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Abordagem familiar Aspectos-chave A família é a base a partir da qual se aprende a sentir-se parte de algo, a vincular-se emocionalmente, a desempenhar papeis e a ter funções. Na prática do médico de família e comunidade, multifacetada, exigem-se ferramentas/habilidades que facilitem suas intervenções, como saber quando e como se aproximar das famílias. A lógica das intervenções deve ser orientada pelas habilidades de analisar as deixas emocionais e entender as heranças e os padrões de funcionamento daquela família em particular. A compreensão da abordagem familiar sistêmica contribuirá no plano da prevenção, da investigação clínica e do tratamento de casos simples e complexos. OBS.: Os problemas clínicos e emocionais podem ser tratados com uma abordagem individual, centrada na pessoa, mas alguns vão alcançar maior benefício com a abordagem familiar, estando a família presente ou não na consulta. A presença da família possibilita que uma mesma situação seja descrita e compreendida de outra forma. A leitura sistêmica e relacional, por parte do médico, favorece o entendimento circular de causalidade do problema. O que fam lia?é í A definição de família, embora não exclusiva, é a de ser um grupo de pessoas que convivem, têm laços intensos de proximidade e compartilham o sentimento de identidade e pertencimento, que influenciarão, de alguma forma, suas vidas. Esse grupo, em geral, possui objetivos relacionados com a preservação, a nutrição e a proteção daqueles que vivem em conjunto e tem seu próprio modo de perceber o mundo. A família “nuclear” é formada por pai, mãe e filhos, como o modelo-padrão. A família “extensa” é compreendida pelas relações de consanguinidade, e a família “abrangente” inclui os não parentes que coabitam a casa Entender como a família influencia a saúde dá, ao médico(a) de família e comunidade, a oportunidade de antecipar e reduzir os efeitos adversos do estresse familiar e usar a família como recurso para cuidar das pessoas. OBS.: A prática do médico de família e comunidade envolve uma parceria entre o médico, a pessoa e a família. Quando e como chamar a fam lia para a consulta?í Em uma consulta, é ideal que o médico de família e comunidade entre em contato com a família toda vez que um problema passe a fazer parte ou a influenciar o contexto familiar. Para doenças crônicas, situações de não adesão ao tratamento, puericulturas e pré-natais e situações que envolvam problemas mentais e interpessoais, o envolvimento de outros membros da família facilita a compreensão do sistema familiar e a adesão por parte das pessoas ao tratamento. OBS.: Para algumas situações agudas ou autolimitadas, a intervenção objetiva pode ser suficiente para o tratamento dos sintomas. Como pode haver resistência ao convite de trazer a família, já que, em um primeiro momento, as pessoas estão pouco convencidas de que isso trará bons resultados. Por isso, a abordagem pode ser feita perguntando se algum membro da família viria à consulta e convidando-o em algum momento; enfatizando a importância da família como um recurso no tratamento; falando à família sobre a necessidade da sua ajuda ou opinião; e expressando os benefícios da presença da família, tanto para o doente como para a própria família. OBS.: Para vencer a resistência, é importante não aceitar a primeira negativa para o encontro, esclarecer sobre os benefícios em trazer a família, desmistificar o medo de como a família vai responder ao convite, afirmar que está convencido de que essa é a melhor forma de ajudar, sendo positivo e direto acerca da necessidade de ver a família, e explicando a rotina de atendimento. OBS.: O indivíduo e o médico devem decidir, juntos, quem deve comparecer à consulta. OBS.: O formato do convite pode ser feito mediante combinação verbal na primeira entrevista e/ou uma pequena carta direcionada à família, entregue pelo familiar que trouxe a queixa ou o problema; por meio de visita domiciliar, ou seja, qualquer tipo de combinação estabelecida entre médico e a pessoa assistida. O único caso em que há contraindicação em convidar a família e realizar a consulta em conjunto é quando existir o risco de violência direta a alguém: ao indivíduo, a algum dos membros da família, à equipe de saúde ou ao médico. #Bônus Cuidados gerais para conduzir a consulta– , tendo em vista que, no primeiro momento, todos estão se avaliando: - Criar laços harmoniosos que possam dar continuidade ao cuidado; - Manter um relacionamento empático e não crítico com cada pessoa; - Buscar interesses comuns e o melhor entrosamento; - Evitar tomar partido; - Organizar a entrevista; - Encorajar uma pessoa por vez a falar; - Encorajar cada pessoa a fazer declarações na primeira pessoa; - Afirmar a importância da contribuição de cada membro da família - Reconhecer e agradecer qualquer emoção expressada; - Enfatizar os próprios recursos da família; - Solicitar aos membros da família que sejam específicos; - Ajudar os membros da família a organizar seus pensamentos; - Bloquear as interrupções, se persistentes; - Não oferecer conselhos ou interpretações precoces; - Não fornecer brechas a revelações de confidencialidade da pessoa; - Como facilitador da entrevista, o médico deve dar o tom para a discussão à medida que realiza sua fala. Entrevista com a fam liaí 1- Apresentação social; 2- Aproximação Agradecer a transmissão do convite e a presença. Além disso, é importante buscar pontos de aproximação, conhecer as pessoas e saber seu cotidiano para iniciar o processo de conexão e geração de hipóteses - a partir da linguagem não verbal também. 3- Entendimento da situação Solicite que cada pessoa mostre seu ponto de vista sobre o problema. 4- Discussão Encoraje a família a conversar. Questione como já lidaram com os problemas em outras situações. 5- Estabelecimento de um plano terapêutico Ajude a família a organizar um plano, contribuindo quando necessário com informações médicas, aconselhe, enfatize as questões em comum, realize combinações, lembrando os objetivos, questione se há dúvidas e remarque um novo encontro, se necessário. OBS.: A realização de uma consulta exige sensibilidade emocional, conhecimento técnico e articulação dos sentidos. Todas as pessoas devem estar confortáveis; é fundamental dirigir-se individualmente a cada uma delas e iniciar uma conversa informal, diferente do problema que as trouxe. Muitos médicos que já reuniram informações aproveitam o momento da entrevista para desenhar/ realizar o genograma. Ciclo de vida familiar como ferramenta para o m dico de é fam lia e comunidadeí O ciclo de vida familiar é uma sequência de transformações na história do desenvolvimento da família, até porque cada família passa por diferentes fases em duas vidas e cada nova etapa é um desafio para que a família se organize e obtenha novamente o equilíbrio, para prosseguir para a próxima fase do ciclo. Assim, o simples fato de localizar a fase do ciclo da família e suas crises, durante os atendimentos, é uma ferramenta que permite o médico de família gerar hipóteses, prevendo as possíveis situações que serão enfrentadas pelo indivíduo ou pela família, analisar se o processo emocional esperado para a fase está de acordo com o que é solicitado pelos membros da própria família ou com o contexto sociocultural no qual estão inseridos, e orientar, seja de forma preventiva ou curativa, na busca de (re)estabelecer a funcionalidade familiar/individual. OBS.: O momento de maior vulnerabilidade para o aparecimento de sintomas, em geral, coincide com os períodos de transição de uma fase à outra do ciclo de vida. O sintoma pode sinalizar que a família se imobilizou e está com dificuldades de passar para a fase seguinte. As crises do ciclo de vida familiar podem ser previsíveis, esperadas, ou acidentais, inesperadas, que ocorrem por adoecimento, acidente, separação ou divórcio,perda de emprego, perda de um membro da família, e que exigem cuidados específicos. #Bônus As etapas do ciclo de vida familiar da– população de classe popular: Estágio 1 Adolescente/Adulto jovem● – solteiro: As fronteiras entre a adolescência e a idade adulta jovem são confusas. Os adolescentes são responsáveis por si mesmos e utilizados como fonte de renda a partir dos 10 ou 11 anos de idade. Estágio 2 A família com filhos:● – Começa sem que ocorra necessariamente o casamento, mas com a geração de filhos e a busca por formar um sistema conjugal, assumir papéis paternos e realinhamento dos relacionamentos com a família. Estágio 3 A família no estágio● – tardio da vida: Ocorre com frequência uma composição familiar com três ou quatro gerações. Sendo assim, há pouca probabilidade de haver “ninho vazio”, e muitas vezes a base de sustentação familiar depende da aposentadoria de um dos avós, em geral a avó, que persiste com responsabilidades sobre a sobrevivência de todos. Genograma O genograma é um instrumento para mapear, ampliar o conhecimento sobre a família e realizar intervenções. Trata-se de uma ferramenta de descrever a história das pessoas e suas famílias na prática do(a) médico(a) da família e comunidade. A realização do genograma em uma entrevista oferece uma forma prática de envolver toda a família em uma abordagem sistêmica ao tratamento, permitindo o acesso rápido ao complexo familiar emocionalmente carregado. OBS.: Não é obrigatória a presença de todos os componentes da família para a sua elaboração. OBS.: Alguns médicos de família preferem realizá-lo no início da primeira consulta; outros, quando observam que estão com dificuldades em organizar os fatos. Ainda há os que utilizam o instrumento em si para ajudar a realizar intervenções. Para servir de instrumento de informação sobre a família e da sua dinâmica de relacionamento, a construção do genograma deve ser composta por, no mínimo, três gerações de componentes familiares. OBS.: Esse instrumento pode ser desenhado e atualizado em qualquer momento da história familiar, mostrando as idades e as situações ocorridas no momento em que está sendo realizado. OBS.: A imagem encontra-se no anexo 1. O desenho inicia-se a partir da geração da pessoa que é considerada como o “problema” da família a – pessoa-índice, que é grifada com dupla linha ao redor de sua representação gráfica. Os homens são representados por um quadrado, estando dispostos à esquerda de quem está registrando. As mulheres são representadas por um círculo e colocadas ao lado direito, no casal. As pessoas que moram na mesma casa são circuladas por um tracejado. Ex.: OBS.: Essa imagem encontra-se no anexo 2. Ecomapa É um instrumento de avaliação familiar, por meio de uma representação gráfica, que identifica todos os sistemas envolvidos e relacionados co a pessoa, com a família em questão e com o meio onde vivem. Trata-se de uma excelente ferramenta que resume uma grande quantidade de informações e facilita a visualização de áreas que podem ser exploradas para melhorar o sistema social de apoio por toda a equipe de saúde. O contexto no qual o ecomapa está inserido, que suporta e estrutura o meio relacional do indivíduo ou da família, servirá para ilustrar, compreender, observar, tecer hipóteses, integrar e envolver os recursos disponíveis dessa rede de possível apoio. Apesar de a abordagem sistêmica não ser exclusiva da especialidade médica nem promover a única resposta possível para a atuação, ela tem sido reconhecida como aquela que mais facilita a compreensão do sofrimento humano na atenção primária à saúde. Anexos Anexo 1 Anexo 2 Referência bibliográfica: Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática [recurso eletrônico] / Organizadores, Gustavo Gusso, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias; [coordenação editorial: Lêda Chaves Dias]. – 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019.
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