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Keynes- Escritos pré-TG

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KEYNES, J. M. O FIM DO LAISSEZ FAIRE 
 
“Um estudo da história das ideias é uma preliminar necessária para a emancipação do espírito. Não sei o 
que torna o homem mais conservador: conhecer apenas o presente, ou apenas o passado.” (p. 110-11). 
 
Parte I – Origens filosóficas e contexto do individualismo e do laissez faire (LF) 
o Fim do século XVII: liberdade natural e contrato social; Locke e Hume: indivíduo no centro 
do mundo 
 Promoção do indivíduo: deposição do monarca e da Igreja 
 Hedonismo + Individualismo → Utilitarismo 
 Ideias convergentes com as noções práticas dos “conservadores e advogados”: direitos de 
propriedade e de dispor sobre seus bens 
 Papel dos economistas: deram forma “científica” a essa “harmonia dos opostos” 
o Leis da natureza: indivíduos esclarecidos + interesses privados + liberdade + utilitarismo = 
promoção do interesse geral 
o “resolveu” a questão para o homem prático: esforço se volta para a garantia das necessárias 
condições de liberdade nos negócios 
“A doutrina filosófica de que o governo não tem o direito de intervir, e à doutrina divina de que ele 
não tem necessidade de intervir, acrescenta-se uma prova científica de que sua interferência é 
inconveniente.” (p. 108-9, grifos nossos) 
 
 Reforço à ideia: corrupção e incompetência dos governos no século XVIII + progresso 
material (percebido como resultado da iniciativa individual) 
 Acréscimo fundamental: teoria darwinista da sobrevivência do mais apto: generalização da 
economia ricardiana – competição é um elemento darwinista na economia 
o Da ideia de que “a livre competição construíra Londres” para a noção de que “o 
próprio homem resultara da livre-concorrência” (p. 110) 
 
SEÇÃO II. Difusão da ideia 
 Popularização da doutrina: não foi papel direto de economistas (políticos), mas de filósofos 
políticos e “homens práticos”: a expressão Laissez Faire não se encontrava nos clássicos (Smith, 
Malthus, Ricardo) 
 Popularização: como se fosse um resultado científico (“... o dogma tomou conta da máquina 
educacional, tornou-se uma máxima escolar.” p. 114) 
 Economistas profissionais: manifestavam forte reação contra tais ideias 
o Cairnes (1870): máxima do laissez faire não possui base científica; apenas uma regra prática 
SEÇÃO III – Metodologia econômica 
Metodologia econômica: escolher as hipóteses mais simples (como ponto de partida), não 
necessariamente as mais realistas (“próximas aos fatos”). 
 Distribuição ideal dos recursos: fruto de ação individual, independente e competitiva. 
 “Não se leva em conta o custo da luta, mas apenas os lucros do resultado final, que se supõe serem 
permanentes.” p. 116 
 Metáfora das girafas (competição/darwinismo – “equilíbrio (geral?)” 
Duas suposições provisórias (escoras do L-F) tomadas como literais: 
 “seleção natural”→ leva ao progresso 
 Eficácia → lucros privados como incentivo → amor ao dinheiro + distribuição livre dos recursos = 
↑Riqueza 
Problema: teoria decorre de uma hipótese incompleta 
 Pressupostos irrealistas: 
o Inorganicidade dos processos de produção e consumo 
o Existência de conhecimento prévio suficiente (das condições/requisitos para 
produção/consumo) 
o Existência de oportunidades adequadas para obter esse 
o conhecimento prévio 
 O que não se leva em conta 
o Heterogeneidades (“quando as unidades de produção eficientes são grandes demais em 
relação às de consumo”) 
o Existência de custos indiretos 
o Concentração da produção (como um resultado possível da própria eficiência) 
o Tempo de ajustamento 
o Ignorância (suplantando o conhecimento) 
o Monopólios, carteis 
 Saída dos economistas: hipóteses simplificadoras representam o que é “natural”: “Eles consideram 
saudáveis as hipóteses simplificadoras, e doentias as demais complicações” (p. 117). 
 Problema adicional (negligenciado): custo social (bem-estar) dos que são deixados para trás. 
SEÇÃO IV – Crítica dos princípios metafísicos do L-F 
 Não é verdade que os indivíduos possuem uma “liberdade natural” prescritiva em suas atividades 
econômicas 
 Não existe um contrato que confira direitos perpétuos aos que os têm ou adquirem (papéis 
relativos, propriedade, são conceitos cambiáveis) 
 Não é verdadeira a efetiva verificação da coincidência entre o interesse particular e o social 
 Não é corretamente dedutível (dos princípios da economia) que o auto-interesse (esclarecido) 
sempre atua a favor do interesse público (implicitamente) – a condição de necessidade não é 
condição de suficiência 
 Não é verdade que o auto-interesse seja geralmente esclarecido (ignorância é um resultado mais 
comum nas atitudes individualmente orientadas; efeitos conjuntos podem ser mais nocivos que 
benignos) 
 Não há evidência empírica que corrobore a ideia de que a ação realizada integrada a um grupo 
social seja menos esclarecida do que aquela realizada individualmente. 
Alternativa a esse nível de abstração: distinção da Agenda e Não-Agenda (termo de Bentham [pre-
conceituado], sentido de Burke). 
 Tarefa dos economistas: distinguir a Agenda do Governo da Não-Agenda 
 Tarefa da política: imaginar formas de governo (democrático) capazes de realizar a Agenda 
Propostas 
 Institucionais: entidades semi-autônomas dentro do Estado, excluindo a busca de vantagens 
particulares, limitadas na forma da Lei dada pelo Parlamento: 
o Ex.: universidades, Banco da Inglaterra, Autoridade Portuária de Londres, Sociedades 
Anônimas 
o Não confundir com nacionalização/estatização (crítica ao Socialismo de Estado, p. 123) 
 
Critério de Agenda 
 Separação dos serviços tecnicamente sociais dos tecnicamente individuais 
 Agenda do governo: funções fora do âmbito individual, fazer as coisas que atualmente deixam de 
ser feitas (p. 123) 
 Risco, incerteza e ignorância: fonte de fortuna de alguns e infortúnio de muitos (crises, depressões) 
– a cura reside fora das atividades dos indivíduos; eles podem até mesmo agravar a doença 
o Curas: 
 Controle centralizado da moeda e crédito 
 Coleta, processamento e disseminação/publicização de informações/dados 
econômicos (≈estatísticas públicas) 
 Coordenação da poupança/investimento (incluindo investimento externo), mercado 
de capitais 
 População (?) 
SEÇÃO V – Capitalismo administrável - Ação coletiva + instintos individuais de ganho: Substituição do 
debate em termos morais/psicológicos (anticapitalistas vs. capitalistas devotos)para um outro, em termos 
mais realistas. 
 
 
INFLAÇÃO E DEFLAÇÃO 
 
- Série De artigos publicados orignalmente no “Essays in persuasion”, Parte II. 
 
1. Inflação (1919): processos inflacionários como forma de confisco arbitrário, que desorganiza as relações 
entre devedores e credores, e gera ganhadores (poucos) e perdedores (muitos) 
Ganhadores: “especuladores” (com preços de mercadorias) – são consequência, e não causa dos preços 
em alta; devedores: o valor nominal das dívidas se mantem mas o poder de compra desse valor cai (no 
caso dos governos: senhoriagem) 
 
2. Consequências sociais das mudanças no valor da moeda 
- variação no valor do dinheiro (preços) só importa na medida em que seja desigual 
- inflação e deflação: 
 afetam a distribuição da riqueza entre diferentes classes; inflação é a pior, nesse caso 
 superestimula ou retarda a produção: deflação é a pior, nesse caso 
- Perspectiva geral da análise de Keynes 
 Compreensão do processo de investimento de natureza monetária: a propriedade permanente 
preterida em relação à detenção de direitos sobre passivos financeiros (troca de propriedade por 
“recebimentos”: anuidades + principal do “empréstimo” em dinheiro: bônus, hipotecas, 
debêntures, ações preferenciais, etc) – mecanismo de investimento canalizando poupanças 
diretamente de investidores profissionais para empresários, gestores; Poupança: Deus e mamam se 
reconciliaram. 
 Dinheiro: moeda na forma cartalista (Cartal): o dinheiro é aquilo que o Estado declaraser o 
instrumento legal para saldar contratos denominados em moeda (dinheiro como resultado 
institucional) 
 Problema: classe devedora (politicamente forte)+ Governos influenciando na deterioração do valor 
da moeda 
 Solução: a forma de capitalismo monetário deve primar por estabilidade do valor da moeda; tarefa 
é muito importante para ser deixada ao laissez-faire; papel é estatal (institucional); 
- O capitalismo não pode sobreviver som um padrão de valor estável, por isso, a regulação desse 
padrão deve ser deliberada. 
 
o “Acima de tudo (...) não é seguro, nem justo, combinar a organização social desenvolvida no século 
XIX [capitalismo com separação propriedade/gestão, mercados financeiros modernos, investimento 
monetário] com uma política de laissez-faire em relação ao dinheiro. (...) Se quisermos continuar 
dirigindo aos investimentos a poupança voluntária da comunidade, devemos eleger, como objetivo 
primário de deliberada política estatal, que o padrão de valor em termos do qual ela deva expressar-
se seja mantido estável;(...)” (p. 296) 
o “O remédio estaria, mais propriamente, em controlar o padrão de valor de tal forma que, quando 
ocorresse algo capaz de, deixado a si mesmo, criar uma expectativa de mudança no nível geral de 
preços, a autoridade controladora pudesse contra-atacar tal expectativa acionando algum fator de 
tendência contrária. Mesmo que tal política não fosse inteiramente bem-sucedida no contra-ataque 
a expectativas, ou na eliminação de movimentos reais, já seria um progresso, em relação á política 
de nada fazer no momento, pois um padrão de valor governado por causas fortuitas, e 
deliberadamente afastado de um controle central, produz expectativas que paralisam ou intoxicam 
o governo da produção.” (p. 300) 
 
4. Um programa de expansão (maio 1929) 
- Uma análise dos desperdícios e custos sociais decorrentes do desemprego: a relação custo benefício de 
políticas de desembolso a desempregados (Fundo de Desemprego) vs trabalhadores empregados e 
produzindo justifica políticas ativas 
- Uma prévia apresentação (pioneira?) do debate sobre “crowding out” (recursos gastos pelo Estado para 
financiar esquemas produtivos reduziriam a oferta de capital privado) ou políticas de emprego levando a 
processo inflacionário = argumentos ortodoxos típicos: 
“Em relação aos fatos reais de hoje, este raciocínio é, segundo acreditamos, totalmente infundado” (p. 
307) 
I. Crowding out: o raciocínio de escassez de capital (por causa do Estado) valeria para outras 
indústrias também (qualquer delas que resolvesse investir reduziria a disponibilidade de 
recursos para as outras; absurdo = tese de recursos monetários como um poço de liquidez 
limitado) quantopor que existem recursos ociosos disponíveis: poupanças em excesso (GB), 
recursos desperdiçados por falta de crédito adequado, redução de empréstimos ao exterior 
II. Inflação: argumento só seria válido numa situação de plena atividade (sem ociosidade) – 
demanda de poupança excedesse a oferta 
Conclusão: política de crédito (condição sine qua non) e programa de investimentos domésticos. 
Redirecionamento dos recursos: do financiamento do desemprego, para o emprego; trabalho dos 
desempregados como um recurso que precisa parar de ser desperdiçado. 
 “É realmente com nossos recursos produtivos desempregados que faremos os novos investimentos.” 
(p. 310) 
 
5. A grande depressão de 1930 
- O diagnóstico: a capacidade das pessoas produzir bens e serviços, e da natureza de prover insumos, não 
mudou. O que mudou? Respostas inadequadas para um problema mal compreendido (respostas 
inadequadas podem aprofundar, e não solucionar, o problema; paradoxos da parcimônia) 
- A metáfora do automóvel com um problema de magneto: a máquina é boa, não deve ser jogada fora por 
um problema num componente. 
- a causa fundamental da crise: “Se portanto eu estiver certo, a causa fundamental do problema é a falta 
de novos empreendimentos devida a um mercado insatisfatório para investimento de capital. Já que o 
comércio é internacional, uma produção insuficiente de novos bens de capital no mundo como um todo 
afeta os preços das mercadorias em toda parte e, assim, da mesma forma os lucros dos produtores em 
todos os países” (p. 316). 
Causas da insuficiência: abismo entre emprestadores e tomadores de empréstimos - condições de 
empréstimos (emprestadores demandando prêmios maiores do que os novos investimentos podem 
propiciar), menor demanda dos tomadores (queda nos preços leva a revisões de planos de investimento; 
comprometimento financeiro) 
- Solução: política coordenada de bancos centrais (FED, BoE e Banque de France) para cobrir esse abismo – 
política monetária/creditícia 
 
SINTESE 
- Keynes está começando a verificar empiricamente os limites do arcabouço ortodoxo 
- Os diagnósticos ortodoxos estão se mostrando inadequados para enfrentar os problemas reais: 
desemprego, inflação, deflação, insuficiência de demanda, empoçamento de liquidez, etc 
- Questões sobre a dinâmica de demanda agregada em economias monetárias estão ficando cada vez mais 
claras na análise keynesiana

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