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COMENTÁRIOS GERAIS SOBRE AS PRIMEIRAS LIÇÕES DO CURSO DE FILOSOFIA POSITIVA DE AUGUSTE COMTE Natally Sato GIANNOTTI [org.]. Os Pensadores - Comte. Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista (1978) Auguste Comte foi uma das principais influências filosóficas ocidentais do século XIX. Fundou o chamado pensamento positivo, uma corrente filosófica que, em suma, buscou a organização e racionalização do pensamento científico de sua época e a substituição das filosofias e métodos anteriores. Comte nasceu no final do século XVII (1789) na cidade de Montpellier, sul da França. Filho de classe média, o jovem estudante passou por dificuldades junto a sua família, até ser admitido na prestigiada Escola Politécnica de Paris. Tendo nascido a Revolução Francesa, Comte viveu o auge do Império Bonapartista e a decadência da França como potência europeia. A principal influência de seu pensamento foi a obra de Condorcet, Esboço de um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano. A partir dessas ideias, Comte elaborou uma concepção de uma evolução técnica e científica do conhecimento humano e do uso da racionalidade para organização social e política da humanidade. Também foi muito influenciado pelo socialista utópico Henri Saint-Simon, de quem foi aprendiz e assistente, mas rompeu com suas ideias posteriormente. A partir dessas experiências, Comte iniciou a elaboração da sua primeira grande obra, Curso de Filosofia Positiva, publicando seu primeiro volume em 1830. Durante esse período, ele desenvolveu uma profunda depressão melancólica enquanto vivia um casamento conturbado com sua esposa Caroline Massin, chegando a se divorciar em 1842. Após a finalização dos seis volumes do Curso, ele se resignou à função de matemático e, até 1844, publicou o Discurso do Espírito Positivo. Entretanto, Comte passou por dificuldades nos últimos anos de sua vida, perdeu seu trabalho e passou a ser sustentado por amigos e admiradores com maiores recursos. No ano de 1844, conheceu a escritora católica Clotilde de Vaux, por quem se apaixonou profundamente. Contudo, ele não poderia consumar seu amor, pois Clotilde não havia se divorciado de seu primeiro marido que, havia fugido para Bélgica e se encontrava preso. Ela correspondeu seu amor até 1846, quando chegou a falecer repentinamente de tuberculose. Comte projetou nela suas paixões e filosofias, transformando-a em sua musa inspiradora. Utilizou a imagem de Clotilde para personificar a sua proposta de uma nova religião positivista, guiada pela racionalidade científica e evolucionismo social. Nesse período, publicou os quatro volumes de Política Positiva ou Tratado de Sociologia Instituindo a Religião da Humanidade (1851-1854). Além de publicar o Catecismo Positivista ou Exposição Sumária da Religião Universal. Comte escreveu esses livros fazendo meditação solitária e não consultou nenhuma outra obra científica para elaborá-las. Contudo, se aprofundou na leitura de poesias latinas, religiosas e cristãs. Poucos anos depois, Comte faleceu em 1857 em Paris, num estado de profunda solidão e abandonado por vários de seus seguidores e discípulos. Em resumo a vida de Auguste Comte pode ser resumida da seguinte maneira: Quase toda a vida de Auguste Comte transcorreu na cidade de Paris, na primeira metade do século XIX. Nessa época, a cidade foi palco dos conflitos resultantes da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, e a filosofia comteana foi uma resposta a esses conflitos (GIANNOTTI, 1978, p.7). O núcleo da filosofia de Comte é a ideia de que a sociedade pode ser reorganizada através de uma completa reforma intelectual do homem. Ao contrário do que propunham seus contemporâneos, ele entendia que seria necessário fornecer aos homens novos hábitos de pensar, para então, conquistar a mudança da humanidade. Outros filósofos preocupavam-se mais com as reformas das instituições europeias e prescreviam diferentes modos para efetivá-las. O sistema comteano estruturou-se em torno de três temas básicos. Em primeiro lugar, uma Filosofia histórica com o objetivo de mostrar as razões pelas quais uma certa maneira de pensar (chamada de filosofia positiva) deve imperar entre os homens. Em segundo lugar, uma Fundamentação e classificação das ciências a partir dos pressupostos estabelecidos pela filosofia positiva. E finalmente, uma sociologia para reforma das instituições que determinasse as estruturas e os processos de modificação da sociedade. Além disso, Comte propôs que esse sistema deveria ser acrescido de uma forma religiosa assumida pelo plano de renovação social, fundado assim uma Religião da Humanidade. Por conseguinte, toda a filosofia comteana pode ser sintetizada na lei dos três estados: “todas as ciências e o espírito humano como um todo desenvolvem-se através de três fases distintas: a teológica, a metafísica e a positiva”. Na fase Teológica a imaginação desempenha papel fundamental pois, o número de observações de fenômenos é limitado e os seres humanos recorrem a deuses e ao sobrenatural para completar suas explicações. Essa fase é dividida em três períodos, o fetichismo, o politeísmo e o monoteísmo. Segundo Comte, o período monoteísta do desenvolvimento do espírito humano é uma etapa para alcançar o estado metafísico do espírito humano, na qual, os fenômenos são observados como forças que convergem para uma só (a natureza) e não mais com seres sobrenaturais. Todavia, os seres humanos ainda buscam soluções absolutas em ambas as fases. A diferença consiste que a fase teológica se baseia no concreto e no imaginário, enquanto a metafísica se apoia no abstrato e na argumentação. Os mitos e o sobrenatural são substituídos por “ideias” e “forças” e na política o rei é substituído por juristas e pelo Estado, baseado no contrato social e na soberania do povo. No pensamento positivo, cada proposição enunciada deve corresponder a observação de um fato, o que não significa um empirismo puro, mas, uma centralização da explicação dos fatos sobre “as leis, que orientam as relações constantes entre fenômenos observáveis”. Ao contrário do pensamento teológico e metafísico que buscava a consideração das causas dos fenômenos em vez da explicação de seus funcionamentos. Assim, o espírito positivista deveria visar as “relações imutáveis entre os fenômenos”, ou seja, a procura de leis imutáveis. Cada ciência pesquisaria dentro de sua unidade temática, mas a identidade metodológica garantiria uma homogeneidade das teorias. Essa convergência tornaria a filosofia positiva o fundamento intelectual da fraternidade humana. Outro aspecto importante do positivismo é que a relação mais próxima entre teoria (proposição) e prática (observação) na observação fenômenos, tornaria possível determinar seu futuro desenvolvimento (previsibilidade), ou seja, ver para prever, o lema da ciência positiva. Comte também propôs a classificação das ciências a partir da filosofia e da história para traçar um mapa do desenvolvimento do espírito do homem. Comte argumenta que a evolução de cada ciência obedece a periodização dos três estados. Ao considerar as diversas ciências: matemática, astronomia, física, química, biologia, o pensador considerou a sociologia como o fim essencial de toda a filosofia positiva. Essa última deveria ser dividida entre estatística e dinâmicas sociais. A primeira estudaria as condições constantes da sociedade (ordem) e a segunda investigaria as leis de seu desenvolvimento (progresso). Para Comte, as dinâmicas sociais se subordinaram à estatística pois, o progresso provém da ordem e aperfeiçoa os elementos presentes nas sociedades e não o oposto. As reformas das instituições seriam uma consequência dessa nova sociologia que conduziria a política fazendo assim da filosofia positiva um instrumento de reforma intelectual do homem. Na visão de Comte, a Revolução Francesa destruiu as instituiçõessociais do homem na Europa, embora tenha sido necessária, as ideias ainda eram metafísicas, portanto, seria necessário a instauração do espírito positivo para reorientar a sociedade. Outro problema com o qual se preocupou foi a questão da massa proletária industrial, ao contrário de Marx, Comte não compactuou de uma posição revolucionária, ele propôs uma moralização do egoísmo burguês que pudesse instaurar uma ordem moral humanitária e abolir os conflitos de classe. “Os capitalistas deveriam ser moralizados e não eliminados. A princípio, o filósofo não propôs uma ideia de reformulação da sociedade como religião (Religião da Humanidade), essa transformação se deu em seus últimos 15 anos de vida. Inclusive, Comte chegou a propor um novo calendário com dias santos e a substituição do Deus cristão pela humanidade. Nesse quadro, o positivismo se difundiu entre intelectuais da Europa e diversas partes do mundo, em especial as Américas. Separando-se, por vezes, o pensamento filosófico do religioso, o solo mais fértil jamais encontrado por essa nova corrente foi, sobretudo, o Brasil. Tendo início no ano de 1850, quando Manuel Joaquim Pereira de Sá apresentou sua tese de doutoramento na Escola Militar a partir das ideias de Auguste Comte. A obra principal do autor foi Curso de Filosofia Positiva, dividido em seis volumes. Sua primeira lição trata da “Exposição da Finalidade deste Curso, ou Considerações Gerais sobre a Natureza e a Importância da Filosofia Positiva”. E a segunda lição trata da “Exposição do Plano deste Curso, ou Considerações Gerais sobre a Hierarquia das Ciências Positivas”. O objeto da primeira lição era definir o objetivo e a natureza da filosofia positiva. Para estabelecer uma doutrina ou expor um resumo de uma doutrina já estabelecida. Em seguida a busca-se explicar a Lei dos três estados (teológico, metafísico, positivo) e características de cada um desses, segundo uma visão histórica sobre a marcha progressiva do espírito humano. A partir dessa observação Comte afirma que descobriu uma lei fundamental, na qual, cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo. Ele afirma que essas fases são essencialmente sucessivas e hierárquicas, sendo as duas primeiras mais primitivas que o último estágio. A fase teológica seria a infância, a metafísica a juventude e a positiva a virilidade do desenvolvimento do espírito humano. Ao contrário das outras fases, o estado positivo não procura uma explicação absoluta para todos os fenômenos. Embora persiga a perfeição do sistema positivo, a filosofia provavelmente nunca irá atingi-la. Consequentemente, o autor se ocupa em demonstrar as provas históricas e teóricas da lei dos três estados. A observação é imperativa na ciência positiva, mas, ela é ausente na fase teológica. A observação demanda uma teoria que permite observar o fato e produzir uma nova teoria. Sendo assim, o pensamento teológico seria mais simples e fácil, centralizado na visão do ser humano sobre o mundo exterior e numa ideia exagerada da importância do homem no universo. Entretanto, não seria possível passar de modo brusco da teologia para a filosofia positiva, antes disso, a inteligência humana precisou servir-se de concepções intermediárias, de caráter bastardo, para operar essa transição. Na observação dos fenômenos, a metafísica substituiu o sobrenatural por “uma” entidade correspondente e inseparável. Passaram das considerações sobrenaturais para as explicações “puramente” naturais. Assim, o caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, orientado pela descoberta possível e pela redução das leis naturais ao menor número possível. O exercício do pensamento positivo se restringe aos fenômenos daquilo que pode ser observado e sem se lançar em problemas inalcançáveis.Os diferentes ramos do conhecimento não necessitam percorrer com igual velocidade as três grandes fases. Essa transição entre o pensamento teológico e o metafísico teria ocorrido por volta do século XV. Segundo Comte, a partir das obras de Bacon e Descartes as compreensões positivas se desprendem do supersticioso e da escolástica. Nessa direção, a filosofia positiva já perpassa os três grandes fenômenos naturais: os fenômenos astronômicos, fenômenos físicos, fenômenos químicos e fenômenos fisiológicos, porém, ainda faltaria uma grande lacuna, os fenômenos sociais. Portanto, Comte propõe fundar uma física social e, assim, finalizar o caráter universal da filosofia positiva, abrangendo todos os fenômenos naturais e completando as cinco grandes categorias do conhecimento. A fundação da física social completa o sistema das ciências naturais, assim, é possível condensar os conhecimentos adquiridos em um estado fixo e homogêneo, como ramos diferentes de um tronco único. Conte procura enunciar um curso de Filosofia Positiva e não sobre as ciências positivas, mas sim, as reflexões filosóficas de que essas ciências são objeto. Ele argumenta que é natural no desenvolvimento do espírito primitivo a divisão do conhecimento em diversas ordens de concepções. Essa repartição de diversas partes de pesquisas tomou um desenvolvimento tão notável que, se torna impossível entre os modernos a universalidade de pesquisas especiais. Algo que foi tão fácil e comum entre os sábios antigos: Numa palavra, a divisão do trabalho intelectual, aperfeiçoada progressivamente, é um dos atributos característicos mais importantes da filosofia positiva. Embora essa divisão seja a base fundamental da organização geral do mundo das ciências, persiste o incômodo defeito de uma excessiva particularidade das ideias que ocupa cada inteligência individual. Até certo ponto, esse problema é inevitável, devido ao caráter inerente da própria divisão das ciências, mas, convém evitar a especialidade exagerada, sem prejudicar a influência vivificadora da separação das pesquisas. Segundo o autor, em sua época era bem pequeno o número de inteligências que abarcavam o conjunto de uma ciência única no mundo dos cientistas, ou seja, um pensamento positivo. A maioria se limitava a considerações isoladas a uma seção de uma ciência determinada, sem se preocupar muito com a relação desses trabalhos com o sistema geral dos conhecimentos. Nesse cenário, Comte propôs duas mudanças necessárias: Primeiro, que uma nova classe de cientistas se ocupasse de determinar exatamente o espírito de cada ciência em seu estado atual e descobrir suas relações e encadeamentos. Reduzindo seus princípios e leis no menor número possível. Segundo, que outros cientistas antes de entregarem-se às suas especialidades, deveriam voltar-se para os estudos gerais e retificar os resultados obtidos. Com isso, seria possível estabelecer uma nova classe de cientistas que teriam como função própria e permanente ligar cada nova descoberta particular ao sistema geral de conhecimentos. Assim, a organização moderna do mundo estaria completamente fundada. O filósofo enumerou as supostas vantagens do emprego desse método de trabalho: 1.° descoberta racional das leis do espírito humano e a crítica do método subjetivo em psicologia. Segundo o qual, o estudo da filosofia positiva seria único e verdadeiro meio racional de pôr em evidência as leis lógicas do espírito humano. Comte enuncia dois pressupostos, primeiro, todas as teorias científicas só podem ser construídas somente através da observação aprofundada dos fatos lógicos e, com isso, atingir o conhecimento das leis lógicas. Em segundo, a observação do espírito humano só se pode dar de forma externa, ou seja, é impossível ao sujeito raciocinar sobre o mundo e observar a si mesmo enquanto raciocina. Portanto a subjetividade da psicologia seria uma farsa. 2.° reorganização dos métodos de educação: A partir dessa concepção,Comte afirma que os primeiros dois grandes resultados da Filosofia positiva devem ser, [1] a fundação de um método que, através das leis estabelecidas pelas funções intelectuais dos homens, tornaram conhecidas as regras gerais para proceder de modo seguro na investigação da verdade; [2] reforma geral do sistema de educação, substituindo a educação europeia ainda essencialmente teológica, metafísica e literária, por uma educação positiva. Comte também criticou a especialidade exclusiva e o isolamento demasiado que caracterizava as ciências de seu tempo, além da maneira de expô-las no sistema de ensino. Para reformar a educação o autor propôs a aplicação do mesmo processo de sintetização e reorganização do conjunto de conhecimentos, um estudo dos espíritos, métodos e resultados principais de cada ciência, criando um ensino geral. E, somente depois dessa etapa, a realização de diversos estudos científicos especiais (generalistas). Esse seria o único caminho capaz de atingir uma educação verdadeiramente racional. 3.° contribuição ao progresso das ciências especiais: O estudo das generalidades especificas se destina a reorganizar a educação, mas deve contribuir para o progresso particular de todas as ciências positivas. As divisões que estabelecemos entre nossas ciências, sem serem arbitrárias, como alguns o crêem, são, com efeito, essencialmente artificiais. Na realidade, o assunto de nossas investigações é uno; nós o dividimos com o fito de separar as dificuldades para melhor resolvê-las. Resulta daí mais de uma vez que, contrariamente às nossas repartições clássicas, questões importantes exigiam certa combinação de vários pontos de vista especiais, a qual não pode ocorrer na constituição atual do mundo científico. 4.° reorganização da sociedade: Só a filosofia positiva poderia ser considerada a única base sólida para a reorganização social. Essa, por sua vez, deveria terminar com o estado de crise no qual se encontravam as nações mais civilizadas do século XIX. Comte parte do pressuposto que o mecanismo social repousa sobre opiniões, ou seja, as ideias governam e subvertem o mundo. Por esse motivo, ele avalia que seu mundo se encontrava em um estado de crise política e moral devido a uma anarquia intelectual. Portanto, a fixação das máximas fundamentais positivistas é o que produzia uma ordem social. Enquanto as inteligências individuais não se unissem em uma unânime doutrina social as nações permaneceriam em um estado essencialmente revolucionário, mantendo apenas “instituições provisórias”. Para o pensador, o estado de desordem das inteligências ocorria devido a tentativa de emprego simultâneo das três filosofias (teológica, metafísica e positiva) que, são essencialmente incompatíveis. Nesse sentido, o filósofo defendeu a superação completa das duas filosofias primitivas e a finalização da filosofia positiva com a inclusão do estudo dos fenômenos sociais. Para resumi-la em um único corpo de doutrina homogênea. “Quando este duplo trabalho estivesse suficientemente avançado o triunfo definitivo da filosofia positiva ocorreria espontaneamente e restabeleceria uma ordem na sociedade”. Embora a finalidade da filosofia positiva seja resumir num só corpo de doutrina homogênea o conjunto de conhecimentos adquiridos, relativos às diferentes ordens de fenômenos naturais. O pensamento positivo não pretende estabelecer uma “causa” única, ou lei que fundamenta todos os fenômenos. A única unidade indispensável é o método. Quanto a doutrina não precisa ser necessariamente uma, mas basta que seja homogênea. É sobre esses dois pilares que se apoia a filosofia positiva: a unicidade do método e a homogeneidade da doutrina. Buscando reduzir as leis gerais dos fenômenos naturais ao menor número possível e, num futuro muito afastado, reduzi-las a uma só. Na segunda lição de seu trabalho, Comte se preocupou em estabelecer uma classificação racional das ciências positivas. Segundo ele, todas as tentativas de classificação enciclopédicas falharam por conterem vícios de suas análises, muitas vezes concebidas por espíritos completamente alheios ao conhecimento dos objetos a serem classificados. Os trabalhos elaborados por filósofos, botânicos e zoólogos em seu tempo ofereceram um guia certo para uma teoria geral das classificações, na qual, a classificação deveria provir do estudo do próprio objeto analisado. A divisão geral dos conhecimentos reais consiste em dividi-los entre teóricos e práticos, orientada pelo objetivo geral de identificar e sintetizar os fenômenos em leis. Com isso, a teoria antecede a análise prática pois ela permite a previsibilidade dos fenômenos que se traduzem em ações práticas: Em resumo: “ciência, daí previdência; previdência, daí ação”. Comte defendeu enfaticamente a precedência da análise teórica antes da prática pois, se ambas se misturassem não seria possível descobrir a fundo a verdade dos fenômenos. O objetivo seria formar as concepções especiais destinadas a servir de bases diretas aos procedimentos gerais da prática. Na relação das ordens dos fenômenos é possível distinguir dois “gêneros de ciências naturais”: umas abstratas (gerais) que tem por objetivo descobrir as leis que regem o universo e outras concretas (particulares) que consistem nas aplicações práticas dessas leis. Embora o filósofo realize esse esforço de categorização, ele afirma que toda classificação é artificial, se não arbitrária. De maneira a apresentar uma verdadeira imperfeição. Toda ciência pode ser exposta mediante dois caminhos essencialmente distintos: o caminho histórico e o caminho dogmático. A primeira consiste em estudar os fenômenos pela ordem cronológica das diversas obras originais que contribuíram para o progresso humano. Porém, a segunda consiste somente no estudo das descobertas mais recentes, sem acessar as obras originais. Segundo Comte, a ordem dogmática é a tendência natural humana sendo que, isso encurta o processo de aprendizado do conhecimento acumulado. Sem que seja necessário, ao intelectual moderno percorrer os mesmos passos intermediários do gênio coletivo da humanidade. Comte defendeu que a ordem histórica deveria ter precedência sobre a dogmática pois, não seria possível compreender a formação real das descobertas que compõem as ciências a não ser estudando, de maneira geral e direta, a história da humanidade. Com isso, o filósofo propôs uma ordem cronológica e enciclopédica das ciências naturais classificadas das mais antigas para as mais adiantadas. Considerando todos os fenômenos observáveis, seria possível classificá-los num pequeno número de categorias naturais, dispostas de tal maneira que o estudo racional de cada categoria seria fundamentado no conhecimento das leis principais da categoria precedente. Essa ordem seria determinada pelo grau de simplicidade ou de generalidade dos fenômenos, resultando em uma dependência sucessiva de um para com outro. Segundo Comte, todos os fenômenos naturais poderiam ser divididos em duas grandes classes principais: os fenômenos dos corpos brutos e dos corpos organizados. Sendo assim, na classificação positivista só se pode dar procedência no estudo da física orgânica depois de ter estabelecido os princípios gerais da física inorgânica. Essa última, por sua vez, se subdivide entre os fenômenos gerais do universo e dos corpos terrestres. Já a física orgânica se dividiria entre aquela que estuda o indivíduo, a fisiologia, e aquela que estuda as suas relações com à espécie, a física social. Nesse sentido, o estudo da fisiologia é imprescindível para se compreender a física social. Deste modo, a filosofia positiva é dividida através de um encadeamento sucessivo de ciências, que, na classificação de Comte, resultam em cinco ciências fundamentais: a Astronomia, Física, Química, Fisiologia e Sociologia, criando assim uma lei enciclopédica.
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