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Por uma antropologia humana nas organizações

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POR UMA ANTROPOLOGIA DA 
CONDIÇÃO HUMANA NAS 
ORGANIZAÇÕES 
 
Jean-François Chanlat 
 
Título original: Vers une anthropologie de rorganisation 
Tradução: Ofélia de Lanna Sette Tôrres 
Revisão Técnica: Carlos O. Bertero 
Há mais de um século, nossa sociedade é palco de inúmeras 
transformações econõmicas, sociais, políticas e culturais. Mudanças que têm 
suas origens em épocas mais antigas (Braudel, 1979) e desembocaram sobre o 
acontecimento que o historiador e sociólogo americano I. Wallerstein 
qualificou de capitalismo histórico (1985), que se caracteriza pela ascensão da 
racionalização (Weber, 1971), pela acumulação do capital (Marx, 1970), pela 
hegemonia das categorias econõmicas (Polanyi, 1983), pelo 
desenvolvimento do individualismo (Dumont, 1983), pela obsessão do 
progresso (Rostow, 1968), pela urbanização (Castells, 1975) e pela explosão 
tecnológica (Ellul, 1964; Landes, 1975), Esta nova ordem social, em perpétuo 
movimento, viu também nascer e proliferar grande número de 
organizações(Presthus, 1978). Estas organizações formais tornaram-se um 
dos principais pontos de alavancagem e de estruturação individuais e 
coletivas (Meyer e Rowan, 1977; Zucker, 1977) e por isso se transformaram 
em objeto de estudo, pesquisa e reflexão independentes (Chanlat e Séghuin, 
1983,1987; Morgan, 1986). 
Este interesse por estruturas organizadas tomou diferentes caminhos: 
os da economia (Ouchi e Barnes, 1986; Williamson, 1985), da sociologia 
(Perrow, 1979; Crozier e Friedberg, 1977; Warriner, 1984; Sainsaulieu, 
1987; Balle, 1990), da psicologia (Schein, 1980), das ciências políticas 
(Hardy, 1987), das ciências da administração (Koontz e O'Donnell, 1955; 
Mintzberg, 1973), e mesmo da antropologia (Warner e Low, 1947; Whyte, 1948) 
e da psicanálise (Jaques, 1951; Zaleznik e Kets de Vries, 1985; Amado, 1980; 
Kets de Vries e Miller, 1984), enquanto que o estudo do comportamento humano 
nas organizações transformou-se gradativamente em um objeto de estudo 
científico específico (Audet e Malouin, 1986; Côté et al., 1986; Lorsch, 1987; 
Cooper e Robertson, 1987). 
Amplamente dominado pelos anglo-saxões e mais especificamente pelos 
norte-americanos, este campo de estudo desenvolveu-se inicialmente à sombra 
de alguns departamentos universitários, principalmente os de psicologia e de 
sociologia e, mais recentemente, pelas escolas de administração com o 
modismo das ciências do managemente do culto da empresa (Rousseau, 1988). 
O fenômeno se reproduz com maior ou menor amplitude na maioria dos 
países industrializados. Esta disciplina, que pertence, antes de tudo, ao 
universo das ciências administrativas, está atualmente em plena expansão. 
Caracteriza-se ao mesmo tempo pela sua preocupação com a eficácia 
organizacional, sua vontade de mudança, sua inspiração predominantemente 
comportamental e positivista, seu caráter aplicado e pluridisciplinar. Seus 
métodos são diversos, bem como os contextos organizacionais estudados. Sua 
teoria é igualmente marcada pela heterogeneidade (Lorsch, 1987; Cooper e 
Robertson, 1987; Staw et Cummings, 1987, 1988). "Definindo brevemente, 
como escreveram recentemente dois autores de um manual americano, o 
comportamento organizacional é um campo que é orientado para o 
desenvolvimento da melhor compreensão do comportamento humano e que 
utiliza este saber para tornar as pessoas mais produtivas e mais satisfeitas nas 
organizações” (Mitchell e Larson, 1987: 4). Uma revisão sistemática das 
publicações neste campo nos últimos sete anos confirma este ponto de 
vista, como confirma também a focalização dos autores sobre os temas 
que, para vários deles, datam ainda dos anos cinqüenta -é o caso, 
principalmente, da motivação e da liderança -enquanto outros temas remontam 
aos anos sessenta -como, por exemplo, o papel exercido pelas estruturas e 
pela tecnologia, sendo ressaltados alguns aspectos nos últimos anos -, é o 
caso em particular das noções de stress e de cultura organizacional. 
O COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL, UM CAMPO HETEROGÊNEO E 
UM DESENVOLVIMENTO ISOLADO 
 
Herdeiro simultaneamente das relações humanas, de alguns ramos da 
psicologia industrial, da sociologia e das teorias das organizações, da 
abordagem sociotécnica, da dinâmica de grupos, do behaviorismo anglo-
saxão, das diferentes correntes do management, o comportamento 
organizacional apresenta-se hoje como uma imensa colcha de retalhos, um 
campo aberto a quase todos os ventos teóricos. Porque, além do 
ecumenismo aparente, completamente relativo sem sombra de dúvida, 
observa-se no interior desse conjunto teórico heterogêneo,mesmo heteróclito, 
a ocultação ou ausência de certas dimensões humanas que são objeto do 
presente livro: a dimensão cognitiva e da linguagem, a dimensão 
espaçotemporal, a dimensão psíquica e afetiva, a dimensão simbólica, a 
dimensão da alteridade, a dimensão psicopatológica. Como as ciências 
administrativas, o campo do comportamento organizacional parece ter se 
desenvolvido até o presente isola-damente, negligenciando em larga medida 
os conhecimentos mais recentes das ciências humanas básicas (Audet e 
Malouin, 1986; Déry, 1988a, 1988b; Whitley, 1984). 
 
Este isolamento da produção intelectual tem duas causas: de um 
lado, tendo instalado o econômico, o quantitativo e as organizações no centro 
de seu universo, nossa sociedade parece ter esquecido o resto, istoé, tudo o que 
não é redutível à formalização (Gorz, 1988; Caillé, 1989); por outro lado, como 
todo recurso a um pensamento externo e forçosamente crítico pode sempre 
ameaçar a ordem organizacional estabelecida, o mundo da gestão tem com 
freqüência preferido as visões que lhe são menos incômodas. Esta profunda 
economicidade do mundo organizado moderno, esta "economização", 
diria Gorz (988) -fenômeno relativamente recente na história da humanidade 
-e esta vontade de assegurar um sistema de controle de inspiração 
taylorista ou burocrática produziram alguns impactos perversos sobre a 
orientação tecnocrática desta disciplina, antes de tudo gerencial. 
"O interesse da psicologia organizacional pela motivação e sua 
falta de interesse pelo simbólico no trabalho caracterizam bem 
sua orientação tecnocrática. Os objetos de estudo abordam questões 
estreitas e bem definidas, as respostas a estas questões constituem a 
base de um fragmento de engenharia social cujo objetivo é 
amortecer as tendências nascidas da divisão do trabalho e do 
empobrecimento das tarefas" (M. Alvesson, 1987: 105). 
Ou seja, a obsessão pela eficácia, pelo desempenho, pela 
produtividade, pelo rendimento a curto prazo que encontramos até hoje nas 
nossas organizações e na sociedade levou a maioria dos pesquisadores a 
concentrar seus interesses nestas questões e a reduzir seus esforços a simples 
técnicas de controle (Alvesson, 1987; Desmarez, 1986; Dufour e Chanlat, 1985; 
Rose, 1988; Villette, 1988). 
Desde então, pode-se compreender por que, a partir de alguns anos, cada 
vez mais os pesquisadores em geral, e, mais particularmente na cultura latina, 
contestam esta concepção instrumental, adaptativa, e mesmo manipuladora 
do ser humano, interrogando-se sobre as dimensões esquecidas, voltando-se 
para outras discipli-nas ou outras perspectivas teóricas. Deste modo, 
procuram, cada um a seu modo, tornar compreensível a experiência humana 
e captar sua complexidade e riqueza. Estes questionamentos tornam-se 
cada vez mais pertinentes à medidaque as críticas são mais numerosas em 
relação à formação que recebem os futuros gesto-res e quando os problemas 
que surgem no cotidiano não são resolvidos de acordo com o que se 
pensa ou se ensina. 
O QUESTIONAMENTO DA FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR 
Vinte e cinco anos após o famoso relatório da Fundação Ford que 
reivindicava uma real formação acadêmica e profissional em que as ciências 
do comportamento ocupassem seu justo lugar (Pierson, 1959; Gordon e 
Howell, 1959), o ensino e a formação do administrador são novamente 
contestados. Seja nos Estados Unidos (Herzberg, 1980; Behrman e Lévi, 1984; 
Porter e McKibbin, 1988), no Canadá (Chanlat, 1984; Chanlat e Dufour, 1985; 
Association des Manufacturiers Canadiens, 1986; Devlin, 1986) na França 
(Galambaud, 1988; Delwasse, 1988) ou em outros países (Le Monde 
Campus, 1988), não se hesita em denunciar em graus diversos o elevado 
grau de especialização, a rigidez, o antiintelectualismo, o etnocentrismo, o 
quantitativismo, o economismo, a incultura, a ausência de consciência 
histórica, a inaptidão para comunicar ou interagir nos programas e no 
comportamento dos estudantes. 
Estas críticas e lamentações que, em certos casos, poderiam ser menos 
ferozes, não estão isentas de uma ligação com a situação observada no 
mundo do trabalho. Com efeito, mesmo se alguns acreditam que a condição 
humana nas organizações parece satisfatória, resta a evidência de alguns 
estudos realizados em profundidade que nos mostram que a realidade não 
é tão rósea assim (Aktouf, 1989; Bouchard, 1985; Chanlat, 1984; Linhart, 
1978; Pages et aI., 1979; Dejours, 1987, 1978; Terkel, 1976; Applebaum, 1984; 
Kanter e Stein, 1979; Kets de Vries e Miller, 1984; ]ones, Moore e Snyder, 1988). 
Contrariamente à idealização que aparece com freqüência no mundodos 
negócios, a organização aparece freqüentemente como um lugar propício 
ao sofrimento, à violência física e psicológica, ao tédio e mesmo ao 
desespero não apenas nos escalões inferiores, mas também nos níveis 
intermediário e superior. Segundo a imagem da célebre peça de Arthur 
Miller, A morte do caixeiro viajante, a organização não é sempre a boa mãe que 
ela gostaria de ser. A nostalgia dos operários, o desconforto existencial em 
relação ao trabalho dos executivos, mencionados com freqüência, são ao 
mesmo tempo o reflexo da formação geralmente recebida nas universidades e a 
imagem que se cultiva na sociedade global. Em um mundo essencialmente 
dominado pela racionalidade instrumental e por categorias econômicas 
rigidamente estabelecidas, os homens e as mulheres que povoam as 
organizações são considerados, na maioria das vezes, apenas recursos, isto é, 
como quantidades materiais cujo rendimento deve ser satisfatório do mesmo 
modo que as ferramentas, os equipamentos e a matéria-prima. Associados 
ao universo das coisas, as pessoas empregadas nas organizações transformam-
se em objetos. Em alguns casos só acontecimentos extraordinários fazem 
emergir sua condição humana. "Na maioria das sociedades c...) as relações 
entre as pessoas são mais importantes e mais valorizadas que as relações entre 
pessoas e coisas. Esta primazia é invertida na sociedade moderna em que as 
relações entre pessoas são, ao contrário, subordinadas às relações entre 
pessoas e coisas" (Dumont, L. 1977, Homo aequalis: genese et 
épanouissement de l'idéologie économique: 13). A principal causa da 
inversão dessa primazia nas organizações pode ser atribuída, então, à sua 
subordinação ao universo dos objetos-mercadorias e à racionalidade econômica. 
Logo, pode-se compreender melhor por que, no momento atual, 
numerosos trabalhadores, sobretudo os mais jovens, procuram cada vez 
mais realizar-se enquanto pessoas fora do trabalho tradicional (Adret, 1977; 
Gorz, 1988; Offe, 1985), e também numerosos executivos e golden boys das 
finanças não parecem mais manter nenhuma lealdade com relação às 
instituições para as quais trabalham (Porter e McKibbin, 1988; Davis, 1986). Eles 
refletem a imagem de uma sociedade que levou o individualismo às suas últimas 
conseqüências (Sennet, 1979; Lasch, 1981); de uma sociedade em que reina 
o pensamento a curto prazo e que não se preocupou em transformar o trabalho 
em um meio de vida, ocupada que estava antes de tudo em acumular 
riqueza (Gorz, 1988; Le monde diploma tique, 1988a). 
Atualmente, tudo nos conduz a olhar mais longe: a complexidade dos 
problemas tanto em nível nacional como internacional (crise ecológica, 
desemprego, endividamento dos países, precariedade dos empregos, 
dualização da sociedade), a primazia do cultural, as aspirações à 
individualização que Michel Foucault tinha carinhosamente chamado de 
"cuidado de si mesmo", a exigência de certa solidariedade, os imperativos 
éticos, a revolução da informática, tudo nos conduz com efeito a 
impulsionar as modalidades de gestão que se apóiam atualmente sobre uma 
verdadeira antropologia da organização. 
A UNIDADE FUNDAMENTAL DO SER HUMANO 
O saber em geral e as ciências humanas em particular (Gusdorf, 
1967) têm sido submetidos até o presente às leis da divisão intelectual do 
trabalho e as ciências do comportamento organizacional não escaparam a 
esta regra. Tal dispersão do conhecimento teve por conseqüência, como todos 
sabem, fechar os pesquisadores num mundo intelectual relativamente estreito 
e mesmo microscópico, tendo igualmente como conseqüência uma imagem 
fragmentada do ser humano. Esta concepção da pessoa em pedaços 
provocou um duplo efeito: no plano disciplinar, conduziu vários pesquisadores 
pelos caminhos do reducionismo e do imperialismo biológico, psicológico ou 
sociológico e, no plano organizacional, freqüentemente desembocou em ações 
e práticas sociais que ocultam grande número de dimensões humanas. O 
desejo de tudo explicar através de um enfoque científico particular é 
fenômeno característico da sociedade moderna. Toda visão intelectualnão 
apresenta tendência a ser hegemônica? (Kuhn, 1972; Lakatos eMusgrave, 
1970; Chalmers, 1987.) Ora, atualmente, os conhecimentos acumulados 
tanto no domínio das ciências humanas como no da história das ciências 
deveria nos conscientizar sobre estas tendências e nos permitir evitá-Ias e 
até mesmo eliminá-Ias. Este imperativo impõe-se quando se observa que 
as visões científicas particularizantes não são nunca neutras e enraízam-
se no tecido social da época em que surgem (Foucault, 1975; Chalmers, 
1987; Holton, 1981; Whitley, 1984). Esta afirmação é particularmente verificável 
nas ciências da administração ou da organização (Audet, 1986; Déry, 
1987), principalmente na área que nos interessa mais de perto -o 
comportamento organizacional. A concepção dominante de um ser humano 
Homo economicus, racional, reagindo a estímulos externos e cuja universalidade 
americana não se questiona deve ser inteiramente revista (d'Iribarne, 1986; 
Hofstede, 1987). Não é ela uma concepção ideológica cujo objetivo é 
legitimar as ações empreendidas e manter a ordem organizacional 
estabelecida? (Alvesson, 1987; Bendix, 1974; Chanlat e Séguin, 1987; Merkle, 
1980; Gorz, 1988). 
Se o saber no domínio do "comportamento organizacional" 
desenvolveu-se antes de mais nada com o desejo e a vontade de melhorar 
a produtividade e a satisfação no trabalho, esta contaminação de categorias 
econômicas não teve por único efeito desenvolver uma concepção do ser 
humano isoladamente; ela frequentementedesembocou em perspectivas 
simplistas, mecânicas, instrumentais, elitistas, utilitaristas e universalistas. 
Com visões assim tão míopes, alguns pesquisadores e consultores 
em comportamento organizacional não hesitaram, como lembra Herzberg 
(1980), em exigir que os executivos e demais empregados reproduzissem o 
comportamento das traças ou como exprimiu muito bem Gorz (1988), 
"reduzissem o vivido ao silêncio tumular". 
Ora, o ser humano é muito mais complexo para se deixar resumir em uma 
tal concepção (Morin, 1973). Realmente, é chegado o momento para se 
tentar fundar uma verdadeira antropologia da organização que, restituindo 
sua unidade e sua especificidade ao ser humano, destaque também as 
dimensões fundamentais e os diversos níveis de análise. O termo antropologia 
é aqui tomado em seu sentido etimológico. Nós partimos da idéia de que existe 
um mundo próprio do homem e que o estudo deste universo singular 
constitui o objeto privilegiado da ciência do humano que é a antropologia. Por 
sugestão de Mauss (1968) e outros pesquisadores, esta antropologia a ser 
criada no campo organizacional deve reagrupar o conjunto de conhecimentos 
existentes sobre o ser humano. Apoiando-nos sobre essa massa de 
conhecimentos, deveríamos perceber melhor a experiência humana 
exatamente como ela é vivenciada no universo organizacional. Propomos 
também um duplo deslocamento do objeto de estudo. De uma parte, em lugar 
de nos centrarmos primordialmente no modo de tornar as pessoas mais 
satisfeitas e com bom desempenho, como faz atualmente a corrente 
ortodoxa, nós vamos centrar nossa atenção sobre o fato humano nas 
organizações, a partir de conhecimentos desenvolvidos por todas as disciplinas 
que se ocupam do assunto. De outra parte, em lugar de considerar a organização 
como um conjunto fechado e auto-suficiente, procuraremos colocar em cena 
as relações com o meio ambiente que percorrem ou atravessam 
longitudinalmente a vida das organizações. Esta posição fundamentase, 
aliás, sobre certo número de considerações de ordem epistemológica e 
metodológica relativas ao ser humano e ao modo de estudá-Io. 
O SER HUMANO, UM SER AO MESMO TEMPO GENÉRICO E SINGULAR 
O ser humano, acima da diversidade das disciplinas que o estudam, é 
uno. Ele é único enquanto espécie. Ele o é igualmente enquanto indivíduo. Se, 
por razões bem evidentes, os cientistas fragmentaram o saber em partes 
distintas -biologia, psicologia, psicologia social, psicanálise, sociologia etc., 
não é menos verdadeiro que, quando se observa o Homo humanus, ele 
aparece como um todo cujos diferentes elementos estão intimamente 
interligados. Ser fundamentalmente biopsicossocial, o homem aparece 
também profundamente ligado à natureza e à cultura que o envolve e que ele 
transforma (Moscovici, 1972; Ruffié, 1976; Morin, 1973; Fondation Royaumont, 
1974). Baseado nesta afirmação, torna-se evidente que todo reducionismo, quer 
seja de ordem biológica, psicológica ou sociológica, não tem nenhum 
sentido. Todo o saber que se pode acumular sobre um aspecto da vida 
humana não pode servir para explicar os outros aspectos. Só uma concepção 
unitária pode fazê-Io, mesmo sabendo que esta representação permanecerá 
sempre uma construção imperfeita e inacabada. Portanto, numerosos são 
os que, ainda hoje, fecham o ser humano em esquemas redutores e que 
freqüentemente têm a impressão simplória de ter captado a essência do 
ser humano. A realidade humana que encontramos na organização não 
poderá jamais ser reduzida a tais esquemas. Só uma concepção que procura 
apreender o ser humano na sua totalidade pode dele se aproximar sem, contudo, 
jamais o esgotar completamente. 
O ser humano que acabamos de definir é um ser genérico, isto é, uma 
pessoa que se define por pertencer à espécie humana, pelas características que 
são sua conseqüência -bipedia, pensamento, linguagem, liberação das mãos 
etc. -e pelo fato de que cada indivíduo carrega consigo, para citar Montaigne, o 
formato inteiro da humanidade. Aliás, este ser genérico se encama sempre 
em um ser concreto: homem ou mulher, adulto ou criança, pai ou marido, 
professor ou executivo, operário ou camponês, africano ou ocidental. É esta 
existência singular do indivíduo no mundo que lhe confere sua 
especificidade. Ou seja, se o homem abstrato existe enquanto representação 
e categoria intelectual, em troca ele aparece sempre na realidade quotidiana 
sob uma forma concreta particular, numa situação de fato. Toda pessoa 
tem assim ao mesmo tempo o genérico e o específico. Os fenômenos que 
se estudam refletem sem sombra de dúvida estas duas ordens da 
realidade. O estudo do fato humano nas organizações não pode, portanto, 
abstrair-se desta dupla dependência. 
O SER HUMANO, UM SER ATIVO E REFLEXIVO 
Um dos traços característicos da espécie e de todo ser humano é 
pensar e agir. A reflexão e a ação são duas das dimensões fundamentais 
da humanidade concreta. Negar a reflexibilidade do humano é jogar o 
homem no mundo pavloviano onde os reflexos condicionados exercerão a tarefa 
de socialização. Se podemos afirmar que não existe nenhuma dúvida que 
aprendemos também por condicionamento, o que Pavlov chamava o primeiro 
sistema de sinalização (963), sistema que nós temos em comum com 
outras espécies (Fondation Royaumont, 1974; Ruffié, 1976), em oposição, 
nós não poderemos jamais reduzir o ser humano a esta visão estritamente 
objetivista (Harré, 1979; Giddens, 1987). O aprendizado mobiliza nos 
humanos um segundo sistema de sinalização: a linguagem e o pensamento 
consciente (Pavlov, 1963; Cosnier, 1966). Este sistema, muito mais complexo 
do que o primeiro, estabelece nossa singularidade enquanto espécie e enquanto 
indivíduo (LeroiGouhran, 1964; Benveniste, 1966). Ele é a base de todas 
as transformações sociais que os humanos conheceram até aqui (Ruffié, 
1976) e particularmente de todos os desenvolvimentos que se conhece hoje 
nas ciências, e, principalmente, nas ciências cognitivas (Le Débat, 1987), 
estando, além do mais, indissoluvelmente ligado à ação. 
Em relação a certos autores que vêem o ser humano determinado 
socialmente em todas as suas ações ou que, segundo Giddens, "ostentam um 
imperialismo societal" 0987: 50), a sociologia nos mostra muito bem que 
são indivíduos através dos seus atos que constroem a própria realidade 
social (Crozier e Friedberg, 1977; Giddens, 1987; Bourdieu, 1987; Touraine, 
1984; Berger e Luckmann, 1986; Garfinkel, 1967; Boudon, 1984). É claro 
que esta realidade social não é construída exnihilo, mas a partir de uma trama 
jáexistente. Porém, não se trata jamais de uma reconstrução completa e total, 
mas sempre de uma transformação parcial da realidade (Sahlins, 1989). Em todo 
sistema social, o ser humano dispõe de uma autonomia relativa. Marcado 
pelos seus desejos, suas aspirações e suas possibilidades, ele dispõe de 
um grau de liberdade, sabe o que pode atingir e que preço estará disposto a 
pagar para consegui-Io no plano social. O universo organizacional é um dos 
campos em que se pode observar ao mesmo tempo esta subjetividade em 
ação e esta atividade da reflexão que sustenta o mundo vivenciado da 
humanidade concreta. 
O SER HUMANO, UM SER DE PALAVRA 
A construção da realidade e as ações que pode empreender o ser 
humano não são concebidas sem se recorrer a uma forma qualquer de 
linguagem. É graças a esta faculdade de expressar em palavrasa realidade, 
tanto interior quanto exterior, que se pode aceder ao mundo das significações. 
O universo do discurso, da palavra e da linguagem inerente ao ser 
humano transforma-se então em um ponto-chave indispensável à sua 
compreensão (Benveniste, 1966; Hagege, 1985). Passagem obrigatória para a 
compreensão humana, a linguagem constitui um objeto de estudo 
privilegiado e sua exploração no contexto organizacional é permitir que se 
desvendem as condutas, as ações e as decisões. Reduzir então a comunicação 
humana nas empresas a uma simples transmissão de informação, visão 
diretamente inspirada pela engenharia, como se pode ver com freqüência nos 
manuais de comportamento organizacional, é elidir todo o problema do sentido 
e das significações. É esquecer que todo discurso, toda palavra-pronunciada ou 
todo documento escrito se insere em maior ou menor grau na esfera do 
agir, do fazer, do pensar e do sentimento (Grize, 1985). É condernar-se a não 
poder apreender em profundidade nem o simbólico organizacional nem a 
identidade individual e coletiva. Este estudo tornou-se em nossos dias tão 
prioritário que as ciências que se ocupam dele estão em plena expansão 
(Habermas, 1987; Giddens, 1987; Hagege, 1987) e os especialistas do 
comportamento organizacional até recentemente, mesmo sensibilizados 
pelo tema da comunicação (Jablin et aI., 1987), não se ocuparam do 
caráter intrínseco da fala no ser humano, dimensão considerada 
indispensável em nossos dias (Girin, 1982). 
O SER HUMANO, UM SER DE DESEJO E DE PULSÃO 
Contrariamente à visão que podem ter alguns pesquisadores em 
ciências humanas, o ser humano não pode reduzir-se a um organismo 
submetido a um bombardeamento de estímulos (Skinner, 1968). Ele é também 
um ser de desejo, de pulsão e de relação. É através das relações que 
ele mantém com o outro pelo jogo de identificações -introspecção, projeção, 
transferência etc. -que ele vê seu desejo e sua existência reconhecidos ou não. 
A realidade social transforma-se em suporte da realidade psíquica. Como 
mostrou Freud e seus sucessores, o outro é ao mesmo tempo um modelo, 
um objeto, uma sustentação ou um adversário (Freud, 1981). A constituição 
de todo ser humano enquanto sujeito passa por esta relação poliforme 
com o outro. É através dele que ele se constitui, se reconhece, sente prazer e 
sofrimentos, satisfaz ou não seus desejos e suas pulsões. O ser humano 
aparece assim com seu cortejo de racionalidade e de irracionalidade quese 
enraiza ao mesmo tempo na vida interior e no mundo exterior. Lugar por 
excelência do imaginário, do inconsciente, de defesas, de processos de 
identificação, a vida psíquica exerce um papel fundamental no 
comportamento humano, de ordem individual ou coletiva (Bion, 1972; ]aques, 
1972b, Hirschhorn, 1988). Não dar importância a esta realidade é condenar-
se a uma visão incompleta do humano que pode conduzir a conseqüências 
patológicas cujos exemplos podem ser encontrados na história social (Enriquez, 
1983)e na vida organizacional (Jaques, 1972b; Bion, 1972; Dejours, 1980, 1987, 
1988; Kets de Vries e Miller, 1985). 
O SER HUMANO, UM SER SIMBÓLICO 
O universo humano é um mundo de signos, de imagens, de 
metáforas, de emblemas, de símbolos, de mitos e de alegorias. Objeto de 
estudo da antropologia, da etnologia, da história das religiões, da mitologia, das 
artes e da literatura, da filosofia e da sociologia, "o simbólico confunde-se 
com a evolução total da cultura humana" (G. Durand, 1984: 130). Todo ser 
humano e toda sociedade humana produziram uma representação do mundo 
que lhe confere significação. A imaginação simbólica busca representar para si 
antes de mais nada o ausente, o imperceptível, o indescritível. Mais ou menos 
arbitrárias, estas representações simbólicas que calcam sua existência nas 
relações com o mundo vão participar da construção deste universo de 
significações inerentes ao ser humano. Esta gestação do simbólico, para 
retomar aqui uma expressão de Cassirer, característica de toda uma vida 
coletiva, não escapa ao universo organizacional (Durand, 1984). 
A organização, enquanto espaço particular da experiência humana, é um 
lugar propício à emergência do simbólico (Chanlat e Dufour, 1985; Bouchard, 
1985). Este simbólico é marcado por uma tensão característica das sociedades 
industrializadas em que, de um lado, existe a razão econômica que reduz a 
significação atribuída ao trabalho e, do outro lado, aparece a existência 
humana na procura ininterrupta do simbólico. O modismo atual de busca da 
cultura da empresa é sinal ao mesmo tempo deste desconforto existencial 
em relação ao trabalho e do caráter eminentemente simbólico da atividade 
humana (Deal e Kennedy, 1982; Schein, 1985; Smircich e Calas, 1987). 
Produtor de símbolos, o Homo simbolicus procura emergir de um mundo 
organizacional que, atualmente, tem tendência a querer reduzir a cinzas a 
imaginação simbólica, condenada pela razão e pela ciência (Sievers, 1986a). 
Ora, "a razão e a ciência estabelecem apenas uma relação entre os homens 
e as coisas, mas o que estabelece uma relação entre os homens, na 
relação de satisfações e penas quotidianas dos homens entre si, é esta 
representação afetiva, exatamente porque é vivida e constitui o domínio secreto 
das imagens" (G. Durand, 1984: 124). 
O SER HUMANO, UM SER ESPAÇO-TEMPORAL 
Todo ser humano está inserido no espaço e no tempo. Estas duas 
dimensões, que são inseparáveis, definem os quadros geo-históricos da ação 
humana, pois um movimento no espaço é também um movimento no tempo. O 
tempo remete aos ritmos biológicos, psicológicos e sociais que marcam 
nossas atividades individuais e coletivas. O tempo marca igualmente nossas 
relações com o cosmos e o universo (Hawking, 1989). Toda e qualquer 
coletividade tem memória de um passado, tem um presente, terá um futuro e 
insere ou não suas atividades em um ciclo. Mas o tempo de uns não é o 
mesmo tempo de outros, pois é função da sociedade na qual se vive. 
Basta se pensar nas diferentes concepções da temporalidade no ocidente 
(Attali, 1982; Gasparini, 1986), ou às diferenças que podemos observar em 
países ocidentais ou não (Hall, 1984; Kamdem, 1986) para se concluir que 
a seqüência dos dias não é percebida da mesma forma nos diferentes 
países e mesmo regiões e o universo organizacional não escapa a esta 
diferenciação. 
O espaço nos envia a nossa especialidade, ou seja, aos diferentes lugares 
que constituem nossa geografia ao mesmo tempo pessoal e social. Todo 
indivíduo é com efeito originário de determinado lugar, desenvolveu-se em um 
meio particular, ocupa uma posição profissional, trabalha em determinada 
organização e desaparece algum dia em algum lugar. Estes lugares estão 
por sua vez integrados a espaços mais amplos. Este enraizamento espacial 
pode ser mais ou menos forte, mas não se pode conceber um ser humano 
ou uma coletividade que não tenha nenhum tipo de vinculação espacial, por 
mais ínfima que seja. É por esta razão que os lugares e as posições que 
ocupamos a título individual ou coletivo são objeto de diversos 
investimentos: afetivo, material, profissional, político e outros mais. Fontes de 
enraizamento, estes investimentos reafirmam a identidade pessoal e coletiva. 
A organização enquanto lugar privilegiado de enraizamento fornece também 
inúmeros exemplos espaço-temporais (Fischer, 1989). 
O SER HUMANO, OBJETO E SUJEITO DESUA CIÊNCIA 
Algumas considerações que apresentamos nos indicam claramente que, 
quando estudamos o ser humano, não podemos analisá-Io como se analisaria 
um objeto inerte, um átomo ou uma molécula. A grande diferença entre as 
ciências físico-químicas e as ciências humanas reside justamente no fato 
de que nas últimas o ser humano é ao mesmo tempo objeto e sujeito de sua 
ciência. É preciso ter sempre em mente esta particularidade, não como um 
desestímulo aos nossos conhecimentos, mas, ao contrário, como um elemento 
suplementar para melhor compreender a dinâmica humana como tão bem 
assinalou G. Devereux (1980:60): 
"A principal vantagem é (...) é reintroduzir o observador na situação 
experimental tal como ele é realmente, não enquanto fonte de 
constrangedoras perturbações, mas enquanto fonte importante e 
mesmo indispensável de novos dados comportamentais pertinentes. 
Isto permite a exploração de efeitos sui generis da observação sobre o 
observador e observado simultaneamente, efeitos que consideramos 
como informações indispensáveis. 
"Infelizmente, até o presente, esta concepção subjetivista e interativa 
da pesquisa em ciências humanas não foi dominante. Ao contrário, 
influenciados pelo modelo cienÍlfico ortodoxo, numerosos são os 
pesquisadores que não hesitaram em tratar os humanos como objetos de 
pesquisa destituídos de subjetividade e .afetividade. Esta hegemonia da 
concepção ortodoxa das ciências em geral sobre as ciências humanas 
desembocou e desemboca ainda sobre o que Sorokin qualificou de 
"quantofrenia galopante". Entretanto, o recuo de certas concepções empiristas 
no campo das ciências sociais está ligado à redescoberta do indivíduo, da 
experiência, do ator e do self. 
Este retorno do indivíduo, do ator à cena das ciências sociais atingiu 
também o campo de estudos das organizações. Pouco a pouco, em vários 
lugares, pesquisadores tentam, há alguns anos, elaborar suas hipóteses de 
trabalho levando em consideração a subjetividade, conferindo-lhe um espaço 
amplo no enunciado de suas pesquisas. 
Esta particularidade inerente às ciências humanas deve levar-nos a olhar 
o ser humano tanto interna como externamente. É respondendo a esta dupla 
exigência que estaremos mais bem colocados para percebermos fenômenos 
organizacionais. Devemos, com efeito, ultrapassar o debate já antigo, para 
não dizer arcaico, que opõe os partidários do quantitativo aos do qualitativo 
(Morgan, 1983) através de uma tomada de consciência simultânea e 
concomitante dos elementos subjetivos e objetivos (Giddens, 1987; 
Bourdieu, 1987). Então, estaremos aptos a interpretar e compreender o sentido 
que as pessoas dão aos seus gestos, às suas ações e aos seus sentimentos. 
Aliás, esta recuperação só pode ser feita através de abordagens clínicas 
e etnográficas, em que o pesquisador é também observador, usando 
entrevistas prolongadas, histórias de vida, apoiadas em análises de conteúdo 
e decodificações simbólicas. É somente assim que se poderá atingir o sentido 
que as pessoas dão à sua existência e à sua experiência organizacional 
(Applebaum, 1984; Berry, 1986; Aktouf, 1987; Friedberg e Crozier, 1977; 
Sainseleu, 1987; Kanter e Stein, 1979; Morgan, 1983; Jones, Moore e Snyder, 
1988). Essas abordagens não excluem certamente o recurso a métodos 
quantitativos quando eles são pertinentes, podendo mesmo tornar-se 
complementos indispensáveis aos métodos qualitativos. 
INTERDISCIPLINARIDADE 
A complexidade do comportamento humano e as exigências 
metodológicas que acarreta desembocam naturalmente numa economia da 
explicação (Devereux, 1972; Chanlat, 1984). Esta economia explicativa só 
pode existir pelo respeito aós diferentes níveis de análise e à 
interdisciplinaridade de abordagens. Se, por exemplo, um pesquisador se 
interessa pela situação das enfermeiras em hospitais, ele poderá abordar a 
questão do ponto de vista econômico de salários, bonificações, mercado de 
trabalho, ou político, analisando seu poder em relação a outras categorias 
profissionais, ou, ainda, do ponto de vista psicológico, procurando compreender 
suas personalidades, e cada ponto de vista iluminará uma parte da 
realidade. Entretanto, só o conjunto interdisciplinar de abordagens poderá 
delinear uma imagem menos parcelada do indivíduo na organização, porque 
somente cruzando e multiplicando os diferentes níveis é que se poderá 
interpretar a realidade observada, buscando reconstruí-Ia em sua 
integralidade. Infelizmente, a divisão do conhecimento em disciplinas e 
territórios científicos isolados impede uma abordagem interdisciplinar 
simultânea do mesmo fenômeno observado, especialização que reforça 
freqüentemente concepções monocausais e nenhuma área do conhecimento 
escapa a esta tendência. Ora, esta visão estreita e parcelada deve ser combatida 
porque nenhuma abordagem isolada esgotará sozinha a apreensão da 
totalidade do indivíduo nas organizações. 
UMA CONCEPÇÃO DIALÉTICA DOS FENÔMENOS 
Agora retomamos o caráter dialético do comportamento humano, da 
pesquisa e da relação pesquisa-realidade (Gurvitch, 1972). Pensamos que 
os seres humanos constroem seu mundo e seu universo social 
influenciando-os reciprocamente, do mesmo modo que os conflitos e as 
contradições estão no cerne da história das sociedades e das organizações 
(Chanlat e Seghin, 1987; Sahlins, 1989; Godelier, 1984). 
A pesquisa não escapa também à regra de que existe uma relação 
de natureza dialética entre o pesquisador, seu objeto de pesquisa e a 
realidade social (Gidden, 1987). Com efeito, a determinação de um objeto, 
de um fenômeno de pesquisa, sua apreensão e sua interpretação vêm 
freqüentemente modificar a idéia que as pessoas e os pesquisadores têm a 
priori sobre a realidade de determinado fenômeno. Compreende-se então 
por que, nos países de regime totalitário, as ciências humanas e as 
ciências sociais em particular são controladas pelo poder ou consideradas 
ilegais, pois todo conhecimento novo corre o risco de ser revolucionário, 
modificando a representação que se faz da realidade, vai de encontro às 
concepções estabelecidas e legitimadoras do status quo. Fazendo emergir 
alguns mecanismos, processos e realidades até então escondidas, a 
emergência de idéias novas permite a outros tomar consciência e inferir as 
conseqüências. Foi assim que a filosofia iluminista minou gradativamente na 
França o Antigo Regime (Vovelle, 1988; Furet, 1978; Winock, 1988), podendo-
se citar também outros exemplos históricos -Galileu, Descartes, Newton, 
Voltaire, Darwin, Marx, Weber, Einstein, que contribuíram com seus trabalhos 
para modificar a representação que seus contemporâneos faziam do mundo 
e do espaço por eles ocupados, participando, também, da emergência de 
novos questionamentos e transformações sociais. Se esta dialética existe 
em todos os níveis, quer seja da sociedade ou da pesquisa, ela permanece 
esquecida e não integrada nas reflexões teóricas das ciências da 
administração, com exceção de alguns exemplos (Audet, 1986; Morgan, 
1986). Os demais preferem uma concepção mais ortodoxa e menos 
confrontadora entre o real e o status quo nas organizações. 
POR UMA TEORIA ANTROPOLÓGICA DAS ORGANIZAÇÕES 
Uma vez admitidos alguns postulados, torna-se importante passar à 
apresentação de alguns elementos para uma teoria antropológica das 
organizações. Procuraremos apreender a realidade humana nas organizações eapresentar os primeiros elementos de uma teoria antropológica ainda em 
construção, distinguindo cinco níveis estreitamente correlacionados: do 
indivíduo, da interação, da organização, da sociedade e do mundo. Cada nível 
é ao mesmo tempo dissociável e concretamente indissociável dos quatro 
outros. Cada um destes níveis faz emergir uma ordem determinada, isto é, 
dispõe de elementos próprios segundo relações aparentes e relativamente 
estáveis. Se um nível e uma ordem podem exercer, em alguns 
momentos, um papel preponderante, isto não significa que se postule uma 
hierarquia imutável entre eles, pois as relaçõesentre os níveis podem tomar 
várias direções na teoria e na prática. Enfim, a ordem que se constrói em 
cada um dos cinco níveis é contingente, o que não significa que tudo seja 
possível na prática. Ela é o resultado da confrontação permanente entre o 
imaginário e a experiência que o ser humano vivencia em um contexto 
espaço-temporal, dado que Sahlins (1989) qualificaria de "estrutura da 
conjuntura". Como assinalamos diversas vezes, os seres humanos 
constroem, destroem e reconstroem sempre sua realidade a partir de 
experiências ao mesmo tempo antigas e novas: "a transformação de uma 
cultura", segundo Sahlins, "é um modo de sua reprodução". 
O NÍVEL DO INDIVÍDUO 
O indivíduo é por definição um ser biopsicossocial, tríplice origem 
que lhe confere uma complexidade singular (Morin, 1973; Ruffié, 1976). Se 
se pode estudar o indivíduo isoladamente, segundo um dos três aspectos, 
na realidade é sempre difícil ignorar os dois outros. O biológico, o psíquico 
e o social contribuem, cada um a seu modo, para a edificação da ordem 
individual, a colocar o indivíduo enquanto indivíduo e ator de sua própria história 
e fixar igualmente os limites. O biológico pode influenciar o psíquico, e 
mesmo o componente social. Por exemplo, uma pessoa atingida por uma 
perturbação funcional qualquer pode rever sua posição no trabalho, suas 
atividades e suas relações sociais. O inverso é igualmente verdadeiro -o psíquico 
e o social podem ter conseqüências biológicas. Por exemplo, uma pessoa 
de certa cultura pode encontrar-se em uma situação paradoxal de alteridade, 
entrando em contato com outra cultura. Esta situação que Devereux 
qualificou de aculturação antagônica pode provocar, às vezes, disfunções 
psíquicas ou orgânicas (Bateson, 1979; Devereux, 1972). 
Esta tríplice composição está presente quando se estudam os seres 
humanos nas organizações. Na escala individual, o biológico, o psíquico e o 
social exercem um papel mais ou menos importante segundo o contexto e as 
pessoas envolvidas. A herança biológica, os traços de caráter, a história pessoal, 
as origens socioculturais deixam sua marca ao sabor dos eventos e condutas 
individuais. A realidade humana observada neste nível, conjugando 
sutilmente estes três elementos, explica em certa medida por que em 
situações organizacionais similares, alguns se comportarão ou reagirão 
diferentemente no plano individual -o conformismo ou a revolta, a aceitação ou 
a crítica, a resistência ou a autodestruição têm suas raízes em grande 
parte no arcabouço biopsicossocial de cada um, ou seja, o eu é 
indissociável da própria história, da própria experiência e das vivências. 
Até o momento, o indivíduo tem sido objeto privilegiado de estudo 
da psicologia, da psicanálise, da psicologia social e também da filosofia e, 
como mencionamos anteriormente, passa também a ser valorizado pelas 
ciências sociais (Ewald et ai., 1989). Há alguns anos, a imagem de um 
indivíduo massacrado pelo coletivo, socialmente determinado, cede 
progressivamente lugar para outra representação: aquela de um indivíduo 
que participa da construção e destruição da realidade, de uma pessoa que é ao 
mesmo tempo sujeito em ato e um ator de sua historicidade: 
"Um membro não é apenas uma pessoa que respira e que pensa, é 
uma pessoa dotada de um conjunto de procedimentos, de métodos, de 
atividades, devivências, que a torna capaz de inventar 
dispositivos de adaptação para dar sentido ao mundo que a 
cerca" (Coulon, A. L'Ethnométhodologie, 1987: 45). 
Esta mudança de perspectiva não ocorre no vazio. Ela se insere nas 
estruturas sociais que predeterminam em certa medida as respostas que cada 
indivíduo pode dar às situações que vive. Por isso o estudo do indivíduo não é 
totalmente dissociado dos outros níveis. 
O NÍVEL DA INTERAÇÃO 
O ser humano não vive em círculo fechado, pois é na relação com 
o outro que o ego se constrói. A alteridade é assim a consubstância da 
identidade pessoal como acentuava Laing (1971: 99) "Toda identidade requer 
a existência de um outro: de algum outro em uma relação graças à qual 
se atualiza a identidade de si próprio." O outro, como já afirmamos é ao 
mesmo tempo um modelo, um objeto, uma sustentação ou um adversário. Um 
modelo, quando constitui um objeto de identificação, um objeto, quando 
sujeito de investimento do tipo libidinal, transformando-se em objeto de 
amor ou ódio, uma sustentação ou um adversário, quando permite a 
construção de ligações de solidariedade ou de ódio. Como define bem Enriquez 
(1983: 57) "O outro não existe enquanto existe apenas para nós, o que 
significa que uma forma de relacionamento -identificação, amor, solidariedade, 
hostilidade -é indispensável para construir o que quer que seja com o outro." 
É justamente este universo da relação com o outro que fundamenta o 
segundo nível daanálise: o da interação. 
As interações com o outro concentram-se principalmente em três 
categorias. Inicialmente, podem consistir em um face a face com um 
pequeno número de pessoas. Esta relação "selfoutro" que constitui a relação 
social básica, é objeto de várias disciplinas, principalmente da psicologia social 
(Harré, 1979; Fischer, 1987), da microssociologia (Goffman, 1973, 1974b, 
1988) e da etnometodologia (Garfinkel, 1967; Coulon, 1987). Elas podem, 
por sua vez, remontar à relação que um indivíduo pode manter com a multidão; 
é a relação ego-massa, que deu nascimento à sociologia do mesmo nome 
(Le Bon, 1963; Moscovici, 1981). Enfim, ela pode se referir à relação que 
um grupo mantém com Qutro grupo. Esta relação nós a nós, c'onstituindo 
o universo das relações sociais (Padioleau, 1986), permanece no campo 
privilegiado da sociologia (Rocher, 1968, ]aveau, 1976) e da antropologia social 
(Evans-Pritchard, 1969). 
Estes três diferentes tipos de interação contribuem, cada um à sua 
maneira, para construir uma certa ordem. O primeiro, segundo Goffman (1988) 
é o universo relacional do face à face que coloca em jogo atores, atividades, 
rituais, gestos, convenções, palavras e papéis num quadro espaço-temporal 
determinado (Harré, 1979; Goffman, 1973). A noção de face remete de um lado 
à fisionomia, à expressão, e de outro lado, à estima de si próprio (Giddens, 
1987). O contexto organizacional produz um grande número de situações 
deste gênero. Basta pensar em numerosas reuniões, encontros quotidianos, 
entrevistas entre superiores e subordinados, trocas de informações entre 
colegas, conversas de corredor etc. 
O segundo tipo de interação é um universo relacional efêmero e 
muito circunscrito no tempo, que pressupõe a existência de uma multidão 
onde as relaçõesque se estabelecem são mais de ordem de fusão do que 
de qualquer outro tipo de interação. Nas organizações, tal interação pode 
ser vista por ocasião de manifestações que mobilizam o pessoal no todo 
ou em parte -greves, desfiles, ocupação de fábrica, assembléias gerais, mas 
também manifestações sindicais, políticas, esportivas ou religiosas. 
O terceiro e último tipo relaciona-se com a esfera das identidades 
coletivas que delimitam as origens sociais dos indivíduos, onipresente 
igualmente nas organizações. Ele cria numerosas relações e clivagens nós-
eles/elas que recortam universos sociais distintos: direção superior-base, 
executivos-operários, grupos sócio-profissionais, universo masculino-feminino, 
nacionais-estrangeiros, velhos, jovens etc. Estas relações sociais, colocando 
em jogo as relações de poder e de significados (Sainsaulieu, 1987; Clegg, 
1989), contribuem para edificar o que nós qualificaremos de ordem 
organizacional. 
Estes três grandes tipos de interação podem ser formais, isto é, 
codificados por um conjunto de regras e procedimentos explícitos, 
estabelecidos em quadro claramente definido, ou ainda informais, originários 
de relações que são tecidas espontaneamente nos locais de trabalho, a 
realidade combinando sem cessar as duas formas. 
Para existir, este mundo da interação necessita e coloca em jogo certo 
número de mecanismos ou modos de comunicação, ritos de interação e de 
processos psíquicos com estreita relação entre si. 
INTERAÇÃO E MODO DE COMUNICAÇÃO 
Como o ser humano dialoga, e todo comportamento é comunicação 
(Bateson, 1979), toda interação, qualquer que seja, supõe por definição um 
modo de comunicação, isto é, um conjunto de disposições verbais e não verbais 
que se encarregam de exprimir, traduzir, registrar, em uma palavra, de 
dizer o que uns querem comunicar aos outros durante uma relação. Ao 
mesmo tempo locutor, ouvinte e interlocutor, todo indivíduo exprime no 
quadro da interação ao mesmo tempo o que ele é, o que faz, o que pensa, o que 
sabe, o que deseja, o que gosta, assim agindo, ele se coloca cada vez mais 
como pessoa, como assinala Benveniste (1966: 259) "É um ser humano 
falando que nós encontramos no mundo, um ser humano falando a outro 
ser humano e a linguagem explica sua própria definição." A comunicação verbal 
não é, entretanto, o único modo de comunicação. A comunicação não verbal 
constitui um outro modo ao mesmo tempo particular, complementar e simultâneo 
da comunicação (Feyereisen e de Lannoy, 1985). Segundo a distinção 
estabelecida por Cosnier e Brossard (984), este modo de comunicação envolve, 
ao mesmo tempo, elementos contextuais, isto é, elementos mimogestuais 
(mímicas, movimentos corporais etc.) e elementos vocais (timbre de voz, 
entonação etc.), que acompanham o texto falado propriamente dito, e os 
elementos contextuais, que reagrupam todos os marcadores e índices de 
contextualização: espaços corporais, distintivos de origem (vestuário, 
insígnias, uniformes etc.) e marcadores relacionais (signos hierárquicos, 
sobrenomes, etc.). O conjunto destes marcadores associados às 
características espaciais e temporais do lugar onde se situa o ato de 
comunicação, define o contexto situacional. Assim, "texto" e "contexto", como 
escrevem os dois autores, associam-se para constituir o enunciado total da 
linguagem heterogênea formada pela sinergia dos três subsistemas -"verbal, 
vocal e gestual". Este enunciado total só terá significação em determinado 
contexto organizacional. 
INTERAÇÃO E RITUAUZAÇÃO 
Se, para existir, toda interação necessita de um modo de 
comunicação, ela coloca igualmente em jogo alguma forma de ritualização 
que não é exclusiva do ser humano (Huxley, 1971; Fondation Royaumont, 1974), 
mas nele toma formas bem particulares, quando a expressão ritualização 
é considerada em sua dimensão antropológica e não etológica (de Heustch, 
1974). Como sublinhou com ênfase Goffman C1974b, 1988), a vida quotidiana 
é o teatro permanente de tal ritualização. Estes ritos de interação, mobilizando 
todo um conjunto de obrigações, de expectativas e de figurações, têm por 
função preservar a face de cada um ou ainda restituí-Ia quando perdida 
durante um reencontro. As sociedades para se manterem como tais, devem 
mobilizar seus membros para torná-Ios participantes de reencontros 
autocontrolados. O ritual é um dos meios de conduzir o indivíduo a este 
objetivo: sendo ensinado a ser atento, a se prender a seu eu e a expressar 
este eu através da fisionomia, a mostrar-se orgulhoso, honrado e digno, a 
ser diferente, habilidoso e seguro. Estes são alguns comportamentos 
elementares que é preciso desenvolver numa pessoa para que ela possa 
interagir (Goffman, E. Les rites d'interaction, 1974b: 41). 
Em outras palavras, a polidez, o tato, a cortesia, o que podemos chamar 
savoir vivre, são meios universais para exprimir nosso savoir faire e assegurar 
o que Devreux (980) qualificou de reciprocidade conveniente. Em um nível 
mais ontológico, estes ritos, nos protegendo e protegendo o outro, tem por 
função assegurar a perenidade da confiança mútua (Giddens, 1987). Sem 
esta ritualização das relações quotidianas, a existência seria insustentável. As 
situações de crise nos confirmam constantemente tanto em nível das 
sociedades CLévi, 1987; Antelme, 1957) quanto ao nível das organizações 
CWeil, 1951; Linhart, 1978; Aktouf, 1987; Terkel, 1976; Goffman, 1974b). Os ritos 
de interação, como os rituais coletivos, contribuindo à manutenção da 
sociabilidade, transformam-se assim em verdadeiros indicadores do estado 
qualitativo das relações humanas. 
INTERAÇÃO E PROCESSOS PSÍQUICOS 
Toda interação mobiliza processos psíquicos. Estes processos 
que se situam na origem do desenvolvimento cognitivo e afetivo do ser 
humano representam a parte imersa da interação, objetos privilegiados de 
estudo da psicologia e da psicanálise, processos que subentendem e 
acompanham toda palavra, todo discurso e toda ação. 
Tanto em nível interpessoal como intergrupal, os processos de 
identificação, de introspecção, de projeção, de transferência, de contra-
transferência, de idealização, de clivagem, de repressão etc., para falar 
como os psicanalistas CLaplanche e Pontalis, 1967), são onipresentes. 
Freqüentemente imperceptíveis, eles são a base de numerosos problemas, 
mal-entendidos, qüiproquós e conflitos que encontramos nas organizações. 
Aliás, a presença destes mecanismos, na maioria das vezes inconscientes, 
exerce maior ou menor influência na qualidade da comunicação que se pode 
estabelecer entre duas ou mais pessoas: 
"Toda comunicação é sempre parcial, e mesmo tendenciosa em 
razão dos mecanismos de repressão, clivagem, necessidades de 
proteção e de transferências negativas que podem estabelecer-se em 
relação a alguns objetos (...) o que é possível, pela própria 
obrigatoriedade de se viver e trabalhar com os outros, é a 
tentativa arriscada e retomada quotidianamente de uma 
comunicação que não choque nem confronte violentamente os 
mecanismos de segurança narcisista eas necessidades de identidade 
dos indivíduos, ou seja, que estabeleça um equilíbrio entre o 
reconhecimento desejado e o desejo de se fazer reconhecer de 
cada um." (Enriquez, E. De Ia horde à l'Etat: Essai de 
psychanalyse du Lien Social, 1983: 391). 
Toda comunicação jamais é totalmente enfática. A significação que se dá 
a alguns gestos, a algumas palavras, devesempre ser inserida nos quadros 
psíquicos onde surgiram. Agindo desta maneira, podemos apreender melhor 
alguns comportamentos que poderiam parecer à primeira vista ambíguos, 
paradoxais e mesmo totalmente irracionais. A tomada de consciência de tais 
processos tem o mérito de lembrar a todos e a cada um que a afetividade 
é uma dimensão incontornável das relações humanas, seja face a face, em 
grupo ou na multidão. 
O NÍVEL DA ORGANIZAÇÃO 
No aspecto que nos interessa, a organização constitui o terceiro nível de 
análise, pois ela forma o quadro social de referência no qual se inscrevem os 
fenômenos humanos objetos do presente livro -de uma parte, um subsistema 
estrutural e material, de outra parte, um subsistema simbólico. Enquanto o 
primeiro subsistema remete às condições eco geográficas, aos meios 
materiais para assegurar a função de produção de bens ou de serviços, o 
segundo subsistema remete ao universo das representações individuais e 
coletivas que dão sentido às ações, interpretam, organizam e legitimam as 
atividades e as relações que homens e mulheres mantêm entre si. A interação 
entre estes dois subsistemas, mediatizados pelas relações de poder, contribui 
para edificar a ordem organizacional. 
Esta ordem organizacional é por definição sempre instável. As 
tensões, os conflitos, a incerteza, a ambigüidade, as desigualdades, as 
contradições de origens exógenas e endógenas variadas encarregam-se de 
alimentar esta instabilidade (Dupuy, 1982; Balandier, 1988). Claro, as 
organizações não evoluem do mesmo modo, algumas são mais dinâmicas 
que outras. Tomando-se emprestado a terminologia de Lévi-Strauss, pode-se 
mesmo dizer que existem organizações "quentes", àsemelhança das empresas 
orgânicas descritas por Burns e Stalker (961) e organizações "frias", à 
semelhança de burocracias analisadas por numerosos autores (Merton, 1952; 
Selznick, 1966; Gouldner, 1964; Mintzberg, 1982). 
Pelo seu quadro original de ação, o nível organizacional introduz as 
dimensões que lhe são apropriadas e que influenciam as condutas humanas 
observáveis internamente. As exigências econômicas do ambiente, os modos 
de dominação utilizados, a história da organização, os universos culturais 
que se cruzam, as características sociodemográficas do pessoal dão à cada 
organizaçãó uma configuração singular e influenciam os comportamentos 
individuais e coletivos. Se se pode tentar estabelecer parâmetros comuns 
(Mintzberg, 1982) acima e além desta diversidade, é imprescindível constatar 
que existe seguramente uma variedade não sóentre as organizações 
diferenciadas, mas também entre organizações similares. Por exemplo, se todo 
mundo concorda que o exército e a Universidade são duas organizações 
distintas, todo observador destas duas realidades notará com facilidade que 
existem diferentes componentes no exército -infantaria, artilharia e cavalaria 
-e na universidade, composta por diversas faculdades. 
Por outro lado, as organizações contemporâneas exercem influência 
cada vez maior sobre as condutas individuais, sobre a natureza, as 
estruturas socioeconômicas e a cultura, o que as leva a se transformar em 
elementos-chave das sociedades, contribuindo dessa forma a edificar uma 
ordem social mundial. De fato, não éraro hoje se constatar quantos sucessos 
econômicos, financeiros, industriais, técnicos, científicos e culturais de um país 
podem ser diretamente associados à organizações públicas ou privadas. 
Para se convencer, basta lembrar o famoso slogan americano dosanos 
sessenta: "O que é bom para a General Motors é bom para os Estados 
Unidos", ou ainda, as múltiplas declarações recentes relacionadas com 
empresas nacionais no Canadá, França, Japão e em outros países. Coca-
Cola, Lévi-Strauss, McDonald's, Boeing, NASA, as produções Walt Disney 
não contribuem apenas para o desenvolvimento econômico dos Estados 
Unidos, estas empresas são também a imagem do American way of life. As 
empresas multinacionais transformam-se assim em vetoresda cultura de seus 
países de origem. Em contato com outras realidades culturais, elas são 
vistas tanto como modelos a seguir, tanto como antimodelos, como agentes 
estrangeiros e mesmo como inimigos poderosos (Ser-van-Schreiber, 1967; Le 
monde diploma tique, 1988b). A empresa japonesa, háalguns anos, parece 
cada vez mais exercer também este papel (Ouchi, 1982; Pascale e Athos, 
1981). No topo do mundo dos negócios, a imagem da "empresa samurai" 
parece com efeito ter substituído a "empresa yankee', embora esta última ainda 
possua numerosos adeptos, pois não originou esta nova arte de gestão, 
intraduzível em outras línguas, e que se convencionou chamar management. 
Criando assim um espaço particular, de uma parte, entre os níveis do 
indivíduo e da interação e, de outra parte, entre os níveis da sociedade e do 
mundo, a organização representa também um nível isolado. 
O NÍVEL DA SOCIEDADE 
A sociedade forma o quarto nível de análise. Objeto privilegiado da 
antropologia e da sociologia, seu estudo exige um ponto de vista sistemático 
ou totalizante 0aveau, 1976). Toda sociedade é com efeito um conjunto 
econômico, político, social e cultural, situado em um contexto espaço-
temporal dado. É o que nos leva a afirmar com freqüência, por exemplo: "A 
Itália não é a França", "O Canadá não é os Estados Unidos" ou ainda "A 
República dos Camarões não é a Argélia". Mais ou menos homogênea, pois 
existem com freqüência sociedades distintas na sociedade, uma sociedade é 
antes de tudo marcada, qualquer que seja o seu tamanho, por sua 
complexidade e sua maior ou menor coesão. Ela pode igualmente tomar formas 
muito variadas: de um lado, a comunidade, onde as ligações se estabelecem 
numa base familiar ou de clã, universo por excelência de relações "tricotadas 
apertadas" (Rioux, M., 1965) e onde as organizações não são consideradas o 
fundamento da sociedade. Por outro lado, o universo da sociedade pós-
moderna, onde as ligações se estabelecem numa base orgânica, são mais 
distendidas e as organizações são o fundamento mais importante da 
modernidade. 
Tanto quanto no nível precedente, o nível da sociedade possui um 
subsistema estrutural-material e um subsistema simbólico que articulam as 
relações sociais que são tecidas entre os diferentes indivíduos e grupos que 
compõem a sociedade. Se a sociedade pode ser o lugar de algumas 
características socioculturais comuns (hábitos, língua, tradições, leis etc.), de 
algumas especificidades sociopolíticas (estrutura de classes, modo de 
reprodução das elites, modos de organizações políticas), de união em torno de 
símbolos coletivos (bandeira, hino nacional, clubes de futebol e outras 
instituições fetiches), que conferem uma certa coesão à identidade social, ela 
fixa igualmente o quadro de conflitos, de tensões e de mudanças identificáveis 
isoladamente. O nível da sociedade engloba, penetra e irriga o universo 
dos indivíduos, das interações e da organização, pois a sociedade é sentido, 
domínio e condição do sentido. Todo ser humano é de fato o socializado de 
determinado meio. Este processo de socialização ou de aculturação permite 
amoldar o indivíduo ao seu grupo, ensinar-lhe um conjunto de gestos, de 
atitudes, de comportamentos que lhe permitirão ao mesmo tempo atuar em 
conformidade com as normas não escritas (Sahlins, 1989), ser reconhecido 
como um membro do grupo e, portanto, distingüir-se das pessoas 
pertencentes a outros grupos. Este processoestá na base da identidade e da 
alteridade, estes dois elementos constituindo as duas faces deum mesmo 
fenômeno: a realidade identitária (Todorov, 1989; Kristeva, 1988; Memmi, 
1972). Lugar privilegiado para a aprendizagem de habitus (Bourdieu, 1979), 
a socialização não apenas marca o indivíduo dando-lhe uma identidade 
sociocultural, mas codifica igualmente as interações, impregna as 
organizações de todos os valores que são encontrados no universo social 
mais amplo e que transferem sem cessar a seus membros, usuários, 
clientes e fornecedores. É por esta razão que não se pode tornar inteligível 
a dinâmica humana nas organizações sem conhecer acultura e a sociedade na 
qual ela se inscreve (Adler, 1986; Hofstede, 1987; d'Iribarne, 1989). A empresa 
japonesa não funciona como uma empresa americana (Oucchi, 1982; 
Pascale e Athos, 1981; Nakane, 1974) e nem como uma empresa francesa 
(Crozier, 1963; d'Iribarne, 1989) ou como uma empresa quebequense (A. 
Chanlat, 1988), ou ainda como uma empresa soviética (Bhérer, 1982). Esta 
diferença é em grande parte a expressão de uma história, de uma cultura, 
de um modo de organização social, de um contexto jurídico próprio a cada 
uma destas sociedades. Isto não significa, porém, que a empresa enquanto tal 
deixa de participar da construção da realidade social e cultural de um país, ou 
seja, de estabelecer a ordem social (Padioleau, 1986), e mesmo, nos casos 
extremos, de absorvê-Ia completamente, um pouco à imagem descrita por 
Orwell (984). 
Concluindo, se a ordem organizacional exerce um papel na edificação da 
ordem societal, a ordem social perpassa de uma maneira ou de outra a ordem 
organizacional. Esta relação de natureza dialética é capital para compreender o 
universo das organizações e o das sociedades estudadas. Como a ordem 
organizacional, a ordem societal é também palco de afrontamentos, conflitos, 
contradições e desigualdades e os conflitos não estão isentos da ressonância 
que se observa no interior das organizações (Clegg e Dunkerley, 1980; Edwards, 
1979; Clegg, 1989). A ordem societal, fundamentalmente histórica, aparece 
como um conjunto dinâmico, uma ordem em movimento, em que o equilíbrio é 
sempre instável (Balandier, 1988). Todavia, esta instabilidade não pode ser 
atribuída unicamente a numerosas origens internas, mas também às 
múltiplas relações que são mantidas com o sistema mundial. 
O NÍVEL MUNDIAL 
Em algum momento de sua história, toda sociedade se insere em 
uma rede de relações econômicas, sociais, políticas e culturais mais ampla. 
Esta rede ou esta área de civilização (Mauss, 1969a) pode ser menos ou mais 
extensa, menos ou mais importante e mais ou menos densa. Ela pode ir 
de um sistema de relações localizadas mais próxima -como algumas 
sociedades caçadoras primitivas (Sahlins, 1976) -até o sistema de economia 
mundial descrito pelo historiador francês Braudel (979) ou ao sistema 
mundial já então proposto pelo historiador americano Wallerstein 0980, 1985). 
O lugar que uma sociedade ocupa no que chamamos hoje o concerto 
das nações pode ser atribuído a grande número de variáveis: geográficas, 
demográficas, históricas, militares, econômicas, políticas, sociais e culturais. 
É a interação entre todas estas variáveis que determinará em grande parte 
a posição que ela vai ocupar no sistema mundial (Aron, 1968; Braudel, 1979; 
Wallerstein, 1985). 
Este lugar e este papel não são, entretanto, determinados de forma 
permanente. A situação pode mudar segundo a dinâmica própria à sociedade 
e segundo o sistema internacional ao qual ela pertence, e a história nos ensina 
isto, principalmente a história do ocidente pois em alguns séculos ela foi 
testemunha de uma sucessão de pólos hegemônicos: Veneza e Gênova nos 
séculos XIII e XIV, Espanha, século XVI, Flandres na primeira metade do século 
XVII, França no século XVIII, Inglaterra no Século XIX e Estados Unidos 
no século XX (Braudel, 1979; Wallerstein 1980, 1985). Hoje já se fala de um 
novo deslocamento do centro de gravidade, do Atlântico para o Pacífico. 
Se a cada época se observa uma tal configuração, deve-se ressaltar 
também que diferenças importantes existem entre a situação atual e aquela 
observada nos séculos precedentes. A primeira distinção é de natureza ao 
mesmo tempo geográfica e socioeconômica. Enquanto as sociedades que nos 
precederam pertenciam a uma economia regional, pois a maior parte dos 
intercâmbios era feita entre um conjunto de cidades, regiões ou países 
situados em uma mesma área geográfica, por exemplo, a região 
mediterrânea, com características bastante homogêneas quanto ao 
desenvolvimento e nível de vida, as sociedades contemporâneas encontram-se 
todas integradas, de uma maneira ou de outra, a um sistema que engloba 
atualmente o planeta observando-se, entretanto, desigualdades consideráveis 
de nível de vida (Brandt, 1980; Le monde diplomatique, 1988). 
A segunda distinção relaciona-se com a lógica de funcionamento 
dessa mundialização. Desde o aparecimento do capitalismo histórico, no 
século XV, até os nossos dias, o sistema passou por uma economia 
mercantilista, dominante do século XVI ao século XVIII, seguido pelo 
industrialismo, que vem até os nossos dias. Atualmente, segundo alguns 
analistas, este capitalismo cederá lugar ao capitalismo cada vez mais 
financeiro (Halberstam, 1986; Le monde diploma tique, 1988b), o que 
transformará de novo, sem dúvida, a realidade socioeconômica. 
Enfim, a terceira distinção relaciona -se com as organizações de 
representações e o quadro jurídico. Desde o fim da segunda guerra mundial, 
a nova ordem internacional fez emergir grande número de organizações 
supranacionais (FMI, ONU, UNESCO, Banco Mundial, FAO, Bancos de 
Regulamentação Internacionais, CEE etc.). Foi também estabelecido um 
conjunto de regulamentações comerciais, bancárias e jurídicas (Acordo 
GATI, Acordo Bretton Woods, lATA etc.) com objetivos de supervisionar, 
regular, coordenar e mesmo intervir nos negócios mundiais. 
Esta proeminência da ordem mundial é hoje mais forte do que ontem e 
pode-se assinalar vários sintomas dessa tendência. A economia não cessa 
de se mundializar e as empresas, através dessa mundialização, se 
consolidam (Goldberg e Negandhi, 1983; Lall, 1983; Casson, 1983), As 
fronteiras nacionais desaparecem-Europa 1992, Acordo de Livre Comércio 
Canadense-Americano, Negociações do GATI etc. As ameaças ecológicas 
mundializam-se também. As distâncias entre os países desenvolvidos e os 
em desenvolvimento aumentam e as relações leste-oeste são um 
contraponto inevitável. Constituindo assim uma dimensão incontornável da 
existência humana contemporânea, a ordem do mundo atual pelas suas 
características -globalização, desigualdades, rivalidade, cooperação e lógica 
econõmico-financeira -desenha os contornos nos quais as sociedades, as 
organizações e os indivíduos devem cada vez mais se inserir e se 
movimentar. Esta mundialização das trocas, que assistimos, não estrutura 
apenas o mundo econômico, contribui também, pela via de 
multinacionalização das empresas e dos movimentos migratórios 
internacionais, para desestabilizar as identidades coletivas (Todorov, 1989; 
Kristeva, 1988), para redefinir os universos culturais (Bourgoin, 1984) e à 
reinterpretar os imaginários (Eudes, 1982; Le monde diploma tique, 1988a). 
Neste contexto, a dinâmica humana nas organizaçõesserá profundamente 
afetada. 
COMPLEXIDADE E INTERDEPENDÊNCIA ENTRE OS NÍVEIS 
Os cinco níveis que mencionamos estão em constante interação. O 
indivíduo constrói-se em sua relação com o outro, mais freqüentemente em um 
quadro de relações organizadas, na relação que ele mantém com a 
sociedade e que essa última mantém com outras sociedades (Memmi, 
1972). A ordem de interação é influenciada pelos indivíduos presentes, a 
ordem organizacional é ao mesmo tempo o produto e o produtor da ordem 
societal e da ordem mundial. Inversamente, a ordem mundial repercute sobre os 
outros níveis. Esta concepção, um pouco circular, indica claramente que 
não queremos estabelecer a priori uma hierarquia entre os cinco níveis 
(Bateson, 1979). Também significa que o universo que queremos estudar 
através deles, no nosso caso o fator humano nas organizações, não é 
uma simples justaposição de estratos independentes uns dos outros, 
redutível a uma só dimensão ou dependente de um nível determinado. Ao 
contrário, ele procura ressaltar a complexidade, ou seja, "reconhecer o que é 
'uno' e múltiplo" (Morin, 1986) e mostrar como todo fenômeno estudado é 
perpassado por elementos transversais (Goffman, 1988). 
Esta visão ao mesmo tempo unidimensional e pluridimensional dos seres 
humanos se integra também em um movimento contemporâneo mais amplo, 
cujo objetivo é ultrapassar as oposições clássicas: indivíduo-
sociedade,ordem-desordem, autonomia-dependência, cooperação-
competição, estrutura-história, separações que na realidade estão 
intimamente ligadas através de configurações múltiplas (Dupuy, 1982; Morin, 
1986; Bourdieu, 1987; Giddens, 1987; Balandier, 1988; Sahlins, 1989). 
Reunir o que estava até agora separado, colocar em evidência as 
dimensões esquecidas, reafirmar o papel do indivíduo, da experiência, do 
simbólico nas organizações e ao mesmo restituí-los ao seu quadro sócio-
histórico, é a ambição desta antropologia das organizações que procuramos 
construir. Esperamos que este livro convença o leitor de que estamos 
trilhando o bom caminho: a unidade e a interdisciplinaridade ao mesmo 
tempo.

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