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Corpo, Movimento e Psicomotricidade Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr.ª Carmen Conti Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira O Corpo e o Desenvolvimento Humano O Corpo e o Desenvolvimento Humano • Apresentar as noções de Corpo, Movimento e Psicomotricidade, que foram se construindo e reconstruindo nos diferentes contextos sociais, históricos e religiosos; • Conhecer e compreender que o uso do movimento corporal na escola é muito importante também para a concretização do processo de ensino e de aprendizagem. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • O Corpo e o Desenvolvimento Humano; • O Corpo e a Cultura Corporal; • A Importância do Corpo e do Movimento na Educação; • A Neurociência e o Desenvolvimento da Criança. UNIDADE O Corpo e o Desenvolvimento Humano Introdução Nesta unidade, vamos conversar a respeito do corpo e do movimento na edu- cação. Antes mesmo de direcionarmos nossas aulas aos conceitos de Psicomotrici- dade e seus elementos, precisamos ter uma visão do que se conhece sobre o corpo e o movimento corporal. Como educadores, deveremos ter uma visão mais científica, mais aprofundada, pois vamos trabalhar esses sentidos e funções em um ser humano em formação. Assim sendo, veremos neste momento a importância do corpo e do movimento e suas implicações no desenvolvimento humano. O Corpo e o Desenvolvimento Humano Qual a importância do corpo no desenvolvimento da criança? No corpo estão inscritas todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contacto primário do indivíduo com o ambiente que o cerca. (DAÓLIO, 2003, p. 39) Daólio indica-nos, na citação anterior, que nosso corpo é o construtor e, ao mesmo tempo, é construído pela sociedade em que vive. Entender o corpo como a nossa representação no mundo e que a partir dele construímos nossa história, permite-nos ter uma visão da sua importância no desenvolvimento humano. É importante entendermos que o desenvolvimento humano ocorre pela aquisição ou aprendizagem de tudo aquilo que o indivíduo construiu ao longo da história da humanidade. Assim, isso acontece na aquisição e interação com o seu meio – família, escola, crenças, costumes, entre outros aspectos – mas também se estabelece pela congruência desses estímulos externos com toda a nossa complexidade interna. São aspectos do desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social somados à com- plexidade biológica, morfológica, emocional, física, muscular e com o nosso meio ambiente. Portanto, tudo isso pode ser observado em cada sujeito pela sua repre- sentação corporal. Nesse sentido, conhecer como o corpo se desenvolve é de grande importância para a formação docente, afinal, nossas ações pedagógicas são pautadas nas neces- sidades de cada fase de uma criança. Desta forma, é necessário, primeiro, ter uma visão histórica de como cada socie- dade e cultura, ao longo do tempo e em seu próprio espaço, construiu e representou o corpo humano, atribuindo-lhe certos atributos, negando outros e criando padrões referenciais de beleza, saúde, postura etc. Nem sempre nosso corpo foi considerado importante e demorou muito para a educação entender a necessidade de conhecer o desenvolvimento corporal para propor suas ações. 8 9 Nota-se que, conforme a evolução histórica do pensamento e do discurso humano, as mudanças corporais foram acontecendo, sendo aceitas, de forma que as novas con- cepções serviram de base para a próxima mudança. Vamos conhecer uma visão de como o corpo foi visto na história do homem. Você Sabia ? O homem vitruviano é um conceito apresentado pelo arquiteto romano Marco Vitruvio Polião. O conceito é considerado um cânone das proporções do corpo humano, segundo um determinado raciocínio matemático e baseando-se, em parte, na proporção áurea. Desta forma, o homem descrito por Vitrúvio apresenta-se como um modelo ideal para o ser humano, cujas proporções são perfeitas, segundo o ideal clássico de beleza. Figura 1 – Homem Vitruviano (1490), desenho de Leonardo da Vinci Fonte: Getty Images O método cartesiano, desenvolvido a partir de século XVII pelo filósofo René Descartes, influenciou todo desenvolvimento científico e a nossa visão de corpo. Nessa perspectiva, o conceito de dualidade corpo-mente compara o corpo a uma máquina e a mente como objeto intelectual de estudo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). A cisão corpo-mente governa e serve como fundamento lógico para o tratamento do ser humano como se ele fosse formado por peças separadas a serem exploradas por diferentes grupos de interesse. Com essa fragmentação perde-se a visão da intei- reza, do conjunto e de suas interconexões. Essa visão foi muito importante para sua 9 UNIDADE O Corpo e o Desenvolvimento Humano época, mas contribuiu para um olhar no qual o corpo não tem grande importância no desenvolvimento humano. Essa visão predominou por muito tempo e gerou grande impacto em como obser- vamos o corpo na educação e no ambiente escolar. Entender o corpo como a nossa representação no mundo, nos faz observar a sua importância no desenvolvimento e na apresendizagem de uma criança. O Corpo e a Cultura Corporal O ser humano é um ser complexo, e essa complexidade se deve a riqueza de informações que precisamos conhecer para um desenvolvimento integral e para a interação com o meio. Agora já aprendemos que o corpo, em contato com os estímulos do ambiente, registra e responde a diferentes informações que formam seu repertório de conhe- cimento, e, tudo isso pode variar de criança para criança, de acordo com a cultura na qual ela está inserida. Assim, vamos entender como cada corpo constrói sua cultua corporal. O documentarista francês Thomas Balmès realizou uma filmagem com duração de um ano. Balmés observou quatro crianças de países diferentes, buscando mostrar que as diferenças culturais influenciavam no desenvolvimento infantil, desde o nasci- mento até os primeiros passos. Os países escolhidos para criação do documentário “Bebês” foram: Namíbia, Mongólia, Japão e Estados Unidos. Veja Ponijao, o bebê da Namíbia, na África, disponível em: https://bit.ly/2XsFuvV Nesta direção, podemos afirmar que cada corpo tem seu desenvolvimento vincu- lado a cultura em que está inserido. Desse modo, a cultura corporal, como vamos chamar nessa perspectiva, tem relação com conceitos de teóricos da Pedagogia. O pesquisador Lev Semenovitch Vigotski, importante psicólogo russo, revolucio- nou o pensamento de sua época quando apresentou sua particular compreensão do desenvolvimento humano na perspectiva histórico-cultural. Vigotski buscou compreender o desenvolvimento humano e principalmente o fun- cionamento cognitivo de cada indivíduo enquanto parte da sua realidade histórico- cultural específica. Para o autor, o desenvolvimento do sujeito é um processo cons- truído nas e pelas interações que estabelece no contexto histórico e cultural em que está inserido (seu ambiente). E por meio destas relações sociais, estabelecidas e vivenciadas pela criança na cultura a que pertence, é que se apropria do conheci- mento produzido (gestos corporais, linguagens, costumes, crenças , juízo de moral etc.), conhecimento esse produzido pelas gerações precedentes, condição funda- 10 11 mental de desenvolvimento das funções tipicamente humanas, ou seja, as chamadas funções superiores (BRANDOLISE, 2018). O corpo é a representação do desenvolvimento humano. Desse modo, podemos considerar que o desenvolvimento de uma criança pode ser observado pela perspectiva cultural, pela progressão de mudanças corporais, ou pelo desenvolvimento cognitivo? A resposta é tão complexa quanto a pergunta, pois o desenvolvimento de uma criança deve ser analisado por diferentes perspectivas, podendo hoje compreender todo esse conhecimento por diferentes conceitos teóricos. Utilizaremos o conceito de desenvolvimento integral para compreender as di- ferentes dimensões que atuam no desenvolvimentode um ser humano (RIBEIRO, 2015). Assim, as dimensões motora, cognitiva e afetiva/social são consideradas as principais. Todas as dimensões se interpenetram, por exemplo, um corpo li- mitado na sua expressão ou com dificuldades nas relações sociais compromete e impacta diretamente nos processos cognitivos. Dessa forma, apesar de esta disciplina tratar o desenvolvimento do corpo, nossa referência sempre será pau- tada no desenvolvimento integral do corpo, e, em cada área do desenvolvimento, podemos verificar as influências da genética, da maturação, da aprendizagem e do meio ambiente em geral. Mas, afinal, qual a importância de saber todas essas informações para sua formação? Assista ao documentário Bebês, a abordagem do desenvolvimento infantil na ótica da diversidade cultural. Ele é importante para estabelecermos as relações de desenvolvimento da criança por uma concepção histórico social. Trailer disponível em: https://youtu.be/lxw7pV3I2SU A Importância do Corpo e do Movimento na Educação Quando planejamos nossas ações pedagógicas, devemos conhecer quem é nosso aluno, em qual fase de desenvolvimento ele se encontra, e o que desejamos despertar no seu desenlvolvimento, assim como conhecer o que se espera de uma resposta de uma criança exige conhecimento sobre as fases de desenvolvimento. O desenvolvimento humano acontece de forma integral, levando em consideração as dimensões motora, cognitiva e afetivo/social. Todo o desenvolvimento acontece pelo nosso corpo e é expressado pelo nosso movimento. Os movimentos são considerados importantes na vida do ser humano, tanto nos aspectos biológicos, quanto nos psicológicos e sociais, tornando-se essenciais para o desenvolvimento humano. 11 UNIDADE O Corpo e o Desenvolvimento Humano Nós produzimos movimentos desde o nascimento e é a partir daí que começamos a interagir melhor com o mundo e ter um maior controle sobre o nosso corpo. E com as crianças, não é nada diferente. Os bebês engatinham, correm, caminham e colocam o derredor como o seu mundo, sempre experimentando o novo, o desconhecido e surpreendendo com sua maneira de encarar o próprio corpo, as limitações e, sobretudo, com a inventividade. O movimento para um bebê/criança não tem limite. Quando as crianças estão brincando também estão exprimindo sentimentos, emoções e uma maneira de pensar e agir. Cabe ao educador observar e aumentar o repertório de verbalização e linguagens. Sendo assim, o movimento é muito mais do que o simples fato de se lomover em um espaço, porque quando se movimentam eles atuam sobre o meio físico e humano, modificando-o. Quando uma criança se movimenta, ela não apenas se desloca, ela mobiliza pessoas no tempo e no espaço e intenciona uma interação com outras pes- soas e com o mundo que a rodeia. O modo como andamos, saltamos, praticamos esportes, constitui o resultado da nossa interação com o meio físico e social. Todos esses movimentos constituem o produto das nossas necessidades e interesses, em diferentes épocas e em diferentes culturas. Vamos lembrar-nos do conceito de cultura corporal, campo da cultura que abrange e expressa as práticas expressivas de comunicação, que se manifestam por meio de movimentos. Em diferentes épocas e diferentes culturas foram surgindo movimentos/expressões comporais que deram origem à dança, aos jogos, brincadeiras e esportes que tinham por finalidade última a interação/integração social de determinados grupos. Esses comportamentos e movimentos tinham e têm intencionalidade. Quando as crianças brincam, elas criam movimentos e ritmos próprios de sua cultura e apropriam-se desses, aprofundando a cultura e tornando o seu meio mais rico culturalmente. Toda e qualquer instituição de educação infantil deve favorecer um ambiente seguro e socialmente agradável, para que as crianças, ao se sentirem protegidas e estimuladas, visualizem sinestesicamente, arrisquem-se e promovam desafios sob a tutela do edu- cador. Se esse ambiente for pobre, pequena será sua manifestação, se for rico e propi- ciar desafios, grande será sua atuação e ampliação cultural. O trabalho com movimento é essencial para a criança desenvolver de forma inte- gral. Quando posteriormente apresentarmos os conceitos de psicomotricidade, você vai entender melhor como o movimento é importante, pois possibilita manifestações motoras, sensoriais e psíquicas que irão proporcionar à criança o desenvolvimento de suas potencialidades. A cultura do movimento é essencial para o desenvolvimento da psicomotricidade e quanto mais rica for, maior será a produção intelectual da criança. 12 13 Os movimentos corporais da criança expressam desejos de comunicação, afetivi- dade e interação com o ambiente que a rodeia. Essas possibilidades a fazem crescer culturalmente e a levam a ações intecionais cada vez mais complexas. Veremos que a psicomotricidade, antes relegada ao estudo do desenvolvimento mo- tor com relevância para sua coordenação, tem nos dias atuais uma maior amplitude. As diversas práticas pedagógicas que nos tempos atuais marcam a educação refle- tem diversas concepções em relação ao sentido que se deve dar ao movimento nas creches, pré-escolas, escolas e outras instituições afins. É muito comum confundir movimentação com indisciplina. Com o intuito de se assegurar ordem, progresso, relações harmoniosas e uma atmosfera civilizada, pro- cura-se simplesmente suprimir a ideia de movimento, cria-se um ambiente rígido nas posturas para as crianças de diferentes idades. Diante dessas assertivas, tão comuns nas escolas e no pensamento de alguns educadores, poderemos concluir que a educação e movimento não se coadunam. É imperioso dizer que não se poder movimentar ou gesticular é o que impede o pensa-mento e a manutenção da atenção, tão necessários à aprendizagem. Nesta direção, é importante entender que quando falamos de corpo, de mo- vimento, falamos de desenvolvimento humano, ou mais especificamente do desenvolvimento infantil, sobre o qual estamos nos referindo para assim plane- jar e refletir sobre as nossas ações. Pois na escola, as nossas ações devem ter intenções e finalidades que levem em consideração a fase de desenvolvimento das crianças. O desenvolvimento humano se dá pela aquisição ou aprendizagem de tudo aquilo que o ser humano construiu ao longo da história da humanidade, da aquisição e da interação com o seu meio (família, escola, crenças, costumes, dentre outros aspectos), mas esse desenvolvimento também se estabelece pela congruência destes estímulos externos com toda a nossa complexidade interna. É na primeira infância, fase que vai dos zero aos seis anos de idade, que as crian- ças desenvolvem suas estruturas e circuitos cerebrais e adquirem capacidades que permitem a elas avançar com habilidades futuras. Segundo a publicação “O Impacto do Desenvolvimento na Primeira Infância so- bre a Aprendizagem“, do Núcleo Ciência pela Infância, as crianças com desenvolvi- mento integral saudável, durante os primeiros anos de vida, têm maior facilidade de se adaptarem a diferentes ambientes e de adquirirem novos conhecimentos, contri- buindo para que posteriormente obtenham um bom desempenho escolar, alcancem realização pessoal, vocacional e econômica e se tornem cidadãos responsáveis. O desenvolvimento de uma criança é influenciado pelo meio onde a criança vive e interage e também pelos relacionamentos afetivos estabelecidos. 13 UNIDADE O Corpo e o Desenvolvimento Humano Indicamos aqui quatro documentários disponíveis na Netflix, que pautam a infância, seu desenvolvimento e os direitos inerentes a essa etapa da vida. Confira! • O Começo da Vida (2016): A partir de relatos familiares e de especialistas, o filme faz uma análise sobre os primeiros mil dias de um recém-nascido e ressalta a importância de as crianças terem garantidos seu lugar de fala e de escuta, prevendo o seu desen- volvimento integral. Trailer disponível em: https://youtu.be/lxw7pV3I2SU • Secret Life Of Babies: Documentárioque aborda as motivações dos bebês nos primeiros dois anos de vida. Embora seja a fase em que aprendem a falar e a andar, as crianças já apresentam naturalmente muitos mecanismos de defesa. Trailer disponível em: https://youtu.be/n5H7t66t7mU • Crescendo como Coy: O documentário narra a batalha pública travada por uma família do Colorado (EUA), para que a filha transgênero, Coy, tenha seus direi- tos assegurados e possa viver a infância plenamente. Trailer disponível em: https://youtu.be/y2GxjSuF7Ag • The Mask you Live In: “Homem não chora!” “Isso é coisa de menina!” “Vira homem!”. Essas expressões, ainda bastante comuns na sociedade, dizem respeito a uma ideia do macho dominante que ainda se cultua. O documentário parte do tema para mostrar como ele pode ser maléfico ao desenvolvimento dos meninos e, por outro lado, como eles podem ter acesso a uma infância mais livre de rótulos e, portanto, prazerosa. Trailer disponível em: https://youtu.be/LS8bwOesLjA Figura 2 – O Começo da Vida (2016) Fonte: Divulgação O ser humano é um organismo complexo, que possui corpo e cérebro atuando conjuntamente, e o educador deve ter uma visão holística, uma visão sistêmica para compreendê-lo. 14 15 A mente humana conjuga o corpo e o cérebro, daí resultando a sua integração e a interação, constituídos pelo contexto onde ela se insere. O corpo e a motricidade do ser humano não podem continuar restritos ao bioló- gico, ao fisiológico, não havendo paralelismo, psicológico e fisiológico separados. O ser humano tem ação e intenção. As concepções sobre o desenvolvimento humano têm sido compreendidas a partir de variadas perspectivas e sob olhares tanto das ciências naturais e biológicas quanto das ciências humanas e sociais. Vários autores influenciaram as compreen- sões do desenvolvimento humano ao longo do século XX, como Skinner, Piaget, Vygotski, Wallon, Galluhue, Freud, entre outros podem nos ajudar a compreender como uma criança se desenvolve. Hoje, áreas como a Neurociência trouxeram mais informações para esse processo de desenvolvimento integral – cognição, afetividade e dimensão motora. Nesse sentido, é importante que o educador observe e absorva a ideia de que a expressividade e mobilidade são essenciais à educação. Grupo disciplinado não é aquele em que todos ficam quietos e imóveis à espera de ordens e comandos. Deslocamentos, conversas, brincadeiras, jogos não podem ser considerados desor- dem, mas sim manifestações naturais de alegria, desejo de participação e, portanto, guiados e dirigidos pelo educador para o fim que se deseja. As manifestações de motricidade têm um caráter lúdico e expressivo e permitirão ao educador organizar e melhorar suas práticas educacionais. A Neurociência e o Desenvolvimento da Criança O termo neurociência se difunde como um conceito transdisciplinar ao reunir diversas áreas de conhecimento no estudo do cérebro humano. A neurociência se constitui como a ciência do cérebro. O que chamamos comumente de mente é um grupo de funções desempenhadas pelo cérebro. As ações cerebrais estão ligadas à toda complexidade humana, aos comportamentos, e não apenas a comportamentos motores relativamente simples, como andar e comer, mas a todas as complexas ações cognitivas que associamos ao comportamento de todo ser humano, como pensar, falar, criar estratégias, entre outras. A Ciência Neural hoje pode fornecer explicações da atividade cerebral que podem contribuir para entendermos como a criança desenvolve suas dimensões. A Neurociência pode explicar os caminhos pelos quais milhões de células indivi- duais, no cérebro humano, atuam para produzir todo o desenvolvimento e apren- dizagem da criança, e como tudo isso acontece pelas influências do ambiente e das relações com outras pessoas. 15 UNIDADE O Corpo e o Desenvolvimento Humano O professor de Pediatria e Neurologia da Universidade de Chicago, Peter Huttenlocher, descobriu que, após o nascimento, o cérebro de uma bebê constrói inú- meras conexões ou sinapses, mais do que este irá necessitar. O excesso de conexões garante ao recém-nascido receber as informações de qualquer meio ambiente. Isso quer dizer que dentro de um desenvolvimento normal, as crianças têm um grande potencial para receber estímulos (MORALES, 2005). Os estudos de Huttenlocher demonstram que os três primeiros anos de vida são as fases mais críticas para as crianças estabelecerem novas sinapses, e que o ápice ou pico dessa explosão de sinapses é aos seis anos, quando o cérebro começa a eli- minar aquelas conexões que não são usadas. O cérebro humano é um órgão complexo, parcialmente desvendado pela ciência, formado por células nervosas (ou neurônios) e células gliais (células que proporcionam suporte e nutrição aos neurônios). As primeiras são responsáveis pela motricidade, consciência e sensibilidade, enquanto as gliais sustentam e mantêm vivos os neurônios. Figura 3 – Desenvolvimento do cérebro de uma criança Fonte: Adaptado de National Institute of Enviromental Halth Sciences Imagem exibida pelo pesquisador Giorgio Tamburlini, do Centro per la Salute del Bambino, de Trieste, na Itália, na abertura da III Mostra Internacional das Semanas do Bebê, realizada em 2016, em Recife, pelo Unicef. A imagem mostra a quantidade de sinapses neurais em cada uma das fases do desenvol- vimento da criança. As atividades dos neurônios se adaptam e se modificam à medida em que intera- gem com o meio ambiente, sendo que os nossos cinco sentidos (tato, gustação, visão, olfato e audição) constituem o elo de comunicação. São as nossas experiências ou os estímulos recebidos os principais responsáveis pelas constantes trocas de adaptações e modificações, a cada novo estímulo aprendido, novas conexões neurais são acres- centadas (MORALES, 2005). 16 17 O termo plasticidade cerebral também foi apresentado pela Neurociência. O con- ceito de plasticidade cerebral considera que o sistema nervoso tem a capacidade de modificar-se ou ajustar-se frente às influências ambientais. Diante desta breve apresentação da Neurociência, a pergunta que surge é: O que tudo isso importa para entender o desenvolvimento da criança? Os profissionais que trabalham na Educação devem estar sempre atualizados com as pesquisas relacionadas ao desenvolvimento humano, pois, de longa data os autores relacionados à área da Educação consideram as características do desenvolvimento humano um conhecimento importante para compreender o homem, seu desenvolvi- mento e como acontece a aprendizagem. Ao longo desta unidade, identificamos a importância do corpo e do movimento para essas relações – sujeito, ambiente, desenvolvimento, aprendizagem, cultura e, talvez o mais importante, liberdade e autonomia. Entender o funcionamento do sistema nervoso nos permite entender como o desenvolvimento do corpo acontece na sua integridade. Assim, atualmente, a educação trabalha com o termo Neuroeducação. A Neuroeducação pode ser definida como uma área de abordagem que trata da junção dos conhecimentos da Neurociência, da Educação e da Psicologia. Um dos impactos da Neuroeducação na vida de uma criança é que, em função dos progressos oferecidos por essa ciência, muitos indivíduos conseguem conquistar a autonomia. Um dos exemplos mais interessantes é presenciarmos pessoas que convivem com algum transtorno ou síndrome e que vivem normalmente, trabalhando, estudando e exercendo sua autonomia. Considerando o aspecto neuroeducacional, a psicomotricidade ganha uma dimen- são inegável pelo fato de sua atuação provir do sistema nervoso central. Ele é respon- sável pela criação de uma consciência no indivíduo acerca dos movimentos que realiza, por meio de parâmetros como a velocidade, o tempo, o espaço e a percepção própria da pessoa. A pesquisadora Marta Kohl de Oliveira, doutora em Psicologia da Educação pela School of Education of Stanford University (California, EUA) e autora de vários livros com grande suporte teórico das pesquisas de Vygotsky, diz serpossível esta- belecer nexo entre a plasticidade cerebral e a teoria histórico-cultural de Vygotsky. Para Oliveira (1992), a ligação da estrutura biologicamente dada com o papel essen- cial atribuído aos processos históricos na constituição do ser humano se dá por uma característica de toda espécie, que seria a plasticidade do cérebro, a capacidade de cada ser humano se ajustar. O cérebro é um sistema aberto que pode servir a dife- rentes funções (que podem ser específicas de um momento ou de um lugar cultural). No cérebro humano existem aproximadamente cem bilhões de neurônios e cada um desses pode se conectar a milhares de outros, fazendo com que os sinais de informação 17 UNIDADE O Corpo e o Desenvolvimento Humano fluam e formem novas conexões neurais ou sinapses. Essa atividade neural pode ser fortalecida, ou não, dependendo dos estímulos do ambiente. A aprendizagem e o desen- volvimento estão estreitamente relacionados, assim, se faz necessário que, para propor- cionarmos uma intervenção pedagógica de qualidade, busquemos ter conhecimento das bases de desenvolvimento da criança. Agora que você entendeu que o corpo é a nossa representação no mundo para viver e registrar nossas experiências, precisamos discutir um pouco sobre a temática do desen- volvimento humano, suas fases, expectativas de respostas e como podemos atuar. A ciência da Psicomotricidade vai ser a nossa grande ferramenta para pensar nos melhores estímulos e verificar possíveis transtornos no desenvolvimento de uma criança. Finalizaremos a unidade com um fragmento do texto de Merleau-Ponty, impor- tante pensador contemporâneo. Leia o trecho e pense a respeito do seu próprio corpo: A tradição cartesiana habituou-nos a desprender-nos do objeto: a atitude reflexiva purifica simultaneamente a noção comum do corpo e a da alma, definindo o corpo como uma soma de partes sem interior, e a alma como um ser inteiramente presente a si mesmo, sem distância. Essas definições correlativas estabelecem a clareza em nós e fora de nós: transparência de um objeto sem dobras, transparência de um sujeito que é apenas aquilo que pensa ser. O objeto é objeto do começo ao fim, e a consciência é consciência do começo ao fim. Há dois sentidos e apenas dois sentidos da palavra existir: existe-se como coisa ou existe-se como consciência. A experiência do corpo próprio, ao contrário, revela-nos um modo de existir ambíguo. Se tento pensá-lo como um conjunto de processos em terceira pessoa – “visão”, “motricidade”, “sexualidade” – percebo que essas “funções” não podem estar ligadas entre si e ao mundo exterior por relação de causalidade, todas elas estão confusamente retomadas e implicadas em um drama único. Portanto, o corpo não é um objeto. Pela mesma razão, a consciência que tenho dele não é um pensamento, quer dizer, não posso decompô-lo e recompô-lo para formar dele uma idéia clara. Sua unidade é sempre implícita e confusa. Ele é sempre outra coisa que aquilo que ele é, sempre sexualidade ao mesmo tempo que liberdade, enraizada na natureza no próprio momento em que se trans- forma pela cultura, nunca fechado em si mesmo e nunca ultrapassado. Quer se trate do corpo do outro ou do meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivê-lo, quer dizer, reto- mar por minha conta o drama que o transpassa e confundir-me com ele. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 268-269) 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Profissionais Psicomotricidade https://bit.ly/3bLISqv Livros Desenvolvimento Humano O livro chega à sua 12ª edição trazendo dados e tópicos totalmente atualizados sobre as diferentes fases do desenvolvimento, da formação de uma nova vida ao inevitável momento da morte. Seguindo uma abordagem cronológica, as autoras Diane E. Papalia e Ruth Duskin Feldman apresentam os aspectos do desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial de forma didática e ilustrada. Neurociência Aplicada à Educação O livro traz estratégias para o educador de como é possível estimular o cérebro do aluno no contexto escolar. O livro traz informações de sinapses e conexões na Neurociência na área da Linguagem, Matemática, Música, Motricidade e Ludicidade. A partir de uma perspectiva de análise e reflexão da prática escolar é possível compreender como o cérebro se modifica. Ensinar é encantar e encantar é conhecer e ser capaz de aprender sempre. Filmes Divertida Mente O filme da Disney e da Pixar, conta a história de Rilley, uma garota de 11 anos que enfrenta uma série de mudanças em sua vida. A principal delas foi sair de sua cidade natal, no estado de Minnesota (EUA), para morar na longínqua cidade de São Francisco. O enredo se desenrola dentro da cabeça da menina, onde cinco emoções — Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojo — são responsáveis por processar as informações e armazenar as memórias. O desenho foi dirigido pelo americano Pete Docter, que procurou ajuda de psicólogos e neurologistas na preparação do roteiro. Assista ao filme e faça uma relação com o desenvolvimento humano e a neurociência. https://youtu.be/LSpeM7G4zfY Leitura A Neurociência e a Educação: Como Nosso Cérebro Aprende? O artigo reflete o processo de aprendizagem, o desenvolvimento e a aquisição de novos comportamentos. https://bit.ly/3bKkMg1 19 UNIDADE O Corpo e o Desenvolvimento Humano Referências ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. revista. São Paulo: Moderna, 2003. BRASIL. Referencial Curricular Nacional Para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998, v. 3. BRANDOLISE, F. M. Desenvolvimento Humano, Brincadeira, Educação Infantil e as Contribuições de Vigotski e Winnicott. Piracicaba: UNIMEP, 2018. DAOLIO, J. Da cultura do corpo. 7. Ed. Campinas, SP: Papirus, 2003. FONSECA, V. da. Psicomotricidade: uma visão pessoal. Construção Psicopedagógica. vol. 18, n. 17, pg. 42-52. São Paulo-SP, 2010. . Manual de Observação Psicomotora: significação psiconeurológica dos fatores psicomotores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes, 1999. RIBEIRO, F. B. Educação escolar: aspectos cognitivos, motores, afetivos e sociais. Santa Catarina: UNOCHAPECÓ, 2015. MORALES, R. Educação e Neurociências: uma via de mão dupla. In: 28ª Reunião da ANPED, n. 13, 2005, Caxambu. Educação Fundamental. Caxambu: UFSCar, 2005. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cengage Learning, 2009. Sites visitados Sociedade Brasileira de Psicomotricidade. Disponível em: <http://profissionais psicomotricidade.blogspot.com.br/2007/07/segundo-sociedade-brasileira-de.html>. Acesso em: 10/4/2013. 20
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