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A Importância dos Clássicos na Identidade Cultural

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TEXTOS 
FUNDAMENTAIS 
DA LITERATURA 
UNIVERSAL
Luara Pinto Minuzzi
Os clássicos universais 
e a identidade cultural
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 Identi� car a literatura como um importante espelho da sociedade.
 Discutir a importância dos clássicos universais para a formação da
identidade cultural de um povo ou de um país determinados.
 Discutir os diferentes conceitos de clássico e identi� car os clássicos
modernos ou contemporâneos.
Introdução
Muito se fala em literatura clássica. Fala-se sobre a necessidade de ler e 
de estudar os clássicos. Fala-se que Homero ou Shakespeare são clássicos. 
Fala-se, até mesmo, que a leitura dos clássicos pode ser, muitas vezes, 
difícil. Mas, afinal de contas, o que é um clássico? Quem decide que 
obras literárias ou escritores são clássicos? E quais critérios são usados 
para definir o que é e o que não é clássico? O que os clássicos têm em 
comum? A lista dos clássicos é fixa e imutável? Qual é a importância desses 
clássicos para a sociedade? E o que acontece com os textos literários não 
considerados clássicos? Todas essas são questões muito importantes e 
polêmicas. Diversos teóricos se propuseram a respondê-las; a verdade, 
porém, é que não existe um consenso. 
Neste capítulo, você vai identificar alguns conceitos de literatura 
clássica, bem como os critérios utilizados para definir o que é clássico 
e o que não é. Nesse sentido, vai pensar sobre tudo o que fica de fora 
do cânone também. Ainda, vai refletir sobre a importância dos clássicos 
para a definição de identidades culturais — seja de países ou de grupos 
específicos de pessoas baseados em raça, sexo, orientação sexual, etc.
Textos fundamentais_U4C10.indd 171 28/08/2017 17:16:11
Literatura e sociedade: a importância 
dos clássicos
Antonio Candido, importante teórico da literatura e crítico brasileiro, possui 
uma obra fundamental chamada de Literatura e sociedade. Nela, o autor 
discute como esses dois domínios (a literatura e a sociedade) se relacionam. 
Primeiro, ele discorre sobre o impacto da sociedade no fazer literário dos 
escritores. É claro que os autores não copiam a realidade e que a obra literária 
não é um simples refl etor do mundo ao redor. Nesse sentido, seria mais correto 
falar em transformação da realidade. Cada autor se situa em um determinado 
lugar de fala; cada um vive em um tempo e um espaço específi cos. Eles não 
necessariamente precisam e vão falar sobre esse contexto particular, mas o 
contexto vai, de algum jeito, infl uenciar a sua escrita e ser fonte para a criação 
artística. A literatura é uma espécie de espelho da sociedade que refl ete alguns 
dos seus aspectos. 
Depois, ainda há o trajeto contrário: as obras literárias agem sobre o meio, 
tanto sobre o tempo e o espaço da publicação de um determinado texto quanto 
sobre outros espaços e tempos posteriores. Como explica Candido, a literatura 
age sobre a sociedade, “[...] delimitando setores de gosto e correntes de opinião, 
formando grupos, veiculando padrões estéticos e morais” (CANDIDO, 2010, 
p. 48). Para o estudioso, portanto, há três aspectos fundamentais do sistema 
literário: autor, obra e leitor ou público. Cada um desses três fatores impacta 
os outros dois.
Dessa forma, podemos pensar em obras que possuem um alcance mais 
limitado a um grupo ou a um tempo específicos e em outras com um alcance 
muito maior, como os clássicos da literatura universal. Pode existir um escritor 
que foi muito famoso na sua cidade: as suas obras são conhecidas entre as 
pessoas dessa cidade, pode haver até um monumento dedicado a esse escritor 
ou eventos culturais celebrando os seus textos. Porém, o seu impacto não será 
tão grande quanto o de outros autores, como Homero, William Shakespeare, 
Miguel de Cervantes ou Honoré de Balzac. Esses escritores, considerados 
clássicos, são fonte de inspiração para incontáveis artistas criarem as suas 
obras de arte ao longo do tempo. 
A história do atribulado regresso de Ulisses para Ítaca, relatada em Odisseia, 
de Homero, por exemplo, é um dos maiores clássicos da literatura universal. 
Essa é uma obra tão importante e já foi adaptada tantas vezes que pode-
mos falar, inclusive, em uma influência indireta: você pode nunca ter lido a 
Odisseia, mas leu outra obra inspirada nela e, consequentemente, entrou em 
contato com a trama. Muitos estudiosos chegam, até mesmo, a afirmar que 
Os clássicos universais e a identidade cultural172
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toda obra de arte, seja uma pintura, seja um texto literário, um filme, uma 
série de televisão, que narra uma viagem cheia de percalços, que acaba por 
durar muito mais tempo do que o planejado, relaciona-se com a Odisseia e 
aproxima-se dessa narrativa.
Algumas pessoas falam em influência ou em dívida de uma obra em relação a outra, 
que veio antes dela. Porém, você deve atentar para o significado que esses termos, 
influência ou dívida, carregam: eles implicam dependência eterna de um cânone 
específico (europeu, branco, masculino, etc.), o que implica uma hierarquia, ou seja, 
que essa obra que foi a influência é a “primeira” em termos de valor, Hoje os estudiosos 
usam outros termos no lugar de influência ou dívida, como intertextualidade, releitura, 
adaptação, paródia, pastiche, etc., dependendo de que tipo de aproximação o texto 
mais recente tem com o mais antigo. 
Como afirma Candido (2010) na citação referida acima, a literatura delimita 
gostos e opiniões, bem como padrões estéticos e morais. Esse impacto da 
literatura em relação à sociedade pode ter resultados diferentes, positivos ou 
negativos. Para que você entenda um pouco melhor como essa relação fun-
ciona, vamos analisar duas situações concretas: a importância dos movimentos 
românticos europeu e brasileiro na formação da identidade nacional e o papel 
da literatura na validação das práticas coloniais e imperialistas. 
Vamos começar com os movimentos românticos europeu e brasileiro. 
Uma das marcas românticas foi a valorização do nacional: a história dos 
povos é resgatada, os heróis nacionais são valorizados, lendas locais são 
retomadas e revitalizadas. Nesse sentido, a literatura se relacionou com os 
nacionalismos florescentes na Europa do século XIX. No caso da Alemanha, 
o movimento romântico Sturm und Drang foi bastante importante para a 
unificação germânica. 
Repare, por exemplo, na obra Viagens da minha terra, do escritor português 
Almeida Garrett (Figura 1), publicada em 1846. Nesse romance, o narrador 
faz uma viagem: ele sai de Lisboa, capital de Portugal situada no litoral, e 
vai, montado em um burro, até Santarém, no interior. Ao longo do caminho, 
ele e os seus amigos param em diversas cidades, o que permite que o leitor 
conheça um pouco melhor as histórias das diferentes localidades portuguesas; 
tradições e crenças; marcos históricos, monumentos e curiosidades locais. 
173Os clássicos universais e a identidade cultural
Textos fundamentais_U4C10.indd 173 28/08/2017 17:16:12
Consequentemente, essas viagens servem para apresentar ao leitor todas as 
transformações passadas por Portugal nas primeiras décadas do século XIX, 
com a ascensão da burguesia e do liberalismo.
Figura 1. Almeida Garrett.
Fonte: Almeida Garrett (2017). 
Preste atenção na forma como o narrador se refere à sua terra:
Cá estamos num dos mais lindos e deliciosos sítios da terra: o Vale de 
Santarém, pátria dos rouxinóis e das madressilvas, cinta de faias belas e 
de loureiros viçosos. Disto é que não tem Paris, nem França, nem terra 
alguma do Ocidente senão a nossa terra, e vale bem por tantas, tantas 
coisas que nos faltam (GARRETT, 2012, p. 73).
A valorização do que é local e pitoresco é uma das marcas dessa obra de 
Almeida Garrett e do romantismo. Para o narrador, as atrações locais são tão 
bonitas ou, até mesmo, mais do que destinos mais comumente valorizados, 
como a França.
Já no Brasil, o Romantismo coincidiu coma proclamação da independência, 
em 1822. Escritores como José de Alencar, Gonçalves Dias e Castro Alves 
pensaram em qual deveria ser a identidade do nascente país e muitas das suas 
obras são resultados do trabalho literário em cima dessas reflexões. 
Há três gerações de escritores românticos brasileiros, mas é a primeira, 
chamada de indianista ou nacionalista que mais interessa aqui. Autores como 
Os clássicos universais e a identidade cultural174
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Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e José de Alencar valorizaram a 
pátria e a natureza local. Além disso, eles refletiram sobre o que poderia ser 
uma marca brasileira, algo diferente da cultura de outros países e que poderia 
diferenciar a literatura brasileira e consolidar a sua identidade. Nesse sentido, o 
indígena foi a figura escolhida para protagonizar poemas e romances: a cultura 
indígena brasileira foi valorizada e destacada. Os índios são heróis imbuídos 
de valores elevados — eles são bons, puros, valentes, corajosos e fortes. 
Gonçalves Dias, por exemplo, é autor do poema I-Juca-Pirama, que narra 
a história de um guerreiro tupi. É também de autoria dele o famoso poema 
Canção do exílio, que canta as vantagens da terra natal em relação à terra 
onde se habita no presente. As palmeiras, as aves que gorjeiam, o céu e a mata: 
tudo é melhor e mais bonito na terra natal. 
Já José de Alencar publicou, em 1865, o romance Iracema (Figura 2). 
Nessa obra, Iracema é uma índia da tribo dos Tabajaras que se apaixona por 
Martim, um guerreiro branco. O fruto da relação entre os dois é Moacir, que 
seria uma representação do brasileiro e das origens dos brasileiros, conforme 
a concepção de Alencar: mestiço, filho de branco e índio.
Figura 2. Iracema (1909), por Antônio Parreiras.
Fonte: Iracema (2017). 
Todas essas obras e escritores foram decisivos na formação da identidade 
brasileira e na evolução da literatura do país.
Depois, devemos pensar também sobre o impacto da literatura na con-
solidação e perpetuação do colonialismo, do imperialismo e da escravidão. 
Sobre esse assunto, o teórico palestino Edward Said escreveu um livro muito 
175Os clássicos universais e a identidade cultural
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relevante intitulado Cultura e imperialismo. Não é que a literatura tenha 
inventado as colônias e a dominação dos colonialistas em relação aos colo-
nizadores. Said (2011), porém, explica como as artes tiveram um papel na 
legitimação dessas relações de subordinação e poder. Também não é que os 
escritores sejam mecanicamente determinados por uma ideologia (a impe-
rialista, no caso), mas, mesmo assim, estão intimamente relacionados com a 
história das suas sociedades.
Uma das teses de Said (2011) é a de que talvez a escravidão e o imperia-
lismo não tivessem durado tanto tempo se não existisse toda uma ideologia 
por trás para legitimar essas práticas — ou você acha que absolutamente 
todos os ingleses, franceses, portugueses ou habitantes de outras potências 
imperialistas eram tão gananciosos a ponto de transformar outras pessoas em 
mercadorias com o único fim de ganhar dinheiro? Muitos realmente tiveram 
coragem para fazer isso, mas não podemos dizer que todos. 
Nesse sentido, falando especificamente da colonização do continente 
africano, toda aquela cultura que coloca o negro como inferior ao branco; 
como um selvagem que precisa ser educado; como um ser sem alma e sem 
inteligência; alguém desesperado por luz e por auxílio, que apenas os europeus 
civilizados poderiam lhes dar, contribui para a perpetuação do domínio sobre 
as colônias. Bom, agora você pode imaginar como ficava mais fácil de vender, 
comprar e usar pessoas, já que elas simplesmente não eram consideradas 
como pessoas — elas estavam mais próximas dos animais ou das coisas. Se 
os africanos são inferiores aos europeus, isso não só justifica a dominação, 
como igualmente a transforma em um ato caridoso.
Ao lado de discursos na imprensa, que veiculam pretensas teorias científicas 
acerca da capacidade intelectual das diferentes raças, a literatura também 
desempenhou um papel importante na legitimação do colonialismo. Said 
cita os romances da escritora inglesa Jane Austen e O coração das trevas, de 
Joseph Conrad, como alguns dos exemplos de literatura que, de uma forma 
ou de outra, contribuíram para o reforçamento dessa ideologia que permitiu a 
duração por tantos séculos de uma dominação completamente injusta, violenta, 
preconceituosa e absurda — aquilo que Candido falava sobre a função dos 
clássicos como formadores de padrões morais e sociais.
Com tudo isso, você pode perceber como os clássicos se inserem no seu 
contexto de produção, trazendo para a escrita elementos da sociedade, e 
como, em um movimento inverso, impactam a sociedade de formas extre-
mamente variadas.
Os clássicos universais e a identidade cultural176
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A formação do cânone
Mas, afi nal, quem decide quais livros são clássicos e quais não são? Existe 
algo de intrinsecamente clássico em um texto literário ou os critérios para o 
clássico são defi nidos exteriormente?
Para discutir essas questões, você vai começar analisando alguns conceitos 
de clássico. Antoine Compagnon (2006), na obra O demônio da teoria: lite-
ratura e senso comum, traz algumas possibilidades de definições elaboradas 
por distintos teóricos. Analisando esses diferentes conceitos, Compagnon 
(2006) chega à conclusão de que há dois tipos de definição opostos: um tipo 
objetivista, que pretende criar um sistema a ser aplicado em diferentes obras 
e, assim, garantir a maior objetividade e imparcialidade possíveis, e um tipo 
subjetivista ou relativista, que utiliza questões como gosto e preferência para 
a decisão do que é clássico e do que não é. Entre esses dois extremos, porém, 
existe uma infinidade de conceitos que mesclam cada uma dessas tendências. 
Devemos atentar para o fato de, mesmo no tipo objetivista de conceituação, é impossí-
vel não haver subjetividade: um grupo de pessoas, com gostos e preferências literárias 
particulares, define um conjunto de critérios para pensar o que é clássico. Mas por que 
escolher determinados critérios, não outros? A imparcialidade total nunca é possível.
É interessante que você compreenda, também, quando e por que surge 
este termo: clássico. Ele aparece, pela primeira vez, lá no século XVII, e 
consiste naquilo que merece ser imitado, naquilo que merece servir como 
modelo. Depois, ao final desse mesmo século, passou a incluir aquilo que 
era ensinado, em termos de literatura, em sala de aula e o que pertencia à 
Antiguidade Clássica. Já a noção de classicismo surge no século XIX, junto 
com a palavra romantismo. O classicismo se refere aos neoclássicos, àqueles 
partidários da tradição grega e romana clássica, que consideravam a inspiração 
romântica como inferior.
Alguns acreditam que clássico abarca os textos literários antigos, consagra-
dos e com autoridade. Assim, apenas o tempo poderia definir se uma obra é 
clássica ou não: se ela continua relevante na posteridade, isso é sinal de que se 
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transformou em um clássico. Ou enxergam o clássico como um modelo, como 
uma norma de composição a que os demais textos devem ser conformados. 
Clássico, nesse sentido, seria uma tradição que se precisa entender e manter.
Outros pensam que um verdadeiro clássico é qualquer livro que tenha 
enriquecido o espírito humano ou aumentado o seu tesouro, a sua bagagem 
cultural e humana. É um livro que, mesmo tratando de um tempo e de um 
lugar específicos, aborda assuntos que interessam a toda humanidade, que 
podem tocar diferentes pessoas em diversos contextos. Dessa forma, não 
existem padrões de excelência imutáveis e a definição do cânone literário 
ficaria a cargo de uma decisão comunitária.Cânone é uma palavra que vem do grego e se refere a um conjunto de medidas, de 
regras ou de modelos. Você provavelmente já ouviu falar da canonização de santos 
e santas na Igreja Católica, não? Esses são homens e mulheres que se destacaram ao 
seguir o conjunto de regras e códigos da religião. Na literatura, é mais ou menos a 
mesma coisa: o cânone se refere àquela lista de obras literárias clássicas, que seguem 
algumas regras básicas de qualidade e impacto na sociedade. Os livros canônicos 
ganham uma aura e um estatuto especiais. 
Compagnon conclui que o cânone, a definição do que é clássico, não é 
completamente fixo, mas também não é completamente aleatório e arbitrário. 
De acordo com o autor, o cânone é “[...] uma classificação relativamente estável 
e, se os clássicos mudam, é à margem, através de um jogo, analisável, entre 
o centro e a periferia” (COMPAGNON, 2006, p. 254). A lista dos clássicos 
não é modificada com frequência, mas, mesmo assim, essa alternância é 
possível. Contudo, o mais importante, na verdade, é compreender que os 
clássicos continuam a ser pertinentes para seus leitores mesmo fora do seu 
contexto de origem.
Vimos, então, que o clássico já se referiu ao que provinha da Antiguidade 
Clássica ou também àquilo que era ensinado em sala de aula — e isso é muito 
importante. A academia, os estudiosos da área de literatura e os professores 
possuem um peso muito grande na definição do que será considerado clássico 
e do que não será. O que mais se estuda e o que mais se pesquisa acabam por 
se tornar canônicos.
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Textos fundamentais_U4C10.indd 178 28/08/2017 17:16:13
Agora você vai analisar três listas de obras e escritores clássicos para 
perceber como o cânone é construído. Uma dessas listas é do jornal Folha de 
S. Paulo, outra da revista Bula e uma última do portal Universia. Algumas 
dessas listas são maiores, mas vamos observar os dez primeiros lugares de 
cada uma delas para ter uma ideia de que obras e autores foram selecionados: 
Folha de S. Paulo
1. Ilíada, Homero 
2. Odisseia, Homero 
3. Eneida, Virgílio 
4. Dom Quixote, Miguel de Cervantes 
5. Robinson Crusoé, Daniel Defoe 
6. Tom Jones, Henry Fielding 
7. Persuasão, Jane Austen 
8. O Vermelho e o negro, Stendhal 
9. O Pai Goriot, Honoré de Balzac 
10. Jane Eyre, Charlotte Brontë
Confira a lista completa no link abaixo:
https://goo.gl/CMHZXY 
Bula
1. Dom Quixote, Miguel de Cervantes
2. Guerra e Paz, Liev Tolstói
3. A Montanha Mágica, Thomas Mann
4. Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez
5. Ulisses, James Joyce
6. Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust
7. A Divina Comédia, Dante Alighieri
179Os clássicos universais e a identidade cultural
Textos fundamentais_U4C10.indd 179 28/08/2017 17:16:13
8. O Homem sem Qualidades, Robert Musil
9. O Processo, Franz Kafka
10. O Som e a Fúria, William Faulkner
Confira a lista completa no link abaixo:
https://goo.gl/QB1f2M
Universia
1. Odisseia, Homero 
2. Dom Quixote, Miguel de Cervantes
3. O morro dos ventos uivantes, Emily Brönte
4. Primo Basílio, Eça de Queirós
5. Madame Bovary, Gustave Flaubert
6. Dom Casmurro, Machado de Assis
7. Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez
8. O apanhador no campo de centeio, J. D. Salinger
9. Lolita, Vladimir Nabokov
10. Ensaio sobre a cegueira, José Saramago
Confira a lista completa no link abaixo:
https://goo.gl/aZmgZB 
Os clássicos universais e a identidade cultural180
Textos fundamentais_U4C10.indd 180 28/08/2017 17:16:14
Repare nas diferenças entre as três listas: a da Folha de S. Paulo define 
cinquenta obras, assim como a revista Bula, e a Universia define dez. Os 
critérios de eleição também são distintos: a Folha de S. Paulo utiliza, na 
verdade, a seleção feita por Jane Gleeson-White, em 50 Clássicos que Não 
Podem Faltar na Sua Biblioteca, a Bula fez uma pesquisa em outras listas e 
no mercado editorial e a Universia focou nos livros cobrados em vestibular.
Apesar dessas diferenças, note que as seleções são bem semelhantes. Dom 
Quixote, de Miguel de Cervantes, é citada pelas três; Odisseia, de Homero, 
por duas e assim por diante. Agora, vamos reparar nas similaridades entre os 
autores escolhidos: a maioria é homem, por exemplo. Entre 30 autores, apenas 
três mulheres são citadas: Emily Brönte, Jane Austen e Charlotte Brontë. O 
número não aumenta muito quando levamos em consideração os 110 citados 
nas listas completas das três revistas. A partir dessa constatação, podemos 
pensar: será que as mulheres não gostam ou não costumam escrever? Será que 
elas são menos capazes do que os homens para a escrita criativa?
Você já deve imaginar que a resposta para todas essas questões é negativaa. 
Não há nada relacionado ao sexo ou intrínseco ao feminino ou ao masculino que 
predisponha um dos dois para a escrita de obras literárias. O que acontece é que a 
sociedade ocidental é eminentemente machista. Hoje, já evoluímos bastante, mas 
lembre como era a situação das mulheres há algumas décadas: os homens eram 
os líderes da família e saíam para trabalhar e conquistar o mundo; a maioria das 
mulheres se recolhia ao espaço do lar, preocupava-se com a criação dos filhos 
e com o bom andamento das coisas em casa. Não que as tarefas relacionadas 
à organização da casa não sejam importantes e valorosas — o problema é que 
essas mulheres não tinham muita escolha; mesmo que elas desejassem perseguir 
outros sonhos e realizar outros projetos, a sociedade não autorizava.
Ademais, até o século XIX, poucas mulheres recebiam instrução formal, o 
que fica evidente em algumas das obras de uma das poucas escritoras citadas, 
Jane Austen. Você pode imaginar o quanto a falta de uma educação e de uma 
aprendizagem sobre literatura, política, sociologia, história e outros campos 
do saber prejudicava possíveis pendores literários femininos. 
181Os clássicos universais e a identidade cultural
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É muito importante destacar que mulheres produzem textos e arte há séculos. Mesmo 
no Brasil, hoje se conhecem alguns nomes de escritoras do século XIX, por exemplo, 
que nunca antes foram valorizadas, simplesmente porque seus textos eram recusados, 
guardados, silenciados, etc.
Assim, percebemos um dos motivos para poucas mulheres aparecerem 
nas seleções de clássicos da literatura: algumas até podiam escrever, mas 
raramente publicavam os seus escritos. Sem publicar, um livro não entra em 
circulação e, consequentemente, não tem leitores. Depois, você igualmente 
deve atentar para o fato de, nessa mesma sociedade, serem os homens, e não 
as mulheres, a definirem quais eram os clássicos. Dessa forma, é muito mais 
provável que outros homens entrem na lista. 
Além disso, dentre esses homens, grande parte vem da Europa. Gregos, 
russos, ingleses, franceses, espanhóis, portugueses, alemães, etc. O colombiano 
Gabriel Garcia Márquez e o brasileiro Machado de Assis são as duas únicas 
exceções da América Latina. Portanto, você deve notar o eurocentrismo 
evidente nessas listas: privilegiam-se escritores europeus devido ao fato de a 
Europa ser considerada como o centro cultural mais importante e influente. 
Tudo parece ser decidido na Europa e essas tendências acabam se espalhando 
pelo resto do mundo. Contudo, mais uma vez, devemos notar que não há nada 
intrínseco que predisponha os europeus a escreverem melhor do que as pes-
soas de outros continentes. Tudo isso é uma questão cultural e também uma 
questão de poder: a arte produzida na Europa, por muitos e muitos séculos, 
foi considerada como modelo a ser copiado por todos. A Europa detinha poder 
cultural, político econômico em relação ao resto do mundo.
E escritores negros? Há um, Machado de Assis. De resto, todos são brancos — 
e, de novo, essa falta não é consequência de uma capacidade maior dos brancos. 
Claro que essas constatações não invalidam qualquer lista de literatura 
clássica nem a importância das obras citadas — todas elas são realmentemuito 
importantes! Todos esses livros são de extrema qualidade e continuam tocando 
os leitores não importa quanto tempo passe. Essas verificações feitas a partir 
da análise das três listas apenas servem para que você reflita sobre tudo o que 
fica de fora dos cânones e sobre que tipos de obras e de autores costumam 
ser deixados de lado. Se, por exemplo, os africanos foram escravizados e, 
por muitos séculos, considerados um povo inferior, é de suma importância 
Os clássicos universais e a identidade cultural182
Textos fundamentais_U4C10.indd 182 28/08/2017 17:16:14
notar que eles raramente surgem nas seleções de literatura clássica, apesar 
de existirem livros escritos por africanos de extrema qualidade e de grande 
impacto. Talvez, se essas listas fossem feitas por africanos, elas seriam um 
pouco diferentes. O que você acha?
Os clássicos modernos ou contemporâneos
Como vimos anteriormente, Compagnon (2006) afi rma que a construção do 
cânone se modifi ca, mesmo que lentamente, a partir de movimentos que ocorrem 
da periferia para o centro. Obras consideradas não clássicas podem roubar o 
lugar de alguma que, por um tempo, foi considerada como clássica ou podem, 
simplesmente, insinuar-se e acomodar-se entre os clássicos já estabelecidos.
Na contemporaneidade, começaram a surgir grandes discussões sobre o que a 
literatura clássica e o cânone excluem, como estávamos observando a partir das 
listas de jornais e revistas de livros clássicos que não podem deixar de ser lidos 
e conhecidos. Se algumas obras são contempladas, muitas outras permanecem 
de fora, e um ensino elitista, por muito tempo, ignorou essas da periferia. 
Essa realidade vem mudando e, hoje, existe um movimento no sentido 
de incluir a diversidade, de estudar o diferente e de perceber a qualidade na 
literatura antiga e moderna, produzida por homens e mulheres, ricos e pobres, 
europeus e não europeus, brancos, negros, amarelos. Essas novas obras tanto 
podem ser inseridas na lista dos clássicos mundiais (como os casos de Gabriel 
Garcia Márquez e Machado de Assis, por exemplo) quanto podem formar 
outras listas de obras clássicas de gêneros diferentes: os clássicos da literatura 
latino-americana, os clássicos de autoria feminina, os clássicos da periferia. 
Já discutimos a importância dos clássicos para a formação da identidade 
cultural e você deve imaginar o quanto essa valorização de livros escritos por 
minorias é positiva no sentido de dar visibilidade a grupos que, normalmente, 
não têm espaço ou voz. 
Vamos, agora, analisar alguns desses nichos literários.
Literatura de autoria feminina
Esse tipo de literatura, produzida por autoras, tem ganhado cada vez mais 
espaço. A existência desse nicho não quer dizer que as mulheres escrevam de 
um modo e os homens de outro ou que existam temas eminentemente femi-
ninos — a questão é evidenciar um grupo que, por muito tempo, permaneceu 
marginalizado do mundo da literatura.
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É claro que sempre existiram escritoras, mesmo que em um número pe-
queno. A inglesa Jane Austen, que viveu entre os séculos XVIII e XIX, foi 
uma dessas exceções (Figura 3). Contudo, esse cenário começa a mudar e, 
principalmente, com os movimentos feministas dos anos 1960, o número 
de escritoras cresce. Agora existem muitas mulheres escrevendo e muitas 
escrevendo sobre a questão da mulher e da sua libertação. Virginia Woolf 
e Clarice Lispector, ao retratarem o mundo interior complexo de distintas 
mulheres, são exemplos de como autoras escrevem sobre a condição feminina.
Figura 3. Jane Austen.
Fonte: Jane Austen (2017). 
Literatura marginal
Entende-se por literatura marginal o conjunto de obras produzidas no Brasil, 
a partir dos anos 1970, por pessoas que estão fora do mercado editorial e de 
todo o circuito cultural; que vivem nas periferias das cidades; que não pos-
suem acesso a uma educação de qualidade; que precisam se preocupar com 
a sua sobrevivência dia por dia. Os poetas Francisco Alvim, Ronaldo Bastos, 
Ronaldo Santos, Chacal e Cacaso estão entre os primeiros a produzir esse 
tipo de literatura, que tende a ser mais coloquial e a retratar, de forma crítica, 
o cotidiano dos menos favorecidos.
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Outros exemplos de obras e escritores da literatura marginal ainda podem 
ser citados: Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria 
de Jesus; Os ricos também morrem e Manual prático do ódio, de Ferréz; 
Literatura, pão e poesia, de Sérgio Vaz. Repare nos títulos, que remetem para 
a realidade da periferia e para uma luta entre classes.
Existem, hoje, trabalhos acadêmicos sobre esses livros e, mesmo que 
de forma incipiente, a literatura marginal começa a ganhar o seu espaço no 
mundo literário.
Figura 4. Maria Carolina de Jesus.
Fonte: Carolina de Jesus (2017). 
Literatura queer
O termo queer signifi ca, em princípio, estranho ou diferente. Porém, na década 
de 1920, ele passou a designar aquelas pessoas que não se encaixam e não se 
identifi cam com a heterossexualidade. A literatura queer, portanto, é aquela 
literatura produzida por alguém da comunidade LGBT ou que trata de algum 
tema, traz personagens, questões, temáticas desse segmento da sociedade. Os 
escritores Caio Fernando Abreu e Cassandra Rios são alguns exemplos de 
escritores que produziram esse tipo de literatura.
Porém, a literatura queer não abarca apenas a literatura adulta: há livros 
infanto-juvenis que abordam temas da aceitação do diferente e da discussão 
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de clichês e preconceitos relacionados à sexualidade. Um exemplo de literatura 
queer infanto-juvenil é Will e Will: um nome, um destino, escrito pelo famoso 
autor de best-sellers John Green, junto com David Levithan. 
Literaturas africanas
As inúmeras literaturas africanas começaram a despontar entre os anos 1940 
e 1970, quando a maioria dos países africanos conquistou a independência e 
livrou-se da dominação colonial. Como a África é um continente imenso, que 
abarca povos com culturas, crenças e formas de viver e de pensar completa-
mente distintas, não podemos falar de uma única literatura africana, mas de 
literaturas africanas — cada uma com as suas características particulares.
Apesar disso, há alguns temas em comum, que resultam da experiência 
histórica comum: o colonialismo e o imperialismo são retratados e discutidos, 
assim como o racismo, preconceito que sustentava a dominação da metrópole 
em relação à colônia. 
Alguns desses autores escrevem nas línguas locais africanas, mas a maio-
ria produz a sua literatura no idioma dos ex-colonizadores, apropriando-se 
dele e o enriquecendo a partir da cultura local. Na África de língua inglesa, 
destacam-se J. M. Coetzee, Wole Soyinca e Chimamanda Adichie. Já na de 
língua francesa, Léopold Sédar Senghor, Mariama Bâ e Emmanuel Dongala 
podem ser referidos. E, por fim, na de língua portuguesa, podemos citar 
Luandino Vieira, Mia Couto e Pepetela como alguns dos nomes importantes. 
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JANE AUSTEN. In: Wikipedia. 2017.Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/
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