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Fazer-Cenas-1

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!2
FAZER CENAS 
                                                                          
Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema 
JOÃO NUNES 
Uma Edição 
QUARTO 237 
!3
Direitos 
“Fazer Cenas: Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema” 
Autor: João Nunes 
Uma Edição Quarto 237 
E-mail: joao@joaonunes.com 
Site: http://joaonunes.com 
Capa e paginação: J. L. Coelho 
Esta obra está protegida pela Lei e não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que 
seja o meio utilizado, sem a autorização expressa do Autor e Editor. Qualquer transgressão à Lei 
do Direito de Autor será passível de procedimento judicial. 
O texto deste livro reflete apenas as opiniões do autor. Nenhum animal foi morto durante a sua 
escrita. 
© João Nunes - Quarto 237, 2017 
!4
Índice 
Índice	 4 ...............................................................................................................................................
Prefácio	 5 ............................................................................................................................................
Introdução	 6 .......................................................................................................................................
O que faz o guionista 	 8 ......................................................................................................................
O que é um guião 	 10 .........................................................................................................................
A aparência de um guião 	 12 ..............................................................................................................
Os elementos do drama 	 15 ................................................................................................................
Uma cena é uma mini-estória 	 18 ......................................................................................................
"O SILÊNCIO DOS INOCENTES"	 20 ..........................................................................................
O memorando de David Mamet 	 28 ..................................................................................................
"CHINATOWN"	 35 ..........................................................................................................................
Um artigo de John August 	 43 ............................................................................................................
"ROMANCE PERIGOSO"	 49 .........................................................................................................
 Os Arquétipos 	 59 ..............................................................................................................................
O formato do guião 	 63 ......................................................................................................................
Conclusão 	 73.....................................................................................................................................
!5
Prefácio 
Há dois anos atrás, quando estava em Angola, alguns amigos que integram o coletivo de 
produção audiovisual Geração 80, convidaram-me a dar uma aula sobre a escrita de uma cena 
de cinema, no âmbito do seu programa interno de formação. 
"Fazer Cenas: Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema" é uma evolução do 
conteúdo que preparei para essa ação, adaptado ao formato escrito, e revisto e aumentado com 
algum conteúdo adicional. 
Os meus agradecimentos vão pois para a Tchiloia Lara, Jorge Cohen e Mário Bastos, os 
mentores da iniciativa, e para todos os jovens participantes nessa aula, tão cheios de sonhos e de 
energia, que tanto me inspiraram e ensinaram. 
!6
Introdução 
Neste pequeno livro "Fazer Cenas: Arte e Técnica na Escrita de Cenas de Cinema" 
vamos aprender as noções básicas de uma parte essencial do trabalho do guionista: escrever uma 
cena. 
Na realidade, escrever um argumento, guião, ou roteiro (vamos usar as três palavras como 
sinónimos, por simplicidade), é muito mais do que que a escrita das cenas. Estas são apenas o 
resultado final de um trabalho de desenvolvimento de personagens, relações, emoções, eventos e 
ações. 
Além disso, as cenas não são independentes entre si. Encadeiam-se umas nas outras, 
como elos de uma corrente, cada uma dependendo das que vieram antes, e influenciando as que 
se lhe seguem. 
Mas, para o efeito dos objectivos deste livro, vamos olhar apenas para esta etapa 
específica do trabalho do guionista: escrever a cena individual. Uma etapa que, em média, se 
repete duzentas vezes em cada guião. 
!7
Cada cena é um desafio gigante, com exigências próprias, que combina em partes iguais a 
arte do criador de estórias com a técnica do artesão das palavras. Muitos dos princípios 
fundamentais da escrita de uma boa cena, que vamos aprender aqui, são comuns ao 
desenvolvimento de uma boa estória. 
Afinal de contas, drama é drama, seja ao nível microscópico da cena, seja ao nível 
macroscópico do guião. 
!8
O que faz o guionista 
O guionista, ou roteirista no Brasil, é o profissional de cinema ou televisão a quem cabe a 
responsabilidade de criar a estória de um filme ou outra obra audiovisual, estruturá-la e, 
finalmente, escrevê-la, incluindo as descrições de todas as acções e os diálogos de todos os 
personagens. 
Com a excepção do raríssimo filme experimental, nenhum projecto audiovisual é filmado 
sem que haja um guião final - o chamado shooting script. 
Como tal o guionista é um dos primeiros membros da equipa a trabalhar num projecto. E 
sem ele terminar o seu trabalho, pouco mais pode ser feito. Nem o produtor consegue arranjar 
financiamento para o filme, nem o realizador pode planear a forma de o filmar, nem os actores 
podem começar a desenvolver os seus personagens. 
O guionista pode trabalhar por iniciativa própria, criando o chamado roteiro especulativo 
(ou spec script), ou por encomenda de uma empresa de produção audiovisual. Num caso ou 
noutro, a base do argumento pode ser uma ideia original, ou a adaptação de alguma estória ou 
!9
material pré-existente (de que se deverão ter os direitos): um romance ou peça de teatro, banda 
desenhada ou conto curto, jogo de vídeo ou, como no filme "Lego", um brinquedo de crianças. 
O resultado final será sempre o documento de que falaremos a seguir. 
!10
O que é um guião 
Um argumento, guião ou roteiro, é um documento escrito que descreve sequencialmente 
as cenas que compõem um filme e, dentro de cada cena, as acções e diálogos dos personagens, e 
todos os aspectos visíveis e audíveis relevantes que se poderão ver na tela. 
Na prática, o guião de uma longa metragem é um documento impresso, que tem 
normalmente entre 80 e 130 páginas. Se for escrita num formato correcto, cada página do guião 
corresponde, grosso modo, a um minuto de filme. Este é um valor médio que, obviamente, 
dependerá de muitos factores, tais como o tipo de estória, a relação entre ação e diálogos, e até o 
estilo de direção que o realizador adotar. 
Mas a relação 1 página=1 minuto é geralmente válida, e ajuda-nos a balizar as dimensões 
da estória que estamos a desenvolver. Se o nosso guião tiver 300 páginas, saberemos que vai ser 
muito difícil de vender, pois será um filme muito grande; se tiver apenas 50, dificilmente poderá 
ser convertido numa longa-metragem. 
!11
O guião não é o único documento produzido pelo guionista. Ele poderá também escrever 
sinopses, escaletas e tratamentos, que são documentos que ajudam a planear a estória e entender 
o filme. 
O formato do guião pode variar de país para país, e até de produtora para produtora, 
mas todos os guiões têm algumas coisas em comum. 
!12
A aparência de um guião 
Uma página de um argumento de cinema tem normalmente a aparência do exemplo 
apresentado de seguida, retirado do guião que escrevi para o filme "O Cônsul de Bordéus". 
!13
 
!14
Podemosreconhecer neste exemplo alguns dos elementos essenciais de um guião: 
- Os CABEÇALHOS, que definem onde cada cena começa (EXT. RUA DE 
BORDÉUS - TARDE); 
- Os parágrafos de DESCRIÇÃO DA ACÇÃO, onde é descrito tudo o que compõe a cena 
e o que nela vai acontecer - incluindo cenários, personagens, acções e movimentos, sons, 
efeitos, etc.; 
- Os NOMES dos personagens que falam (ESTHER e AARON); 
- Os seus DIÁLOGOS; 
- Algumas indicações específicas entre PARÊNTESES. Por exemplo: (gritando); 
- E, opcionalmente, as TRANSIÇÕES entre as cenas (não presentes neste exemplo). 
Mais adiante iremos ver cada um destes elementos com mais detalhe, pois precisaremos 
entendê-los bem para poder escrever correctamente uma cena. 
Mas primeiro vamos fazer um pequeno exercício prático: folheie as páginas de um jornal 
recente, para procurar notícias que tenham o potencial de dar uma boa estória. Podem vir de 
qualquer secção do jornal - do noticiário nacional e internacional, do crime, do desporto, até da 
necrologia. Seleccione a mais promissora. Tente identificar porque é que acha que essa notícia 
daria um bom filme, e escreva meia dúzia de linhas sobre isso. 
!15
Os elementos do drama 
O mais provável é que, na selecção de notícias que fez no exercício anterior, sob o critério 
subjectivo de que "dariam uma boa estória", encontremos alguns elementos em comum: 
- Centram-se numa pessoa ou num número reduzido de pessoas; 
- Descrevem algum tipo de problema ou dificuldade séria que essas pessoas enfrentam; 
- Mostram como essa pessoa ou pessoas resolvem, ou tentam resolver, esse problema. 
Isto acontece porque todos nós temos uma percepção instintiva dos elementos dramáticos 
que compõem uma estória interessante. 
Alguns de nós - os bons contadores de estórias - têm mais facilidade em aplicar esses 
elementos no dia a dia, mas todos temos a capacidade de os identificar naturalmente. 
Essa percepção não vem apenas do facto de estarmos permanentemente mergulhados em 
estórias, desde que nascemos e ao longo de toda a nossa vida. Vem da nossa própria identidade 
mais íntima como seres humanos. Os nossos antepassados, sentados em redor da fogueira há 
muitos milhares de anos, provavelmente ouviam estórias com os mesmos componentes essenciais 
sas nossas estórias atuais. 
!16
Uma estória satisfatória deve, pois, ter alguns elementos, que reconhecemos e apreciamos 
naturalmente: 
• Um protagonista ou protagonistas - alguém que conduz a ação; 
• Um problema ou desafio que esse protagonista enfrenta; 
• Consequências graves, para si ou para outros, se não o conseguir resolver; 
• Dificuldades e obstáculos que encontra no caminho da resolução; 
• E, finalmente, um resultado, positivo ou negativo, mas definitivo. 
Sem estes elementos não temos uma estória clássica; uma estória que satisfaça 
integralmente as nossas necessidades emocionais de identificação e projeção. 
Uma boa estória é aquela que mantém o espectador permanentemente na expectativa do 
que vai acontecer a seguir. Essa capacidade de manter o espectador curioso é o que caracteriza 
um bom guionista - aquele que tem um entendimento apurado dos mecanismos dramáticos e da 
psicologia do espectador. 
A criação de situações e oportunidades de conflito tem um papel fundamental para 
conseguir manter essa atenção. 
"Todo o drama é conflito. Sem conflito não há acção. Sem acção não há 
personagem. Sem personagem não há estória. E sem estória com certeza que não 
há guião." -- Syd Field 
Sem forças antagónicas em jogo; sem um protagonista que quer algo, e antagonistas e 
obstáculos que o atrapalham; sem recompensas a receber e dificuldades a ultrapassar; sem luta, 
dor e sofrimento, não há drama. E sem drama não há interesse, nem mesmo numa comédia. As 
melhores comédias têm, debaixo da capa açucarada do riso, os mesmos ingredientes dramáticos 
que qualquer outro filme. 
!17
Mas o conflito não basta. São também precisas surpresas. 
Conflito sem surpresas leva-nos ao território da agitação estéril e entorpecente; surpresas 
sem conflito conduzem-nos a filmes gratuitos e desinteressantes. A combinação inteligente desses 
dois elementos é que mantém o espectador preso à nossa estória. 
Drama = Conflito + Surpresas. 
!18
Uma cena é uma mini-estória 
Uma cena bem construída desempenha três funções dentro de um guião: 
• Faz avançar a estória; 
• Aumenta a tensão dramática; 
• Revela um pouco mais sobre a personalidade dos seus intervenientes. 
Idealmente, cada cena deve combinar estes três factores mas muitas vezes pode incluir 
apenas dois. Em certos casos, muito especiais, até pode cumprir apenas uma destas funções. Mas 
se uma cena não desempenhar nenhum destes papéis na estrutura do nosso guião, é a primeira 
candidata a ser cortada e sair. 
Para cumprir com estas altas expectativas uma cena tem de ter elementos em comum 
com uma boa estória. É como uma miniatura da estória maior, em que estão em funcionamento 
os mesmos elementos dramáticos que fazem o sucesso de qualquer narrativa. 
Devemos, pois, procurar incluir na cena elementos de conflito e de surpresa que 
garantam a sua plenitude dramática. 
!19
É isso que vamos desenvolver na secção seguinte. Mas primeiro vamos ler um excerto de 
uma das mais memoráveis cenas de tempos recentes, retirada do guião de "O Silêncio dos 
Inocentes", escrito por Ted Tally com base no romance de Thomas Harris. 
!20
"O SILÊNCIO DOS INOCENTES" 
por

Ted Tally

Baseado no romance de

Thomas Harris 
INT. CORREDOR DO DR. LECTER - DIA 
PLANO EM MOVIMENTO - acompanhando Clarice, enquanto os seus 
passos ECOAM. No alto, à sua direita câmaras de vigilância. 
À sua esquerda, celas. Algumas são almofadadas, com 
estreitas fendas de observação, outras são normais, 
gradeadas. Nas sombras os ocupantes movem-se, MURMURANDO... 
Subitamente uma figura escura na penúltima cela lança-se na 
sua direcção, esmagando o rosto grotescamente contra as 
grades, e sibila. 
FIGURA ESCURA 
C-consigo chhheirar a tua buceta! 
Clarice retrai-se momentaneamente, mas continua a avançar. 
A CELA DO DR. LECTER 
entra lentamente no seu campo de visão... Atrás da sua 
parede frontal gradeada há uma segunda barreira com uma 
robusta rede de nylon... Algumas poucas mobílias 
aparafusadas ao chão, muitos livros de capa mole e papéis. 
Nas paredes, inúmeros desenhos artísticos, 
extraordinariamente detalhados, na sua maior parte de 
paisagens urbanas europeias, a lápis e carvão. 
Clarice pára a uma distância respeitosa das grades, e limpa 
a garganta. 
CLARICE 
Dr. Lecter... O meu nome é Clarice 
Starling. Posso falar consigo? 
O Dr. Hannibal Lecter está a descansar na sua cama, de 
pijama branco, a ler uma Vogue italiana. Vira-se, avaliando-
a... Um rosto que não vê o sol há tanto tempo que parece ser 
sido passado na lixívia - exceto os olhos brilhantes, e uns 
lábios vermelhos e húmidos. Levanta-se suavemente e vem 
colocar-se à frente dela; o perfeito anfitrião. A sua voz é 
suave, educada. 
!21
DR. LECTER 
Bom dia. 
INTERCALA ENTRE OS DOIS 
conforme Clarice se aproxima mais um pouco. 
 
CLARICE 
Doutor, nós temos um problema 
difícil nos perfis psicológicos. 
Venho pedir a sua ajuda para um 
questionário. 
 
DR. LECTER 
Sendo que o "Nós" se refere à 
Unidade de Ciência Comportamental 
de Quantico. Você faz parte do 
pessoal do Jack Crawford, imagino. 
CLARICE 
Faço, sim. 
DR. LECTER 
Posso ver a sua identificação? 
Clarice fica surpreendida, mas pesca o seu cartão de 
identificação da bolsa, e ergue-o para inspecção. Ele sorri, 
tranquilizador. 
DR. LECTER 
Mais perto, por favor... Mais - 
perto... 
Ela obedece a cada indicação, tentando esconder o medo. As 
narinas do Dr. Lecter erguem-se, conforme ele aspira o ar, 
suavemente, como um animal. Depois sorri, e olha o cartão. 
DR. LECTER 
(continuando) 
Isso expira numa semana. Você não é 
FBI a sério, pois não? 
CLARICE 
Eu - ainda estou em treino na 
Academia. 
DR. LECTER 
O Jack Crawford enviou-meuma 
estagiária? 
!22
CLARICE 
Estamos a falar de Psicologia, não 
da Polícia. O doutor não pode 
avaliar por si mesmo se eu sou 
qualificada? 
DR. LECTER 
Mmmmm... Isso é muito ardiloso da 
sua parte, Agente Starling. Sente-
se. Por favor. 
Ela senta-se numa cadeira-escrivaninha dobrável de metal. 
Ele espera educadamente até ela estar acomodda, e depois 
senta-se também, olhando-a com satisfação. 
DR. LECTER 
Vamos lá, então. O que é que o 
Miggs lhe disse? 
(ela fica baralhada) 
O "Miggs Múltiplo", na cela do 
lado. Ele guinchou-lhe qualquer 
coisa. O que é que ele disse? 
CLARICE 
Disse - "Consigo cheirar a tua 
buceta". 
DR. LECTER 
Estou a ver. Eu, pessoalmente, não 
consigo. Você usa creme de pele 
Evyan, e às vezes coloca L'Air du 
Temps, mas não hoje. No entanto, 
trouxe a sua melhor bolsa, não é 
verdade? 
CLARICE 
(pausa) 
Sim. 
DR. LECTER 
É muito melhor que os seus sapatos. 
CLARICE 
Talvez um dia eles consigam 
acompanhar. 
DR. LECTER 
Não tenho dúvidas disso. 
CLARICE 
(mexendo-se 
desconfortável) 
Estes desenhos são seus, Doutor? 
!23
DR. LECTER 
Sim. Aquele é o Duomo, visto do 
Belvedere. Conhece Florença? 
CLARICE 
Todo aquele detalhe, só de memória? 
DR. LECTER 
A memória, Agente Starling, é o que 
eu tenho em vez de uma janela. 
Uma pausa, e depois Clarice tira o questionário da sua 
pasta. 
CLARICE 
Dr. Lecter, se fizer o favor de 
considerar - 
DR. LECTER 
Não, não, não. Estava a ir tão bem, 
cortês e receptiva à cortesia, 
tinha conseguido estabelecer 
confiança admitindo a verdade 
embaraçosa acerca do Miggs, e agora 
essa passagem desajeitada para o 
questionário. Assim não chega lá. É 
estúpido e maçador. 
CLARICE 
Só lhe estou a pedir que olhe para 
isto. Ou o faz ou não o faz. 
DR. LECTER 
O Jack Crawford deve estar cheio de 
trabalho se já anda a pedir ajuda 
aos seus estudantes. Muito ocupado 
a caçar aquele novo, o Buffalo 
Bill... Que grande malandro! O 
Crawford mandou-a pedir-lhe a minha 
opinião sobre ele? 
CLARICE 
Não, eu vim porque precisamos - 
DR. LECTER 
Quantas mulheres já ele usou, o 
nosso Bill? 
CLARICE 
Cinco... até ao momento. 
DR. LECTER 
Todas esfoladas...? 
!24
CLARICE 
Parcialmente, sim. Mas, Doutor, 
esse é um caso em investigação, e 
não estou envolvida. Se puder - 
DR. LECTER 
Sabe porque lhe chamam Buffalo 
Bill? Diga-me. Os jornais não 
esclarecem. 
CLARICE 
Eu digo-lhe se olhar para este 
questionário. 
(ele reflete, depois 
acena) 
Começou como uma piada de mau gosto 
no departamento de homicídios de 
Kansas City. Comentaram ... que 
este gostava de esfolar as suas 
bossas. 
DR. LECTER 
Sem graça e sem sentido. Porque é 
que acha que ele lhes retira a 
pele, Agente Starling? Maravilhe-me 
com a sua sabedoria. 
CLARICE 
Porque o excita. A maior parte dos 
assassinos em série guardam algum 
tipo de troféus. 
DR. LECTER 
Eu não guardava. 
CLARICE 
Pois não. Comia-os. 
Um momento de tensão, seguido de um sorriso dele, face a 
este pequeno atrevimento. 
DR. LECTER 
Mostre-me lá isso. 
Ela passa-lhe o questionário através da gaveta deslizante 
das refeições. 
Ele ergue-se, dá uma olhadela, passando desdenhosamente uma 
ou duas páginas. 
!25
DR. LECTER 
Ó Agente Starling... acha que me 
consegue dissecar com este 
instrumentozinho rombo? 
CLARICE 
Não. Tinha só esperança que o seu 
conhecimento - 
Subitamente, ele empurra a gaveta de volta para ela, com um 
CLANG metálico que a faz saltar. A voz dele continua a ser 
um agradável ronronar. 
DR. LECTER 
Você é tãoooo ambiciosa, não é...? 
Sabe o que é que você me parece, 
com a sua bolsa cara e sapatos 
baratos? Parece uma saloia. Uma 
saloia bem escovada, esforçada, com 
um pouco de gosto... Uma boa 
nutrição deu-lhe ossos bem 
desenvolvidos, mas nem uma geração 
a separa dos saloios miseráveis, 
pois não, Agente Starling...? Esse 
sotaque que se esforça tanto por 
eliminar - pura Virgínia Oeste. O 
que era o seu pai, minha querida? 
Um mineiro do carvão? Tresandava a 
óleo da lamparina...? Ah, sim, quão 
depressa os rapazes repararam em 
si. Todos aqueles agarranços 
aborrecidos e pegajosos, nos bancos 
traseiros dos automóveis, enquanto 
sonhava em sair dali. Ir a qualquer 
lado - sim? Ir até ao fim - para o 
F... B... I... 
Cada palavra dele atinge-a como um pequeno dardo bem 
apontado. Mas ela cerra os lábios e não cede terreno. 
CLARICE 
Você é muito perceptivo, Dr. 
Lecter. Mas é suficientemente forte 
para apontar esse alto nível de 
percepção a si mesmo? Que tal fazer 
isso...? Olhar para si e escrever a 
verdade? 
(devolve a gaveta) 
Ou talvez tenha medo de o fazer. 
DR. LECTER 
Você é uma durona, não é? 
!26
CLARICE 
Um pouco. Sim. 
DR. LECTER 
E como odeia pensar que possa ser 
vulgar. Sim, isso ia doer! Bem, 
vulgar você não é, Agente Starling. 
Só tem o medo de o ser. 
(pausa) 
Agora terá de desculpar-me. Bom 
dia. 
CLARICE 
E o questionário...? 
DR. LECTER 
Um inspetor do Censo uma vez tentou 
testar-me. Comi o seu fígado com 
favas e um belo chianti... Voe de 
volta à sua escola, pequena 
Starling. 
Recua de costas, e depois regressa à sua cama, ficando tão 
imóvel e distante como uma estátua. Frustrada, Clarice 
hesita, até que finalmente coloca a bolsa ao ombro e parte, 
deixando o inquérito na gaveta. Mas apenas alguns passos 
depois, enquanto passa pela 
CELA DE MIGGS 
Vê a criatura de novo nas grades, sibilando na sua direção. 
MIGGS 
M-ordi o meu pulso para p-oder 
morreeeer! V-ês como está a 
sangraaaar? 
A figura sombria sacode a palma da mão na direção dela, e - 
CLARICE 
é salpicada no rosto e pescoço - não com sangue mas com 
pálidas gotas de sémen. Solta um pequeno grito, tocando com 
os dedos a humidade. Abalada, quase em lágrimas, força-se a 
endireitar-se e seguir caminho, procurando um lenço de 
papel. 
De trás dela, o Dr. Lecter interpela-a, muito agitado. 
DR. LECTER (O.S.) 
Agente Starling... Agente Starling! 
!27
Clarice abranda, e pára. Treme, mas faz a escolha difícil de 
virar-se, caminhar de volta, e parar em frente do - 
DR. LECTER 
Que está a tremer de raiva. Por um momento a sua expressão 
abre-se, e temos um vislumbre do próprio inferno. Mas logo 
se recompõe. 
DR. LECTER 
Não queria que isto lhe tivesse 
acontecido. A falta de cortesia é - 
simplesmente horrível para mim. 
CLARICE 
Então, por favor - preencha esse 
teste por mim. 
DR. LECTER 
Não. Mas vou fazê-la feliz... Vou 
dar-lhe uma hipótese de fazer o que 
mais gosta, Clarice Starling. 
CLARICE 
E o que será isso, Dr. Lecter? 
DR. LECTER 
Progredir, é claro. 
(pausa) 
Vá à Split City. Procure A Sra. 
Mofet, uma antiga paciente minha. 
M-O-F-E-T...

Vá, agora. Vá. 
(um sorriso) 
Acho que o Miggs não consegue 
repetir, por muito maluco que seja 
- não acha? 
CORTA PARA: 
NOTA: A tradução é de minha responsabilidade. O texto é usado apenas para efeitos didáticos. 

!28
O memorando de David Mamet 
"Não há pozinho mágico que salve uma cena chata, inútil, redundante ou 
meramente informativa depois de sair dos vossos teclados. A vocês, escritores, 
compete garantir que todas as cenas são dramáticas." -- David Mamet 
David Mamet é um dos grandes argumentistas vivos. Um dos melhores. Um dos poucos 
cujos livros vale a pena ler mais do que uma vez. 
No meu blogue tive o prazer de traduzir um memorando que ele escreveu para um grupo 
de guionistas que estava a liderar num projecto de televisão. 
Esta secção será construída em cima desse texto, que é uma verdadeira aula de escrita de 
guião, e merece ser lido e estudado na íntegra. 
Diferenciar drama e não-drama 
O primeiro ponto que David Mamet salienta é que o objectivo de uma boa cena não é 
passar informação; é criar drama. Drama e informação não são sinónimos. 
"Mas tomem nota: os espectadores não vão procurar o nosso programa 
para ver informação. Vocês não o fariam. Eu não o faria. Ninguém o faria nem o 
http://joaonunes.com
!29
fará. Os espectadores só vão sintonizar o nosso programa, e ficar sintonizados, 
para ver drama." 
Então,segundo Mamet, o que é drama? 
"Drama, uma vez mais, é a missão do herói para ultrapassar aquelas coisas 
que o impedem de alcançar um objectivo específico e premente." 
Estamos aqui completamente de acordo. Como vimos na secção anterior, o drama surge 
quando o protagonista - o herói - quer alguma coisa importante e encontra obstáculos no 
caminho. 
Isso deve acontecer ao nível de cada cena individual. Mamet defende mesmo que antes 
de escrevermos uma cena devemos responder a três questões: 
- Quem quer o quê? 
- O que acontecerá se não o conseguir? 
- Porquê neste momento? 
Estas questões têm algumas implicações muito interessantes. 
A primeira questão realça o facto de que não é só o protagonista que quer alguma coisa 
na cena; os restantes personagens, e especialmente os antagonistas, também têm os seus 
objectivos próprios. É quando estes objectivos são diferentes ou, melhor ainda, antagónicos, que 
surge o conflito e o drama. 
A segunda questão deixa em aberto a possibilidade do herói não conseguir o que deseja 
ou, pelo menos, de não o conseguir de imediato. Isso é condição necessária para que possam 
haver surpresas e para a progressão da estória. 
!30
A terceira questão recorda que uma cena é apenas uma parte da cadeia de eventos que 
compõem a estória. É consequência das cenas anteriores, e dá origem às cenas seguintes. Por isso, 
numa estória bem pensada e escrita, cada cena tem um momento certo para acontecer. 
"Cada cena tem de ser dramática. Isso significa: o personagem principal 
tem de ter uma necessidade simples, linear, e urgente que o/a impele a estar 
presente na cena. Essa necessidade é a razão para ter aparecido. É a razão de ser 
da cena. A tentativa do personagem satisfazer essa necessidade irá, no fim da 
cena, conduzir inevitavelmente ao fracasso – é dessa forma que a cena termina. 
Isso, o fracasso, é o que nos impele, naturalmente, para a cena seguinte. 

Todas estas sucessivas tentativas constituirão, quando juntas, o enredo do 
episódio." 
Estamos pois perante um mecanismo relativamente simples de entender: 
- Na situação inicial da cena os personagens têm objectivos claros e diferentes; 
- O conflito nasce da contradição desses objectivos; 
- Do resultado desse conflito gera-se uma nova situação, que determina a continuação da 
estória. 
Por exemplo, na cena que lemos anteriormente de "O Silêncio dos Inocentes", a jovem 
agente-estagiária do FBI tem um objectivo: interrogar o perigoso Dr. Hannibal Lecter com vista 
a que ele preencha um questionário de perfil psicológico. 
Lecter, por sua vez, tem objectivos de curto e longo prazo. No curto prazo, quer apenas 
animar um pouco a sua monótona vida de prisioneiro de alta segurança; no longo prazo, 
pretende escapar dessa situação. 
!31
O resultado é um jogo de perguntas e respostas em que cada um vai dando alguma 
informação, sonegando outra, exigindo outra ainda em troca. 
No fim da cena Clarice não consegue o seu objectivo explícito na cena, mas Hannibal 
Lecter dá-lhe algo mais valioso: informações sobre o caso de um outro psicopata, levando Clarice 
para a trama central do filme. Essas informações fazem avançar a estória para a etapa seguinte. 
Cumprem-se dessa forma as três funções da cena: faz avançar o enredo; aumenta a 
tensão dramática; e revela muita coisa, tanto sobre o caráter de Clarice como de Lecter. 
Qualquer cena, pois, que não faça simultaneamente avançar o enredo e não se sustenha 
por si só (ou seja, pelos seus próprios méritos dramáticos) ou é supérflua ou está mal escrita. 
Uma coisa muito importante é não confundir conflito com discussão. Na cena analisada 
Clarice e Lecter não precisam estar aos berros ou a lutar para que a cena tenha conflito e drama. 
As palavras, e as ideias por trás delas, são suficientes para criar uma enorme tensão dramática. 
A cena inclui também uma surpresa final, introduzida através de um outro paciente, que 
muda a atitude de Lecter e introduz uma importante viragem na cena e na estória. 
Recordo: Drama = Conflito + Surpresas 
O perigo da exposição 
Outra coisa que David Mamet não se cansa de alertar é para o perigo das cenas que se 
destinam meramente a passar informação necessária para compreender a estória. 
Chama-se a esse tipo de informação EXPOSIÇÃO. Vejamos um exemplo. 
Imaginemos que um dos personagens de uma estória é paraplégico e é importante 
ficarmos a saber quais as circunstâncias em que ele ficou assim. A maneira errada de o fazer seria 
colocar outro personagem a dizer-lhe: "Ó Pedro, que pena teres ficado paraplégico num acidente 
!32
automóvel em que estavas a perseguir o teu pior inimigo. Se não fosse isso podíamos agora ir os 
dois atrás dele". 
Uma maneira melhor de dar essa mesma informação poderia ser, por exemplo, com a 
cena seguinte: 
INT. GABINETE DA PJ - DIA 
Pedro está sentado na sua cadeira de rodas junto à janela. 
Rui aproxima-se dele. Traz um envelope de correio na mão. 
Pedro aceita-o, retira a carta do interior, e lê-a em 
silêncio, sem demonstrar qualquer emoção. Quando termina 
volta a guardar a carta e olha pela janela. 
RUI 
E então - o que é que diz? 
PEDRO 
O que é que esperavas? 
RUI 
Não vão pagar-te? Nem o carro? 
Pedro olha para Rui com um sorriso irónico. 
PEDRO 
O seguro particular não cobre 
perseguições policiais. Nem tem de 
cobrir, realmente. Não é da conta 
deles. 
RUI 
Filhos da mãe! Se fosse para salvar 
a pele, já te pagavam tudo. Filhos 
da-- 
PEDRO 
(interrompendo) 
Guarda essa raiva para apanhar o 
Morais. Vais ter de o caçar 
sozinho. 
Devolve a carta a Rui. 
PEDRO 
E usa sempre o carro do 
departamento. 
!33
Não será uma cena brilhante, mas transmite exactamente a mesma informação de uma 
forma mais natural, subtil e, atrevo-me a dizer, interessante. 
A tarefa do guionista é precisamente encontrar maneiras de passar a informação 
necessária dentro do contexto da tensão dramática. 
"Alguém tem de fazer com que a cena seja dramática. Isso não é tarefa dos 
atores (a tarefa dos atores é serem verdadeiros). Não é tarefa dos realizadores. A 
tarefa deles é filmar a cena sem complicar e lembrar os atores para falarem 
depressa. É a vossa tarefa." 
Escrita visual 
A pequena cena anterior também serve para demonstrar a preocupação com que Mamet 
termina o seu texto: 
“Lembrem-se de que estão a escrever para um meio visual. A maior parte 
da escrita para televisão, incluindo a nossa, soa a rádio. A câmara pode dar as 
explicações por vocês. Deixem-na fazê-lo. O que é que os personagens estão a 
fazer – literalmente. Onde é que mexem, o que estão a ler. O que assistem na 
televisão, o que estão a ver. Se fingirem que os personagens não podem falar, e 
escreverem um filme mudo, estarão a escrever drama de primeira categoria.” 
A escrita para cinema e para televisão é uma escrita especial, porque se destina a ser 
transformada em imagens, sons, palavras, movimentos, expressões. Devemos pois aproveitar 
todos esses recursos para mostrar o que queremos contar. 
Há cinéfilos que consideram que o cinema, no que tem de mais específico e original, 
terminou com a chegada dos filmes sonoros. É uma posição radical e exagerada, mas não deixa 
!34
de ter uma pontinha de verdade. Todos os elementos constituintes da linguagem cinematográfica 
já estavam desenvolvidos e eram praticados no início do século XX, nos que agora chamamos de 
filmes mudos. 
É evidente que o som ampliou as possibilidades dramáticas do cinema, como pudemos 
ver na cena de "O Silêncio dos Inocentes", e como veremos na cena com que termina esta 
secção. Mas só temos a ganhar se explorarmos todo o potencial narrativo da linguagem 
cinematográfica antes de recorrermos às palavras. 
Vamos ler então a cena seguinte, retirada do filme "Chinatown", escrito por Robert 
Towne, e façamos um pequeno exercício. Aplicar a esta cena o teste com que David Mamet 
termina o seu texto: 
"Termino com o pensamento nuclear: olhem para a cena e perguntema vós 
mesmos "Está dramática? É essencial? Faz avançar o enredo?" 
!35
"CHINATOWN" 
Escrito por

Robert Towne 
EXT. CASA DO BUNGALOW – ESTRADA DE ADELAIDE 
Gittes estaciona o Buick de Mulwray. Corre para a porta da 
frente e bate com força. 
O empregado chinês abre a porta. 
EMPREGADO CHINÊS 
Espere aqui. 
GITTES 
(frase curta em chinês) 
Espere você. 
Gittes empurra-o e passa por ele. Evelyn, com um aspecto um 
pouco cansado mas contente por o ver apressa-se a chegar à 
porta. Agarra no braço de de Gittes. 
EVELYN 
Como estás? Estava a ligar para ti. 
Olha para ele, procurando no seu rosto. 
GITTES 
Sim? 
Passam para a sala. Gittes vai olhando em redor. 
EVELYN 
Conseguiste dormir? 
GITTES 
Claro. 
EVELYN 
E almoçaste? O Kyo will pode 
preparar alguma coisa. 
GITTES 
(abruptamente) 
Onde é que está a miúda? 
EVELYN 
Lá em cima. Porquê? 
!36
GITTES 
Quero vê-la. 
EVELYN 
...está a tomar banho... porque é 
que a queres ver? 
Gittes continua a olhar à volta. Vê roupas preparadas para 
embalar num quarto que dá para a sala. 
GITTES 
Vão para algum lado? 
EVELYN 
Sim. Temos que apanhar o comboio às 
4:30. Porquê? 
Gittes não responde. Vai ao telefone e marca um número. 
GITTES 
J. J. Gittes para o Tenente Escobar 
EVELYN 
O que é que estás a fazer? O que é 
que se passa? Disse-te que temos de 
apanhar o das 4:30. 
GITTES 
(interrompendo-a) 
Vão perder esse comboio! 
(para o telefone) 
Lou, vem ter comigo a 1412 
Adelaide. é acima do Santa Monica 
Canyon... sim,logo que possas. 
EVELYN 
Porque é que fizeste isso? 
GITTES 
(um momento, e depois) 
Conheces bons advogados de direito 
criminal? 
EVELYN 
(baralhada) 
Não... 
GITTES 
Não te preocupes. Posso recomendar 
alguns. São caros mas tu podes 
pagar. 
!37
EVELYN 
(neutra mas com grande 
raiva) 
De que raio se trata isto? 
Gittes olha para ela, e depois tira o lenço do bolso da 
frente do casaco. Desdobra-o na mesa da sala, revelando os 
óculos bifocais, com uma lente ainda intacta. Evelyn olha-os 
sem reacção. 
GITTES 
Encontrei isto no teu quintal. No 
lago dos peixes. Pertenciam ao teu 
marido, não é verdade?... não é 
verdade? 
EVELYN 
Não sei. Quero dizer, provavelmente 
sim. 
GITTES 
Com certeza que sim. Foi lá que ele 
se afogou... 
EVELYN 
O que é que estás a dizer? 
GITTES 
Não está na altura de se mostrar 
chocada com a verdade, Sra. 
Mulwray. O relatório do médico-
legista prova que ele foi morto em 
água salgada. Pode acreditar nisso. 
Agora só quero saber quando e como 
isso aconteceu. E quero saber antes 
do Escobar chegar aqui, porque 
gostava de ficar com a minha 
licença. 
EVELYN 
Não sei do que é que estás a falar. 
Iso é a coisa mais louca... a coisa 
mais maluca que alguma vez... 
Gittes está num estado de grande agitação. Levanta-se e 
abana-a. 
GITTES 
Pára! vOu tornar isto mais fácil 
para ti. Estavas com ciúmes, 
lutaram, ele caiu, bateu com a 
cabeça. Foi um acidente mas a sua 
miúda viu tudo. Tiveste de lhe 
!38
pagar para se calar. Não tens 
estômago para lhe fazer mal, mas 
tens dinheiro para a silenciar. Sim 
ou não? 
EVELYN 
...não... 
GITTES 
Quem é ela? E não me venhas com 
tretas de ser tua irmã. Não tens 
nenhuma irmã. 
Evelyn treme descontroladamente. 
EVELYN 
Eu digo-te a verdade... 
Gittes sorri. 
GITTES 
Isso é bom. Como é que ela se 
chama? 
EVELYN 
Katherine. 
GITTES 
Katherine?... Katherine quê? 
EVELYN 
Ela é minha filha. 
Gittes olha-a fixamente. Está carregado de raiva e quando 
Evelyn diz isto, explode. Dá-lhe uma estalada no rosto. 
Evelyn continua a olhar para ele. O golpe arrancou-lhe 
lágrimas, mas não se mexe, nem para se defender. 
GITTES 
Quero a verdade! 
EVELYN 
É minha irmão. 
Gittes esbofeteia-a de novo. 
EVELYN 
É minha filha. 
Gittes esbofeteia-a de novo. 
EVELYN 
Minha irmã. 
!39
Bate-lhe de novo. 
EVELYN 
Minha filha, minha irmã. 
Derruba-a finalmente, atirando-a para cima de um vaso chinês 
barato, que se desfaz, e ela deixa-se cair no sofá, 
soluçando. 
GITTES 
Eu disse que queria a verdade. 
EVELYN 
(quase a gritar) 
Ela é minha irmã e minha filha! 
Kyo surge a correr nas escadas. 
EVELYN 
(continuando; em chinês) 
Por amor de Deus, Kyo, não a deixes 
descer, volta para cima! 
Após fitar Gittes por um momento Kyo vira-se e sobe as 
escadas de novo. 
EVELYN 
O meu pai e eu, compreendes, ou é 
muito difícil para ti aceitar isso? 
Gittes não responde. 
EVELYN 
...ele teve um colapso nervoso... a 
barragem rebentou... a minha mãe 
morreu... ele tornou-se uma 
criança... eu tinha quinze... ele 
perguntava-me oq ue devia comer ao 
pequeno-almoço, que roupas 
vestir!... E então aconteceu... e 
eu fugi... 
GITTES 
Para o México... 
Ela abana a cabeça afirmativamente. 
EVELYN 
O Hollis apareceu e tomou... conta 
de mim... depois dela nascer... ele 
disse... ele tomou conta dela... eu 
não podia vê-la... eu queria mas 
não podia... só queria vê-la de vez 
!40
em quando... cuidar dela... só 
isso... mas não quero que ela 
saiba... não quero que ela saiba... 
GITTES 
...então é por isso que o odeias... 
Evelyn levanta lentamente o olhar para Gittes. 
 EVELYN 
Não... por me ter virado as costas 
depois disso acontecer! Ele não 
conseguia encarar os factos... 
(chorando) 
Odeio-o. 
Gittes sente uma necessidade súbita de alargar a gravata. 
GITTES 
Sim... para onde é que a estás a 
levar agora? 
EVELYN 
De volta ao México. 
GITTES 
Não podes ir de comboio. O 
Escobar'll via procurar-te em todo 
o lado. 
EVELYN 
E de avião? 
GITTES 
Pior ainda. Desaparece daqui. Põe-
te já a andar, deixa tudo. 
EVELYN 
Tenho que ir a casa apanhar as 
minhas coisas. 
GITTES 
Eu trato disso. 
EVELYN 
Para onde é que podemos ir? 
GITTES 
...onde é que o Kyo vive? 
EVELYN 
Connosco. 
!41
GITTES 
Nos dias de folga. A sua morada 
exacta. 
EVELYN 
Okay... 
Pára de repente. 
EVELYN 
Não eram do Hollis. 
Por um instante Gittes não sabe do que ela está a falar. 
Depois segue o seu olhar até aos óculos pousados no lenço. 
GITTES 
Como é que sabes? 
EVELYN 
Ele não usava bifocais. 
Gittes pega nos óculos, olha para lente, fica perdido por 
alguns momentos. 
EVELYN 
Das escadas. Tem o braço à volta de Katherine. 
EVELYN 
Diz olá ao Sr. Gittes, querida. 
KATHERINE 
(das escadas) 
Olá. 
GITTES 
Levanta-se abalado do braço do sofá. 
GITTES 
Olá. 
Com o braço à volta da rapariga, e falando em Espanhol, 
apressa-a na direcção do quarto. Aparece passado alguns 
momentos. 
EVELYN 
(falando para baixo) 
Ele vive 1712 Alameda... sabes onde 
é? 
REACÇÃO – GITTES 
!42
Acena afirmativamente, devagar. 
GITTES 
Claro. É em Chinatown. 
NOTA: A tradução é de minha responsabilidade. O texto é usado apenas para efeitos didáticos. 

!43
Um artigo de John August 
Já vimos que uma cena é como uma mini-estória, com os mesmos princípios dramáticos 
em funcionamento. Já vimos quais as questões a colocar para garantir que esses princípios 
dramáticos são aplicados. Vamos agora entrar num campo um pouco mais prático, analisando a 
forma de planear a cena antes de a escrever. 
Para esse efeito vamos apoiar-nos num artigo de um outro importante guionista, o 
americano John August, conhecido pelas suas colaborações com Tim Burton, entre as quais o 
excelente "Big Fish". 
John August tem um óptimo blogue no qual já publicou uma enorme quantidade de 
informação útil. É um recurso indispensável para quem domine a língua inglesa. Entre os seus 
artigos mais populares encontramos este texto sob o seu método para escrever uma cena, que 
passaremos a analisar. 
Dez etapas para escrever a cena 
!44
É muito importante perceber que as dez etapas que John August recomenda são apenas 
indicativas. Cada guionista tem um processo mental próprio, desenvolvido ao longo do tempo, 
com variações deste sistema. 
Ao fim de muita prática a maior parte dos guionistas deixa de pensar analiticamente 
nestas etapas (se alguma vez o fez) e integra-as naturalmente no seu processo de escrita. Mas 
tendo em conta os objectivosdeste livro é importante adoptarmos um método, e este é tão bom 
quanto qualquer outro. 
As dez etapas (mais uma) são, então, as seguintes: 
1. Pergunte: O que tem que acontecer nesta cena? 
2. Pergunte: Que mal aconteceria se esta cena fosse omitida? 
3. Pergunte: Quem tem que estar na cena? 
4. Pergunte: Onde é que esta cena pode decorrer? 
5. Pergunte: Qual é a coisa mais surpreendente que poderia ocorrer nesta 
cena? 
6. Pergunte: É uma cena longa ou curta? 
7. Imagina três formas diferentes de a começar. 
8. Visualize a cena na sua cabeça. 
9. Escreva um rascunho da cena. 
10. Escreva a cena completa. 
11. Repita 200 vezes (para ter um guião). 
Passo a passo 
Vejamos então cada etapa mais detalhadamente. 
1. Pergunte: O que tem que acontecer nesta cena? 
!45
Isto liga-se com o que vimos na secção anterior. Cada personagem entra na cena com 
objectivos definidos, que vai tentar alcançar. No artigo, John August aparenta discordar da 
opinião de Mamet. Argumenta que devem ser os guionistas a mandar na cena, e não os 
personagens. É tudo uma questão de semântica - no fundo, somos sempre nós, os autores, que 
decidimos quais são os objectivos dos personagens e se eles os vão alcançar ou não, em função do 
curso que queremos dar à estória. Isso tem de estar definido antes de começarmos a escrever a 
cena. 
2. Pergunte: Que mal aconteceria se esta cena fosse omitida? 
Se nada de mal acontecer se retirarmos a cena, então o melhor é retirá-la mesmo; nada 
de importante está a acontecer nela. Pode até ser dramática ou divertida, mas não faz falta. Nesse 
caso é melhor passar o que ela tem de bom para outras cenas que façam falta. 
3. Pergunte: Quem tem que estar na cena? 
O facto de termos muitos personagens não implica que os tenhamos de usar em todas as 
cenas. Parte da arte do guionista é definir quem entra em cada cena, e o que está a fazer lá. Se, 
por imposição da lógica da estória, tivermos de ter vários personagens na cena, é bom 
encontrarmos formas de tornar a sua presença relevante e interessante. Isso pode passar por dar-
lhes coisas para fazer ou dizer no decurso da cena. 
4. Pergunte: Onde é que esta cena pode decorrer? 
Nem sempre podemos escolher onde uma cena vai decorrer. Por vezes por uma questão 
de lógica da estória, a cena tem de ocorrer num determinado local. Outras vezes, por questão de 
limitações de produção, somos obrigados a usar determinados sítios. 
Mas quando podemos escolher, muitas vezes vamos pela solução mais óbvia ou natural. E 
esta nem sempre é a que mais valoriza a cena. Antes de escrever a cena devemos pensar em 
!46
várias opções de localização que sejam adequadas mas possam acrescentar valor - interesse, 
drama ou surpresa. 
5. Pergunte: Qual é a coisa mais surpreendente que poderia ocorrer nesta 
cena? 
Este é o passo mais original que John August sugere, mas pode conduzir a resultados 
muito interessantes. Consiste em esquecer um pouco os objectivos que definimos para a cena e 
fazermos um pequeno jogo: imaginar a coisa ou coisas mais surpreendentes que poderiam 
acontecer durante a cena. 
Estamos a falar aqui de eventos realmente inesperados - por exemplo, um carro irromper 
pela parede. Em 90% dos casos será apenas um jogo e uma forma de mantermos acesa a 
imaginação durante a fase da escrita, mesmo que não aproveitemos as ideias. Em 9%, poderá 
conduzir a versões mais interessantes e provocadoras das cenas que tínhamos imaginado. E no 
1% que sobra pode originar situações realmente originais e memoráveis. 
6. Pergunte: É uma cena longa ou curta? 
Nem todas as cenas têm a mesma duração numa estória. Muitas vezes isso está 
relacionado com a importância da cena, mas nem sempre: uma cena muito curta pode ter um 
papel crucial no desenrolar de uma narrativa. 
De qualquer forma, essa alternância de momentos mais longos ou mais curtos contribui 
para o ritmo da estória. É pois importante decidir previamente que dimensão a nossa cena 
deverá ter, e escrevê-la dentro desses parâmetros. 
7. Imagine três formas diferentes de a começar. 
O conselho que se dá aos guionistas é começar a cena o mais tarde possível, e sair dela 
logo que o essencial da cena tenha acontecido. Se, por exemplo, a nossa cena consiste num 
!47
encontro entre três amigos num bar, não precisamos de assistir à chegada de cada um deles, aos 
cumprimentos, à encomenda das bebidas, etc. Podemos cortar para o encontro já em curso, com 
os três sentados à mesa, a beber e falar, e terminar a cena logo que o conflito dramático tenha 
decorrido segundo as nossas necessidades. 
Mas John August recorda-nos que não nos devemos ficar por este começo "natural" da 
cena. Porque não começá-la com os três amigos na casa de banho, a urinar em conjunto; ou com 
os três a tentar reparar a máquina de café do bar; ou com os três a ser expulsos do bar pelos 
seguranças? O importante, uma vez mais, é questionarmos a solução que nos ocorre de imediato 
e procurarmos alternativas viáveis, mesmo que no fim regressemos à primeira opção - que muitas 
vezes é mesmo a melhor. 
8. Visualize a cena na sua cabeça. 
Antes de começarmos a escrever, devemos imaginar toda a cena. De olhos fechados, 
recostados na cadeira, vamos imaginar como a cena se vai desenrolar, como se estivéssemos a ver 
o filme na nossa imaginação. Onde estamos; a que horas; quem está presente; o que acontece; 
quem fala; o que diz; que trocas de palavras ou de acções se sucedem. 
Nem sempre vamos conseguir visualizar tudo, e muitas coisas vão mudar quando 
passamos à escrita. Mas é importante fazermos este esforço, para dar realidade e consistência ao 
que vamos escrever. 
9. Escreva um rascunho da cena. 
Depois do exercício de visualização anterior devemos fazer um registo rápido do que 
imaginámos, antes de o esquecermos. É apenas um rascunho, sem descrições nem diálogos 
detalhados. Apenas notas, apontamentos, emoções. Deve ser uma etapa muito rápida, enquanto 
a cena ainda está vívida na nossa imaginação. 
!48
10. Escreva a cena completa. 
Com base no rascunho anterior, passamos então a escrever a cena na sua versão 
completa. Não digo "versão final" porque é provável que, até ao fim do processo, ela ainda passe 
por outras rescritas. 
Vamos guiar-nos pelas notas que tomámos, desenvolvendo as situações, enriquecendo as 
descrições, completando as ações, e criando os diálogos. Mas isto não quer dizer que o rascunho 
que fizemos esteja escrito na pedra. É apenas uma fundação que a qualquer momento pode 
evoluir ou mudar substancialmente. 
11. Repita 200 vezes (para ter um guião). 
A 11ª etapa é um toque de humor, para nos recordar que boa parte do trabalho do 
guionista assenta na disciplina, perseverança e capacidade de trabalho. 
Escrever um guião é trabalho duro; escrever um bom guião, é hercúleo. Mas o resultado 
do esforço podem ser cenas tão fantásticas como a que se segue, retirada do filme "Romance 
Perigoso", com argumento de Scott Frank a partir do romance de Elmore Leonard. 
!49
"ROMANCE PERIGOSO" 
Argumento de 

Scott Frank

a partir do romance de

Elmore Leonard 
 
NEGRO 
Escuridão total, nem se vê um ponto de luz. Depois ouvimos o 
motor arrancar, e o carro começa a mover-se. 
FOLEY (VO) 
Estás confortável? 
KAREN (VO) 
Se tivesse um pouco mais de espaço. 
FOLEY (VO) 
Isso não há. Tens um monte de 
tralha aqui. O que é esta porcaria 
toda, afinal? Algemas, correntes... 
O que é esta lata? 
KAREN (VO) 
É para o hálito. Podias 
experimentar. Esguicha um pouco na 
tua boca. 
FOLEY (VO) 
Sua marota, é gás-pimenta, huh? E o 
que é isto - um cacete? Usas isto 
nos pobres desgraçados dos 
delinquentes. 
Um FEIXE DE LUZ surge quando ele descobre uma lanterna e a 
liga. Brinca com a luz nas pernas de Karen, e acalma-se um 
pouco depois de a ver completamente, e finalmente 
pergunta... 
FOLEY (VO) 
Onde é que está a tua arma, a tua 
pistola? 
KAREN 
Na minha bolsa, no carro. 
!50
Passam por cima de algumas lombas. Ouvem-sevozes de homens 
lá fora, à distância. 
KAREN (CONT'D) 
Sabes que não tens nenhuma chance 
de te safares. A polícia já anda aí 
fora, vão parar o carro. 
Ele passa a mão pela coxa dela, a ver se encontra a arma, 
mas também, enfim, só a ver. 
FOLEY 
Eles agora andam lá no canavial a 
caçar cubanos. Eu fiz bem as contas 
para me escapar entre as gotas da 
chuva, se assim podemos dizer.EXT. 
CARRO - NOITE 
Enquanto Buddy acelera para longe da prisão, olhando pelo 
espelho retrovisor... 
INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO 
Jack tenta limpar um pouco de lama do rosto. 
FOLEY 
Bolas, cheirava mal lá em baixo. 
KAREN 
Acredito. Acabaste com um fato de 
novecentos dólares que o meu pai me 
ofereceu. 
FOLEY 
Sim, devia ficar mesmo a condizer 
com a tua caçadeira de dois canos. 
(depois) 
Diz-me lá, como é que alguém como 
tu se torna num xerife federal? 
KAREN 
Atraiu-me a ideia de caçar tipos 
como tu. 
FOLEY 
Tipos como eu, huh. Bem, ouve, 
apesar de ter andado celibatário 
nos últimos tempos, não me vou 
forçar em ti. Nunca fiz isso na 
vida. 
!51
KAREN 
Nem vais ter tempo. Logo que 
passarmos por uma barragem na 
estrada eles vão identificar o 
carro e descobrem em cinco segundos 
a quem pertence. 
FOLEY 
Se conseguirem montá-las a tempo, o 
que eu duvido. E mesmo que 
consigam, estão à procura de um 
monte de latinos baixotes, e não 
dum negro grandalhão a conduzir um 
Ford. 
KAREN 
Deve ser um amigaço, para arriscar 
o couro desta forma. 
Mais lombas. Depois a velocidade aumenta conforme a estrada 
se torna mais suave. 
FOLEY 
Quem, o Buddy? Sim. É um tipo às 
direitas. Quando cumprimos pena 
juntos ele telefonava à irmã todas 
as semanas sem falhar. Ela é uma 
cristã-nova, faz a contabilidade de 
um tele-evangelista. O Buddy liga-
lhe sempre para confessar os seus 
pecados, contar-lhe acerca de cada 
banco que assalta. 
KAREN 
Buddy. Esse é mesmo o nome dele? 
FOLEY 
(woops, pausa) 
É o nome que eu lhe dou, sim 
(para dentro) 
Porra... 
INT. CARRO - AO MESMO TEMPO 
Enquanto Buddy vasculha pelas coisas de Karen enquanto 
conduz. Vai olhando do distintivo e identificação dela para 
a estrada. 
!52
INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO 
KAREN 
E então, como é que te chamas? Vais 
estar nas notícias amanhã, de 
qualquer jeito. 
FOLEY 
Jack Foley. Possivelmente já 
ouviste falar de mim. 
KAREN 
Porquê, és famoso? 
FOLEY 
Na altura em que fui preso na 
Califórnia? O FBI disse-me que 
tinha roubado mais bancos que 
qualquer outra pessoa no 
computador. 
KAREN 
Quantos foram mesmo? 
FOLEY 
Para dizer a verdade, nem sei. 
Comecei aos dezoito, a conduzir o 
meu tio Cully, e o parceiro dele, o 
Gus. Uma vez foram a um banco em 
Slidell, o Gus salta o balcão para 
apanhar as caixas registadoras e 
parte uma perna. Acabámos os três a 
cumprir pena em Angola. 
KAREN 
Isso foi engraçado. 
FOLEY 
Também achei, por acaso. 
KAREN 
Se fosse eu, tinha deixado o velho 
Gus a rebolar no chão. 
FOLEY 
Acredito que sim. Noutra vez, fiz 
sete anos em Lompoc. E não estou a 
falar do porta ao lado onde os 
tipos do Nixon foram. 
 KAREN 
Eu sei a diferença. Estiveste em 
Lompoc USP, a prisão federal. Já 
!53
entreguei alguns lá. Então, 
basicamente, passaste metade da tua 
vida na prisão. 
FOLEY 
(pausa) 
Basicamente. Sim. Se voltar agora, 
levo trinta anos sem possibilidade 
de sair. Consegues imaginar uma 
coisa dessas? 
KAREN 
Não preciso. Não ando a assaltar 
bancos. 
Ele olha para ela, e depois desvia o olhar, conforme... 
EXT. CARRO - AO MESMO TEMPO 
O carro entra numa autoestrada principal... 
INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO 
Foley brinca com a luz ao longo do corpo dela... 
FOLEY 
Não pareces muito assustada. 
KAREN 
É claro que estou. 
FOLEY 
Não te estás a portar como tal. 
KAREN 
O que é que queres que eu faça? 
Grite? Acho que não ia ajudar 
muito. 
(depois) 
Vou só ficar por aqui, relaxar, e 
esperar que vocês façam asneira. 
FOLEY 
Jesus, pareces a mina ex-mulher a 
falar. 
!54
KAREN 
Foste casado? Com todas essas 
prisões, nem sei como tiveste 
tempo. 
FOLEY 
Foi só um ano, mais dia menos dia. 
Quer dizer, não é que a gente não 
se entendesse bem. Até nos 
divertimos, mas não tínhamos 
aquela... aquela coisa, percebes? 
Aquela faísca, sabes do que estou a 
falar? Tens de ter isso. 
KAREN 
(pensativa) 
Uh-huh. 
FOLEY 
Mas continuamos a falar, apesar de 
tudo. 
KAREN 
Claro. 
EXT. CARRO - AO MESMO TEMPO 
Enquanto Buddy passa por um sinal que indica "MIAMI, 74 
MILHAS". 
INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO 
Ela tenta olhar para ele... 
KAREN 
Sabes, isto não vai acabar bem, 
estas coisas nunca acabam bem. 
FOLEY 
Bom, sim, se eu acabar aí abatido 
como um cão, pelo menos é na rua, e 
não numa maldita vedação. 
KAREN 
Deves achar que és algum Clyde 
Barrow. 
E, por alguns momentos, só ouvimos o som do carro na 
estrada. Depois... 
!55
FOLEY 
Oh, queres dizer, como em "Bonnie e 
Clyde"? Hm. Já viste fotografias 
dele, da forma como usava o chapéu? 
Consegue ver-se que ele tinha 
aquele ar de estou-me-nas-tintas. 
KAREN 
Do chapéu não me lembro, mas 
lembro-me das imagens dele morto na 
estrada, abatido pelos Rangers do 
Texas. Sabias que ele estava 
descalço? 
FOLEY 
A sério? 
KAREN 
Fizeram cento e oitenta e sete 
buracos de bala no Clyde, na Bonnie 
Parker e no carro que conduziam. A 
Bonnie estava a comer uma 
sanduíche. 
FOLEY 
És uma verdadeira enciclopédia de 
factos interessantes, não és? 
KAREN 
Foi em Maio de 1934, perto de 
Gibsland, na Louisiana. 
EXT. AUTOESTRADA - NOITE 
Sossegada. Vazia. Passado um instante um carro passa a voar. 
INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO 
FOLEY 
Essa parte do filme em que eles são 
abatidos? Warren Beatty e a... não 
me lembro do nome dela. 
KAREN 
Faye Dunaway. 
FOLEY 
Sim, gostei dela naquele filme 
sobre a televisão... 
!56
KAREN 
Network. Sim, ela ia bem. 
FOLEY 
E o gajo que dizia que não ia 
aceitar mais merdas de ninguém... 
KAREN 
Peter Finch. 
FOLEY 
Sim, isso. Seja como for, a cena 
em que o Warren Beatty e a Faye 
Dunaway são abatidos? Lembro-me que 
na altura pensei que não era uma má 
forma de partir, se tivesse de ser. 
KAREN 
A sangrar numa estrada rural. 
FOLEY 
Não foi bonito de ver, não, mas se 
fosses naquele carro - a comer uma 
sanduíche - nem sabias o que tinha 
acontecido. 
Ouvimos SIRENES DISTANTES fora de cena... 
INT. CARRO - AO MESMO TEMPO 
Conforme Buddy vê as LUZES A PISCAR que se aproximam no 
sentido oposto. Mantém a calma até os verde e brancos 
ficarem mais perto... mais perto... e passarem a voar. 
INT. PORTA-BAGAGENS - AO MESMO TEMPO 
Conforme as SIRENES UIVAM POR UM MOMENTO, e depois se 
DESVANECEM. 
FOLEY 
É mesmo fácil falar contigo. Estou 
aqui a pensar - imagina que a gente 
se conhecia noutras circunstâncias, 
e metesse conversa, por exemplo, se 
estivesses num bar e eu me 
aproximasse -- o que é que 
aconteceria. 
KAREN 
Nada. 
!57
FOLEY 
Quero dizer, se não soubesses quem 
eu era. 
KAREN 
Provavelmente ias dizer-me. 
FOLEY 
Estou só a dizer que acho que se 
nos tivéssemos conhecido noutras 
circunstâncias... 
KAREN 
Deves estar a brincar. 
Silêncio. Foley tenta retornar à parte em que as coisas 
estavam a funcionar... 
FOLEY 
Outro da Faye Dunaway de que 
gostei, Os Três Dias do Condor. 
KAREN 
Com o Robert Redford, quando era 
jovem. 
FOLEY 
Sim... 
Ficam ali deitados por um momento, a pensar nisso, enquanto 
ouvimos O CARRO A ABRANDAR, encostar, e depois saltar a 
berma da estrada até se imobilizar. 
KAREN 
No entanto, nunca achei que fizesse 
sentido, a forma como eles ficam 
juntos tão depressa. 
FOLEY 
Na realidade? 
KAREN 
Quero dizer, romanticamente. 
FOLEY 
Uh-huh. 
(depois) 
Bom, mas e se -- 
O porta-bagagens volta a ficar às escuras ao mesmo tempo que 
o carro é desligado. 
!58
BUDDY (OS) 
Ainda estão vivos aí dentro? 
E a tampa do porta-bagagens é levantada, mostrando Karen e 
Foley deitados no fundo. Foley sai. Karen não se mexe. 
FOLEY (OS) 
Onde raio é que estamos? 
BUDDYA autoestrada é já ali. O Glenn 
está lá à espera com o outro carro. 
FOLEY 
OK, doçura, podes sair daí. 
Karen estica-se, rola do lado direito para o lado esquerdo, 
segura a sua Sig Sauer com ambas as mãos e aponta-a na 
direcção dos dois, que estão de pé à sua frente, no escuro 
mas ali mesmo. 
KAREN 
Ponham as mãos no ar e virem-se. 
Agora. 
FOLEY 
Merda... 
Foley baixa a tampa, e ele e Buddy movem-se em direcções 
opostas, ao mesmo tempo que ela começa a disparar do 
interior... 
NOTA: A tradução é de minha responsabilidade. O texto é usado apenas para efeitos didáticos. 

!59
 Os Arquétipos 
Num livro de grande influência para as gerações de guionistas mais recentes, "Writer's 
Journey: Mythic Structure for Writers", o autor Christopher Vogler analisa o que ele designa pela 
estrutura mítica das narrativas. 
Inspirado pelos estudos do mitologista Joseph Campbell, delineou uma adaptação da 
chamada "Viagem do Herói", presente em todas as tradições, para as necessidades das narrativas 
contemporâneas. 
Um dos elementos fundamentais da sua análise são os Arquétipos, ou seja, 
determinados tipos de personagens com padrões de comportamento comuns que são uma 
herança partilhada da raça humana, e aparecem nas tradições narrativas de todas as épocas e 
civilizações – fábulas, lendas, contos tradicionais, textos mitológicos, tradições orais, etc. 
Estes arquétipos não devem ser confundidos com os estereótipos, que são personagens 
padronizadas e sem profundidade, a que muitos guionistas recorrem por incapacidade ou 
preguiça: o chefe de polícia irascível, o taxista irritante, a vizinha coscuvilheira, etc. 
!60
Os arquétipos, pelo contrário, são peças muito profundas e antigas daquilo que o 
psicólogo Carl Jung designou como o inconsciente colectivo de todas as culturas, uma espécie de 
memória partilhada e herdada ao longo dos tempos. 
Há um grande número de arquétipos, que devem ser encarados não como papéis rígidos 
e imutáveis, mas como funções desempenhadas temporariamente por certos personagens para 
determinados fins na evolução da estória. 
Nesta perspectiva, defendida por Vogler, os arquétipos são como máscaras que os 
personagens colocam em determinadas ocasiões, para desempenhar certas funções dramáticas. 
Os arquétipos mais importantes, que analisaremos sucintamente de seguida, são: 
• O Herói 
• O Mentor 
• O Guardião da Passagem 
• O Arauto 
• O Mutante ("shapeshifter") 
• O Sombra 
• O Impostor/trapalhão ("trickster") 
Mas há muitos outros, que podem surgir autonomamente ou em combinação com 
qualquer um dos anteriores: o Lobo, o Caçador, a Mãe, a Madrasta Malvada, a Fada Madrinha, 
a Eterna Criança, etc. 
Vejamos então, segundo a análise de Vogler, o que caracteriza e quais são as funções dos 
principais arquétipos: 
!61
O Herói - é aquele que existe para proteger e servir. Grande parte das histórias são 
narrativas de um Herói que sacrifica o seu conforto para devolver o equilíbrio ao seu mundo, à 
sua comunidade. 
É com o Herói que a audiência se identifica no decurso da narrativa, são as suas acções 
que segue, é através da sua transformação ou sacrifício que o espectador tira satisfação da estória. 
A Sombra – é, por natureza, o antagonista primordial. Representa toda a energia negra, 
todos os sentimentos reprimidos, os traumas e as emoções escondidas ou negadas. 
A sua função dramática é desafiar o Herói, criar os obstáculos para que os seus feitos 
sejam ainda mais notáveis. Esta máscara da Sombra pode ser usada por um só personagem ao 
longo da estória, ou por vários. Até o Herói pode, em certos momentos, ser a sua própria 
Sombra. 
O Mentor – é normalmente um homem ou mulher mais velho, mais sábio, que 
representa o lado da nossa personalidade que está mais atento às coisas, mais ligado ao 
conhecimento e à evolução. 
Dramaticamente, o Mentor ajuda o Herói de várias formas: ensinando-o; dando-lhe um 
objecto especial ou informação essencial; sendo a sua consciência ou motivação; ou iniciando-o 
em qualquer tipo de mistérios (mesmo os sexuais). 
O Guardião da Passagem – muitos dos obstáculos que o Herói tem de ultrapassar na 
sua viagem são passagens, portais para outro nível de evolução da estória. 
É frequente que nessas passagens haja um tipo de personagens, os Guardiões, que as 
defendem dos transgressores, tornando-se assim antagonistas do Herói. Não são geralmente os 
antagonistas principais, mas cumprem a função de dificultar ou atrasar o progresso do Herói. 
O Arauto – é um personagem que traz informações, notícias, e normalmente más. 
!62
Está muitas vezes associado ao gatilho, ao inciting incident da estória, aquele evento que 
torna impossível ao herói continuar com a sua vida normal e o obriga a lançar-se à viagem para 
repor o equilíbrio perdido. A sua função é, pois, anunciar a necessidade de mudança. 
O Mutante (Shapeshifter) – é um tipo de personagem de natureza misteriosa, uma 
incógnita no caminho do Herói, que vai assumindo contornos diversos conforme a estória vai 
evoluindo. 
É possível que a relação romântica, ou um aliado do Herói, assumam em alguns 
momentos esta máscara. Para Jung ele representa o animus ou anima, os elementos masculinos 
ou femininos que complementam o nosso inconsciente feminino ou masculino, e que nós não 
entendemos. E como não entendemos estas figuras Mutantes, elas contribuem com tensão e 
dúvida para a estória. 
O Impostor/Charlatão (Trickster) – são os personagens cómicos, farsantes, 
brincalhões, que introduzem a confusão, o humor, ou o caos nas narrativas. 
Em muitas estórias de pendor cómico o próprio Herói pode usar esta máscara de 
Impostor/Trapalhão. Na maior parte das estórias, contudo, é a um aliado que compete essa 
função. E em alguns casos, como o Joker da saga Batman, ela pode até cair no antagonista, ou 
Sombra, para usar a mesma terminologia. 
Os arquétipos são ferramentas úteis para analisar os nossos personagens. 
Podemos, em cada momento, tentar perceber qual a máscara que um determinado 
personagem deve utilizar, que função pode ou deve desempenhar na evolução da narrativa. 
Com isso conseguiremos, seguramente, personagens mais ricos e, sobretudo, mais 
sintonizados com a experiência narrativa da raça humana. 
!63
O formato do guião 
Os guiões têm um formato próprio que, mais coisa menos coisa, é praticamente universal. 
Este formato desenvolveu-se ao longo do tempo até atingir o estado actual. Há, pois, razões 
históricas para ele existir, mas também há razões práticas. 
Um formato estandardizado permite aos autores escrever sem terem de estar a inventar a 
roda em cada novo guião. 
Simplifica a vida de todos os profissionais que trabalham em cinema. De cada vez que 
entram num projecto novo não precisam de estar a aprender de novo a ler um guião. 
Permite a existência de softwares especializados, como o Final Draft, Scrivener ou 
WriterDuet, que deixam ao guionista apenas a preocupação com a escrita. 
Finalmente, como uma página de guião escrita neste formato corresponde, em média, a 1 
minuto de filme, fica muito mais simples avaliar a duração do guião e o seu ritmo. 
Este último ponto causa muitas dúvidas aos guionistas iniciantes. A sua preocupação é 
sempre como atingir o objectivo de um minuto por página. É uma preocupação infundada e 
!64
desnecessária. Estamos a falar de médias, que são influenciadas por muitas coisas: o tipo de filme, 
o género, o estilo do realizador, e até se estamos a usar papel A4 ou Carta. 
O importante é escrever com o formato correcto e apontar para alguma coisa como 90 a 
120 páginas de guião. Tudo o que saia desses números vai causar estranheza e dúvidas a quem 
for avaliar o guião. 
Elementos do formato 
Vamos entrar agora na parte mais prática e técnica. 
Um guião é sempre escrito na fonte Courier 12 pontos - uma fonte mono-espaçada, em 
que todos os símbolos, letras e algarismos, e até os espaços, têm exactamente a mesma largura. 
Isso garanteconsistência e aparência uniforme. 
Uma cena constitui uma unidade de acção dramática independente, no tempo e local em 
que decorre, das cenas imediatamente anteriores e posteriores. 
Está organizada segundo uma determinada lógica e contém alguns elementos 
característicos da escrita de guiões, formatados de uma maneira própria: 
• Cabeçalhos 
• Descrições 
• Nomes 
• Diálogos 
• Parênteses 
• Transições 
O Cabeçalho 
Num guião de cinema uma cena é uma unidade dramática definida por um determinado 
local e período, sem quebras de tempo. 
!65
Se mudarmos de local devemos começar uma nova cena. Se houver uma passagem de 
tempo, mesmo que o local se mantenha, também devemos começar uma cena nova. 
Como é que indicamos que há uma mudança de cena? Introduzindo um novo 
CABEÇALHO. 
Um Cabeçalho é uma linha de texto, alinhada à margem esquerda, escrita totalmente em 
MAIÚSCULAS, com uma linha vazia antes e uma depois. 
Contém três elementos essenciais: 
Deve começar indicando se é uma cena passada num interior ou exterior, INT. ou EXT. 
Deve indicar o local da cena, por exemplo CASA DE JOAQUIM – SALA 
Deve indicar o período do dia ou da noite, separado por um travessão – DIA 
ou NOITE 
Por exemplo, são cabeçalhos válidos os seguintes: 
INT. CASA DE JOAQUIM – SALA – DIA 
ou 
EXT. ESCOLA – CAMPO DE FUTEBOL – NOITE 
Também são válidos, e usados por vezes em Portugal e no Brasil, os cabeçalhos escritos 
numa outra ordem, como os seguintes: 
INT. DIA – CASA DE JOAQUIM 
ou 
EXT. NOITE – RUA 
Mas já não são válidos estes exemplos: 
!66
INT – CAMPO DE RÂGUEBI – CENA 10 
Não tem ponto final depois do INT; não tem lógica um campo de râguebi ser interior; 
e os números de cena não se indicam assim. 
EXTERIOR; Casa do Francisco; manhã 
Deveria ser toda em maiúsculas; começar com EXT.; ser escrita em Courier Normal; 
e usar travessão em vez de ponto e vírgula. 
As Descrições 
Cada nova cena começa com um Cabeçalho, como vimos. O parágrafo seguinte, sepa-
rado por uma linha vazia, é normalmente uma DESCRIÇÃO, ou AÇÃO. 
Descrição, ou Ação, são os parágrafos do guião onde se descreve o que pode ser visto ou 
ouvido no filme (com a excepção dos Diálogos, que têm outro tratamento). 
Isto inclui a descrição dos locais onde as cenas decorrem, dos adereços ou veículos impor-
tantes para a cena, dos personagens, incluindo a sua aparência e roupas, dos efeitos especiais ou 
sonoros, etc. 
Também inclui a descrição das ações, comportamentos, gestos, movimentos dos persona-
gens e outros elementos em cena, desde que dramaticamente relevantes. 
Tudo o que deva ser visto ou ouvido no filme deve ser colocado nas Descrições. Os ameri-
canos têm uma frase para isso; "If it's not on the page, it's not on the stage" – se não está na 
página, não está no filme. 
Algumas notas importantes quanto às Descrições: 
São escritas em maiúsculas e minúsculas, e alinhadas à esquerda. 
São escritas sempre na terceira pessoa do singular do presente. 
Por exemplo: 
!67
Pedro corre. O carro despista- se. Rui olha para cima e 
grita. 
Nunca se usam outros tempos verbais como: 
Pedro olhou. O carro vai despistar-se. Olhei para cima e 
gritei. 
Devem incluir apenas a informação necessária e suficiente para perceber o local, as pes-
soas, as relações e as ações. Informação em excesso pode tornar um guião muito difícil de ler; 
informação em falta pode torná-lo pouco apelativo. 
Sempre que um personagem é apresentado pela primeira vez num guião, o seu nome 
deve ser indicado em MAIÚSCULAS. Também é costume dedicar- lhe uma pequena descrição, 
tanto mais cuidada quanto mais importante ele for. 
Efeitos sonoros, efeitos especiais e alguns acessórios particularmente importantes também 
podem ser destacados em MAIÚSCULAS. 
Os parágrafos de Descrição são normalmente curtos, com duas ou três linhas, como 
demonstrei num artigo do blogue. Isto torna a leitura mais fácil e fluida. 
Podemos dar a entender o ritmo de uma cena através da sucessão e do ritmo da escrita 
das Descrições. 
Personagens, Diálogos e Parênteses 
Na maior parte dos filmes – mesmo nos mudos – os personagens falam. E, quando bem 
utilizados, os Diálogos são um elemento fundamental de um guião. 
Bons diálogos têm algumas características em comum: 
- São elementos de ação, que fazem avançar a trama. 
!68
- São demonstrações de conflito, confrontos orais, que contribuem para a manutenção e 
escalada do drama. 
- Fornecem novos desafios e informações. 
- Não são óbvios nem expositivos. Não estão na cena apenas para cumprir alguma função 
de passar informação, ou responder a alguma necessidade. 
- São vivos, dinâmicos, interactivos, e variados. Contribuem para o ritmo e dinâmica das 
cenas. 
- Soam a verdadeiros, parecem retirados da vida real, embora, quando analisados à lupa, 
demonstrem ser uma construção rigorosa, económica e depurada. 
- São adequados aos personagens que os falam; às suas características sociais, históricas, 
psicológicas. 
- São cheios de segundos sentidos e interpretações paralelas, aquilo a que normalmente se 
chama o "subtexto". 
Em termos formais, para apresentar os diálogos num guião usam-se três elementos: os 
PERSONAGENS, DIÁLOGOS e PARÊNTESES. 
O elemento Personagem identifica quem fala; o elemento Diálogo identifica o que ele diz; 
e o elemento Parênteses dá indicações adicionais que não sejam óbvias da leitura do diálogo. Por 
exemplo, um tom especial (irónico) ou a quem se dirige a fala, quando há várias pessoas (para 
Rita). 
Um bloco de diálogos pode então ter este aspecto: 
Pedro entra na cozinha onde Rita está a fazer café. 
PEDRO 
Queres saber o que me aconteceu 
hoje? 
!69
RITA 
(irónica) 
Mal posso esperar... 
PEDRO 
(pausa) 
Queres saber, ou não? 
RITA 
(para a sala) 
Paula, tomas um cafézinho? 
(para Pedro) 
Estavas a dizer...? 
Indicações de Planos e Transições 
Quando procuramos na net guiões para ler muitas vezes encontramos os chamados 
shooting scripts, ou guiões de rodagem. São versões dos guiões que já foram rescritas para servir 
de guia durante a rodagem do filme e incluem muitas indicações técnicas, como planos, 
movimentos, transições, etc. 
Por exemplo, o guião de "A Rainha Africana" começa assim: 
EXT. A NATIVE VILLAGE IN A CLEARING BETWEEN THE JUNGLE AND 
THE RIVER. LATE MORNING 
LONG SHOT -- A CHAPEL 
As indicações de LONG SHOT, MEDIUM SHOT, CLOSER SHOT, REVERSE 
ANGLE, DISSOLVE TO:, etc., sucedem-se nas páginas desse tipo de guiões, o que pode criar a 
ideia de que é obrigação do guionista dar este tipo de informação. 
Na realidade, é exatamente o contrário. 
Os guiões normais em que trabalhamos são os chamados guiões literários. O seu objetivo 
é contar a estória do filme de uma forma envolvente, que transporte o leitor para dentro do 
universo dramático e o ajude a imaginar o filme. 
!70
Indicações de planos ou movimentos de câmara, paradoxalmente, têm o efeito contrário. 
Em vez de prender o leitor, quebram o fluxo da narrativa e afastam-no do filme imaginado. 
O mesmo se passa com as Transições. Tradicionalmente os guiões indicavam sempre a 
forma de passagem de uma cena para outra: CUT TO, DISSOLVE, SMASH CUT, etc. 
Mas a tendência actual é no sentido de simplificar e não usar muitas indicações de 
Transição. Tal como os Parênteses, devemos reservá-las apenas para quando não sejam óbvias e 
acrescentem algo de especial à narração. A Transição por defeito é o CORTA PARA:, e por isso 
não é necessária indicá-la. 
De forma geral, devemos resistir à tentação de substituir os actores e o realizador com 
excesso de indicações. 
A direção que podemos e devemos fazer num guião é indireta e subjetiva. Por exemplo, se 
escrevermos 
A ponta do pé de Rita bate no chão em cadência acelerada. 
estamos a sugerir implicitamente um CLOSE UP do pé de Rita. O leitor vai imaginar a 
cena assim, sem nós precisarmos de o explicitar indicando um Plano na descrição. 
Não devemos perder tempo a darindicações de câmara ou de montagem no guião. Os 
leitores não gostam – e os realizadores também não. 
Software de escrita 
Nos tempos antigos os guionistas escreviam os seus guiões em máquinas de escrever, essas 
lindas peças quase arqueológicas que agora só usamos para decoração. Respeitar o formato 
correcto das páginas do roteiro era um quebra-cabeças, que só muito tempo, e prática constante, 
acabavam por resolver. Os grandes estúdios de Hollywood, por exemplo, tinham departamentos 
de estilo que dactilografavam todos os guiões finais para assegurar a consistência do formato. 
!71
Os processadores de texto resolveram muitos desses problemas. Com um pouco de 
trabalho conseguimos criar modelos que respeitam, quase automaticamente, as regras correctas 
de formatação de um guião. 
Mas o trabalho do guionista deve ser escrever boas estórias e boas cenas, não andar a 
preocupar-se com o formato. Para esse efeito há processadores de texto vocacionados 
especificamente para a escrita de guiões. 
O mais conhecido destes softwares é o Final Draft, um programa profissional mas muito 
caro. Mas há muitas alternativas mais baratas, como o Scrivener (acessível, e o meu favorito), e 
até algumas gratuitas, como o WriterDuet (gratuito, online). 
É este último que recomendo para o desafio individual que deverá ser efectuado na 
sequência desta aula: escrever uma cena de guião. 
Porquê o WriterDuet? 
Em primeiro lugar, porque é gratuito. Mas não se fica por aí. 
O WriterDuet é um software de escrita de guião acessível online através do browser. Está 
a ser proposto como a forma mais prática de escrever um guião a meias com outro autor, via 
web, mas é também um excelente programa de escrita de guiões para qualquer pessoa que tenha 
acesso permanente à net. 
O seu interface é simples e intuitivo, usando a mesma técnica de formatação que a 
maioria dos softwares congéneres usam – a combinação das teclas de "tabelação" e "parágrafo" 
para mudar entre os diferentes elementos do texto, como Cabeçalhos, Personagens, Diálogos, etc. 
Mas tem mais: opções sofisticadas como os diálogos paralelos, notas, um completo e 
intuitivo modo de planeamento dos guiões que permite rearranjar interactivamente as cenas do 
guião, por arrasto, página de título editável, opção de numeração das cenas, etc. 
!72
Podemos ter vários guiões em curso simultaneamente e escrevê-los cooperativamente com 
autores diferentes. O programa inclui um sistema de conversa que permite trocar impressões com 
outros co-autores ao mesmo tempo que se edita um guião em equipa. 
O WriterDuet permite ainda importar guiões escritos noutros programas, o que pode ser 
muito útil na fase de revisão de um guião já escrito e que esteja em pré-produção. Consigo 
imaginar diversos cenários em que uma aplicação como esta me teria poupado muito tempo e 
trocas de emails. 
Melhor ainda, o WriterDuet tem excelentes opções de exportação nos formatos mais 
convenientes e utilizados: PDF, FinalDraft, CeltX e até Fountain (uma sintaxe para formatar 
correctamente um guião em formato de texto simples). Isso garante-nos que, aconteça o que 
acontecer a esta aplicação web, poderemos sempre ficar com cópias dos nossos guiões. 
Se tivermos em atenção que tudo isto nos é oferecido gratuitamente, mediante uma 
simples e instantânea inscrição no site, não há como não gostar de WriterDuet. 
Exercício final 
Termino este livrinho com um exercício prático para completar por si mesmo - o bom e 
velho trabalho de casa. 
O desafio é imaginar e escrever uma cena de três minutos, correspondentes a três páginas 
de texto. 
A cena deverá ser escrita de acordo com os princípios - dramáticos, metodológicos e 
técnicos - que foram apresentados no livro. 
Imagine os personagens participantes, e uma situação em que eles tenham interesses 
conflitantes. Pense num local interessante e escreva a cena aproveitando todos esses factores. 
!73
Conclusão 
Escrever as cenas é apenas uma parte do trabalho do guionista. Mas é uma parte 
absolutamente fundamental, e provavelmente a que lhe ocupará mais tempo. 
Como todas as capacidades humanas, também esta melhora com a prática intencional: a 
repetição, conduzida de forma disciplinada, com vista à evolução, em que se avaliam resultados, 
analisam-se problemas e dificuldades, e testam-se alternativas e soluções. 
Espero que este pequeno livro o estimule a escrever e a refletir sobre a escrita, a procurar 
novos caminhos, e a aperfeiçoar a sua técnica e arte de guionista. 
BOAS ESCRITAS

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