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- -1 LINGUAGEM TRIDIMENSIONAL UNIDADE 3 - ENTALHE Autoria: Mariana da Silva Buôgo - Revisão técnica: Luciara Bruno Garcia - -2 Introdução Nesta unidade, abordaremos o processo de construção de obras tridimensionais sob a técnica do entalhe. Trata- se do método de criação em que há retirada de material para esculpir a forma. Os meios utilizados para esta técnica são a madeira, o gesso, a pedra e o marfim, materiais com certa rigidez, porém com certa plasticidade, o que permite o trabalho com ferramentas. Pelo uso de formões, goivas, macetes e lixas, o escultor vai trazendo à tona a forma desejada. O entalhe, porém, é uma técnica que exige habilidade do artista e intimidade com o material. O entalhe em madeira é o método mais comum, sendo o Barroco um dos movimentos artísticos que mais utilizou esta técnica em suas figuras sacras. Bons estudos! 3.1 Entalhe em madeira A ação de entalhar é definida no dicionário Michaelis como "realizar entalhe ou corte em madeira" (MICHAELIS, 2020, [ ]) e, ainda, como “esculpir em madeira; cinzelar”. A técnica do entalhe ou talha em madeira evoluiu des.p. forma conjunta à marcenaria e à carpintaria. Na escultura popular brasileira, veem-se alguns notáveis exemplares dessa técnica. Na região de Minas e São Paulo, no Vale do Paraíba e no sul de Minas há, por exemplo, criações em miniatura de imagens sacras, geralmente de tamanhos entre 3 e 4 centímetros realizadas em madeira dura, no chamado nó da madeira. As figuras antropomorfas são esquematizadas, e as fibras da madeira rígida permanecem aparentes também na obra finalizada. Ainda como representação plástica popular em obras tridimensionais em madeira temos as insólitas carrancas do rio São Francisco. As carrancas antropomórficas com aspectos animalescos eram figuras entalhadas em madeira e acopladas às embarcações de populações ribeirinhas, que datam entre 1875/1880 e 1940 (SAIA, 1974). Outra forma de manifestação popular universal em esculturas é o chamado ex-voto. No Nordeste brasileiro, as peças esculpidas em madeira têm tendências e fortes traços da cultura africana. Percebe-se em algumas dessas obras o corte africano, que, como elucida Saia (1974, p. 41), trata-se de “um talhe côncavo que toma toda a extensão do rosto humano, de alto a baixo”, e neste talhe estão inseridos olhos, boca e nariz. Essas esculturas que representam o corpo ou partes dele estão relacionadas ao tipo de milagre referenciado (SAIA, 1974). Veja exemplos na figura “Ex-votos brasileiros agradecendo as graças obtidas, expostos na Igreja de São Francisco das Chagas, em Canindé no Ceará”. VOCÊ SABIA? O entalhe em madeira também pode trazer resultados em arte bidimensional. A xilogravura, por exemplo, é uma técnica de gravura em que um pedaço de madeira é utilizado com matriz. Faz-se o desenho na madeira com incisões e entalhes, trabalha-se a forma, a figura e o fundo da imagem. Depois, com tintas, a imagem é transmitida ao papel, como um carimbo. Uma das formas de literatura popular fez largo uso desse método, o cordel (ALARCÓN, 2019). - -3 Figura 1 - Ex-votos brasileiros agradecendo as graças obtidas, expostos na Igreja de São Francisco das Chagas, em Canindé no Ceará Fonte: Brasil2, iStock, 2020. #PraCegoVer: na imagem estão expostos os chamados ex-votos, que se trata de pedaços do corpo humano entalhados em madeira, como pés, mãos e cabeças, ou órgãos internos como pulmão e coração. A imagem é da Igreja de São Francisco das Chagas, em Canindé no Ceará. CASO O povo karajá habita as margens do rio Araguaia, em uma extensa faixa da Ilha do Bananal. Diz- se que o primeiro contato com os jesuítas deu-se pelo ano de 1658 e com as bandeiras paulistas entre 1718 e 1746. São criações desse povo as bonecas de madeira que serão apresentadas. As , bonecas confeccionadas em madeira, são talhadas em um único pedaço deawa-awa madeira, em alguns casos assumindo a diferenciação dada pela forma, por exemplo, usando forquilhas do galho para dar o formato de pernas. A diferenciação de gênero entre as figuras dá-se por aspectos específicos, como o corte de cabelo e o uso de adornos. O corpo é alongado e não há saliência na cabeça. Os olhos são caracterizados com círculos marcados logo abaixo, os . Nas figuras do gênero feminino, são reproduzidas caracteristicamente aòmarurà protuberância abdominal ligeiramente acima da cintura, causada pela compressão da tanga líber no ventre, tanga feita utilizando a entrecasca de árvores das famílias Lecitidáceas, Sterculiáceas e Moráceas. Entre os karajás existem as bonecas em cerâmica ( ) e as de madeira, sendo estasritxoo confeccionadas essencialmente por homens e fora da fetichização das de cerâmica junto aos turistas, o que lhes garante um caráter mais autêntico, menos comercial (ARAÚJO, 2016). - -4 3.1.1 Cronologia do entalhe em madeira No período da Antiguidade, para o entalhe, assim como para produtos em marcenaria, usavam-se predominantemente o cedro, o pinho e o cipreste. Os elementos gráficos são semelhantes aos verificados nas pinturas de peças cerâmicas e é em Micenas e nas Ilhas Cíclicas que temos peças em madeira construídas com esses motivos. Mais tardiamente, no período helênico, os grafismos sofrem influência oriental e egípcia. Em escavações na província de Roma, ou mesmo em Pompeia, alguns exemplares de entalhes trabalhados em madeiras exóticas foram encontrados, onde a inspiração pela cultura grega é bastante marcante (COSTA, 2014). No fim da Idade Média já era utilizada a decoração retabular em entalhes, porém o momento de intensificação da arte sacra, notadamente com o uso da talha em madeira, dá-se como uma resposta da Igreja de Roma ao movimento da Reforma, ao que chamamos de Contrarreforma. Com esse movimento, reafirmado pelo Concílio de Trento, a organização decorativa das igrejas assume um caráter evangelizador, local que deveria, segundo a Contrarreforma, ser assumido pelos fiéis como a morada terrena de Deus. Na Península Ibérica, a talha é empregada em motivos ornamentais e diferenciados nos altares-mores e altares menores, recobrindo o interior da igreja, até mesmo no teto e em componentes decorativos dos retábulos, esses influenciados pelos arcos triunfais da Roma antiga (COSTA, 2014). Um exemplo pode ser visto na figura “Decoração do século XVI, com trabalho de talha no retábulo e no teto, decoração mesclando características barrocas e do rococó, Igreja Matriz de São Roque, Portugal”. Figura 2 - Decoração do século XVI, com trabalho de talha no retábulo e no teto, decoração mesclando características barrocas e do rococó, Igreja Matriz de São Roque, Portugal Fonte: Wangkun Jia, Shutterstock, 2020. #PraCegoVer: decoração do século XVI, com trabalho de talha no retábulo e no teto, decoração mesclando características barrocas e maneiristas, Igreja de São Roque, Portugal. As imagens em madeira então passam a ter esse caráter educativo devocional, o que daria assistência ao estímulo à adoração. Com o fim do século XIII, é evidenciada a tendência em acentuar a dramaticidade dos temas cristãos. No período Barroco brasileiro, essas figuras difundiram-se tanto em igrejas como no espaço privado da sociedade. As peças criadas teriam como incumbências primordiais a veneração nos altares e o uso de figuras para procissões, rituais e oratórios domésticos (SANTOS, 2017). Santos (2017, p. 4) explica que: A partir de fins do século XVII, os jesuítas deram preferência à madeira, que viria a predominar, - -5 A partir de fins do século XVII, os jesuítas deram preferência à madeira, que viria a predominar, determinando também modificações na conformação das peças. A técnica da época exigia que as peças de barro fossem modeladas compactamente, com um relevo baixo e sem partes projetadas, que poderiam facilmente romper durante o cozimento. Já a madeira possibilitava a escultura com formas abertas, esvoaçantes e dinâmicas, muito mais livres no espaço tridimensional. Algumas peças são pintadas de várias cores, a chamada policromia, que se diz do trabalho de revestimento empintura sobre o entalhe, ou talha (NUNES, 2006). Na arte estatuária barroca, temos a conhecida como imagem de vulto, atribuída àquela que está livre no espaço, ou seja, é trabalhada em todos ângulos, sem prender-se a um fundo. Coelho e Quites (2014 apud SANTOS, 2017) colocam a classificação dessas figuras da seguinte maneira. Talha inteira o u t a l h a completa Não têm articulações, portanto, não há possibilidade de gestualidade nas esculturas. São construídas em um ou vários blocos de madeira e policromados. Os olhos são esculpidos, policromados ou de vidro. Podem ter vestes em tecido, cabelos naturais ou outros acessórios. T a l h a articulada (semiarticulada e totalmente articulada) Nas imagens semiarticuladas, há geralmente movimento nos ombros ou nas pernas. São muito usadas em cerimoniais, garantindo um tom maior de dramaticidade à figura. Podem ser de vestir com partes esculpidas e policromadas, tais como a cabeça, as mãos, os pés, os braços e as pernas. Pode ter o tronco e a cabeça em um bloco único, ou separados, e os cabelos esculpidos e policromados, ou com fios tanto naturais como sintéticos. Os olhos também podem ser esculpidos e policromados, ou de vidro. A talha, ou entalhe em madeira, com traços dos jesuítas, foi utilizada no Brasil como arte cristã desde o século XVII, abrangendo o período do predomínio do barroco no século XVIII, quando se inicia o rococó, por volta de 1760. E, no século XIX, inicia-se o estilo neoclássico. No que diz respeito à evolução estilística da talha, há uma certa dificuldade em acompanhar essa linha evolutiva, pois não estão claras nas obras essa separação dos períodos, sendo possível, inclusive, serem incorporadas características de estilos diferentes em uma única peça (NUNES, 2006). Entre os modernistas, a escultura em madeira teve pouca expressividade. Artistas como Pablo Picasso (1881- 1973) trabalharam com este material, sendo que suas primeiras esculturas quase ou protocubistas, de 1907, são implementadas em entalhe em madeira. Assim como as alongadas "estatuetas vara" que entalhou em pedaços delgados e longos do material. Estatuetas essas que adquirem notoriedade pela semelhança com as figuras humanas alongadas de Alberto Giacometti (1901-1966) produzidas quinze anos depois (READ, 2003). Na arte contemporânea brasileira, cumpre citar o escultor baiano Agnaldo Manoel dos Santos (1926-1962) criador de obras que agregam em suas figuras antropomórficas influências católicas e africanas. Membro atuante da religião dos orixás, os temas de suas criações estavam predominantemente ligados ao culto, com esculturas VOCÊ O CONHECE? Do Barroco brasileiro, o escultor Valentim da Fonseca e Silva (1745-1813), o Mestre Valentim, é um dos seus principais representantes. Seus trabalhos em entalhe e esculturas em madeira adornam igrejas do período, como a Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, no Rio de Janeiro. Sua obra é bastante original e mescla características do barroco e do rococó (MESTRE, 2020). - -6 criador de obras que agregam em suas figuras antropomórficas influências católicas e africanas. Membro atuante da religião dos orixás, os temas de suas criações estavam predominantemente ligados ao culto, com esculturas de Oxóssi, Xangô e Iemanjá, de santos católicos, alguns com atributos mestiços, além de produzir carrancas inspiradas nas figuras dos barcos do rio São Francisco. Seu mestre em escultura foi Mario Cravo Júnior (1923- 2018) que também esculpiu em madeira, tendo como temática a teologia do mundo jeje-nagô (iorubás) e dos orixás. Em sua produção, há a simplificação da forma, onde utiliza o orgânico e natural como conteúdo. Com temática semelhante, o argentino radicado na Bahia, Héctor Julio Páride Bernabó (1911-1997), o Carybé, trabalha com entalhe em madeira e produz o mural entalhando em baixo e alto relevo, localizados atualmente no Museu Afro-Brasileiro, em Salvador, onde estão exprimidas divindades iorubás cultuadas no Brasil e na Nigéria, com indumentárias, símbolos, armas e suas comidas favoritas (SILVA, 1983). Um dos precursores no Brasil da arte da paisagem, ou , é o artista Frans Krajcberg (1921-2017). NascidoLand Art na Polônia e naturalizado brasileiro, com seu olhar estrangeiro encanta-se com a flora nacional passando a utilizá-la da maneira como a encontra no ambiente e a incorpora em suas criações. A madeira em seu estado natural é seu material substancial e a integração da natureza na obra é concedida diretamente, não mais como representação. Esse modo de fazer uso do material natural é uma crítica elucidada no Manifesto do Naturalismo , onde o artista opõe o naturalismo às metáforas do poder econômico eIntegral ou Manifesto do Rio Negro religioso, e do poder da sociedade de consumo, em outras formas de arte, como a (ISAAC, 2011). SobrePop Art os materiais e o processo criativo do artista, Proença (2010, p. 261) elucida que: Inicialmente trabalhou como pintor, procurando nas rochas e terras coloridas de Minas Gerais os pigmentos com os quais preparava as tintas para suas telas. Como escultor, Krajcberg usa grossos cipós recolhidos em Mato Grosso, nas florestas devastadas pelo fogo, ou troncos de árvores retiradas dos mangues no interior da Bahia, já mortas pela ação de plantas parasitas. Para este artista tão ligado à natureza brasileira, seu trabalho consiste em usar o objeto natural morto e dar-lhe vida outra vez. 3.1.2 Técnica do entalhe em madeira Nunes (2006) esclarece que para iniciar o trabalho de escultura em madeira é preciso primeiro escolher uma espécie que esteja relacionada à função e à forma da peça. É preciso observar as características tecnológicas, como estabilidade, permeabilidade e durabilidade; e também não apresentar defeitos, como nós, fendas, abaulamento ou ataque de insetos. Os tipos de madeira usualmente utilizadas hoje para este fim são as macias, tais como cedro, pinus ou jaqueira. Para manipular este material, o artista deverá ter algumas ferramentas de entalhes, que seriam. VOCÊ QUER LER? Conheça o escultor Antônio Alves dos Santos (1953-2017), o famoso Antônio de Dedé. Alagoano, desenvolveu sua arte em escultura em madeira de forma instintiva; dentre seus temas estão personagens imaginários e animais, utilizando o cedro e a policromia. O artigo de Daniel Reis, intitulado “Entalhe de um mundo ao redor: Antonio de Déde, personagens, arte (popular) e patrimônio”, é um relato sobre seu processo criativo e sua obra. Acesse em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/188/o/A_antropologia_na_esfera_p%C3%BAblica_ (Cole%C3%A7%C3%A3o_Diferen%C3%A7as).pdf#page=23 - -7 • Formão É a ferramenta de corte da madeira, usado para fazer as incisões. Existem vários formatos para funções diferentes, para sulcos existe o formão reto e para trabalhar cantos podem-se usar o formão liso e o formão chanfrado. • Goivas Assim como os formões, também são usadas para o entalhe, porém em trabalhos arredondados. • Cinzel Ferramenta para corte, com uma lâmina afiada em uma ponta, e a outra plana e reforçada para proteger o impacto do martelo. • Grosas e limas Usadas para limpar a peça, removendo rebarbas ou o excedente de material da peça. • Lixas Usadas no acabamento, deixam a peça lisa e preparam para receber a pintura ou o verniz, se for o caso. • Macetes ou martelos São utilizados como auxiliares, como o formão no momento do entalhe. Em relação ao tipo de entalhe, Nunes (2006) traz a seguinte classificação. Baixo relevo Quando o material é escavado, com o uso das ferramentas apropriadas, até obter-se a forma desejada. Alto relevo Quando a figura, ou seu volume, destaca-se da superfície. Observe um exemplo de algumas dessas ferramentas em uso na figura “Mãos esculpindo a madeira, utilizando um formão e um macete”. Figura 3 - Mãos esculpindo a madeira, utilizando um formão e um macete • • • • • • - -8 Figura 3 - Mãos esculpindo a madeira, utilizando um formão e um macete Fonte: Carlos André Santos, Shutterstock, 2020. #PraCegoVer: na imagem aparecem mãos esculpindo amadeira, utilizando um formão e um macete. 3.2 Entalhe em gesso Na técnica de entalhe, o gesso é também considerado um material bastante utilizado pelos artistas. Consiste em uma substância em pó que reage quimicamente ao receber água, formando uma pasta quase líquida. É preparado da pedra de gesso, a gipsita, extraída das gesseiras, sendo composto por mineral de sulfato de cálcio bi- hidratado, do sistema monocíclico, normalmente associado a outros minerais, como a halite e a anidrite. Considera-se uma rocha branda, ou seja, riscável com a unha. Origina-se de sedimentos de água salgada muito antigos, sujeitados a pressões muito elevadas decorrentes da sedimentação. Trocando em miúdos, trata-se de água salgada retida, que evapora, ocorrendo uma precipitação das substâncias sólidas. Pela sedimentação ocorrida com a desidratação, as substâncias perdem volume, formando o anidrito (CaSO4), que recebendo água dará origem ao gesso (RAMOS, 2011). Vasquez (2000 apud RAMOS, 2011) enumera dois tipos de gesso considerados com qualidade para a produção de esculturas. Alfa Essa família de gesso é resultado da calcinação do sulfato de cálcio hidratado em atmosfera saturada de vapor de água sem agitação. Para formar o gesso, usa-se pouca água (1/4 litro de água por quilograma de gesso). Tem aspecto fino e branco, é bastante denso e pouco absorvente. Na arte, promove acabamentos com muita qualidade. Beta Para a formação de gesso, é necessário mais água (500 cm³ por quilo de gesso). Mais porosos e friáveis, são muito usados na construção de moldes, inclusive em cerâmica, pois são capazes de absorver a barbotina. 3.2.1 Cronologia do entalhe em gesso Nos primórdios do uso do gesso, este material era usado apenas pela técnica da moldagem, sendo datado da Grécia e Roma clássicas o princípio do seu uso como material escultórico. Desse período são os baixos-relevos de gesso como elementos decorativos, tais como espirais e arabescos trabalhados com espátula e ferramentas de VAMOS PRATICAR? Utilizando as ferramentas de entalhe, vamos iniciar o reconhecimento da madeira e sua plasticidade. Escolha uma placa de madeira macia e nela esboce um traçado para uma talha em baixo relevo. Com a goiva e o formão, inicie o talhe, podendo utilizar um macete para auxiliar. Para facilitar, posicione a ferramenta em um ângulo de 20° a 30° em relação à placa de madeira. Depois de finalizada, limpe as rebarbas com uma lixa e compartilhe uma foto de sua obra com os colegas. - -9 gesso como elementos decorativos, tais como espirais e arabescos trabalhados com espátula e ferramentas de incisão. No Irã, foram encontrados ornamentos em paredes, fachadas e arcos, além de peças de bustos humanos, animais reais e fantásticos e figuras mitológicas, com elementos florais e abstratos em sua forma. Esses achados datam do período de domínio dos partos, que abrange do ano 247 a.C. a 224 d.C. Do período Bizantino, um dos exemplos mais interessantes e preservados é a "house of oil press", uma residência em Salami, no Irã, onde há uma coluna toda moldada em gesso com figuras de cenas de caça. O gesso foi abundantemente utilizado em ornamentações de palácios e mesquitas do mundo árabe (RAMOS, 2011). Com pouco uso na Idade Média, exceto por algumas obras tumulares, o gesso volta a ser utilizado no Renascimento, tanto como molde na busca da forma perfeita, como para a reprodução de peças clássicas para uso em casas e palácios, ou modelado e esculpido, em substituição da pedra, material com valor maior (RAMOS, 2011). No Barroco, conforme descrito por Ramos (2011), muitas molduras e decorações que acompanhavam as esculturas principais, geralmente feitas em mármore, eram realizadas em gesso. António Raggi (1624-1686), escultor assistente de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), criou formas emblemáticas desse material, tais como o cavalo de Constantino, o Grande, de 1654, os anjos trompetistas na sala régia do Vaticano e os raios dourados da conhecida escultura , de Bernini, executado na Capela Cornaro da Igreja de Santa MariaÊxtase de Santa Teresa della Vittoria, em Roma. No Neoclassicismo, o gesso é utilizado sobretudo para moldes em esculturas de bronze, assim como no período Clássico. Medardo Rosso (1858-1928), escultor pós-impressionista italiano, contemporâneo de Auguste Rodin (1840-1917), foi o pioneiro no trabalho em gesso como material da obra final. Ele modelava ricamente o material, valendo-se da temática da figura humana e cobria a estrutura modelada com cera de abelha, o que permitia uma suavidade e quase imaterialidade em suas obras. Confira uma obra na figura “Medardo Rosso, , 1892. Museu de Arte de Cleveland”. O menino judeu - -10 Figura 4 - Medardo Rosso, O menino judeu, 1892. Museu de Arte de Cleveland Fonte: The Cleveland Museum of Art, 2020. #PraCegoVer: na imagem está o busto de Medardo Rosso, , 1892, que faz parte do acervo doO menino judeu Museu de Arte de Cleveland. É, então, nos movimentos de vanguarda dos surrealistas, dadaístas e futuristas que o gesso se consagra como material fim, integrado ao conceito da obra. Umberto Boccioni (1882-1916) foi um escultor futurista e célebre autor do , de 1912, no qual desconstrói cânones dessa forma artística aoManifesto Técnico da Escultura Futurista afirmar que "a escultura, como tem sido entendida até hoje pelos artistas do século passado e do presente é um monstruoso anacronismo" (BOCCIONI, 1912 apud SILVA, 2012, p. 3). Sua obra emblemática do movimento futurista, , é deixadaFormas Únicas de Continuidade no Espaço propositadamente no branco original do gesso, o que garante a leveza esperada pelo artista nessa obra, além de, segundo seu manifesto, “destruir a nobreza toda literária e tradicional do mármore e do bronze” (BOCCIONI 1912 apud SILVA, 2012, p. 6). O gesso garante uma ruptura almejada pelos futuristas com o academicismo, deixando neste material a obra acabada, além de não buscar a transcendência dos tempos clássicos, mas buscar - -11 deixando neste material a obra acabada, além de não buscar a transcendência dos tempos clássicos, mas buscar em sua obra uma expressão que se inspirasse no momento presente (SILVA, 2012). A figura “Umberto Boccioni, , 1913” mostra essa obra.Formas Únicas de Continuidade no Espaço Figura 5 - Umberto Boccioni, Formas Únicas de Continuidade no Espaço, 1913 Fonte: Everett Collection, Shutterstock, 2020. #PraCegoVer: a imagem mostra a escultura de Umberto Boccioni, .Formas Únicas de Continuidade no Espaço Alguns artistas contemporâneos também incorporam este material em suas obras. Marcel Duchamp (1887- 1968) trabalha, em 1950, com uma série de peças de gesso modeladas diretamente sobre o corpo humano, talvez se trate do seu próprio. Neste mesmo ano, esculpe , que são peças eróticas em gessoFeuille de Vigne Femelle galvanizados, uma peça na qual o artista cria a ilusão de ser ora côncava, ora convexa, dependendo da iluminação, e que viria a ser a capa da publicação , (Paris, nº1, Winter 1956). Em 1951, criaLe surréalisme, même o , com jogos de palavras associados à tridimensionalidade, onde a palavra é homofônica a ,Objet-dard Dard d'art de estrutura fálica, diz-se que é um e um (RAMOS, 2011).art object dart-abject Ramos (2011) relata o uso do gesso também nas obras do artista contemporâneo estadunidense Bruce Nauman (1941). Conhecido por suas instalações em neon, utiliza o gesso sem preconceito. Nas obras Westermann's Ear (1967) e (1967), une o gesso e a corda em um conjunto de desenhos e fotografias relacionados a um nó.Untitled Também (1967-68) integra o gesso ao tronco de uma árvore. O gesso éTree standing on three shoulder joints incorporado em obras ainda mais recentes de artistas contemporâneos, para citar alguns: Cristina Ataíde (1951), com a obra de 1996; Artur Moreira (1946), com de 1994-98; Jaime Azinheira (1944-Guarde-fou Aproximação II - -12 com a obra de 1996; Artur Moreira (1946), com de 1994-98; Jaime Azinheira (1944-Guarde-fou Aproximação II 2016), com (1981); Pedro Cabrita Reis (1956) em , de 1990;e Ana Vieira (1940), com A Sueca A casa do silêncio , de 1991.Diário de cinco dias 3.2.2 Técnica do entalhe em gesso Para iniciar o trabalho, é necessário fazer o gesso. A melhor maneira de fazê-lo é ir polvilhando o gesso em pó na água aos poucos, desfazendo os possíveis torrões. Nunca faça de forma inversa, pois poderá perder o controle na mistura da massa e no endurecimento. Depois que já tiver embebido em água, a massa deve ser mexida, com as mãos ou uma colher, até tornar-se homogênea, sem grânulos, em um ponto em que não esteja muito líquida ou espessa demais. A quantidade de água necessária varia entre 50% e 70% do gesso, dependendo da espessura que se pretende da massa. Um teste antes de iniciar a construção de gesso é importante para certificar a qualidade do material, para isso separe um pote pequeno, fazendo uma massa pouco espessa, que deve escorrer com facilidade, deve também aquecer no processo. Caso isso não aconteça ou a massa se separe da água e afunde, não estará adequada para uso (RAMOS, 2011). RAMOS (2011) classifica a modelagem desse material em dois métodos. Aditivo Nessa técnica é utilizada uma estrutura, como uma armadura, onde a pasta de gesso será aos poucos adicionada. A armadura é essencial para a resistência da peça. Subtrativo Trata-se do entalhe em si, onde a massa é retirada do bloco de gesso endurecido utilizando as mesmas ferramentas da técnica do entalhe em madeira. VOCÊ SABIA? O gesso é amplamente utilizado no processo de moldagem, ou seja, na retirada do molde de estruturas realizadas em outros materiais. São realizados a partir de um original, do qual se obtém um molde fêmea ou negativo, como uma forma. Preenche-se então esse espaço com um material líquido que irá endurecer e do qual será obtida uma réplica da figura original. VAMOS PRATICAR? Vamos experimentar a utilização desse material? Seguindo os passos de hidratação do gesso em pó, construa um bloco, utilizando uma forma maleável para que seja fácil a sua retirada após o endurecimento. Com as ferramentas de entalhe, molde o bloco, faça incisões, transpasse sua forma e reconheça as propriedades desse material. Compartilhe seus resultados! - -13 3.3 Entalhe em pedra A utilização da pedra como matéria-prima escultórica remonta aos povos pré-históricos. Nas esculturas desse período, há a predominância de figuras femininas, assim tratadas muitas vezes com o ventre e seios salientes, nádegas grandes e cabeça como um prolongamento do pescoço. Talvez a obra mais emblemática conhecida seja a , encontrada na Áustria, que pode ser vista na figura “Vênus de Willendorf , encontrada naVênus de Willendorf Áustria, Museu de História Natural, Viena”. Do Neolítico, temos as construções em pedras, os dólmens, que consistem em duas ou mais pedras verticalmente dispostas em relação ao solo e uma pedra em horizontal colocada acima dessas. O Santuário de Stonehenge, na Inglaterra, é um exemplo dessas construções (PROENÇA, 2010). Figura 6 - Vênus de Willendorf, encontrada na Áustria, Museu de História Natural, Viena Fonte: Frantic00, Shutterstock, 2020. #PraCegoVer: na imagem está a escultura em pedra Vênus de Willendorf, encontrada na Áustria, atualmente exposta no Museu de História Natural, Viena. Os antigos egípcios fizeram amplo uso das pedras, desde a construção de suas pirâmides às colossais representações faraônicas, como a famosa esfinge do faraó Quéfren, entre outras estatuetas menores (PROENÇA, 2010). Os escultores em pedra do período clássico grego inspiram-se nas produções egípcias, porém sem seguir suas regras e cânones, desenvolvendo um estilo ainda mais naturalista e fiel. As formas do corpo humano eram esculpidas sem as distorções em sua aparência. Nesse período, perfeitas esculturas em mármore do corpo humano foram criadas por grandes artistas e intelectuais da época, como Fídias e Míron. Infelizmente, pouco restou das obras originais após a ascensão do cristianismo, muitas imagens às quais temos acesso são réplicas das figuras mitológicas e bíblicas esculpidas na época. Inspiradas pelas características desse período, as obras neoclássicas empregaram a pedra como matéria-prima, particularmente o mármore nas obras de Donatello (1386-1466) (GOMBRICH, 2012). No período Gótico, da Idade Média, a escultura resultava essencialmente de sua associação à arquitetura, nomeadamente às igrejas, onde os trabalhos em pedra representavam figuras transcendentais da mística cristã, como aspectos da vida humana apreciados, como o , de 1235, da catedral de Bamberg na Alemanha.Cavaleiro Além da terracota, os povos pré-colombianos também utilizaram a pedra em seus trabalhos, tanto para a construção de pirâmides, como em estatuetas ou peças relevantes, sendo a ou Pedra do Sol Calendário Asteca (1324-1521) um dos mais simbólicos. Foi descoberta em 1790, em uma reforma na catedral do México, que havia sido construída sobre o antigo templo de Tenochtitlán (PROENÇA, 2010). No período Barroco brasileiro, que se desenvolveu durante os séculos XVII a XIX, fachadas de pedra em igrejas e - -14 havia sido construída sobre o antigo templo de Tenochtitlán (PROENÇA, 2010). No período Barroco brasileiro, que se desenvolveu durante os séculos XVII a XIX, fachadas de pedra em igrejas e conventos transformaram a decoração das maiores cidades nordestinas. Um exemplo é a fachada externa da igreja e convento de São Francisco e igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador. As figuras em pedra retratam santos, anjos, atlantes e motivos florais. Antônio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho, notável escultor que, além de entalhar madeira, produziu esculturas em pedra de valor inestimável. Também explorou o uso da pedra-sabão, com a qual criou o conjunto escultórico no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Nele estão retratados os doze profetas, cada um em posições diferentes, garantindo uma ilusão de movimento das figuras em pedra (PROENÇA, 2010). Bebendo das fontes do Renascimento, especialmente inspirado pelas obras de Michelangelo (1475-1564), Auguste Rodin (1840-1917) recria as figuras humanas escultóricas clássicas, tendo o mármore como um dos seus materiais de trabalho. Em algumas esculturas, Rodin deixa o material em evidência, quase inacabado, como em (1889), na qual a figura humana parece desprender-se do bloco de pedra, tendo seus cabelosAndrômeda ainda fundidos a ele (READ, 2003). Confira a imagem na figura “Auguste Rodin, , 1886, Museu Rodin,Andrômeda França”. Figura 7 - Auguste Rodin, Andrômeda, 1886, Museu Rodin, França Fonte: Museé Rodin, 2020. #PraCegoVer: na imagem está a escultura em mármore de Rodin, Andrômeda, de 1886, exposta no Museu Rodin, na França. Dentre os artistas modernos e contemporâneos que se valeram de tal material podemos citar: Constantin - -15 Rodin, na França. Dentre os artistas modernos e contemporâneos que se valeram de tal material podemos citar: Constantin Brâncuși (1876-1957), com a representação do ovo em (1924); Jean Arp (1886-1966), que seO início do mundo dedicou ao estudo das formas cilíndricas em entalhe em pedra e madeira em uma busca pelo natural e mimetismo com a natureza; e Henry Moore (1898-1986), que concebeu obras com figuras mágicas e arquetípicas em grande escala utilizando mármore. As formas trabalhadas pelo artista, como ele mesmo explana, buscam as formas universais, condicionadamente relacionadas ao subconsciente. Brancusi foi um dos grandes influenciadores dos escultores modernos, sobre a criação de esculturas em pedra, o artista narra que "é entalhando a pedra que se descobre o espírito de seu material e suas propriedades peculiares. Sua mão pensa e segue os pensamentos do material" (READ, 2003, p. 190). Deixando os cânones da antiguidade, os modernos incorporam o material também como mensagem de suas obras. 3.4 Entalhe em marfim Como marfim denominamos, conforme França, Barboza e Quittes (2009), o material orgânico obtido pela extração dos dentes de elefantes. Este nome é atribuído também aos dentes de outros animais por semelhança,e por serem utilizados para o mesmo fim, a arte em escultura. Pelas suas características termoplásticas, sabe-se que foi um dos primeiros materiais orgânicos poliméricos naturais conhecidos e dominados pelo homem. Na Grécia clássica, desenvolveu-se uma técnica chamada de criselefantinas, que consistia em mesclar pedaços de marfim a esculturas em outros materiais. Em figuras humanas, este material era utilizado para representar partes do corpo que apareceriam desnudas, portanto ficavam mais evidentes, como mãos, braços, rostos. O restante da figura era esculpido em madeira, bronze ou até mesmo ouro. Fídias, considerado o maior escultor desse período, amaciava placas de marfim em vapor d'água e as cortava em sentido longitudinal. Então eram encaixadas e unidas a uma estrutura de madeira para formar a figura (FRANÇA; BARBOZA; QUITTES, 2009). A eboraria, técnica de esculpir em marfim, continua em uso, porém com menos representatividade comparando- se aos períodos medieval e renascentista. Durante o século XV, chegou-se a usar fêmures bovinos para a escultura, porém com acabamento inferior. Durante os séculos XVII e XIX, usou-se muito essa matéria-prima para decoração de móveis, ou produzir utensílios como bolas de bilhar, teclas de piano e indumentária como broches e brincos, quase levando os elefantes à extinção. Em Myanmar, no Sudeste da África, há ainda a tradição de esculpir em marfim, com o método de realizar o desenho diretamente sobre o material, que é preso a um torno e desbastado e entalhando manualmente ou com microrretífica elétrica (FRANÇA; BARBOZA; QUITTES, 2009). Conclusão Nesta unidade, conhecemos o entalhe em madeira, gesso, pedra e marfim, suas expressividades, técnicas e ferramentas, além de alguns artistas relevantes que utilizaram este método em escultura através do tempo. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • Conhecer o entalhe e os diversos tipos de suportes. • Definir o entalhe em madeira, gesso, pedra e marfim. • Aprender técnicas de entalhar. • • •
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