um documento impresso, que tem normalmente entre 80 e 130 páginas. Se for escrita num formato correcto, cada página do guião corresponde, grosso modo, a um minuto de filme. Este é um valor médio que, obviamente, dependerá de muitos factores, tais como o tipo de estória, a relação entre ação e diálogos, e até o estilo de direção que o realizador adotar. Mas a relação 1 página=1 minuto é geralmente válida, e ajuda-nos a balizar as dimensões da estória que estamos a desenvolver. Se o nosso guião tiver 300 páginas, saberemos que vai ser muito difícil de vender, pois será um filme muito grande; se tiver apenas 50, dificilmente poderá ser convertido numa longa-metragem. !11 O guião não é o único documento produzido pelo guionista. Ele poderá também escrever sinopses, escaletas e tratamentos, que são documentos que ajudam a planear a estória e entender o filme. O formato do guião pode variar de país para país, e até de produtora para produtora, mas todos os guiões têm algumas coisas em comum. !12 A aparência de um guião Uma página de um argumento de cinema tem normalmente a aparência do exemplo apresentado de seguida, retirado do guião que escrevi para o filme "O Cônsul de Bordéus". !13 !14 Podemosreconhecer neste exemplo alguns dos elementos essenciais de um guião: - Os CABEÇALHOS, que definem onde cada cena começa (EXT. RUA DE BORDÉUS - TARDE); - Os parágrafos de DESCRIÇÃO DA ACÇÃO, onde é descrito tudo o que compõe a cena e o que nela vai acontecer - incluindo cenários, personagens, acções e movimentos, sons, efeitos, etc.; - Os NOMES dos personagens que falam (ESTHER e AARON); - Os seus DIÁLOGOS; - Algumas indicações específicas entre PARÊNTESES. Por exemplo: (gritando); - E, opcionalmente, as TRANSIÇÕES entre as cenas (não presentes neste exemplo). Mais adiante iremos ver cada um destes elementos com mais detalhe, pois precisaremos entendê-los bem para poder escrever correctamente uma cena. Mas primeiro vamos fazer um pequeno exercício prático: folheie as páginas de um jornal recente, para procurar notícias que tenham o potencial de dar uma boa estória. Podem vir de qualquer secção do jornal - do noticiário nacional e internacional, do crime, do desporto, até da necrologia. Seleccione a mais promissora. Tente identificar porque é que acha que essa notícia daria um bom filme, e escreva meia dúzia de linhas sobre isso. !15 Os elementos do drama O mais provável é que, na selecção de notícias que fez no exercício anterior, sob o critério subjectivo de que "dariam uma boa estória", encontremos alguns elementos em comum: - Centram-se numa pessoa ou num número reduzido de pessoas; - Descrevem algum tipo de problema ou dificuldade séria que essas pessoas enfrentam; - Mostram como essa pessoa ou pessoas resolvem, ou tentam resolver, esse problema. Isto acontece porque todos nós temos uma percepção instintiva dos elementos dramáticos que compõem uma estória interessante. Alguns de nós - os bons contadores de estórias - têm mais facilidade em aplicar esses elementos no dia a dia, mas todos temos a capacidade de os identificar naturalmente. Essa percepção não vem apenas do facto de estarmos permanentemente mergulhados em estórias, desde que nascemos e ao longo de toda a nossa vida. Vem da nossa própria identidade mais íntima como seres humanos. Os nossos antepassados, sentados em redor da fogueira há muitos milhares de anos, provavelmente ouviam estórias com os mesmos componentes essenciais sas nossas estórias atuais. !16 Uma estória satisfatória deve, pois, ter alguns elementos, que reconhecemos e apreciamos naturalmente: • Um protagonista ou protagonistas - alguém que conduz a ação; • Um problema ou desafio que esse protagonista enfrenta; • Consequências graves, para si ou para outros, se não o conseguir resolver; • Dificuldades e obstáculos que encontra no caminho da resolução; • E, finalmente, um resultado, positivo ou negativo, mas definitivo. Sem estes elementos não temos uma estória clássica; uma estória que satisfaça integralmente as nossas necessidades emocionais de identificação e projeção. Uma boa estória é aquela que mantém o espectador permanentemente na expectativa do que vai acontecer a seguir. Essa capacidade de manter o espectador curioso é o que caracteriza um bom guionista - aquele que tem um entendimento apurado dos mecanismos dramáticos e da psicologia do espectador. A criação de situações e oportunidades de conflito tem um papel fundamental para conseguir manter essa atenção. "Todo o drama é conflito. Sem conflito não há acção. Sem acção não há personagem. Sem personagem não há estória. E sem estória com certeza que não há guião." -- Syd Field Sem forças antagónicas em jogo; sem um protagonista que quer algo, e antagonistas e obstáculos que o atrapalham; sem recompensas a receber e dificuldades a ultrapassar; sem luta, dor e sofrimento, não há drama. E sem drama não há interesse, nem mesmo numa comédia. As melhores comédias têm, debaixo da capa açucarada do riso, os mesmos ingredientes dramáticos que qualquer outro filme. !17 Mas o conflito não basta. São também precisas surpresas. Conflito sem surpresas leva-nos ao território da agitação estéril e entorpecente; surpresas sem conflito conduzem-nos a filmes gratuitos e desinteressantes. A combinação inteligente desses dois elementos é que mantém o espectador preso à nossa estória. Drama = Conflito + Surpresas. !18 Uma cena é uma mini-estória Uma cena bem construída desempenha três funções dentro de um guião: • Faz avançar a estória; • Aumenta a tensão dramática; • Revela um pouco mais sobre a personalidade dos seus intervenientes. Idealmente, cada cena deve combinar estes três factores mas muitas vezes pode incluir apenas dois. Em certos casos, muito especiais, até pode cumprir apenas uma destas funções. Mas se uma cena não desempenhar nenhum destes papéis na estrutura do nosso guião, é a primeira candidata a ser cortada e sair. Para cumprir com estas altas expectativas uma cena tem de ter elementos em comum com uma boa estória. É como uma miniatura da estória maior, em que estão em funcionamento os mesmos elementos dramáticos que fazem o sucesso de qualquer narrativa. Devemos, pois, procurar incluir na cena elementos de conflito e de surpresa que garantam a sua plenitude dramática. !19 É isso que vamos desenvolver na secção seguinte. Mas primeiro vamos ler um excerto de uma das mais memoráveis cenas de tempos recentes, retirada do guião de "O Silêncio dos Inocentes", escrito por Ted Tally com base no romance de Thomas Harris. !20 "O SILÊNCIO DOS INOCENTES" por Ted Tally Baseado no romance de Thomas Harris INT. CORREDOR DO DR. LECTER - DIA PLANO EM MOVIMENTO - acompanhando Clarice, enquanto os seus passos ECOAM. No alto, à sua direita câmaras de vigilância. À sua esquerda, celas. Algumas são almofadadas, com estreitas fendas de observação, outras são normais, gradeadas. Nas sombras os ocupantes movem-se, MURMURANDO... Subitamente uma figura escura na penúltima cela lança-se na sua direcção, esmagando o rosto grotescamente contra as grades, e sibila. FIGURA ESCURA C-consigo chhheirar a tua buceta! Clarice retrai-se momentaneamente, mas continua a avançar. A CELA DO DR. LECTER entra lentamente no seu campo de visão... Atrás da sua parede frontal gradeada há uma segunda barreira com uma robusta rede de nylon... Algumas poucas mobílias aparafusadas ao chão, muitos livros de capa mole e papéis. Nas paredes, inúmeros desenhos artísticos, extraordinariamente detalhados, na sua maior parte de paisagens urbanas europeias, a lápis e carvão. Clarice pára a uma distância respeitosa das grades, e limpa a garganta. CLARICE Dr. Lecter... O meu nome é Clarice Starling. Posso falar consigo? O Dr. Hannibal Lecter está a descansar na sua cama, de pijama branco, a ler uma Vogue italiana. Vira-se, avaliando- a... Um rosto que não vê o sol há tanto tempo que parece ser sido passado na lixívia - exceto os olhos brilhantes, e uns lábios vermelhos e húmidos. Levanta-se suavemente e vem colocar-se à frente dela; o perfeito anfitrião. A sua voz é suave, educada. !21 DR. LECTER Bom dia. INTERCALA ENTRE OS DOIS conforme Clarice se aproxima mais um pouco. CLARICE Doutor, nós temos um problema difícil nos perfis psicológicos. Venho pedir a sua ajuda para um questionário. DR. LECTER Sendo que o "Nós" se refere à Unidade de Ciência Comportamental de Quantico. Você faz parte do pessoal do Jack Crawford, imagino. CLARICE Faço, sim. DR. LECTER Posso ver a sua identificação? Clarice fica surpreendida, mas pesca o seu cartão de identificação da bolsa, e ergue-o para inspecção. Ele sorri, tranquilizador. DR. LECTER Mais perto, por favor... Mais - perto... Ela obedece a cada indicação, tentando esconder o medo. As narinas do Dr. Lecter erguem-se, conforme ele aspira o ar, suavemente, como um animal. Depois sorri, e olha o cartão. DR. LECTER (continuando) Isso expira numa semana. Você não é FBI a sério, pois não? CLARICE Eu - ainda estou em treino na Academia. DR. LECTER O Jack Crawford enviou-meuma estagiária? !22 CLARICE Estamos a falar de Psicologia, não da Polícia. O doutor não pode avaliar por si mesmo se eu sou qualificada? DR. LECTER Mmmmm... Isso é muito ardiloso da sua parte, Agente Starling. Sente- se. Por favor. Ela senta-se numa cadeira-escrivaninha dobrável de metal. Ele espera educadamente até ela estar acomodda, e depois senta-se também, olhando-a com satisfação. DR. LECTER Vamos lá, então. O que é que o Miggs lhe disse? (ela fica baralhada) O "Miggs Múltiplo", na cela do lado. Ele guinchou-lhe qualquer coisa. O que é que ele disse? CLARICE Disse - "Consigo cheirar a tua buceta". DR. LECTER Estou a ver. Eu, pessoalmente, não consigo. Você usa creme de pele Evyan, e às vezes coloca L'Air du Temps, mas não hoje. No entanto, trouxe a sua melhor bolsa, não é verdade? CLARICE (pausa) Sim. DR. LECTER É muito melhor que os seus sapatos. CLARICE Talvez um dia eles consigam acompanhar. DR. LECTER Não tenho dúvidas disso. CLARICE (mexendo-se desconfortável) Estes desenhos são seus, Doutor? !23 DR. LECTER Sim. Aquele é o Duomo, visto do Belvedere. Conhece Florença? CLARICE Todo aquele detalhe, só de memória? DR. LECTER A memória, Agente Starling, é o que eu tenho em vez de uma janela. Uma pausa, e depois Clarice tira o questionário da sua pasta. CLARICE Dr. Lecter, se fizer o favor de considerar - DR. LECTER Não, não, não. Estava a ir tão bem, cortês e receptiva à cortesia, tinha conseguido estabelecer confiança admitindo a verdade embaraçosa acerca do Miggs, e agora essa passagem desajeitada para o questionário. Assim não chega lá. É estúpido e maçador. CLARICE Só lhe estou a pedir que olhe para isto. Ou o faz ou não o faz. DR. LECTER O Jack Crawford deve estar cheio de trabalho se já anda a pedir ajuda aos seus estudantes. Muito ocupado a caçar aquele novo, o Buffalo Bill... Que grande malandro! O Crawford mandou-a pedir-lhe a minha opinião sobre ele? CLARICE Não, eu vim porque precisamos - DR. LECTER Quantas mulheres já ele usou, o nosso Bill? CLARICE Cinco... até ao momento. DR. LECTER Todas esfoladas...? !24 CLARICE Parcialmente, sim. Mas, Doutor, esse é um caso em investigação, e não estou envolvida. Se puder - DR. LECTER Sabe porque lhe chamam Buffalo Bill? Diga-me. Os jornais não esclarecem. CLARICE Eu digo-lhe se olhar para este questionário. (ele reflete, depois acena) Começou como uma piada de mau gosto no departamento de homicídios de Kansas City. Comentaram ... que este gostava de esfolar as suas bossas. DR. LECTER Sem graça e sem sentido. Porque é que acha que ele lhes retira a pele, Agente Starling? Maravilhe-me com a sua sabedoria. CLARICE Porque o excita. A maior parte dos assassinos em série guardam algum tipo de troféus. DR. LECTER Eu não guardava. CLARICE Pois não. Comia-os. Um momento de tensão, seguido de um sorriso dele, face a este pequeno atrevimento. DR. LECTER Mostre-me lá isso. Ela passa-lhe o questionário através da gaveta deslizante das refeições. Ele ergue-se, dá uma olhadela, passando desdenhosamente uma ou duas páginas. !25 DR. LECTER Ó Agente Starling... acha que me consegue dissecar com este instrumentozinho rombo? CLARICE Não. Tinha só esperança que o seu conhecimento - Subitamente, ele empurra a gaveta de volta para ela, com um CLANG metálico que a faz saltar. A voz dele continua a ser um agradável ronronar. DR. LECTER Você é tãoooo ambiciosa, não é...? Sabe o que é que você me parece, com a sua bolsa cara e sapatos baratos? Parece uma saloia. Uma saloia bem escovada, esforçada, com um pouco de gosto... Uma boa nutrição deu-lhe ossos bem desenvolvidos, mas nem uma geração a separa dos saloios miseráveis, pois não, Agente Starling...? Esse sotaque que se esforça tanto por eliminar - pura Virgínia Oeste. O que era o seu pai, minha querida? Um mineiro do carvão? Tresandava a óleo da lamparina...? Ah, sim, quão depressa os rapazes repararam em si. Todos aqueles agarranços aborrecidos e pegajosos, nos bancos traseiros dos automóveis, enquanto sonhava em sair dali. Ir a qualquer lado - sim? Ir até ao fim - para o F... B... I... Cada palavra dele atinge-a como um pequeno dardo bem apontado. Mas ela cerra os lábios e não cede terreno. CLARICE Você é muito perceptivo, Dr. Lecter. Mas é suficientemente forte para apontar esse alto nível de percepção a si mesmo? Que tal fazer isso...? Olhar para si e escrever a verdade? (devolve a gaveta) Ou talvez tenha medo de o fazer. DR. LECTER Você é uma durona, não é? !26 CLARICE Um pouco. Sim. DR. LECTER E como odeia pensar que possa ser vulgar. Sim, isso ia doer! Bem, vulgar você não é, Agente Starling. Só tem o medo de o ser. (pausa) Agora terá de desculpar-me. Bom dia. CLARICE E o questionário...? DR. LECTER Um inspetor do Censo uma vez tentou testar-me. Comi o seu fígado com favas e um belo chianti... Voe de volta à sua escola, pequena Starling. Recua de costas, e depois regressa à sua cama, ficando tão imóvel e distante como uma estátua. Frustrada, Clarice hesita, até que finalmente coloca a bolsa ao ombro e parte, deixando o inquérito na gaveta. Mas apenas alguns passos depois, enquanto passa pela CELA DE MIGGS Vê a criatura de novo nas grades, sibilando na sua direção. MIGGS M-ordi o meu pulso para p-oder morreeeer! V-ês como está a sangraaaar? A figura sombria sacode a palma da mão na direção dela, e - CLARICE é salpicada no rosto e pescoço - não com sangue mas com pálidas gotas de sémen. Solta um pequeno grito, tocando com os dedos a humidade. Abalada, quase em lágrimas, força-se a endireitar-se e seguir caminho, procurando um lenço de papel. De trás dela, o Dr. Lecter interpela-a, muito agitado. DR. LECTER (O.S.) Agente Starling... Agente Starling! !27 Clarice abranda, e pára. Treme, mas faz a escolha difícil de virar-se, caminhar de volta, e parar em frente do - DR. LECTER Que está a tremer de raiva. Por um momento a sua expressão abre-se, e temos um vislumbre do próprio inferno. Mas logo se recompõe. DR. LECTER Não queria que isto lhe tivesse acontecido. A falta de cortesia é - simplesmente horrível para mim. CLARICE Então, por favor - preencha esse teste por mim. DR. LECTER Não. Mas vou fazê-la feliz... Vou dar-lhe uma hipótese de fazer o que mais gosta, Clarice Starling. CLARICE E o que será isso, Dr. Lecter? DR. LECTER Progredir, é claro. (pausa) Vá à Split City. Procure A Sra. Mofet, uma antiga paciente minha. M-O-F-E-T... Vá, agora. Vá. (um sorriso) Acho que o Miggs não consegue repetir, por muito maluco que seja - não acha? CORTA PARA: NOTA: A tradução é de minha responsabilidade. O texto é usado apenas para efeitos didáticos. !28 O memorando de David Mamet "Não há pozinho mágico que salve uma cena chata, inútil, redundante ou meramente informativa depois de sair dos vossos teclados. A vocês, escritores, compete garantir que todas as cenas são dramáticas." -- David Mamet David Mamet é um dos grandes argumentistas vivos. Um dos melhores. Um dos poucos cujos livros vale a pena ler mais do que uma vez. No meu blogue tive o prazer de traduzir um memorando que ele escreveu para um grupo de guionistas que estava a liderar num projecto de televisão. Esta secção será construída em cima desse texto, que é uma verdadeira aula de escrita de guião, e merece ser lido e estudado na íntegra. Diferenciar drama e não-drama O primeiro ponto que David Mamet salienta é que o objectivo de uma boa cena não é passar informação; é criar drama. Drama e informação não são sinónimos. "Mas tomem nota: os espectadores não vão procurar o nosso programa para ver informação. Vocês não o fariam. Eu não o faria. Ninguém o faria nem o http://joaonunes.com !29 fará. Os espectadores só vão sintonizar o nosso programa, e ficar sintonizados, para ver drama." Então,segundo Mamet, o que é drama? "Drama, uma vez mais, é a missão do herói para ultrapassar aquelas coisas que o impedem de alcançar um objectivo específico e premente." Estamos aqui completamente de acordo. Como vimos na secção anterior, o drama surge quando o protagonista - o herói - quer alguma coisa importante e encontra obstáculos no caminho. Isso deve acontecer ao nível de cada cena individual. Mamet defende mesmo que antes de escrevermos uma cena devemos responder a três questões: - Quem quer o quê? - O que acontecerá se não o conseguir? - Porquê neste momento? Estas questões têm algumas implicações muito interessantes. A primeira questão realça o facto de que não é só o protagonista que quer alguma coisa na cena; os restantes personagens, e especialmente os antagonistas, também têm os seus objectivos próprios. É quando estes objectivos são diferentes ou, melhor ainda, antagónicos, que surge o conflito e o drama. A segunda questão deixa em aberto a possibilidade do herói não conseguir o que deseja ou, pelo menos, de não o conseguir de imediato. Isso é condição necessária para que possam haver surpresas e para a progressão da estória. !30 A terceira questão recorda que uma cena é apenas uma parte da cadeia de eventos que compõem a estória. É consequência das cenas anteriores, e dá origem às cenas seguintes. Por isso, numa estória bem pensada e escrita, cada cena tem um momento certo para acontecer. "Cada cena tem de ser dramática. Isso significa: o personagem principal tem de ter uma necessidade simples, linear, e urgente que o/a impele a estar presente na cena. Essa necessidade é a razão para ter aparecido. É a razão de ser da cena. A tentativa do personagem satisfazer essa necessidade irá, no fim da cena, conduzir inevitavelmente ao fracasso – é dessa forma que a cena termina. Isso, o fracasso, é o que nos impele, naturalmente, para a cena seguinte. Todas estas sucessivas tentativas constituirão, quando juntas, o enredo do episódio." Estamos pois perante um mecanismo relativamente simples de entender: - Na situação inicial da cena os personagens têm objectivos claros e diferentes; - O conflito nasce da contradição desses objectivos; - Do resultado desse conflito gera-se uma nova situação, que determina a continuação da estória. Por exemplo, na cena que lemos anteriormente de "O Silêncio dos Inocentes", a jovem agente-estagiária do FBI tem um objectivo: interrogar o perigoso Dr. Hannibal Lecter com vista a que ele preencha um questionário de perfil psicológico. Lecter, por sua vez, tem objectivos de curto e longo prazo. No curto prazo, quer apenas animar um pouco a sua monótona vida de prisioneiro de alta segurança; no longo prazo, pretende escapar dessa situação. !31 O resultado é um jogo de perguntas e respostas em que cada um vai dando alguma informação, sonegando outra, exigindo outra ainda em troca. No fim da cena Clarice não consegue o seu objectivo explícito na cena, mas Hannibal Lecter dá-lhe algo mais valioso: informações sobre o caso de um outro psicopata, levando Clarice para a trama central do filme. Essas informações fazem avançar a estória para a etapa seguinte. Cumprem-se dessa forma as três funções da cena: faz avançar o enredo; aumenta a tensão dramática; e revela muita coisa, tanto sobre o caráter de Clarice como de Lecter. Qualquer cena, pois, que não faça simultaneamente avançar o enredo e não se sustenha por si só (ou seja, pelos seus próprios méritos dramáticos) ou é supérflua ou está mal escrita. Uma coisa muito importante é não confundir conflito com discussão. Na cena analisada Clarice e Lecter não precisam estar aos berros ou a lutar para que a cena tenha conflito e drama. As palavras, e as ideias por trás delas, são suficientes para criar uma enorme tensão dramática. A cena inclui também uma surpresa final, introduzida através de um outro paciente, que muda a atitude de Lecter e introduz uma importante viragem na cena e na estória. Recordo: Drama = Conflito + Surpresas O perigo da exposição Outra coisa que David Mamet não se cansa de alertar é para o perigo das cenas que se destinam meramente a passar informação necessária para compreender a estória. Chama-se a esse tipo de informação EXPOSIÇÃO. Vejamos um exemplo. Imaginemos que um dos personagens de uma estória é paraplégico e é importante ficarmos a saber quais as circunstâncias em que ele ficou assim. A maneira errada de o fazer seria colocar outro personagem a dizer-lhe: "Ó Pedro, que pena teres ficado paraplégico num acidente !32 automóvel em que estavas a perseguir o teu pior inimigo. Se não fosse isso podíamos agora ir os dois atrás dele". Uma maneira melhor de dar essa mesma informação poderia ser, por exemplo, com a cena seguinte: INT. GABINETE DA PJ - DIA Pedro está sentado na sua cadeira de rodas junto à janela. Rui aproxima-se dele. Traz um envelope de correio na mão. Pedro aceita-o, retira a carta do interior, e lê-a em silêncio, sem demonstrar qualquer emoção. Quando termina volta a guardar a carta e olha pela janela. RUI E então - o que é que diz? PEDRO O que é que esperavas? RUI Não vão pagar-te? Nem o carro? Pedro olha para Rui com um sorriso irónico. PEDRO O seguro particular não cobre perseguições policiais. Nem tem de cobrir, realmente. Não é da conta deles. RUI Filhos da mãe! Se fosse para salvar a pele, já te pagavam tudo. Filhos da-- PEDRO (interrompendo) Guarda essa raiva para apanhar o Morais. Vais ter de o caçar sozinho. Devolve a carta a Rui. PEDRO E usa sempre o carro do departamento. !33 Não será uma cena brilhante, mas transmite exactamente a mesma informação de uma forma mais natural, subtil e, atrevo-me a dizer, interessante. A tarefa do guionista é precisamente encontrar maneiras de passar a informação necessária dentro do contexto da tensão dramática. "Alguém tem de fazer com que a cena seja dramática. Isso não é tarefa dos atores (a tarefa dos atores é serem verdadeiros). Não é tarefa dos realizadores. A tarefa deles é filmar a cena sem complicar e lembrar os atores para falarem depressa. É a vossa tarefa." Escrita visual A pequena cena anterior também serve para demonstrar a preocupação com que Mamet termina o seu texto: “Lembrem-se de que estão a escrever para um meio visual. A maior parte da escrita para televisão, incluindo a nossa, soa a rádio. A câmara pode dar as explicações por vocês. Deixem-na fazê-lo. O que é que os personagens estão a fazer – literalmente. Onde é que mexem, o que estão a ler. O que assistem na televisão, o que estão a ver. Se fingirem que os personagens não podem falar, e escreverem um filme mudo, estarão a escrever drama de primeira categoria.” A escrita para cinema e para televisão é uma escrita especial, porque se destina a ser transformada em imagens, sons, palavras, movimentos, expressões. Devemos pois aproveitar todos esses recursos para mostrar o que queremos contar. Há cinéfilos que consideram que o cinema, no que tem de mais específico e original, terminou com a chegada dos filmes sonoros. É uma posição radical e exagerada, mas não deixa !34 de ter uma pontinha de verdade. Todos os elementos constituintes da linguagem cinematográfica já estavam desenvolvidos e eram praticados no início do século XX, nos que agora chamamos de filmes mudos. É evidente que o som ampliou as possibilidades dramáticas do cinema, como pudemos ver na cena de "O Silêncio dos Inocentes", e como veremos na cena com que termina esta secção. Mas só temos a ganhar se explorarmos todo o potencial narrativo da linguagem cinematográfica antes de recorrermos às palavras. Vamos ler então a cena seguinte, retirada do filme "Chinatown", escrito por Robert Towne, e façamos um pequeno exercício. Aplicar a esta cena o teste com que David Mamet termina o seu texto: "Termino com o pensamento nuclear: olhem para a cena e perguntema vós mesmos "Está dramática? É essencial? Faz avançar o enredo?" !35 "CHINATOWN" Escrito por Robert Towne EXT. CASA DO BUNGALOW – ESTRADA DE ADELAIDE Gittes estaciona o Buick de Mulwray. Corre para a porta da frente e bate com força. O empregado chinês abre a porta. EMPREGADO CHINÊS Espere aqui. GITTES (frase curta em chinês) Espere você. Gittes empurra-o e passa por ele. Evelyn, com um aspecto um pouco cansado mas contente por o ver apressa-se a chegar à porta. Agarra no braço de de Gittes. EVELYN Como estás? Estava a ligar para ti. Olha para ele, procurando no seu rosto. GITTES Sim? Passam para a sala. Gittes vai olhando em redor. EVELYN Conseguiste dormir? GITTES Claro. EVELYN E almoçaste? O Kyo will pode preparar alguma coisa. GITTES (abruptamente) Onde é que está a miúda? EVELYN Lá em cima. Porquê? !36 GITTES Quero vê-la. EVELYN ...está a tomar banho... porque é que a queres ver? Gittes continua a olhar à volta. Vê roupas preparadas para embalar num quarto que dá para a sala. GITTES Vão para algum lado? EVELYN Sim. Temos que apanhar o comboio às 4:30. Porquê? Gittes não responde. Vai ao telefone e marca um número. GITTES J. J. Gittes para o Tenente Escobar EVELYN O que é que estás a fazer? O que é que se passa? Disse-te que temos de apanhar o das 4:30. GITTES (interrompendo-a) Vão perder esse comboio! (para o telefone) Lou, vem ter comigo a 1412 Adelaide. é acima do Santa Monica Canyon... sim,logo que possas. EVELYN Porque é que fizeste isso? GITTES (um momento, e depois) Conheces bons advogados de direito criminal? EVELYN (baralhada) Não... GITTES Não te preocupes. Posso recomendar alguns. São caros mas tu podes pagar. !37 EVELYN (neutra mas com grande raiva) De que raio se trata isto? Gittes olha para ela, e depois tira o lenço do bolso da frente do casaco. Desdobra-o na mesa da sala, revelando os óculos bifocais, com uma lente ainda intacta. Evelyn olha-os sem reacção. GITTES Encontrei isto no teu quintal. No lago dos peixes. Pertenciam ao teu marido, não é verdade?... não é verdade? EVELYN Não sei. Quero dizer, provavelmente sim. GITTES Com certeza que sim. Foi lá que ele se afogou... EVELYN O que é que estás a dizer? GITTES Não está na altura de se mostrar chocada com a verdade, Sra. Mulwray. O relatório do médico- legista prova que ele foi morto em água salgada. Pode acreditar nisso. Agora só quero saber quando e como isso aconteceu. E quero saber antes do Escobar chegar aqui, porque gostava de ficar com a minha licença. EVELYN Não sei do que é que estás a falar. Iso é a coisa mais louca... a coisa mais maluca que alguma vez... Gittes está num estado de grande agitação. Levanta-se e abana-a. GITTES Pára! vOu tornar isto mais fácil para ti. Estavas com ciúmes, lutaram, ele caiu, bateu com a cabeça. Foi um acidente mas a sua miúda viu tudo. Tiveste de lhe !38 pagar para se calar. Não tens estômago para lhe fazer mal, mas tens dinheiro para a silenciar. Sim ou não? EVELYN ...não... GITTES Quem é ela? E não me venhas com tretas de ser tua irmã. Não tens nenhuma irmã. Evelyn treme descontroladamente. EVELYN Eu digo-te a verdade... Gittes sorri. GITTES Isso é bom. Como é que ela se chama? EVELYN Katherine. GITTES Katherine?... Katherine quê? EVELYN Ela é minha filha. Gittes olha-a fixamente. Está carregado de raiva e quando Evelyn diz isto, explode. Dá-lhe uma estalada no rosto. Evelyn continua a olhar para ele. O golpe arrancou-lhe lágrimas, mas não se mexe, nem para se defender. GITTES Quero a verdade! EVELYN É minha irmão. Gittes esbofeteia-a de novo. EVELYN É minha filha. Gittes esbofeteia-a de novo. EVELYN Minha irmã. !39 Bate-lhe de novo. EVELYN Minha filha, minha irmã. Derruba-a finalmente, atirando-a para cima de um vaso chinês barato, que se desfaz, e ela deixa-se cair no sofá, soluçando. GITTES Eu disse que queria a verdade. EVELYN (quase a gritar) Ela é minha irmã e minha filha! Kyo surge a correr nas escadas. EVELYN (continuando; em chinês) Por amor de Deus, Kyo, não a deixes descer, volta para cima! Após fitar Gittes por um momento Kyo vira-se e sobe as escadas de novo. EVELYN O meu pai e eu, compreendes, ou é muito difícil para ti aceitar isso? Gittes não responde. EVELYN ...ele teve um colapso nervoso... a barragem rebentou... a minha mãe morreu... ele tornou-se uma criança... eu tinha quinze... ele perguntava-me oq ue devia comer ao pequeno-almoço, que roupas vestir!... E então aconteceu... e eu fugi... GITTES Para o México... Ela abana a cabeça afirmativamente. EVELYN O Hollis apareceu e tomou... conta de mim... depois dela nascer... ele disse... ele tomou conta dela... eu não podia vê-la... eu queria mas não podia... só queria vê-la de vez !40 em quando... cuidar dela... só isso... mas não quero que ela saiba... não quero que ela saiba... GITTES ...então é por isso que o odeias... Evelyn levanta lentamente o olhar para Gittes. EVELYN Não... por me ter virado as costas depois disso acontecer! Ele não conseguia encarar os factos... (chorando) Odeio-o. Gittes sente uma necessidade súbita de alargar a gravata. GITTES Sim... para onde é que a estás a levar agora? EVELYN De volta ao México. GITTES Não podes ir de comboio. O Escobar'll via procurar-te em todo o lado. EVELYN E de avião? GITTES Pior ainda. Desaparece daqui. Põe- te já a andar, deixa tudo. EVELYN Tenho que ir a casa apanhar as minhas coisas. GITTES Eu trato disso. EVELYN Para onde é que podemos ir? GITTES ...onde é que o Kyo vive? EVELYN Connosco. !41 GITTES Nos dias de folga. A sua morada exacta. EVELYN Okay... Pára de repente. EVELYN Não eram do Hollis. Por um instante Gittes não sabe do que ela está a falar. Depois segue o seu olhar até aos óculos pousados no lenço. GITTES Como é que sabes? EVELYN Ele não usava bifocais. Gittes pega nos óculos, olha para lente, fica perdido por alguns momentos. EVELYN Das escadas. Tem o braço à volta de Katherine. EVELYN Diz olá ao Sr. Gittes, querida. KATHERINE (das escadas) Olá. GITTES Levanta-se abalado do braço do sofá. GITTES Olá. Com o braço à volta da rapariga, e falando em Espanhol, apressa-a na direcção do quarto. Aparece passado alguns momentos. EVELYN (falando para baixo) Ele vive 1712 Alameda... sabes onde é? REACÇÃO – GITTES !42 Acena afirmativamente, devagar. GITTES Claro. É em Chinatown. NOTA: A tradução é de minha responsabilidade. O texto é usado apenas para efeitos didáticos. !43 Um artigo de John August Já vimos que uma cena é como uma mini-estória, com os mesmos princípios dramáticos em funcionamento. Já vimos quais as questões a colocar para garantir que esses princípios dramáticos são aplicados. Vamos agora entrar num campo um pouco mais prático, analisando a forma de planear a cena antes de a escrever. Para esse efeito vamos apoiar-nos num artigo de um outro importante guionista, o americano John August, conhecido pelas suas colaborações com Tim Burton, entre as quais o excelente "Big Fish". John August tem um óptimo blogue no qual já publicou uma enorme quantidade de informação útil. É um recurso indispensável para quem domine a língua inglesa. Entre os seus artigos mais populares encontramos este texto sob o seu método para escrever uma cena, que passaremos a analisar. Dez etapas para escrever a cena !44 É muito importante perceber que as dez etapas que John August recomenda são apenas indicativas. Cada guionista tem um processo mental próprio, desenvolvido ao longo do tempo, com variações deste sistema. Ao fim de muita prática a maior parte dos guionistas deixa de pensar analiticamente nestas etapas (se alguma vez o fez) e integra-as naturalmente no seu processo de escrita. Mas tendo em conta os objectivosdeste livro é importante adoptarmos um método, e este é tão bom quanto qualquer outro. As dez etapas (mais uma) são, então, as seguintes: 1. Pergunte: O que tem que acontecer nesta cena? 2. Pergunte: Que mal aconteceria se esta cena fosse omitida? 3. Pergunte: Quem tem que estar na cena? 4. Pergunte: Onde é que esta cena pode decorrer? 5. Pergunte: Qual é a coisa mais surpreendente que poderia ocorrer nesta cena? 6. Pergunte: É uma cena longa ou curta? 7. Imagina três formas diferentes de a começar. 8. Visualize a cena na sua cabeça. 9. Escreva um rascunho da cena. 10. Escreva a cena completa. 11. Repita 200 vezes (para ter um guião). Passo a passo Vejamos então cada etapa mais detalhadamente. 1. Pergunte: O que tem que acontecer nesta cena? !45 Isto liga-se com o que vimos na secção anterior. Cada personagem entra na cena com objectivos definidos, que vai tentar alcançar. No artigo, John August aparenta discordar da opinião de Mamet. Argumenta que devem ser os guionistas a mandar na cena, e não os personagens. É tudo uma questão de semântica - no fundo, somos sempre nós, os autores, que decidimos quais são os objectivos dos personagens e se eles os vão alcançar ou não, em função do curso que queremos dar à estória. Isso tem de estar definido antes de começarmos a escrever a cena. 2. Pergunte: Que mal aconteceria se esta cena fosse omitida? Se nada de mal acontecer se retirarmos a cena, então o melhor é retirá-la mesmo; nada de importante está a acontecer nela. Pode até ser dramática ou divertida, mas não faz falta. Nesse caso é melhor passar o que ela tem de bom para outras cenas que façam falta. 3. Pergunte: Quem tem que estar na cena? O facto de termos muitos personagens não implica que os tenhamos de usar em todas as cenas. Parte da arte do guionista é definir quem entra em cada cena, e o que está a fazer lá. Se, por imposição da lógica da estória, tivermos de ter vários personagens na cena, é bom encontrarmos formas de tornar a sua presença relevante e interessante. Isso pode passar por dar- lhes coisas para fazer ou dizer no decurso da cena. 4. Pergunte: Onde é que esta cena pode decorrer? Nem sempre podemos escolher onde uma cena vai decorrer. Por vezes por uma questão de lógica da estória, a cena tem de ocorrer num determinado local. Outras vezes, por questão de limitações de produção, somos obrigados a usar determinados sítios. Mas quando podemos escolher, muitas vezes vamos pela solução mais óbvia ou natural. E esta nem sempre é a que mais valoriza a cena. Antes de escrever a cena devemos pensar em !46 várias opções de localização que sejam adequadas mas possam acrescentar valor - interesse, drama ou surpresa. 5. Pergunte: Qual é a coisa mais surpreendente que poderia ocorrer nesta cena? Este é o passo mais original que John August sugere, mas pode conduzir a resultados muito interessantes. Consiste em esquecer um pouco os objectivos que definimos para a cena e fazermos um pequeno jogo: imaginar a coisa ou coisas mais surpreendentes que poderiam acontecer durante a cena. Estamos a falar aqui de eventos realmente inesperados - por exemplo, um carro irromper pela parede. Em 90% dos casos será apenas um jogo e uma forma de mantermos acesa a imaginação durante a fase da escrita, mesmo que não aproveitemos as ideias. Em 9%, poderá conduzir a versões mais interessantes e provocadoras das cenas que tínhamos imaginado. E no 1% que sobra pode originar situações realmente originais e memoráveis. 6. Pergunte: É uma cena longa ou curta? Nem todas as cenas têm a mesma duração numa estória. Muitas vezes isso está relacionado com a importância da cena, mas nem sempre: uma cena muito curta pode ter um papel crucial no desenrolar de uma narrativa. De qualquer forma, essa alternância de momentos mais longos ou mais curtos contribui para o ritmo da estória. É pois importante decidir previamente que dimensão a nossa cena deverá ter, e escrevê-la dentro desses parâmetros. 7. Imagine três formas diferentes de a começar. O conselho que se dá aos guionistas é começar a cena o mais tarde possível, e sair dela logo que o essencial da cena tenha acontecido. Se, por exemplo, a nossa cena consiste num !47 encontro entre três amigos num bar, não precisamos de assistir à chegada de cada um deles, aos cumprimentos, à encomenda das bebidas, etc. Podemos cortar para o encontro já em curso, com os três sentados à mesa, a beber e falar, e terminar a cena logo que o conflito dramático tenha decorrido segundo as nossas necessidades. Mas John August recorda-nos que não nos devemos ficar por este começo "natural" da cena. Porque não começá-la com os três amigos na casa de banho, a urinar em conjunto; ou com os três a tentar reparar a máquina de café do bar; ou com os três a ser expulsos do bar pelos seguranças? O importante, uma vez mais, é questionarmos a solução que nos ocorre de imediato e procurarmos alternativas viáveis, mesmo que no fim regressemos à primeira opção - que muitas vezes é mesmo a melhor. 8. Visualize a cena na sua cabeça. Antes de começarmos a escrever, devemos imaginar toda a cena. De olhos fechados, recostados na cadeira, vamos imaginar como a cena se vai desenrolar, como se estivéssemos a ver o filme na nossa imaginação. Onde estamos; a que horas; quem está presente; o que acontece; quem fala; o que diz; que trocas de palavras ou de acções se sucedem. Nem sempre vamos conseguir visualizar tudo, e muitas coisas vão mudar quando passamos à escrita. Mas é importante fazermos este esforço, para dar realidade e consistência ao que vamos escrever. 9. Escreva um rascunho da cena. Depois do exercício de visualização anterior devemos fazer um registo rápido do que imaginámos, antes de o esquecermos. É apenas um rascunho, sem descrições nem diálogos detalhados. Apenas notas, apontamentos, emoções. Deve ser uma etapa muito rápida, enquanto a cena ainda está vívida na nossa imaginação. !48 10. Escreva a cena completa. Com base no rascunho anterior, passamos então a escrever a cena na sua versão completa. Não digo "versão final" porque é provável que, até ao fim do processo, ela ainda passe por outras rescritas. Vamos guiar-nos pelas notas que tomámos, desenvolvendo as situações, enriquecendo as descrições, completando as ações, e criando os diálogos. Mas isto não quer dizer que o rascunho que fizemos esteja escrito na pedra. É apenas uma fundação que a qualquer momento pode evoluir ou mudar substancialmente. 11. Repita 200 vezes (para ter um guião). A 11ª etapa é um toque de humor, para nos recordar que boa parte do trabalho do guionista assenta na disciplina, perseverança e capacidade de trabalho. Escrever um guião é trabalho duro; escrever um bom guião, é hercúleo. Mas o resultado do esforço podem ser cenas tão fantásticas como a que se segue, retirada do filme "Romance Perigoso", com argumento de Scott Frank a partir do romance de Elmore Leonard. !49 "ROMANCE PERIGOSO" Argumento de Scott Frank a partir do romance de Elmore Leonard NEGRO Escuridão total, nem se vê um ponto de luz. Depois ouvimos o motor arrancar, e o carro começa a mover-se. FOLEY (VO) Estás confortável? KAREN (VO) Se tivesse um pouco mais de espaço. FOLEY (VO) Isso não há. Tens um monte de tralha aqui. O que é esta porcaria toda, afinal? Algemas, correntes... O que é esta lata? KAREN (VO) É para o hálito. Podias experimentar. Esguicha um pouco na tua boca. FOLEY (VO) Sua marota, é gás-pimenta, huh? E o que é isto - um cacete? Usas isto nos pobres desgraçados dos delinquentes. Um FEIXE DE LUZ surge quando ele descobre uma lanterna e a liga. Brinca com a luz nas pernas de Karen, e acalma-se um pouco depois de a ver completamente, e finalmente pergunta... FOLEY (VO) Onde é que está a tua arma, a tua pistola? KAREN Na minha bolsa, no carro. !50 Passam por cima de algumas lombas. Ouvem-sevozes de homens lá fora, à distância. KAREN (CONT'D) Sabes que não tens nenhuma chance de te safares. A polícia já anda aí fora, vão parar o carro. Ele passa a mão pela coxa dela, a ver se encontra a arma, mas também, enfim, só a ver. FOLEY Eles agora andam lá no canavial a caçar cubanos. Eu fiz bem as contas para me escapar entre as gotas da chuva, se assim podemos dizer.EXT. CARRO - NOITE Enquanto Buddy acelera para longe da prisão, olhando pelo espelho retrovisor... INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO Jack tenta limpar um pouco de lama do rosto. FOLEY Bolas, cheirava mal lá em baixo. KAREN Acredito. Acabaste com um fato de novecentos dólares que o meu pai me ofereceu. FOLEY Sim, devia ficar mesmo a condizer com a tua caçadeira de dois canos. (depois) Diz-me lá, como é que alguém como tu se torna num xerife federal? KAREN Atraiu-me a ideia de caçar tipos como tu. FOLEY Tipos como eu, huh. Bem, ouve, apesar de ter andado celibatário nos últimos tempos, não me vou forçar em ti. Nunca fiz isso na vida. !51 KAREN Nem vais ter tempo. Logo que passarmos por uma barragem na estrada eles vão identificar o carro e descobrem em cinco segundos a quem pertence. FOLEY Se conseguirem montá-las a tempo, o que eu duvido. E mesmo que consigam, estão à procura de um monte de latinos baixotes, e não dum negro grandalhão a conduzir um Ford. KAREN Deve ser um amigaço, para arriscar o couro desta forma. Mais lombas. Depois a velocidade aumenta conforme a estrada se torna mais suave. FOLEY Quem, o Buddy? Sim. É um tipo às direitas. Quando cumprimos pena juntos ele telefonava à irmã todas as semanas sem falhar. Ela é uma cristã-nova, faz a contabilidade de um tele-evangelista. O Buddy liga- lhe sempre para confessar os seus pecados, contar-lhe acerca de cada banco que assalta. KAREN Buddy. Esse é mesmo o nome dele? FOLEY (woops, pausa) É o nome que eu lhe dou, sim (para dentro) Porra... INT. CARRO - AO MESMO TEMPO Enquanto Buddy vasculha pelas coisas de Karen enquanto conduz. Vai olhando do distintivo e identificação dela para a estrada. !52 INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO KAREN E então, como é que te chamas? Vais estar nas notícias amanhã, de qualquer jeito. FOLEY Jack Foley. Possivelmente já ouviste falar de mim. KAREN Porquê, és famoso? FOLEY Na altura em que fui preso na Califórnia? O FBI disse-me que tinha roubado mais bancos que qualquer outra pessoa no computador. KAREN Quantos foram mesmo? FOLEY Para dizer a verdade, nem sei. Comecei aos dezoito, a conduzir o meu tio Cully, e o parceiro dele, o Gus. Uma vez foram a um banco em Slidell, o Gus salta o balcão para apanhar as caixas registadoras e parte uma perna. Acabámos os três a cumprir pena em Angola. KAREN Isso foi engraçado. FOLEY Também achei, por acaso. KAREN Se fosse eu, tinha deixado o velho Gus a rebolar no chão. FOLEY Acredito que sim. Noutra vez, fiz sete anos em Lompoc. E não estou a falar do porta ao lado onde os tipos do Nixon foram. KAREN Eu sei a diferença. Estiveste em Lompoc USP, a prisão federal. Já !53 entreguei alguns lá. Então, basicamente, passaste metade da tua vida na prisão. FOLEY (pausa) Basicamente. Sim. Se voltar agora, levo trinta anos sem possibilidade de sair. Consegues imaginar uma coisa dessas? KAREN Não preciso. Não ando a assaltar bancos. Ele olha para ela, e depois desvia o olhar, conforme... EXT. CARRO - AO MESMO TEMPO O carro entra numa autoestrada principal... INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO Foley brinca com a luz ao longo do corpo dela... FOLEY Não pareces muito assustada. KAREN É claro que estou. FOLEY Não te estás a portar como tal. KAREN O que é que queres que eu faça? Grite? Acho que não ia ajudar muito. (depois) Vou só ficar por aqui, relaxar, e esperar que vocês façam asneira. FOLEY Jesus, pareces a mina ex-mulher a falar. !54 KAREN Foste casado? Com todas essas prisões, nem sei como tiveste tempo. FOLEY Foi só um ano, mais dia menos dia. Quer dizer, não é que a gente não se entendesse bem. Até nos divertimos, mas não tínhamos aquela... aquela coisa, percebes? Aquela faísca, sabes do que estou a falar? Tens de ter isso. KAREN (pensativa) Uh-huh. FOLEY Mas continuamos a falar, apesar de tudo. KAREN Claro. EXT. CARRO - AO MESMO TEMPO Enquanto Buddy passa por um sinal que indica "MIAMI, 74 MILHAS". INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO Ela tenta olhar para ele... KAREN Sabes, isto não vai acabar bem, estas coisas nunca acabam bem. FOLEY Bom, sim, se eu acabar aí abatido como um cão, pelo menos é na rua, e não numa maldita vedação. KAREN Deves achar que és algum Clyde Barrow. E, por alguns momentos, só ouvimos o som do carro na estrada. Depois... !55 FOLEY Oh, queres dizer, como em "Bonnie e Clyde"? Hm. Já viste fotografias dele, da forma como usava o chapéu? Consegue ver-se que ele tinha aquele ar de estou-me-nas-tintas. KAREN Do chapéu não me lembro, mas lembro-me das imagens dele morto na estrada, abatido pelos Rangers do Texas. Sabias que ele estava descalço? FOLEY A sério? KAREN Fizeram cento e oitenta e sete buracos de bala no Clyde, na Bonnie Parker e no carro que conduziam. A Bonnie estava a comer uma sanduíche. FOLEY És uma verdadeira enciclopédia de factos interessantes, não és? KAREN Foi em Maio de 1934, perto de Gibsland, na Louisiana. EXT. AUTOESTRADA - NOITE Sossegada. Vazia. Passado um instante um carro passa a voar. INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO FOLEY Essa parte do filme em que eles são abatidos? Warren Beatty e a... não me lembro do nome dela. KAREN Faye Dunaway. FOLEY Sim, gostei dela naquele filme sobre a televisão... !56 KAREN Network. Sim, ela ia bem. FOLEY E o gajo que dizia que não ia aceitar mais merdas de ninguém... KAREN Peter Finch. FOLEY Sim, isso. Seja como for, a cena em que o Warren Beatty e a Faye Dunaway são abatidos? Lembro-me que na altura pensei que não era uma má forma de partir, se tivesse de ser. KAREN A sangrar numa estrada rural. FOLEY Não foi bonito de ver, não, mas se fosses naquele carro - a comer uma sanduíche - nem sabias o que tinha acontecido. Ouvimos SIRENES DISTANTES fora de cena... INT. CARRO - AO MESMO TEMPO Conforme Buddy vê as LUZES A PISCAR que se aproximam no sentido oposto. Mantém a calma até os verde e brancos ficarem mais perto... mais perto... e passarem a voar. INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO Conforme as SIRENES UIVAM POR UM MOMENTO, e depois se DESVANECEM. FOLEY É mesmo fácil falar contigo. Estou aqui a pensar - imagina que a gente se conhecia noutras circunstâncias, e metesse conversa, por exemplo, se estivesses num bar e eu me aproximasse -- o que é que aconteceria. KAREN Nada. !57 FOLEY Quero dizer, se não soubesses quem eu era. KAREN Provavelmente ias dizer-me. FOLEY Estou só a dizer que acho que se nos tivéssemos conhecido noutras circunstâncias... KAREN Deves estar a brincar. Silêncio. Foley tenta retornar à parte em que as coisas estavam a funcionar... FOLEY Outro da Faye Dunaway de que gostei, Os Três Dias do Condor. KAREN Com o Robert Redford, quando era jovem. FOLEY Sim... Ficam ali deitados por um momento, a pensar nisso, enquanto ouvimos O CARRO A ABRANDAR, encostar, e depois saltar a berma da estrada até se imobilizar. KAREN No entanto, nunca achei que fizesse sentido, a forma como eles ficam juntos tão depressa. FOLEY Na realidade? KAREN Quero dizer, romanticamente. FOLEY Uh-huh. (depois) Bom, mas e se -- O porta-bagagens volta a ficar às escuras ao mesmo tempo que o carro é desligado. !58 BUDDY (OS) Ainda estão vivos aí dentro? E a tampa do porta-bagagens é levantada, mostrando Karen e Foley deitados no fundo. Foley sai. Karen não se mexe. FOLEY (OS) Onde raio é que estamos? BUDDYA autoestrada é já ali. O Glenn está lá à espera com o outro carro. FOLEY OK, doçura, podes sair daí. Karen estica-se, rola do lado direito para o lado esquerdo, segura a sua Sig Sauer com ambas as mãos e aponta-a na direcção dos dois, que estão de pé à sua frente, no escuro mas ali mesmo. KAREN Ponham as mãos no ar e virem-se. Agora. FOLEY Merda... Foley baixa a tampa, e ele e Buddy movem-se em direcções opostas, ao mesmo tempo que ela começa a disparar do interior... NOTA: A tradução é de minha responsabilidade. O texto é usado apenas para efeitos didáticos. !59 Os Arquétipos Num livro de grande influência para as gerações de guionistas mais recentes, "Writer's Journey: Mythic Structure for Writers", o autor Christopher Vogler analisa o que ele designa pela estrutura mítica das narrativas. Inspirado pelos estudos do mitologista Joseph Campbell, delineou uma adaptação da chamada "Viagem do Herói", presente em todas as tradições, para as necessidades das narrativas contemporâneas. Um dos elementos fundamentais da sua análise são os Arquétipos, ou seja, determinados tipos de personagens com padrões de comportamento comuns que são uma herança partilhada da raça humana, e aparecem nas tradições narrativas de todas as épocas e civilizações – fábulas, lendas, contos tradicionais, textos mitológicos, tradições orais, etc. Estes arquétipos não devem ser confundidos com os estereótipos, que são personagens padronizadas e sem profundidade, a que muitos guionistas recorrem por incapacidade ou preguiça: o chefe de polícia irascível, o taxista irritante, a vizinha coscuvilheira, etc. !60 Os arquétipos, pelo contrário, são peças muito profundas e antigas daquilo que o psicólogo Carl Jung designou como o inconsciente colectivo de todas as culturas, uma espécie de memória partilhada e herdada ao longo dos tempos. Há um grande número de arquétipos, que devem ser encarados não como papéis rígidos e imutáveis, mas como funções desempenhadas temporariamente por certos personagens para determinados fins na evolução da estória. Nesta perspectiva, defendida por Vogler, os arquétipos são como máscaras que os personagens colocam em determinadas ocasiões, para desempenhar certas funções dramáticas. Os arquétipos mais importantes, que analisaremos sucintamente de seguida, são: • O Herói • O Mentor • O Guardião da Passagem • O Arauto • O Mutante ("shapeshifter") • O Sombra • O Impostor/trapalhão ("trickster") Mas há muitos outros, que podem surgir autonomamente ou em combinação com qualquer um dos anteriores: o Lobo, o Caçador, a Mãe, a Madrasta Malvada, a Fada Madrinha, a Eterna Criança, etc. Vejamos então, segundo a análise de Vogler, o que caracteriza e quais são as funções dos principais arquétipos: !61 O Herói - é aquele que existe para proteger e servir. Grande parte das histórias são narrativas de um Herói que sacrifica o seu conforto para devolver o equilíbrio ao seu mundo, à sua comunidade. É com o Herói que a audiência se identifica no decurso da narrativa, são as suas acções que segue, é através da sua transformação ou sacrifício que o espectador tira satisfação da estória. A Sombra – é, por natureza, o antagonista primordial. Representa toda a energia negra, todos os sentimentos reprimidos, os traumas e as emoções escondidas ou negadas. A sua função dramática é desafiar o Herói, criar os obstáculos para que os seus feitos sejam ainda mais notáveis. Esta máscara da Sombra pode ser usada por um só personagem ao longo da estória, ou por vários. Até o Herói pode, em certos momentos, ser a sua própria Sombra. O Mentor – é normalmente um homem ou mulher mais velho, mais sábio, que representa o lado da nossa personalidade que está mais atento às coisas, mais ligado ao conhecimento e à evolução. Dramaticamente, o Mentor ajuda o Herói de várias formas: ensinando-o; dando-lhe um objecto especial ou informação essencial; sendo a sua consciência ou motivação; ou iniciando-o em qualquer tipo de mistérios (mesmo os sexuais). O Guardião da Passagem – muitos dos obstáculos que o Herói tem de ultrapassar na sua viagem são passagens, portais para outro nível de evolução da estória. É frequente que nessas passagens haja um tipo de personagens, os Guardiões, que as defendem dos transgressores, tornando-se assim antagonistas do Herói. Não são geralmente os antagonistas principais, mas cumprem a função de dificultar ou atrasar o progresso do Herói. O Arauto – é um personagem que traz informações, notícias, e normalmente más. !62 Está muitas vezes associado ao gatilho, ao inciting incident da estória, aquele evento que torna impossível ao herói continuar com a sua vida normal e o obriga a lançar-se à viagem para repor o equilíbrio perdido. A sua função é, pois, anunciar a necessidade de mudança. O Mutante (Shapeshifter) – é um tipo de personagem de natureza misteriosa, uma incógnita no caminho do Herói, que vai assumindo contornos diversos conforme a estória vai evoluindo. É possível que a relação romântica, ou um aliado do Herói, assumam em alguns momentos esta máscara. Para Jung ele representa o animus ou anima, os elementos masculinos ou femininos que complementam o nosso inconsciente feminino ou masculino, e que nós não entendemos. E como não entendemos estas figuras Mutantes, elas contribuem com tensão e dúvida para a estória. O Impostor/Charlatão (Trickster) – são os personagens cómicos, farsantes, brincalhões, que introduzem a confusão, o humor, ou o caos nas narrativas. Em muitas estórias de pendor cómico o próprio Herói pode usar esta máscara de Impostor/Trapalhão. Na maior parte das estórias, contudo, é a um aliado que compete essa função. E em alguns casos, como o Joker da saga Batman, ela pode até cair no antagonista, ou Sombra, para usar a mesma terminologia. Os arquétipos são ferramentas úteis para analisar os nossos personagens. Podemos, em cada momento, tentar perceber qual a máscara que um determinado personagem deve utilizar, que função pode ou deve desempenhar na evolução da narrativa. Com isso conseguiremos, seguramente, personagens mais ricos e, sobretudo, mais sintonizados com a experiência narrativa da raça humana. !63 O formato do guião Os guiões têm um formato próprio que, mais coisa menos coisa, é praticamente universal. Este formato desenvolveu-se ao longo do tempo até atingir o estado actual. Há, pois, razões históricas para ele existir, mas também há razões práticas. Um formato estandardizado permite aos autores escrever sem terem de estar a inventar a roda em cada novo guião. Simplifica a vida de todos os profissionais que trabalham em cinema. De cada vez que entram num projecto novo não precisam de estar a aprender de novo a ler um guião. Permite a existência de softwares especializados, como o Final Draft, Scrivener ou WriterDuet, que deixam ao guionista apenas a preocupação com a escrita. Finalmente, como uma página de guião escrita neste formato corresponde, em média, a 1 minuto de filme, fica muito mais simples avaliar a duração do guião e o seu ritmo. Este último ponto causa muitas dúvidas aos guionistas iniciantes. A sua preocupação é sempre como atingir o objectivo de um minuto por página. É uma preocupação infundada e !64 desnecessária. Estamos a falar de médias, que são influenciadas por muitas coisas: o tipo de filme, o género, o estilo do realizador, e até se estamos a usar papel A4 ou Carta. O importante é escrever com o formato correcto e apontar para alguma coisa como 90 a 120 páginas de guião. Tudo o que saia desses números vai causar estranheza e dúvidas a quem for avaliar o guião. Elementos do formato Vamos entrar agora na parte mais prática e técnica. Um guião é sempre escrito na fonte Courier 12 pontos - uma fonte mono-espaçada, em que todos os símbolos, letras e algarismos, e até os espaços, têm exactamente a mesma largura. Isso garanteconsistência e aparência uniforme. Uma cena constitui uma unidade de acção dramática independente, no tempo e local em que decorre, das cenas imediatamente anteriores e posteriores. Está organizada segundo uma determinada lógica e contém alguns elementos característicos da escrita de guiões, formatados de uma maneira própria: • Cabeçalhos • Descrições • Nomes • Diálogos • Parênteses • Transições O Cabeçalho Num guião de cinema uma cena é uma unidade dramática definida por um determinado local e período, sem quebras de tempo. !65 Se mudarmos de local devemos começar uma nova cena. Se houver uma passagem de tempo, mesmo que o local se mantenha, também devemos começar uma cena nova. Como é que indicamos que há uma mudança de cena? Introduzindo um novo CABEÇALHO. Um Cabeçalho é uma linha de texto, alinhada à margem esquerda, escrita totalmente em MAIÚSCULAS, com uma linha vazia antes e uma depois. Contém três elementos essenciais: Deve começar indicando se é uma cena passada num interior ou exterior, INT. ou EXT. Deve indicar o local da cena, por exemplo CASA DE JOAQUIM – SALA Deve indicar o período do dia ou da noite, separado por um travessão – DIA ou NOITE Por exemplo, são cabeçalhos válidos os seguintes: INT. CASA DE JOAQUIM – SALA – DIA ou EXT. ESCOLA – CAMPO DE FUTEBOL – NOITE Também são válidos, e usados por vezes em Portugal e no Brasil, os cabeçalhos escritos numa outra ordem, como os seguintes: INT. DIA – CASA DE JOAQUIM ou EXT. NOITE – RUA Mas já não são válidos estes exemplos: !66 INT – CAMPO DE RÂGUEBI – CENA 10 Não tem ponto final depois do INT; não tem lógica um campo de râguebi ser interior; e os números de cena não se indicam assim. EXTERIOR; Casa do Francisco; manhã Deveria ser toda em maiúsculas; começar com EXT.; ser escrita em Courier Normal; e usar travessão em vez de ponto e vírgula. As Descrições Cada nova cena começa com um Cabeçalho, como vimos. O parágrafo seguinte, sepa- rado por uma linha vazia, é normalmente uma DESCRIÇÃO, ou AÇÃO. Descrição, ou Ação, são os parágrafos do guião onde se descreve o que pode ser visto ou ouvido no filme (com a excepção dos Diálogos, que têm outro tratamento). Isto inclui a descrição dos locais onde as cenas decorrem, dos adereços ou veículos impor- tantes para a cena, dos personagens, incluindo a sua aparência e roupas, dos efeitos especiais ou sonoros, etc. Também inclui a descrição das ações, comportamentos, gestos, movimentos dos persona- gens e outros elementos em cena, desde que dramaticamente relevantes. Tudo o que deva ser visto ou ouvido no filme deve ser colocado nas Descrições. Os ameri- canos têm uma frase para isso; "If it's not on the page, it's not on the stage" – se não está na página, não está no filme. Algumas notas importantes quanto às Descrições: São escritas em maiúsculas e minúsculas, e alinhadas à esquerda. São escritas sempre na terceira pessoa do singular do presente. Por exemplo: !67 Pedro corre. O carro despista- se. Rui olha para cima e grita. Nunca se usam outros tempos verbais como: Pedro olhou. O carro vai despistar-se. Olhei para cima e gritei. Devem incluir apenas a informação necessária e suficiente para perceber o local, as pes- soas, as relações e as ações. Informação em excesso pode tornar um guião muito difícil de ler; informação em falta pode torná-lo pouco apelativo. Sempre que um personagem é apresentado pela primeira vez num guião, o seu nome deve ser indicado em MAIÚSCULAS. Também é costume dedicar- lhe uma pequena descrição, tanto mais cuidada quanto mais importante ele for. Efeitos sonoros, efeitos especiais e alguns acessórios particularmente importantes também podem ser destacados em MAIÚSCULAS. Os parágrafos de Descrição são normalmente curtos, com duas ou três linhas, como demonstrei num artigo do blogue. Isto torna a leitura mais fácil e fluida. Podemos dar a entender o ritmo de uma cena através da sucessão e do ritmo da escrita das Descrições. Personagens, Diálogos e Parênteses Na maior parte dos filmes – mesmo nos mudos – os personagens falam. E, quando bem utilizados, os Diálogos são um elemento fundamental de um guião. Bons diálogos têm algumas características em comum: - São elementos de ação, que fazem avançar a trama. !68 - São demonstrações de conflito, confrontos orais, que contribuem para a manutenção e escalada do drama. - Fornecem novos desafios e informações. - Não são óbvios nem expositivos. Não estão na cena apenas para cumprir alguma função de passar informação, ou responder a alguma necessidade. - São vivos, dinâmicos, interactivos, e variados. Contribuem para o ritmo e dinâmica das cenas. - Soam a verdadeiros, parecem retirados da vida real, embora, quando analisados à lupa, demonstrem ser uma construção rigorosa, económica e depurada. - São adequados aos personagens que os falam; às suas características sociais, históricas, psicológicas. - São cheios de segundos sentidos e interpretações paralelas, aquilo a que normalmente se chama o "subtexto". Em termos formais, para apresentar os diálogos num guião usam-se três elementos: os PERSONAGENS, DIÁLOGOS e PARÊNTESES. O elemento Personagem identifica quem fala; o elemento Diálogo identifica o que ele diz; e o elemento Parênteses dá indicações adicionais que não sejam óbvias da leitura do diálogo. Por exemplo, um tom especial (irónico) ou a quem se dirige a fala, quando há várias pessoas (para Rita). Um bloco de diálogos pode então ter este aspecto: Pedro entra na cozinha onde Rita está a fazer café. PEDRO Queres saber o que me aconteceu hoje? !69 RITA (irónica) Mal posso esperar... PEDRO (pausa) Queres saber, ou não? RITA (para a sala) Paula, tomas um cafézinho? (para Pedro) Estavas a dizer...? Indicações de Planos e Transições Quando procuramos na net guiões para ler muitas vezes encontramos os chamados shooting scripts, ou guiões de rodagem. São versões dos guiões que já foram rescritas para servir de guia durante a rodagem do filme e incluem muitas indicações técnicas, como planos, movimentos, transições, etc. Por exemplo, o guião de "A Rainha Africana" começa assim: EXT. A NATIVE VILLAGE IN A CLEARING BETWEEN THE JUNGLE AND THE RIVER. LATE MORNING LONG SHOT -- A CHAPEL As indicações de LONG SHOT, MEDIUM SHOT, CLOSER SHOT, REVERSE ANGLE, DISSOLVE TO:, etc., sucedem-se nas páginas desse tipo de guiões, o que pode criar a ideia de que é obrigação do guionista dar este tipo de informação. Na realidade, é exatamente o contrário. Os guiões normais em que trabalhamos são os chamados guiões literários. O seu objetivo é contar a estória do filme de uma forma envolvente, que transporte o leitor para dentro do universo dramático e o ajude a imaginar o filme. !70 Indicações de planos ou movimentos de câmara, paradoxalmente, têm o efeito contrário. Em vez de prender o leitor, quebram o fluxo da narrativa e afastam-no do filme imaginado. O mesmo se passa com as Transições. Tradicionalmente os guiões indicavam sempre a forma de passagem de uma cena para outra: CUT TO, DISSOLVE, SMASH CUT, etc. Mas a tendência actual é no sentido de simplificar e não usar muitas indicações de Transição. Tal como os Parênteses, devemos reservá-las apenas para quando não sejam óbvias e acrescentem algo de especial à narração. A Transição por defeito é o CORTA PARA:, e por isso não é necessária indicá-la. De forma geral, devemos resistir à tentação de substituir os actores e o realizador com excesso de indicações. A direção que podemos e devemos fazer num guião é indireta e subjetiva. Por exemplo, se escrevermos A ponta do pé de Rita bate no chão em cadência acelerada. estamos a sugerir implicitamente um CLOSE UP do pé de Rita. O leitor vai imaginar a cena assim, sem nós precisarmos de o explicitar indicando um Plano na descrição. Não devemos perder tempo a darindicações de câmara ou de montagem no guião. Os leitores não gostam – e os realizadores também não. Software de escrita Nos tempos antigos os guionistas escreviam os seus guiões em máquinas de escrever, essas lindas peças quase arqueológicas que agora só usamos para decoração. Respeitar o formato correcto das páginas do roteiro era um quebra-cabeças, que só muito tempo, e prática constante, acabavam por resolver. Os grandes estúdios de Hollywood, por exemplo, tinham departamentos de estilo que dactilografavam todos os guiões finais para assegurar a consistência do formato. !71 Os processadores de texto resolveram muitos desses problemas. Com um pouco de trabalho conseguimos criar modelos que respeitam, quase automaticamente, as regras correctas de formatação de um guião. Mas o trabalho do guionista deve ser escrever boas estórias e boas cenas, não andar a preocupar-se com o formato. Para esse efeito há processadores de texto vocacionados especificamente para a escrita de guiões. O mais conhecido destes softwares é o Final Draft, um programa profissional mas muito caro. Mas há muitas alternativas mais baratas, como o Scrivener (acessível, e o meu favorito), e até algumas gratuitas, como o WriterDuet (gratuito, online). É este último que recomendo para o desafio individual que deverá ser efectuado na sequência desta aula: escrever uma cena de guião. Porquê o WriterDuet? Em primeiro lugar, porque é gratuito. Mas não se fica por aí. O WriterDuet é um software de escrita de guião acessível online através do browser. Está a ser proposto como a forma mais prática de escrever um guião a meias com outro autor, via web, mas é também um excelente programa de escrita de guiões para qualquer pessoa que tenha acesso permanente à net. O seu interface é simples e intuitivo, usando a mesma técnica de formatação que a maioria dos softwares congéneres usam – a combinação das teclas de "tabelação" e "parágrafo" para mudar entre os diferentes elementos do texto, como Cabeçalhos, Personagens, Diálogos, etc. Mas tem mais: opções sofisticadas como os diálogos paralelos, notas, um completo e intuitivo modo de planeamento dos guiões que permite rearranjar interactivamente as cenas do guião, por arrasto, página de título editável, opção de numeração das cenas, etc. !72 Podemos ter vários guiões em curso simultaneamente e escrevê-los cooperativamente com autores diferentes. O programa inclui um sistema de conversa que permite trocar impressões com outros co-autores ao mesmo tempo que se edita um guião em equipa. O WriterDuet permite ainda importar guiões escritos noutros programas, o que pode ser muito útil na fase de revisão de um guião já escrito e que esteja em pré-produção. Consigo imaginar diversos cenários em que uma aplicação como esta me teria poupado muito tempo e trocas de emails. Melhor ainda, o WriterDuet tem excelentes opções de exportação nos formatos mais convenientes e utilizados: PDF, FinalDraft, CeltX e até Fountain (uma sintaxe para formatar correctamente um guião em formato de texto simples). Isso garante-nos que, aconteça o que acontecer a esta aplicação web, poderemos sempre ficar com cópias dos nossos guiões. Se tivermos em atenção que tudo isto nos é oferecido gratuitamente, mediante uma simples e instantânea inscrição no site, não há como não gostar de WriterDuet. Exercício final Termino este livrinho com um exercício prático para completar por si mesmo - o bom e velho trabalho de casa. O desafio é imaginar e escrever uma cena de três minutos, correspondentes a três páginas de texto. A cena deverá ser escrita de acordo com os princípios - dramáticos, metodológicos e técnicos - que foram apresentados no livro. Imagine os personagens participantes, e uma situação em que eles tenham interesses conflitantes. Pense num local interessante e escreva a cena aproveitando todos esses factores. !73 Conclusão Escrever as cenas é apenas uma parte do trabalho do guionista. Mas é uma parte absolutamente fundamental, e provavelmente a que lhe ocupará mais tempo. Como todas as capacidades humanas, também esta melhora com a prática intencional: a repetição, conduzida de forma disciplinada, com vista à evolução, em que se avaliam resultados, analisam-se problemas e dificuldades, e testam-se alternativas e soluções. Espero que este pequeno livro o estimule a escrever e a refletir sobre a escrita, a procurar novos caminhos, e a aperfeiçoar a sua técnica e arte de guionista. BOAS ESCRITAS
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