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Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista | Anestesia Local Devido à dor, muitos procedimentos odontológicos seriam impraticáveis caso não existisse o recurso da anestesia local. No Brasil, estima-se que anualmente são realizados ~ 250-300 milhões de anestesias odontológicas, com raros relatos de algum tipo de reação adversa grave. Portanto, os anestésicos locais são fármacos muito seguros. Para obter uma anestesia local segura e com profundidade e duração adequadas, o cirurgião- -dentista deve conhecer a farmacologia e a toxicidade dos anestésicos locais e dos vasoconstritores, para assim poder selecionar a solução mais apropriada ao tipo de procedimento e condições de saúde do paciente. | Como agem os anestésicos locais Os anestésicos locais são fármacos que suprimem a condução do estímulo nervoso de forma reversível, promovendo a insensibilidade de uma determinada região do corpo. O estímulo doloroso é transmitido pelas fibras nervosas desde sua origem (p. ex., polpa dental, periósteo, etc.) até o cérebro, na forma de potenciais de ação, que são propagados por despolarizações transitórias das células nervosas, devido à entrada de íons sódio (Na+) através dos canais de sódio. Então, de acordo com a teoria do receptor específico, os anestésicos locais, na sua forma não ionizada, atravessam a membrana do axônio e penetram na célula nervosa. No interior da célula nervosa, as moléculas ionizadas de anestésico local se ligam a receptores específicos nos canais de sódio, reduzindo ou impedindo a entrada do íon na célula. Isso resulta no bloqueio da condução nervosa e, consequentemente, na percepção da dor. obs.: os anestésicos locais podem inibir a condução nervosa não apenas no tecido nervoso periférico, mas também no sistema nervoso central (SNC) e em outros tecidos excitáveis, como os músculos cardíaco, esquelético e liso. isso é de extrema importância para explicar a potencial toxicidade destes fármacos, nos casos de sobredosagem. | Características gerais dos anestésicos locais ● São bases fraca; ● Pouco solúveis em água; ● Instáveis quando expostos ao ar; Por conta disso, para uso clínico são adicionados ao ácido clorídrico, formando um sal, o cloridrato, que apresenta maior solubilidade e estabilidade na solução. Na forma de cloridrato, apresentam pH ácido, variando de 5,5 (soluções anestésicas sem vasoconstritor) a 3,3 (soluções com vasoconstritor). Estruturalmente falando, os anestésicos locais exibem três porções bem definidas em sua estrutura: 1. Porção hidrofílica: permite sua injeção nos tecidos. 2. Porção lipofílica: responsável pela difusão do anestésico através da bainha nervosa. 3. Cadeia intermediária: une as porções hidrofílica e lipofílica e, de acordo com sua estrutura química, permite classificar os anestésicos locais em ésteres ou amidas. Os ésteres foram os primeiros anestésicos locais a serem sintetizados, tendo como precursor a cocaína. Além da cocaína, fazem parte desse grupo a procaína, a cloroprocaína, a tetracaína e a benzocaína. Desses, a benzocaína é o único atualmente empregado em odontologia, apenas como anestésico de superfície em mucosas, na forma de pomadas ou géis. As amidas surgiram a partir de 1948, com a síntese da lidocaína. A menor capacidade de produzir reações alérgicas foi determinante para o sucesso desse grupo de anestésicos. Além da Lidocaína, fazem parte do grupo: - Mepivacaína; - Prilocaína; - Articaína; - Bupivacaína; - Ropivacaína; - Etidocaína. Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista | Lidocaína Início de ação (tempo de latência) entre 2-4 min. É o anestésico local mais empregado em todo o mundo, considerado como padrão do grupo, para efeito de comparação com os demais anestésicos. Porém, em alguns países, como a Alemanha, a articaína já está sendo usada em maior escala do que a lidocaína. Devido a sua ação vasodilatadora, o que promove sua rápida eliminação do local da injeção, a duração da anestesia pulpar é limitada a apenas 5-10 minutos. Por isso, praticamente não há indicação do uso da solução de lidocaína 2% sem vasoconstritor em odontologia. Quando associada a um agente vasoconstritor, proporciona entre 40-60 min de anestesia pulpar. Em tecidos moles, sua ação anestésica pode permanecer em torno de 120-150 minutos. ● Ela é metabolizada no fígado e eliminada pelos rins; ● Sua meia-vida plasmática é de 1,6 h; ● A sobredosagem promove a estimulação inicial do SNC, seguida de depressão, convulsão e coma. | Mepivacaína Início de ação (tempo de latência) entre 1,5-2 min. Produz discreta ação vasodilatadora. Por isso, quando empregada na forma pura, sem vasoconstritor (na concentração de 3%), promove anestesia pulpar mais duradoura do que a lidocaína (por até 20 min na técnica infiltrativa e por 40 min na técnica de bloqueio regional). ● Potência anestésica similar à da lidocaína; ● Sofre metabolização hepática, sendo eliminada pelos rins; ● Meia-vida plasmática de 1,9h; ● Toxicidade semelhante à lidocaína. | Prilocaína Início de ação (tempo de latência) entre 2-4 min. Por sua baixa atividade vasodilatadora (50% menor do que a da lidocaína), pode ser usada sem vasoconstritor, na concentração de 4%. No Brasil, não é comercializada de forma pura, o que ocorre em países como os Estados Unidos e o Canadá. ● Potência anestésica similar à da lidocaína; ● É metabolizada mais rapidamente do que a lidocaína, no fígado e nos pulmões. ● Eliminação renal. ● Meia-vida plasmática de 1,6 h. Apesar de ser menos tóxica do que a lidocaína e a mepivacaína, em casos de sobredosagem produz o aumento dos níveis de metemoglobina no sangue. Portanto, é recomendado maior cuidado no uso deste anestésico em pacientes com deficiência de oxigenação (portadores de anemias, alterações respiratórias ou cardiovasculares). | Articaína Início de ação (tempo de latência) entre 1-2 min. Introduzida em 1976 na Alemanha e na Suíça, e por volta de 2000 no Canadá, nos Estados Unidos e no Brasil. É considerada o anestésico de escolha para uso rotineiro em adultos, idosos e pacientes portadores de disfunção hepática devido às suas características farmacocinéticas. A articaína é metabolizada no fígado e no plasma sanguíneo. Como a biotransformação começa no plasma, sua meia-vida plasmática é mais curta do que a dos demais anestésicos (~ 40 min), propiciando a eliminação mais rápida pelos rins. ● Sua toxicidade é semelhante à da lidocaína; ● Possui baixa lipossolubilidade e alta taxa de ligação proteica. ● Potência 1,5 vezes maior do que a da lidocaína. | Bupivacaína Tempo de latência entre 10-16 min. ● Sua potência anestésica é 4 vezes maior do que a da lidocaína. ● Por ser mais potente, sua cardiotoxicidade também é 4 vezes maior em relação à lidocaína. Por isso, é utilizada na concentração de 0,5%. Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista ● Ação vasodilatadora maior em relação à lidocaína, mepivacaína e prilocaína. ● Possui longa duração de ação. No bloqueio dos nervos alveolar inferior e lingual, produz anestesia pulpar por 4 h e em tecidos moles, por até 12 h. ● Meia-vida plasmática de 2,7 h; ● É metabolizada no fígado e eliminada pelos rins; ● Não é recomendada para pacientes < 12 anos, pelo maior risco de lesões por mordedura do lábio, em razão da longa duração da anestesia dos tecidos moles. A ropivacaína e a etidocaína também são anestésicos locais de longa duração de ação, com propriedades similares às da bupivacaína. No Brasil, não estão disponíveis na forma de tubetes para uso odontológico. | Benzocaína Tempo de latência de 2 min. Único anestésico do grupo éster disponível para uso odontológico no Brasil. É empregada apenas como anestésico tópico ou de superfície. Ela promove anestesia da mucosa superficial (previamente seca), diminuindo ou eliminando a dor à punção da agulha, especialmente na região vestibular. Na região palatina essa ação é menos eficaz, da mesma forma que no local de punção para o bloqueio dos nervos alveolar inferior e lingual. A benzocaína não deveser empregada em indivíduos com história de hipersensibilidade aos ésteres. | Vasoconstritores Propriedades gerais Todos os sais anestésicos possuem ação vasodilatadora. Portanto, quando são depositados próximos das fibras ou dos troncos nervosos que se pretende anestesiar, a dilatação dos capilares sanguíneos da região promove sua rápida absorção para a corrente circulatória, limitando em muito o tempo de duração da anestesia. Além disso, o risco de toxicidade é aumentado quando se empregam grandes volumes da solução ou quando ocorre uma injeção intravascular acidental, especialmente em relação ao SNC. Por esse motivo, a associação de vasoconstritores aos sais anestésicos produz uma interação farmacológica desejável, pois essa ação vasoconstritora faz com que o sal anestésico fique por mais tempo em contato com as fibras nervosas, prolongando a duração da anestesia e reduzindo o risco de toxicidade sistêmica. Ainda por meio dessa ação vasoconstritora, não apenas a vasodilatação exercida pelos anestésicos locais é revertida, como há diminuição efetiva no calibre dos vasos, podendo ser observada isquemia no local de injeção. Assim, outro importante efeito observado é a hemostasia, ou seja, a redução da perda de sangue nos procedimentos que envolvem sangramento. | Classificação No Brasil, há dois tipos de vasoconstritores: aminas simpatomiméticas ou felipressina. ● Amina simpatomiméticas: podem apresentar ou não um núcleo catecol, daí serem chamadas, respectivamente, de catecolaminas ou não catecolaminas. As primeiras são representadas pela epinefrina, pela norepinefrina e pela corbadrina. Entre as não catecolaminas, temos a fenilefrina. Os nomes genéricos epinefrina, norepinefrina e corbadrina são sinônimos de adrenalina, noradrenalina e levonordefrina, respectivamente. | Epinefrina É o vasoconstritor mais utilizado em todo o mundo, devendo ser o agente de escolha para a quase totalidade dos procedimentos odontológicos em pacientes saudáveis, incluindo crianças, gestantes e idosos. Após a infiltração na maxila ou o bloqueio mandibular, a epinefrina promove a constrição dos vasos das redes arteriolar e venosa da área injetada por meio da estimulação dos receptores α1. Ao ser absorvida para a corrente sanguínea, e dependendo do volume injetado, também interage com receptores β1 no coração, aumentando a frequência cardíaca, a força de contração e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Por outro lado, produz dilatação das artérias coronárias, levando a um aumento do Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista fluxo sanguíneo coronariano. A epinefrina liga-se ainda aos receptores β2, promovendo a dilatação dos vasos sanguíneos da musculatura esquelética. | Norepinefrina Atua nos receptores α e β, com predomínio acentuado sobre os receptores α (90%), apesar de também estimular os receptores β1 (10%). Não apresenta vantagens sobre a epinefrina, tendo 25% da potência vasoconstritora desta. Muito pelo contrário, a maioria dos relatos de reações adversas devidas ao uso de vasoconstritores parece ter ocorrido com a norepinefrina, como cefaleia intensa decorrente de episódios transitórios de hipertensão arterial, assim como casos de necrose e descamação tecidual. | Corbadrina Atua por meio da estimulação direta dos receptores α (75%), com alguma atividade em β (25%). Tem somente 15% da ação vasopressora da epinefrina, sem nenhuma vantagem em relação a esta. | Fenilefrina É um α-estimulador por excelência (95%), pois exerce pequena ou nenhuma ação nos receptores β1. Apesar de apresentar apenas 5% da potência vasoconstritora da epinefrina, na concentração empregada (1:2.500), pode promover vasoconstrição com duração mais prolongada. | Outros componentes das soluções anestésicas Os anestésicos locais não são usados isoladamente, mas sob a forma de soluções, que podem conter, além do sal anestésico propriamente dito e de um vasoconstritor, um veículo (geralmente água bidestilada) e um antioxidante. Nas soluções anestésicas locais que contêm vasoconstritores adrenérgicos, é incorporado o bissulfito de sódio, uma substância antioxidante que impede a biodegradação do vasoconstritor pelo oxigênio, que pode penetrar no interior do tubete quando este for envasado ou difundir-se através do diafragma semipermeável durante o armazenamento. O princípio é simples: o bissulfito de sódio reage com o oxigênio, antes que ele possa agir sobre o vasoconstritor. A reação entre o bissulfito de sódio e o oxigênio gera o bissulfato de sódio, que possui pH mais ácido do que o primeiro. A importância clínica disso é que o paciente pode sentir maior ardência ou queimação durante a injeção, quando se emprega um tubete mais “antigo” de anestésico com epinefrina ou similares, se comparado com um tubete novo. Além disso, o cloreto de sódio é eventualmente adicionado ao conteúdo de uma solução anestésica local para torná-la isotônica em relação aos tecidos do organismo. A água bidestilada é usada como diluente para aumentar o volume da solução. | Como calcular o volume máximo da solução anestésica O volume máximo de uma solução anestésica local deve ser calculado em função de três parâmetros: concentração do anestésico na solução, doses máximas recomendadas e peso corporal do paciente. Quanto à concentração, uma solução 2%, independentemente de qual seja o anestésico, contém 2 g do sal em 100 mL de solução, o que significa 20 mg/mL. Assim, soluções 0,5%, 3% ou 4% deverão conter, respectivamente, 5 mg, 30 mg ou 40 mg do sal anestésico, para cada mL da solução. Anestésico Local Dose máxima (por kg de peso corporal) Máximo absoluto (independe N° de tubetes (máximo por sessão) Lidocaína 2% 4,4 mg 300 mg 8,3 Lidocaína 3% 4,4 mg 300 mg 5,5 Mepivacaína 2% 4,4 mg 300 mg 8,3 Mepivacaína 3% 4,4 mg 300 mg 5,5 Articaína 4% 7 mg 500 mg 6,9 Prilocaína 3% 6 mg 400 mg 7,4 Bupivacaína 0,5% 1,3 mg 90 mg 10 Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista | Critérios de Escolha da Solução Anestésica Local Além das condições sistêmicas do paciente, a solução anestésica local deve ser escolhida em função do tempo de duração da anestesia pulpar e do grau de hemostasia exigidos para um determinado procedimento. | Procedimentos de curta a média duração, que demandem tempo de anestesia pulpar > 30 min Optar por uma das seguintes soluções: ● Lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000. ● Mepivacaína 2% com epinefrina 1:100.000. ● Articaína 4% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000. ● Prilocaína 3% com felipressina 0,03 UI/mL. | Procedimentos muito invasivos ou de maior tempo de duração (Tratamentos endodônticos complexos, exodontias de inclusos, cirurgias plásticas periodontais, colocação de implantes múltiplos, enxertias ósseas.) | Intervenções na maxila Bloqueio regional: ● Lidocaína 2% ou mepivacaína 2% com epinefrina 1:100.000. | Técnica infiltrativa ● Articaína 4% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000. | Intervenções na mandíbula Bloqueio regional ● Lidocaína 2% ou mepivacaína 2% com epinefrina 1:100.000. ● Bupivacaína 0,5% com epinefrina 1:200.000. Referência Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista ANDRADE, E. D. Terapêutica Medicamentosa em odontologia. 3 ed. 2013. Terapêutica | UFPE (2021.1)
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