Prévia do material em texto
Tutorial 6 OBSTRUÇÕES INTESTINAIS Dizemos que um quadro de obstrução intestinal encontra- se presente sempre que o conteúdo luminal do intestino é impedido de progredir distalmente de maneira habitual. Podemos dividir as causas principais desta desordem em dois grandes grupos: obstruções mecânicas e obstruções funcionais. Obstruções mecânicas Uma obstrução intestinal é considerada mecânica quando existe uma barreira física (anatômica) dificultando a passagem do conteúdo luminal do intestino. As obstruções mecânicas podem ser classificadas em algumas categorias, em função do tipo, da gravidade e de suas possíveis complicações: (1) Obstruções completas e incompletas: prognóstico e evolução clínica piores para a primeira variedade. (2) Obstruções simples e estranguladas: nas obstruções simples não observamos comprometimento do suprimento sanguíneo arterial – por outro lado, as obstruções estranguladas se caracterizam por um comprometimento da vasculatura esplâncnica com consequente isquemia e necrose do segmento intestinal. Como exemplo, citamos o vólvulo, as invaginações (intussuscepção) e as obstruções em alça fechada. (3) Obstruções em alça fechada: o segmento intestinal encontra-se ocluído nas suas duas extremidades. Um exemplo clássico é a obstrução colônica com válvula ileocecal competente. Devemos ter em mente que uma obstrução simples, se não diagnosticada e tratada a tempo, pode, ao longo de horas a dias, evoluir com comprometimento do suprimento arterial e se tornar estrangulada. Por outro lado, as obstruções em alça fechada progridem mais rapidamente para o estrangulamento... Uma outra forma de classificarmos as obstruções intestinais mecânicas diz respeito à localização do processo patológico responsável: intraluminal, se localizado na própria parede do intestino (causas intrínsecas) ou extraintestinal (causas extrínsecas). 1- Lesões Intraluminais As neoplasias são as causas clássicas deste tipo de obstrução. Atenção: o adenocarcinoma do cólon é a principal causa de obstrução do intestino grosso. O íleo biliar, uma condição rara decorrente de uma fístula colecistoentérica (vesícula bilioduodenal), pode causar obstrução intestinal quando o cálculo, que ganha o tubo digestivo, migra distalmente e se impacta em regiões de menor diâmetro ao longo do tubo digestivo. Os dois pontos mais comuns de obstrução são o ângulo de Treitz (junção duodenojejunal) e a válvula ileocecal. Outras causas importantes incluem a infestação por Ascaris Lumbricoides em crianças, os bezoares e outros corpos estranhos (crianças e pacientes com retardo mental), obstrução por mecônio (neonatos) e fezes endurecidas = enterolitos ou “fecalomas” (indivíduos idosos e acamados). 2- Lesões Intrínsecas da Parede Intestinal A intussuscepção se caracteriza pela invaginação de um segmento intestinal (proximal), que damos o nome de intussuscepto, para o interior de uma porção de uma alça localizada imediatamente distal. É natural que a peristalse acentue este movimento. A alça invaginada diminui e muito o diâmetro luminal. Em adultos, os tumores, pólipos e o divertículo de Meckel estão quase sempre presentes em casos de invaginação. Nas crianças esta desordem acontece aparentemente sem causas anatômicas associadas, sendo mais comuns em crianças bem nutridas. Na criança, as alterações da parede intestinal que levam à obstrução são de um modo geral congênitas. Citamos a atresia intestinal, as duplicações e as estenoses. A doença de Crohn e a enterocolite actínica, por promoverem estenoses, também podem ser, eventualmente, responsáveis por quadros obstrutivos. 3- Lesões Extrínsecas à Parede Intestinal As bridas ou adesões, decorrentes de manipulações cirúrgicas prévias do abdome, são a principal causa de obstrução intestinal do adulto. Geralmente a brida obstrui por angulação ou forma verdadeira faixa que comprime a alça intestinal. São fatores de risco para o desenvolvimento de aderências pós-operatórias: infecções intra-abdominais, isquemia tissular e corpos estranhos intra-abdominais (gazes, fio de sutura etc). As bridas são muito mais comuns nas cirurgias de abdome inferior (colectomia, apendicectomia e cirurgias ginecológicas) e menos frequentes nas cirurgias altas (vias biliares e estômago). As hérnias externas, como as inguinais, as femorais, as incisionais e, mais raramente, as umbilicais, também podem levar à obstrução intestinal. O reparo eletivo das hérnias tem como principal indicação a prevenção deste quadro. As obstruções intestinais completas são mais frequentemente causadas por hérnias. Da mesma forma, as obstruções com estrangulamento de alças são mais comumente associadas a hérnias, notadamente as hérnias femorais. Pacientes com obstrução de intestino delgado, sem história de cirurgia prévia e sem evidências de hérnias externas, devem levantar suspeita clínica de hérnia interna, sendo as mais comuns as hérnias paraduodenais e obturatórias. Outra anormalidade envolvida é o vôlvulo intestinal. Nesta condição, o intestino gira sobre si mesmo, provocando angulação e obstrução “em alça fechada”. Nestes casos, o comprometimento da vasculatura intestinal se faz de maneira muito precoce (estrangulamento). Os vôlvulos que devemos memorizar são os do delgado, considerados do intestino médio embrionário e decorrentes de má rotação intestinal, e aqueles originários do cólon, sendo o sigmoide o local mais comum, seguido pelo ceco. Os vôlvulos cecais tendem a surgir em pacientes mais jovens... Abscessos intra-abdominais podem se formar usando uma alça intestinal como uma de suas paredes. À medida que o abscesso se expande, comprime a luz intestinal, dificultando a passagem do seu conteúdo. As neoplasias malignas primárias de intestino delgado são raras. Assim, as obstruções neoplásicas de intestino delgado são mais comumente originárias de invasão local de neoplasias intra-abdominais adjacentes (por exemplo, neoplasias ginecológicas) ou de metástases hematogênicas de melanomas ou câncer de mama. Por outro lado, as neoplasias malignas constituem a principal causa de obstrução colônica, sendo responsáveis por mais de 50% dos casos. A imensa maioria destas neoplasias é representada por adenocarcinomas. Pacientes com câncer de cólon que se submetem à cirurgia de urgência por quadro de obstrução têm pior prognóstico do que aqueles que sofrem cirurgia eletiva. O quadro a seguir reúne as causas de obstrução intestinal de acordo com a faixa etária: OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: O gráfico anterior é baseado no Sabiston (Tratado de Cirurgia). No Sleisenger (Tratado de Gastroenterologia), a segunda causa mais comum de obstrução de intestino delgado são as hérnias, com 25% dos casos, seguidas pelas neoplasias, com 10%. Assim, preste atenção se a questão pertence à área cirúrgica ou área clínica... PATOGÊNESE 1- Obstrução Mecânica Simples do Intestino Delgado A obstrução mecânica do intestino invariavelmente causa acúmulo de secreções e gás proximal ao sítio de oclusão. Sabemos que a quantidade de líquidos produzida diariamente pelo tubo digestivo e glândulas anexas chega a cerca de 10 a 12 litros, e a maior parte dos gases intestinais são provenientes da deglutição (68%) e fermentação a partir de bactérias (22%). Os gases deglutidos possuem um elevado teor de nitrogênio que não é absorvido pela mucosa intestinal, o que vem agravar ainda mais a situação... A peristalse de luta das alças inicialmente sobrevém, porém, após cerca de 10 a 12 horas, ela é seguida por atonia e distensão abdominal. Normalmente, o jejuno e o íleo proximal são praticamente estéreis (livres de bactérias). Com a obstrução, há um supercrescimento bacteriano no intestino delgado, o que gera a hipersecreçãode líquidos pela parede intestinal através de um mecanismo ainda desconhecido (acredita-se que uma enterotoxina bacteriana possa estar envolvida). A ação do grande número de bactérias sobre o conteúdo intraluminal torna-o de aspecto fecaloide. O aumento da pressão intraluminal ocasiona certa compressão das veias da parede, levando à dificuldade do retorno venoso e extravasamento de líquidos localmente, explicando o edema de alça visto nas radiografias. Esses micro-organismos em excesso, mesmo na ausência de necrose e isquemia de parede, podem eventualmente sofrer translocação, processo responsável pelas manifestações sépticas que eventualmente surgem durante os quadros de obstrução intestinal. O conteúdo luminal excessivo leva à desidratação e hipovolemia de graus variados. A distensão intestinal provoca vômitos reflexos que agravam as perdas volêmicas. Nas obstruções altas (acima do ângulo de Treitz), predominam distúrbios eletrolíticos (alcalose metabólica hipoclorêmica) e volêmicos, porém notamos um aumento mais discreto da circunferência abdominal. A obstrução de porções distais do delgado está envolvida com uma maior perda de líquidos para o interior da alça distendida, o que pode levar à hemoconcentração, azotemia pré-renal e, ocasionalmente, choque. Entretanto as anormalidades dos eletrólitos séricos se fazem de maneira menos intensa devido à menor perda de ácido clorídrico. 2- Obstruções Estranguladas Como vimos anteriormente, as obstruções em alça fechada, o vôlvulo e a intussuscepção intestinal são condições que mais comumente favorecem o aparecimento desta variedade de obstrução. Ocorre rápido comprometimento da circulação arterial associada à trombose de veias da parede das alças intestinais. Com isso, ocorre um intenso extravasamento de plasma e sangue para o interior do lúmen do segmento obstruído, levando à hipovolemia, choque e azotemia. Se a obstrução se tornar suficientemente prolongada, poderá haver sofrimento das alças, necrose e até mesmo perfuração. A proliferação bacteriana torna-se intensa, o que, somada à necrose da parede intestinal, favorece o surgimento de peritonite com exsudação intensa e sepse, tornando o quadro clínico de extrema gravidade. 3- Obstruções do Cólon Nesta localização, a obstrução intestinal costuma cursar com menor perda volêmica e menor incidência de distúrbios hidroeletrolíticos graves. Entretanto a obstrução colônica com uma válvula ileocecal competente (85% dos indivíduos) nada mais é que uma obstrução “em alça fechada”, com grande risco de se tornar uma obstrução estrangulada quando a pressão intraluminal supera a pressão capilar. Nos casos de obstrução do intestino grosso, o ceco, que possui um maior diâmetro (lei de LaPlace: Pressão = Tensão x Diâmetro), é um local de risco para a ruptura (principalmente quando seu diâmetro é maior do que 13 cm), provocando manifestações graves de peritonite bacteriana. Entretanto deve-se ter sempre em mente que “a necessidade de cirurgia de urgência é determinada pela presença de obstrução colônica completa e não pela mensuração do diâmetro cecal”. Por outro lado, o adenocarcinoma de cólon constitui-se na causa mais frequente de obstrução do cólon, e diversos autores afirmam que mesmo nesses pacientes, o sítio mais comum de perfuração localiza-se em áreas próximas ao tumor, e não no ceco. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 1- Obstrução Mecânica de Delgado O principal sintoma da obstrução mecânica do delgado é a dor abdominal em cólica na região média do abdome, que tem caráter reincidente (o paciente se apresenta relativamente assintomático nos períodos intercrise). Um borborigmo audível é quase sempre relatado pelo próprio paciente, simultaneamente com o episódio de cólica. As cólicas tendem a se tornar menos graves à medida que progride a distensão, em virtude do comprometimento da motilidade do delgado edemaciado – conclui-se que a dor em cólica da obstrução não tem origem na distensão, mas nas vigorosas contrações que tentam vencê-la (no íleo adinâmico não é esperada a dor em cólica). Quando existe estrangulamento, a dor pode ser contínua e localizada, tornando difícil o diagnóstico. Uma outra manifestação sempre presente num episódio de obstrução são os vômitos, que são tanto mais precoces quanto mais alta for a obstrução – quando a obstrução ileal é alta, os vômitos inicialmente contêm bile e muco, enquanto na obstrução ileal baixa, os vômitos tendem a ser fecaloides (cor marrom-alaranjada, odor fétido) resultante da excessiva proliferação bacteriana. A presença de vômitos fecaloides traduz obstrução tardia e estabelecida. Os soluços também são comuns. Nos casos de obstrução mecânica completa, é esperada a constipação e a parada na eliminação de gases. Na obstrução parcial, entretanto, podemos encontrar um quadro de diarreia, conhecido como diarreia paradoxal, que encontra justificativa na intensa hiperproliferação bacteriana, geralmente iniciada sempre que há estase do bolo alimentar na luz intestinal (o excesso de bactérias no delgado atrapalha de diversas maneiras os processos absortivos, culminando em diarreia). É raro o aparecimento de sangue nas fezes, mesmo no paciente com obstrução completa (podendo ocorrer, entretanto, nos casos de intussuscepção). Embora na prática exista grande dificuldade no diagnóstico diferencial entre obstruções simples e obstruções estranguladas, a refratariedade de certos sinais e sintomas ao tratamento clínico faz suspeitar-se prontamente de estrangulamento: 2- Obstrução Mecânica de Cólon Dor abdominal e distensão são os sintomas mais frequentes, qualquer que seja a causa da obstrução. A obstrução mecânica do cólon pode produzir os mesmos sintomas da obstrução mecânica do delgado, porém com uma intensidade mais variável – em pacientes idosos e estoicos, ocasionalmente não há queixas de dor... A presença de dor intensa e persistente, bem como outros sinais e sintomas sistêmicos já descritos, sugere a presença de estrangulamento. Os sintomas da fase aguda podem se desenvolver ao longo de uma semana. Os vômitos surgem mais tardiamente ou mesmo não ocorrem, principalmente se houver competência da válvula ileocecal. Os vômitos fecaloides são bastante raros. Como o carcinoma é a causa mais comum de obstrução do cólon, são frequentes nestes casos o início insidioso dos sintomas, hiporexia e perda de peso imotivados, história de sangramento retal e alterações dos hábitos intestinais (constipação progressiva, tenesmo e fezes em fitas). Na obstrução colônica, a constipação tem caráter progressivo e desenvolve-se junto com a incapacidade de eliminar gases. Por outro lado, o vôlvulo de sigmoide se apresenta de forma aguda, lembrando muito a obstrução do delgado, com dor, distensão abdominal importante e constipação. EXAME FÍSICO No exame físico, durante a inspeção, é interessante procurarmos evidências de cicatrizes antigas. Em alguns casos, a peristalse de luta pode ser visualizada. A presença de febre muitas vezes indica a possibilidade de estrangulamento. O surgimento de hipotensão e taquicardia nos faz pensar em desidratação, peritonite ou em ambas condições. A ausculta abdominal nos revela períodos de peristalse exacerbada intercalados com silêncio abdominal. Nas fases iniciais, podemos identificar até mesmo borborigmos (ruídos intestinais audíveis sem o auxílio do estetoscópio). À medida que a distensão progride, a peristalse tende a diminuir... A distensão abdominal geralmente se encontra presente e tende a ser tanto maior quanto mais proximal for a obstrução. Um discreto desconforto durante a palpação é comum. Entretanto, quando identificamos descompressão dolorosa e defesa localizada, a possibilidade de estrangulamento com peritonite mais umavez nos vem à mente. Massa palpável é encontrada em menos de um terço dos casos de obstrução colônica maligna.. O toque retal obrigatoriamente deve ser realizado na busca de massas intraluminais. Uma ampola retal totalmente livre de fezes (sinal de Hochemberg) aumenta a suspeita de obstrução. A presença de sangue na luva nos faz suspeitar de carcinoma ou intussuscepção. Fecalomas também podem ser encontrados (especialmente em idosos e acamados) e removidos. DIAGNÓSTICO Tem como base os achados no exame físico somados aos resultados de exames complementares. Realizamos a avaliação radiológica, a que todos os pacientes com suspeita de obstrução intestinal devem ser submetidos. 1- Radiografia do Abdome A rotina radiológica para abdome agudo (tórax, abdome em pé e deitado) pode nos dar importantes informações, como distensão de alças, níveis hidroaéreos, edema de parede e parada de progressão gasosa no ponto de obstrução. O RX em decúbito lateral, com raios horizontais, também é útil nessa avaliação. Nas obstruções do delgado, as alças distendidas tendem a ocupar uma posição mais central. Notamos também com clareza o desenho das válvulas coniventes que ocupam quase todo o diâmetro da alça. Os níveis hidroaéreos múltiplos são comuns em decúbito lateral e na posição ortostática, em que adquirem, muitas vezes, formato de degraus. A ausência de ar no cólon pode ser observada. Este achado caracteriza uma obstrução completa de delgado, o que terá importantes implicações terapêuticas, como veremos mais adiante. Nas obstruções do cólon com válvula ileocecal competente, notamos distensão deste segmento, que ocupa a periferia das radiografias de abdome. As haustrações colônicas ocupam apenas uma parte do diâmetro transverso da parede. A ausência de gás na ampola retal pode ser notada em casos de oclusão completa desse segmento. O íleo paralítico apresenta-se com distensão gasosa uniforme do estômago, intestino delgado e cólon. Existem casos duvidosos quanto à localização do processo obstrutivo. Nesta situação, exames contrastados poderão ser utilizados: trânsito de delgado ou enteróclise com sulfato de bário ou ainda um enema baritado ou com contraste hidrossolúvel podem nos ajudar a esclarecer o diagnóstico. Uma imagem clássica, por exemplo, é vista no vôlvulo do sigmoide – imagem em bico de passar. 2- Tomografia Computadorizada A Tomografia Computadorizada (TC) pode ser útil para diagnosticar a obstrução do intestino delgado, muitas vezes determinando a causa com precisão. É particularmente útil nos pacientes com história de neoplasia prévia, nas obstruções pós-operatórias e naqueles pacientes obstruídos sem passado de cirurgias. A demonstração de uma zona de transição caracterizada por uma alça distendida com ar e líquidos de um lado e outra alça distal à obstrução, colapsada, quase sempre sela o diagnóstico. Nas obstruções completas, a sensibilidade e especificidade chegam a 90%. A tomografia não tem sensibilidade tão boa nas obstruções parciais de delgado, situação na qual a enteróclise e o trânsito de delgado devem ser preferidos. Além das vantagens descritas acima, a TC diagnostica com precisão o estrangulamento de alça decorrente de um vôlvulo, por exemplo. Vemos na imagem tomográfica uma alça dilatada em forma de U ou C, com a distribuição radial de vasos mesentéricos tracionados e convergentes em direção ao segmento que sofreu a torção. A grande desvantagem da TC é que esta somente detecta sinais sugestivos de estrangulamento em estádios avançados e irreversíveis, como a presença de pneumatose intestinal. 3- Exames Endoscópicos Todo paciente com suspeita de obstrução colônica deve ser submetido a uma proctossigmoidoscopia. A colonoscopia é contraindicada, pois a insuflação de ar para a realização do procedimento pode levar à perfuração intestinal. TRATAMENTO A abordagem terapêutica das obstruções intestinais mecânicas deve obedecer a uma sequência de questionamentos que auxiliam na tomada de decisões: 1ª Pergunta: A obstrução tem sede no intestino delgado ou no intestino grosso? - Dicas: analise a presença e o grau de vômitos, a distensão abdominal e o padrão da distribuição de gases nas radiografias simples de abdome. 2ª Pergunta: A obstrução é parcial ou total? - Dicas: a ausência de flatos e de evacuações sugere obstrução total, assim como a ausência de gases na ampola retal. Lembrar que a presença de diarreia no início do quadro pode significar esvaziamento do conteúdo intestinal distal à obstrução ou uma diarreia paradoxal. A presença de flatos ou fezes com mais de 6-12h do início da dor fala a favor de obstrução parcial. 3ª Pergunta: A obstrução é simples ou há evidências de estrangulamento? - Dicas: o achado de taquicardia, taquipneia, alteração de consciência, oligúria, febre, leucocitose e/ou dor persistente e intensa, a despeito de sondagem nasogástrica e hidratação venosa adequada, sugere estrangulamento. Procure por sinais radiográficos de sofrimento de alças (edema de parede, perda de pregueado/haustrações, pneumatosis intestinalis etc.). O esquema abaixo mostra linhas gerais para a abordagem terapêutica das obstruções intestinais mecânicas. 1- Clínico Na maioria dos casos, o tratamento da obstrução intestinal é cirúrgico. É importante que os pacientes depletados em volume e com distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalemia, hipocloremia) sejam tratados clinicamente por um período de cerca de 12 a 24 horas antes da operação. O manejo clínico, principalmente para os indivíduos com obstrução do delgado que possuem uma história de vômitos repetidos, envolve sucção nasogástrica e hidratação venosa utilizando soro fisiológico com o intuito de elevar a pressão venosa central a níveis normais. A diurese obviamente deve também ser monitorizada. Com a presença de débito urinário, podemos iniciar reposição de cloreto de potássio. Antibioticoterapia com cobertura para bactérias Gram- negativas e anaeróbios deve ser iniciada, sobretudo na existência de sinais indicando estrangulamento. É importante termos em mente que indivíduos que se apresentam com hérnias externas encarceradas, evidências de estrangulamento (dor contínua, febre, taquicardia, leucocitose) e com sinais de irritação peritoneal devem ser operados de imediato. Por outro lado, existem algumas condições que podem ser tratadas inicialmente apenas com medidas clínicas de suporte. Um exemplo é a obstrução intestinal por brida. A grande maioria destes pacientes responde à dieta zero, sucção nasogástrica e hidratação venosa. A divisão cirúrgica das adesões pode ser feita em um segundo tempo. Outras condições que respondem à terapêutica clínica incluem as obstruções intestinais em pós-operatórios de cirurgias abdominais, as oclusões intestinais decorrentes de doença de Crohn em atividade e alguns casos de obstrução associada à malignidade. A intussuscepção ileocecal em crianças responde à redução hidrostática com contraste baritado. A enterite aguda por radiação frequentemente responde à corticoterapia, sem necessidade de cirurgia. Nas formas crônicas, em que já existe fibrose, a solução é quase sempre cirúrgica. 3- Cirúrgico É importante ter em mente que, sempre que o estado clínico do paciente permitir, deve-se tentar tornar eletivos ou semieletivos os casos de tratamento cirúrgico. Isso é particularmente viável nos casos de obstrução parcial simples de intestino delgado. A conduta operatória vai depender da etiologia e da localização da obstrução. Em uma hérnia encarcerada sem maiores problemas, o procedimento envolve redução e reparo da hérnia. A intussuscepção do adulto é sempre cirúrgica uma vez que, na grande maioria dos casos, existe doença na parede intestinal. Asestenoses refratárias decorrentes de doença de Crohn podem ser ressecadas ou, de preferência, submetidas à estricturoplastia (procedimento que preserva o comprimento do tubo digestivo, evitando a síndrome do intestino curto). O manejo operatório das bridas constitui-se de divisão cirúrgica das adesões e, durante o ato operatório, o cirurgião deve propelir manualmente o conteúdo luminal até o ceco, com o objetivo de identificar outros possíveis sítios de oclusão. Independentemente da etiologia, a viabilidade da alça deve ser sempre determinada. Para isso, colocamos o segmento intestinal sobre compressas aquecidas por cerca de 10 a 15 minutos. Decorrido esse tempo, observamos a presença ou não de batimentos arteriais na arcada vascular, a existência de peristalse, assim como a coloração da alça intestinal (a cor púrpura e vermelho escura indica intenso sofrimento isquêmico). Alguns cirurgiões fazem uso intraoperatório de sonar Doppler ou da injeção de fluoresceína para identificar alças viáveis. Em caso de dúvida quanto à interpretação dos achados, existem duas condutas possíveis: (I) ressecção cirúrgica dessa porção do intestino (recomendado pela maioria dos autores); (II) não retirar o segmento sob dúvida num primeiro momento, e realizar uma laparotomia “second- -look” 18-24h após, para fazer nova verificação da viabilidade daquele segmento. As condutas nas doenças que envolvem o cólon divergem um pouco das acima descritas. Em casos de obstrução do cólon esquerdo, o cirurgião realiza uma colostomia (geralmente transversostomia), resseca a porção do intestino acometida pelo tumor e, no mesmo procedimento, anastomosa os segmentos colônicos proximal e distal à alça intestinal ressecada. Nesses casos, a colostomia tem a função de “proteger” a anastomose. Em um segundo tempo cirúrgico, a colostomia é fechada quando a anastomose cicatriza. Alguns trabalhos têm demonstrado bons resultados cirúrgicos, com baixa morbidade em pacientes que se submetem à ressecção seguida de anastomose primária terminoterminal. Isso pode ser viável naqueles pacientes em que se conseguiu realizar um mínimo preparo colônico, nos casos cirúrgicos ditos semieletivos. As lesões obstrutivas do cólon direito e ceco são tratadas com colectomia direita e íleo transverso anastomose II - OBSTRUÇÕES FUNCIONAIS Íleo Paralítico É uma condição extremamente comum na prática clínica, sendo caracterizado pela parada de eliminação de gases e fezes na ausência de obstrução intestinal mecânica. Associam-se ao quadro náuseas, vômitos e distensão abdominal. A dor é imprecisa e não tipo cólica, como ocorre nas obstruções mecânicas... E os ruídos hidroaéreos encontram-se diminuídos desde o início do quadro, ao contrário dos borborigmos das obstruções mecânicas. Caso haja dificuldade em distinguir íleo paralítico de obstrução mecânica, pode-se recorrer ao estudo contrastado do tubo digestivo. O tratamento envolve jejum oral, drenagem nasogástrica, hidratação e correção de distúrbios eletrolíticos quando presentes. Medicamentos predisponentes devem ser substituídos. Se os sintomas perdurarem por mais de cinco dias, deve ser realizada propedêutica mais pormenorizada no sentido de tentar identificar fatores causais tais como abscessos intra-abdominais. A TC é bastante útil nestes casos. 2- Pseudo-Obstrução Intestinal Esta condição, como o próprio nome diz, é caracterizada por uma severa dismotilidade de todo o tubo digestivo. Pode ser classificada como aguda ou crônica e primária (relacionada a distúrbios neuromusculares) ou secundária à doença sistêmica. Acredita-se que a pseudo-obstrução intestinal decorra de uma hiperatividade simpática, o que explicaria a resposta fantástica à neostigmina e à anestesia geral. Entre as causas secundárias, destacamos a esclerodermia, o mixedema, o diabetes mellitus, a doença de Parkinson e os acidentes vasculares encefálicos. A sintomatologia é amplamente variável, conforme a região predominantemente atingida. Entretanto os sintomas são geralmente crônicos (mais de 3 meses de evolução) e baseiam-se em distensão abdominal e dor abdominal de intensidade e características diversas. Casos graves podem cursar com náuseas e vômitos (raramente fecaloides). Pode haver diarreia, constipação ou alternância entre ambos. Os princípios que regem o manejo da pseudo-obstrução intestinal são: 1° Estabeleça a suspeita diagnóstica com bases clínicas; 2° Exclua uma obstrução mecânica com estudos baritados, CT e/ou laparoscopia; 3° Diferencie as formas primárias das secundárias; 4° Realize uma avaliação fisiológica com estudos manométricos; 5° Desenhe um plano terapêutico escalonado baseado em: - Correção de distúrbios hidroeletrolíticos; - Manutenção do estado nutricional; - Suporte psicoterápico; - Suspensão de fármacos agravantes: antidepressivos, opiáceos e anticolinérgicos; - Uso racional de fármacos procinéticos: domperidona, cisaprida, bromoprida, eritromicina, octreotide, misoprostol etc. 6° Reconheça e trate o supercrescimento bacteriano e a má absorção (com esteatorreia e desnutrição): testes respiratórios e antibioticoterapia intermitente são as medidas indicadas. O tratamento com dietas elementares pobres em resíduos e suporte nutricional na maioria das vezes não é bem sucedido; 7° Casos graves e refratários podem requerer ressecções cirúrgicas. A pseudo-obstrução colônica aguda, também conhecida como síndrome de Ogilvie, tem como apresentação clínica uma dilatação marcante do cólon. As condições associadas incluem ventilação mecânica, infarto agudo do miocárdio e sepse. O tratamento envolve medidas de suporte (descompressão nasogástrica, correção hidroeletrolítica, suspensão de drogas que diminuam a motilidade intestinal). Caso não haja melhora com essas medidas, está indicada a colonoscopia descompressiva (deve ser realizada por mãos experientes devido ao risco de perfuração colônica) ou o uso de neostigmina (agente parassimpaticomimético), com preferência atual para esta última. Antes de tratar a síndrome de Ogilvie, é fundamental excluir obstrução mecânica do cólon, com exame contrastado ou endoscópico. A pseudo-obstrução intestinal idiopática é caracterizada por episódios recorrentes de dor abdominal e distensão. Estes indivíduos geralmente possuem uma evolução desfavorável. CÂNCER COLORRETAL → EPIDEMIOLOGIA A incidência de tumores colorretais vem aumentando ao longo dos anos em todo o mundo ocidental Globalmente, o câncer colorretal é o terceiro tumor mais comum em homens e o segundo mais comum em mulheres, com 746.000 e 624.000 casos novos ao ano, respectivamente. • A incidência varia geograficamente, com maiores índices nos EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Dinamarca, Suécia e outros países desenvolvidos que compartilham os mesmos costumes de vida e de alimentação. • Em áreas previamente consideradas de baixo risco, como na Ásia, sua incidência vem aumentando. No Japão, onde a incidência anteriormente era muito baixa, a frequência atual aumentou para níveis intermediários (semelhantes aos do Reino Unido), presumivelmente como resultado de alterações no estilo de vida e alimentação. • No ano de 2009, nos Estados Unidos, houveram cerca de 106.100 casos novos e 49.920 mortes. • Apesar de as áreas menos desenvolvidas tenderem a uma menor incidência destes tumores, percebe-se que os mesmos têm uma maior letalidade, sendo evidenciada em uma menor sobrevida, em 5 anos (55% em áreas desenvolvidas e 40% em áreas em desenvolvimento), devendo refletir uma ineficácia no diagnóstico precoce e baixa qualidade na assistência à saúde, nestas regiões. Para o Brasil, estimam-se, para cada ano do triênio de 2020-2022, 20.540 casos de câncer de cólon e retoem homens e 20.470 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 19,64 casos novos a cada 100 mil homens e 19,03 para cada 100 mil mulheres. A faixa etária de maior incidência do câncer de cólon é dos 60 aos 70 anos, acometendo ligeiramente mais homens do que mulheres. Em todo o mundo são diagnosticados anualmente cerca de 1,2 milhões de casos novos, sendo o câncer de reto a terceira causa mais comum de câncer no mundo e a segunda causa em países desenvolvidos. → FATOR DE RISCO As neoplasias colônicas dependem de uma complexa interação de fatores ambientais e genéticos, para sua gênese. Dentre os fatores de risco, podemos dividi-los entre aqueles de alto e baixo risco Os fatores de risco e epidemiológicos dos tumores de reto são comumente avaliados em combinação com os tumores de cólon. Os fatores de risco mais conhecidos e bem estabelecidos são: • Idade • Sexo masculino • Pólipos colônicos • História individual e/ou familiar de câncer colorretal • Fatores ambientais (dieta rica em carne vermelha e gorduras e pobre em frutas e verduras, obesidade, tabagismo, sedentarismo e diabetes mellitus). Os fatores alimentares mais intimamente associados ao aumento das taxas de câncer colorretal são a baixa ingestão de fibra vegetal não absorvível e o alto consumo de carboidratos refinados e gordura. Doença inflamatória intestinal, como colite ulcerativa e doença de Crohn, também são fatores de risco importantes para o câncer colorretal e seu risco aumenta com a gravidade e o tempo da doença inflamatória. São considerados também fatores de risco a idade, o tabagismo e obesidade para o câncer de reto, além de história pregressa de radioterapia para tratamento de neoplasia de próstata, que possui a mesma magnitude de risco da presença de história familiar de adenomas de cólon. Estudos epidemiológicos identificaram a prática regular de exercícios físicos aeróbicos e o uso crônico de AA como fatores protetores para o desenvolvimento de câncer de cólon e reto. • Uso regular de AAS, em diferentes doses, reduz a incidência de adenomas e parece ter um impacto positivo na sobrevida câncer-específica de pacientes com câncer colorretal, particularmente naqueles pacientes cujo tumor expressa cicloxigenase-210. • O benefício parece ser restrito aos pacientes que desenvolveram o câncer sem ter história pregressa de uso crônico do ácido acetilsalicílico. Ainda que a grande maioria dos tumores de cólon seja do tipo esporádico, o câncer colorretal pode surgir como parte de algumas síndromes hereditárias; as mais comuns: OBS: As síndromes de câncer colorretal hereditárias são responsáveis por < 5% dos tumores colorretais, no entanto, conferem um alto risco individual. # Síndrome de polipose adenomatosa familiar (FAP) O adenocarcinoma colorretal se desenvolve em 100% dos pacientes com PAF não tratada, muitas vezes antes dos 30 anos de idade. A; é herdada de forma autossômica dominante; manifesta-se em indivíduos jovens e caracteriza-se por centenas ou milhares de adenomas no cólon; deriva, assim como suas variantes (síndrome de Gardner e Turcot) de uma mutação do gene APC (adenomatous polyposis coli - gene da polipose adenomatosa do cólon), causando inúmeros pólipos ainda na infância/adolescência e, se não tratados, aos 45 anos mais de 90% destes indivíduos já desenvolveram câncer colorretal; o diagnóstico definitivo se faz através de teste genético que busca identificar essa mutação; uma contagem de pelo menos 100 pólipos é necessária para o diagnóstico de PAF clássica, e vários milhares podem estar presentes. Além dos pólipos intestinais, as características clínicas da síndrome de Gardner, uma variante da PAF, podem incluir osteomas na mandíbula, crânio e ossos longos; cistos epidérmicos; tumores desmoides e da tireoide; e anormalidades dentárias, como dentes não erupcionados e supranumerários. A síndrome de Turcot é mais rara e caracterizada por adenomas intestinais e tumores do sistema nervoso central. Dois terços dos pacientes com síndrome de Turcot apresentam mutações no gene APC e desenvolvem meduloblastomas. O terço restante apresenta mutações em um dos vários genes envolvidos no reparo do DNA e desenvolve glioblastomas. # Síndrome de Lynch (síndrome hereditária de câncer colorretal não poliposo - HNPCC) A chance de o indivíduo desenvolver câncer colorretal é de 48%; é a síndrome genética associada ao câncer colorretal mais comum, compreendendo cerca de 3% dos tumores colorretais; herança autossômica dominante, de alta penetrância, que se caracteriza por cânceres de cólon sincrônico e metacrônico, além de uma série de outros tipos de cânceres fora do trato intestinal (adenocarcinomas de endométrio, ovário, próstata...); os pacientes com câncer colorretal secundário à síndrome Lynch se caracterizam por presença de tumores de cólon direito, em indivíduos jovens (menos de 50 anos), presença de infiltrado inflamatório linfocítico peritumoral e presença de um genótipo característico chamado de instabilidade de microssatélites; comparativamente aos cânceres de cólon e reto esporádicos, esses parecem ter um prognóstico melhor em termos de sobrevida global. O CCHNP é causado por mutações herdadas na linhagem germinativa em genes que codificam proteínas responsáveis pela detecção, excisão e reparo de erros que ocorrem durante a replicação do DNA. Pelo menos cinco desses genes de reparo foram reconhecidos, mas a maioria dos casos de CCHNP envolve MSH2 ou MLH1 Pacientes com CCHNP herdam um gene mutado de reparo do DNA e um alelo normal. Quando a segunda cópia é perdida por meio da mutação ou silenciamento epigenético, defeitos de reparo levam ao acúmulo de mutações até 1.000 vezes mais do que o normal, principalmente nas regiões que contêm sequências curtas de DNA de repetição chamadas microssatélite de DNA. O genoma humano contém cerca de 50 mil a 100 mil microssatélites, que são propensos a sofrer expansão durante a replicação do DNA e representam os locais mais frequentes de mutações no CCHNP. As consequências de defeitos de reparo e a resultante instabilidade do microssatélite. O diagnóstico de síndrome de Lynch é fechado a partir dos critérios de Amsterdam: 3 ou mais parentes com neoplasia associada a HNPCC (CCR ou câncer do endométrio, intestino delgado, ureter ou pelve renal) mais: • Paciente acometido deve ser parente de 1º grau dos outros dois; • Duas ou mais gerações sucessivamente acometidas; • Um ou mais indivíduos afetados com diagnóstico em idade inferior a 50 anos • FAP excluído em qualquer dos casos de CCR; • Tumores examinados histologicamente. → CARCINOGÊNESE O processo clássico de carcinogênese do adenocarcinoma colorretal se embasa na sequência adenoma -> carcinoma, escrita por Morson, em 1978 • Por este modelo, aprimorado posteriormente, uma sucessão de mutações em genes supressores tumorais (APC, P53 e DCC) e oncogenes (K-RAS) ocorrem, levando uma mucosa normal a gerar o adenoma e, posteriormente, o carcinoma • Esta progressão, conhecida como via de instabilidade cromossômica, é responsável por 85% dos tumores colorretais esporádicos e pela polipose adenomatosa familiar; estas mutações levam cerca de 10 anos para se completarem, explicando a previsibilidade do desenvolvimento da maioria destes tumores e orientando a periodicidade dos métodos de rastreio. • No restante dos CCR esporádicos (10-15%), a carcinogênese baseia-se na inativação de genes de reparo de DNA, gerando a instabilidade de microssatélites, sendo responsáveis pela geração de tumores sem polipose prévia Resumo: A transformação de um adenoma para um carcinoma colônico pode levar 20 a 25 anos. Nesse período ocorrem várias alterações moleculares como as mutações precoces nos genes APC e KRAS, conferindocapacidade de sobrevivência, proliferação e metastatização de células tumorais. Em termos mais simples, as mutações que envolvem a via APC/β-catenina leva ao aumento da sinalização de WNT, enquanto a via que envolve a via de instabilidade de microssatélites está associada a defeitos no reparo de erros de pareamento de DNA; ambas as vias envolvem o acúmulo gradual de mutações múltiplas, mas os genes envolvidos e os mecanismos pelos quais as mutações se acumulam são diferentes. • Via APC/β-catenina: sequência clássica de adenoma-carcinoma, responsável por até 80% dos tumores de cólon esporádicos; envolve a mutação do gene supressor de tumor APC no início do processo neoplásico; para os adenomas se desenvolverem, ambas as cópias do gene APC devem estar funcionalmente inativadas, por mutação ou por eventos epigenéticos. O APC é um regulador negativo importante de β-catenina, um componente da via de sinalização WNT; a proteína APC normalmente se liga e promove a degradação da β-catenina. Com a perda de função do APC, a β- catenina se acumula e transloca-se para o núcleo, onde ativa a transcrição de genes, como os que codificam MYC e ciclina Dl, que promovem a proliferação. Isso é acompanhado por mutações adicionais, incluindo mutações de ativação em KRAS, que também promovem o crescimento e evitam a apoptose. A conclusão de que a mutação de KRAS é um evento tardio é sustentada pela observação de que as mutações estão presentes em menos de 10% de adenomas com menos de 1 cm de diâmetro, em 50% dos adenomas maiores do que 1 cm de diâmetro e em 50% dos adenocarcinomas invasivos. A progressão neoplásica também está associada a mutações em outros genes supressores de tumor, como SMAD2 e SMAD4, que codificam efetores da sinalização de TGF-β. Como a sinalização de TGF-β normalmente inibe o ciclo celular, a perda desses genes pode permitir o crescimento celular sem restrições. O gene supressor de tumor TP53 encontra-se mutado em 70% a 80% dos cânceres de cólon, mas não é comumente afetado nos adenomas, sugerindo que as mutações em TP53 também ocorrem em estágios tardios da progressão tumoral. A perda de função de TP53 e outros genes supressores de tumor é frequentemente causada por deleções cromossômicas, com destaque para a instabilidade cromossômica que é uma marca da via APC/β-catenina. Alternativamente, os genes supressores de tumor podem ser silenciados por metilação das ilhas CpG, uma região 5’ de alguns genes que frequentemente incluem o promotor e o sítio de início da transcrição. A expressão da telomerase também aumenta à medida que as lesões tornam-se mais avançadas. • Via de instabilidade de microssatélites: Em pacientes com deficiência de reparo de erros de pareamento de DNA (devido à perda de genes de reparo de erros de pareamento, como discutido anteriormente), as mutações se acumulam em repetições microssatélites, uma condição chamada instabilidade de microssatélites. Essas mutações geralmente são silenciosas porque os microssatélites tipicamente estão localizados em regiões não codificantes, mas outras sequências de microssatélites estão localizadas nas regiões de codificação ou regiões promotoras de genes envolvidos na regulação do crescimento celular, como aquelas de codificação do receptor TGF-β tipo II e a proteína proapoptótica BAX. Pelo fato de o TGF-β inibir a proliferação de células epiteliais colônicas, mutantes do receptor TGF-β tipo II podem contribuir para o crescimento celular descontrolado, enquanto a perda de BAX pode aumentar a sobrevida de clones geneticamente anormais. • Fenótipo de hipermetilação da ilha CpG: Em um subconjunto de câncer de cólon com instabilidade de microssatélites, não há mutações nas enzimas de reparo de erros de pareamento de DNA. Esses tumores demonstram o fenótipo de hipermetilação da ilha CpG. Nestes tumores, a região do promotor MLH1 geralmente está hipermetilada, reduzindo assim a expressão de MLH1 e da função de reparo. Mutações de ativação no oncogene BRAF são comuns nestes cânceres. Em contraste, KRAS e TP53 normalmente não estão mutados. Assim, a combinação da instabilidade de microssatélites, mutação de BRAF e metilação de alvos específicos, como MLH1, é a assinatura desta via de carcinogênese. O câncer colorretal constitui um grupo heterogêneo de tumores podem ser agrupados como: • Câncer colorretal portador de instabilidade cromossômica (85%) • Portador de instabilidade de microssatélites (MSI) (15%; composto por tumor relacionado à síndrome de Lynch e genótipo de hipermetilação de ilhas GcP). Nos primeiros, são frequentes alterações moleculares do tipo deleções e inserções (exemplo: deleção do 18q); no segundo tipo, ocorrem inserções ou deleções de pares de base nucleotídeos nas regiões ditas microssatélites (regiões com pares de bases repetidos no genoma humano, sem função estabelecida). • A presença da instabilidade de microssatélites desencadeia um fenótipo característico onde se observa mais comumente tumores do tipo mucinoso, com origem no cólon direito, pouco diferenciados, com infiltrado inflamatório linfocitário peritumoral, afetando indivíduos de uma faixa etária mais jovem. A MSI pode ocorrer de forma somática (ou esporádica); independente disso, observa-se que a MSI é um reflexo da perda de função de pelo menos um dos genes de reparo de DNA do complexo MMR (mismatch repair complex), composto por vários genes: MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2. • Os genes MLH1 e MSH2 são os genes mais afetados pela perda de função no câncer colorretal • A MSI cria um estado favorável para o acúmulo de mutações em genes vulneráveis que controlam atividades biológicas críticas das células e essas alterações podem levar ao desenvolvimento do câncer. • MSI está associado com ganho de funções em oncogenes, como mutações no gene BRAF (a presença de mutação no gene BRAF exclui o diagnóstico de MSI germinativa ou HNPCC). • Nos casos esporádicos, o evento molecular mais encontrado é a hipermetilação de ilhas GcP na região promotora do gene MLH114. OBS.: O diagnóstico molecular de MSI é feito através da pesquisa das proteínas dos respectivos genes do complexo MMR por técnica de imunohistoquímica (IHQ) ou através de técnicas de reação em cadeia de polimerase (PCR). → MORFOLOGIA Os tumores na região proximal do cólon crescem como massas polipoides, exofíticas, que se estendem ao longo da parede de grande calibre do ceco e cólon ascendente; esses tumores raramente causam obstrução. Os carcinomas da parte distal do cólon tendem a ser lesões anulares que produzem constrições em “anel de guardanapo” e estreitamento luminal, às vezes até o ponto de obstrução. Ambas as formas crescem na parede do intestino com passar do tempo e podem ser palpáveis como massas sólida. As características microscópicas gerais dos adenocarcinomas do cólon dos lados direito e esquerdo são semelhantes. • A maioria dos tumores é composta por células colunares altas que se assemelham ao epitélio displásico encontrado em adenomas. • O componente invasivo desses tumores desencadeia uma resposta desmoplásica estromal forte, que é responsável pela sua característica consistência firme. • Alguns tumores pouco diferenciados formam algumas glândulas; outros podem produzir mucina abundante que se acumula na parede intestinal, e estes apresentam prognóstico sombrio. • Os tumores também podem ser compostos por células em anel de sinete, que são semelhantes àquelas dos cânceres gástricos. → QUADRO CLÍNICO # CÓLON O câncer de cólon pode se apresentar de maneira assintomática e sintomática. Os sintomas apresentam-se em fases mais avançadas da doença e relacionam-se com a topografia tumoral. Os sintomas mais frequentes ao diagnóstico são: dor abdominal, alteração do hábito intestinale hematoquezia ou melena. Fraqueza, sintomas de anemia e perda de peso podem também ser encontrados. Em relação à localização: • Tumores do cólon direito: comumente cursam com anemia (devido a maior perda sanguínea assintomática nessa topografia); atingem maiores dimensões, sem causar quadro obstrutivo (devido ao maior diâmetro do cólon direito e pelas fezes pastosas no local) levando à tríade clássica destes tumores: massa abdominal palpável, anemia e diarreia. Tumores do cólon esquerdo: comumente causam alteração do hábito intestinal, desconforto no QIE, obstrução e dor abdominal justificadas pela consistência mais endurecida das fezes e menor diâmetro do cólon; hematoquezia nesses casos são comuns. OBS.: A causa subjacente da anemia ferropriva em um homem mais velho ou na mulher na pós-menopausa é o câncer gastrointestinal, até que se prove o contrário Outros sintomas menos usuais são: formação de fístulas para bexiga (causando infecções de repetição e/ou eliminação de fezes pela urina), vagina ou pele. Infecções são classicamente associadas (em 10 a 25% dos casos) às neoplasias colônicas (p ex.: bacteremia causada pelo Streptococcus bovis e sepse devido a Clostridium septicum. Metástases à distância mais frequentemente ocorrem no fígado, pulmões e peritônio, podendo causar sintomas de dor abdominal em quadrante superior do abdome, distensão e/ou aumento do volume abdominal, tosse e dispneia. Mais raramente se observam metástases em ossos e sistema nervoso central. • Metástases hepáticas podem gerar dor no abdômen superior, massa palpável ou icterícia Devido à drenagem venosa e linfática diferir entre os segmentos colônicos, há uma maior proporção de pacientes com metástases pulmonares em pacientes com tumores primários do reto distal (drenagem via veia cava inferior) do que nos demais segmentos, em que predominam metástases hepáticas (drenagem pelo sistema porta). A grande maioria das neoplasias malignas do cólon é representada pelos adenocarcinomas. • Outras neoplasias primárias que podem ser encontradas mais raramente no cólon são os linfomas, sarcoma de Kaposi e tumores carcinoides. • Metástases de outros tumores para o cólon (mama e ovário, por exemplo) são ainda mais raras. # RETO Os tumores de reto estão mais associados a sintomas evacuatórios: puxo, tenesmo, urgência fecal e as clássicas fezes em fita. O toque retal ao exame físico desempenha papel fundamental ao diagnosticar os tumores de reto médio e baixo. O abdome agudo obstrutivo é mais comum em tumores do sigmoide e reto e, ocasionalmente, complicam com perfuração colônica (independentemente do estádio da doença, acarretam um pior prognóstico). → DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO O diagnóstico em pacientes assintomáticos normalmente ocorre durante a realização de exames de rastreamento (pesquisa de sangue oculto, retosigmoidoscopia ou colonoscopia), recomendado para todos os pacientes acima dos 50 anos de idade. O diagnóstico definitivo do câncer colorretal depende da realização de exame endoscópico com biópsia da lesão suspeita e comprovação histopatológica. O diagnóstico dos tumores colônicos é feito pelo exame anatomopatológico em material normalmente obtido através da colonoscopia, pela visualização de lesão e biópsia da mesma ou pela ressecção de um pólipo. • A colonoscopia é o exame mais acurado para o diagnóstico dos tumores colorretais, permitindo a localização, biópsia, detecção de lesão sincrônica e tratamento de lesões pré-malignas. • A colonoscopia, normalmente realizada para o diagnóstico, deve ter especial atenção na avaliação de todo o cólon, pois em 3 a 5% dos casos pode-se observar tumores sincrônicos. • Em casos em que, por aspectos técnicos, a visualização completa do cólon não é possível, o enema opaco e a colonoscopia virtual podem ser úteis. A retossigmoidoscopia pode identificar e biopsiar lesões do cólon esquerdo, porém não detecta lesões sincrônicas no cólon remanescente e não é adequada como único método diagnóstico. A graduação histológica, pela classificação de Broders, estratifica estas lesões em quatro graus: • Grau I (bem diferenciado); • Grau II (moderadamente diferenciado); • Grau III (pouco diferenciado) • Grau IV (indiferenciados), simplificadamente, em baixo grau de diferenciação (graus I e II) e alto grau (graus III e IV), que conferem um pior prognóstico → ESTADIAMENTO O estadiamento dessa doença segue o sistema TNM. • Para o estadiamento a anamnese e o exame físico devem ser feito, com especial atenção a sinais clínicos de ascite, linfonodos palpáveis e hepatomegalia, e exames de imagem do abdome, pelve e tórax. É importante investigar se há história familiar positiva que sugira alguma síndrome hereditária. Existem dois momentos do estadiamento: o clínico, em que são realizados exames pré-operatórios, que vão predizer a extensão da doença; e o patológico, no qual por meio das peças cirúrgicas realiza-se a confirmação histopatológica das lesões, tendo uma maior acurácia na determinação da extensão da doença. Os exames utilizados para o estadiamento baseiam-se na história natural de evolução da doença que se dissemina localmente por contiguidade e continuidade, pela via linfática regional e hematogênica O estudo da extensão local e o comprometimento linfático regional devem ser feitos com a realização de tomografia computadorizada (TC) de abdome, para as lesões colônicas. • Em relação ao abdome e pelve o exame mais recomendado é a tomografia computadorizada, útil e custo-efetiva para avaliação de metástases e linfonodos. Se o exame tomográfico não for disponível, é aceito o ultrassom convencional. Nas lesões de reto a ressonância nuclear magnética e a ultrassonografia transretal têm melhor acurácia no estadiamento T e N. Para avaliação do tórax a radiografia normalmente é suficiente, reservando-se o exame tomográfico quando há alterações nesse exame e quando o primáriose localiza no reto, pela maior probabilidade de disseminação pulmonar conforme já citado anteriormente. Outras possibilidades incluem, durante o ato operatório, a palpação manual de todo o cólon, podendo-se associar à colonoscopia intraoperatória. Na avaliação laboratorial destaca-se o hemograma (pela possibilidade de anemia) e a dosagem de enzimas hepáticas. O antígeno carcinoembrionário (CEA) deve sempre fazer parte da avaliação inicial desses pacientes e deve ser medido já no pré-operatório. • Parece ser um marcador de mau prognóstico, pois quando aumentado, se correlaciona com recidiva pós-cirúrgica • É útil para o acompanhamento dos pacientes operados e tratados (ou não) com quimioterapia adjuvante, onde pode permitir detecção de recidiva pós-cirurgia e também pode ser utilizado, juntamente dos exames de imagem, para monitoramento de resposta à quimioterapia em doença metastática. → PROGNÓSTICO → DOENÇA LOCALIZADA - TRATAMENTO CIRÚRGICO A ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha para a maioria dos tumores colorretais. Os objetivos primordiais do tratamento cirúrgico são a ressecção ampliada do segmento colônico envolvido, com a remoção dos linfonodos na área de drenagem do mesmo. A extensão da ressecção é determinada pelo suprimento sanguíneo e a distribuição locorregional dos linfonodos. • Deve-se realizar a ligadura do pedículo vascular na raiz do vaso, promovendo a ressecção de todo o tecido linfático periaórtico, mesentérico e pericólico; e a ressecção em monobloco de qualquer órgão ou estrutura aderida ao tumor. • A ressecção deve incluir pelo menos 5cm de cólon de cada lado do tumor, apesar de que comumente essa margem é muito maior pela necessidade de ligadura arterial e isquemia subsequente. O número de linfonodos ressecados durante a operação sinaliza a qualidade da mesma,devendo ser removidos no mínimo 12 linfonodos, segundo a UICC/AJCC. # RESSECÇÃO LAPAROSCÓPICA As operações geralmente são mais complexas, exigem tempo operatório maior, atingem vários quadrantes do abdome e os benefícios quanto à operação para ressecção de neoplasias parece ser comparável à operação aberta. As operações minimamente invasivas por laparoscopia são alternativas aceitáveis para pacientes com tumores colorretais. As colectomias por videolaparoscopia apresentam resultados semelhantes em termos de margens de ressecção e número de linfonodos ressecados, associado a menor morbidade operatória, rápido restabelecimento pós-operatório, menor necessidade de analgesia, menor risco de infecções de parede e menor tempo de internação hospitalar. # ADENOCARCINOMA EM PÓLIPO Lesões restritas à mucosa e ressecadas integralmente pelo método colonoscópico podem ser tratadas unicamente pela endoscopia. As características histopatológicas favoráveis incluem : • Margens livres de ressecção • Tumores bem diferenciados, sem invasão linfática ou vascular Com essas características, e com invasão no máximo à primeira camada da submucosa, a chance do paciente apresentar metástases linfonodais é menor do que 5%. # SEGUIMENTO O seguimento colonoscópico deve ser realizado em 3 meses após a polipectomia para se examinar a área de ressecção. Se a colonoscopia for normal pode se repetir após 1 ano. Seguimento História e exame físico associado com dosagem de CEA em intervalos regulares podem detectar recorrência. • A sensibilidade de se detectar recorrências precoces é ao redor de 60% quando se utiliza a TC e o CEA, principalmente para a recorrência pélvica. • O CEA deve ser medido a cada 3 meses por 2 anos após a ressecção, e a cada 6 meses por mais 3 anos. As tomografias devem ser, no mínimo, anuais nos 3 primeiros anos. Em relação à colonoscopia, caso o paciente não a tenha realizado antes da cirurgia (ou não tenha sido possível a visualização de todo o cólon), deve ser feita em 3 a 6 meses após o tratamento cirúrgico. • A colonoscopia deve ser realizada no primeiro ano para detectar lesões metacrônicas. Se normal, repetir em 3 anos e, após, em 5 anos. • Em caso do achado de adenoma, o intervalo da colonoscopia deve ser menor, principalmente se os achados incluírem pólipo viloso, ou pólipo >1cm ou presença de displasia de alto grau (recomendando repetição do exame em 1 ano). • Os intervalos devem ser menores também para pacientes com história familiar, idade ou teste que indique a presença de síndrome de câncer colorretal hereditário. Após os 5 primeiros anos, a taxa de recorrência é extremamente baixa (inferior a 1,5% ao ano e após 8 anos inferior a 0,5% ao ano). → DOENÇA LOCALIZADA - TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO ADJUVANTE A resposta definitiva sobre o real benefício do tratamento adjuvante talvez nunca seja esclarecida por um estudo randomizado, pois provavelmente o benefício real é pequeno e, para provar isso, o número de pacientes necessário é enorme. A quimioterapia adjuvante é contraindicada para pacientes com estádio I, controversa para estádio II, e mandatória para pacientes com estádio III. A oxaliplatina é importante no tratamento adjuvante de pacientes com estádio III, mas não deve ser utilizada de rotina em estádio II, nem em pacientes com mais de 70 anos Diversas características clínico-patológicas foram associadas com pior prognóstico em pacientes com estádio II. Apesar da influência desses fatores no prognóstico, não há evidência que indique que os pacientes estádio II com essas características se beneficiem mais da quimioterapia adjuvante, ou seja, que esses fatores prognósticos sejam também preditivos. As recomendações da ASCO, em 2004, sugeriram que para pacientes estádio II o tratamento adjuvante deveria ser discutido para pacientes com os seguintes fatores de risco: poucos linfonodos avaliados, tumores T4, perfuração e histologia pouco diferenciada114. Revisão apresentada da ASCO de 2010 propõe que pacientes estádio II com instabilidade microssatélite de alta frequência não devam receber quimioterapia adjuvante. O tratamento adjuvante, quando indicado, deve ser iniciado o mais precocemente possível após a cirurgia. → DOENÇA METASTÁTICA - TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO PALIATIVO A escolha do regime inicial de quimioterapia deve ser feita caso a caso, levando em consideração as características do paciente e do tumor. Até o início da década de 1990, o melhor cuidado de suporte clínico era considerado como uma opção válida para o tratamento do câncer colorretal metastático, sendo a sobrevida mediana dos pacientes entre 5-6 meses. A incorporação de quimioterápicos como o 5-fluorouracil, irinotecano, oxaliplatina e, mais recentemente, de drogas antiangiogênicas e de alvo molecular como o bevacizumabe, cetuximabe e panitumumabe trouxe uma grande melhora desse cenário, com melhora significativa das taxas de sobrevida mediana e qualidade de vida desses pacientes, bem como aumento das taxas de cura em populações selecionadas. → DOENÇA METASTÁTICA - TRATAMENTO CIRÚRGICO Nos pacientes com câncer colorretal, o tumor primário deve ser ressecado mesmo na presença de metástases à distância, a fim de se prevenir obstrução e sangramento. Atualmente, devido à melhora na quimioterapia com maior efetividade de algumas drogas, alguns autores preconizam a quimio-radioterapia antes do tratamento cirúrgico naqueles pacientes com doença metastática e assintomáticos, ou seja, sem obstrução ou sangramento. Nos pacientes com idade avançada ou comorbidades se pode realizar a paliação com fulguração dos tumores retais, modalidades incluindo a fotoablação com laser, coagulação de plasma de argônio, ou colocação de prótese autoexpansíveis que representam alternativas para a paliação. # METÁSTASES HEPÁTICAS Deve-se agir agressivamente nesses pacientes no intuito de se ressecar as metástases para obtermos maior sobrevida livre de doença. A ressecção das metástases hepáticas é indicada naqueles pacientes em que o tumor primário foi ressecado com intenção curativa e sem evidência de doença extra- hepática. A extensão do envolvimento hepático que está sujeito à ressecção pode variar desde um lobo do fígado até múltiplas lesões focais nos 2 lobos. As modernas técnicas de dissecção anatômica e hemostasia resultaram em mortalidade operatória abaixo de 2%. A melhora nos métodos de imagem, uso da ultrassonografia intraoperatória, novas técnicas cirúrgicas, uso de instrumentos adequados e melhora nos cuidados perioperatórios aumentaram o número de pacientes submetidos à ressecção total das metástases hepáticas. → TRATAMENTO – CÂNCER DE RETO # CIRURGIA A cirurgia radical, associada ou não a outras formas de tratamento, é obrigatória no tratamento do câncer de reto. Os objetivos principais: cura, menores índices de recidiva local e a qualidade de vida (preservação esfincteriana e manutenção de funções urinária e sexual). (1) VIA DE ACESSO Pode ser realizada tanto por laparotomia, quanto por via laparoscópica. Independente da via de acesso empregada, as etapas e preocupações do cirurgião serão sempre as mesmas: • Execução da excisão total do mesorreto • Obtenção de margem radial e preservação esfincteriana. Quanto aos resultados oncológicos, os diversos estudos atuais, comparativos e metanálises, sugerem semelhança entre as duas vias de acesso. (2) EXCISÃO TOTAL DO MESORRETO Essa técnica consiste na retirada de todo o tecido gorduroso perirretal através de dissecção precisa do reto no plano situado entre sua fáscia própria e sua fáscia parietal, junto às paredes pélvicas, até o plano dos músculos elevadores para tumores de reto médio e distal ou, então, até 4 a 5 cm abaixo da margem distal de tumores de retoalto. Raramente existem linfonodos comprometidos no mesorreto numa extensão 5 cm distais à borda inferior do tumor. Dessa forma, tumores do reto alto podem ser tratados com uma ressecção parcial do mesorreto. (3) PRESERVAÇÃO DA INERVAÇÃO AUTONÔMICA Consiste na preservação dos nervos hipogástricos superiores e inferiores desde a região de dissecção da artéria mesentérica inferior até a intimidade da escavação pélvica. Com esse aspecto técnico, é possível reduzir os índices de bexiga neurogênica e de distúrbios sexuais de 25 a 75% para 10 a 28%. (4) PRESERVAÇÃO ESFINCTERIANA A preservação esfincteriana é conseguida nos dias atuais em cerca de 80% dos casos de câncer de reto, graças a: técnicas operatórias mais apuradas, facilitadas pelo emprego de grampeadores e pela diminuição do tumor com tratamento neoadjuvante. (5) RESSECÇÕES EM MONOBLOCO Aderências do tumor com estruturas e órgãos vizinhos não são incomuns, especialmente se o paciente não recebeu tratamento neoadjuvante; o cirurgião deve realizar a exérese de órgãos e estruturas aparentemente envolvidas, uma vez que não há como diferenciar, a priori, invasão tumoral, que em vagina pode ocorrer em até 80% dos casos, e nos outros órgãos, em cerca de 50%. # TRATAMENTO NEOADJUVANTE Tem sido indicada como rotina para tumores T3-4 localizados em reto baixo e médio, sendo discutível seu benefício em lesões na altura da reflexão peritonial. Para lesões T1-2 pode ser indicada quando existe comprovadamente envolvimento linfonodal peritumoral ou, então, quando se pretende realizar cirurgia de ressecção local. A razão para o tratamento neoadjuvante fundamenta-se nos seguintes aspectos: • Possibilidade de redução tumoral favorecendo a completa ressecção do tumor • Aumento da possibilidade de se realizar cirurgia com preservação esfincteriana • Oportunidade de melhor definição do alvo do tratamento radioterápico e menor irradiação de tecidos normais em relação ao tratamento pós- operatório • Chance de se testar a interação de novas drogas pela avaliação da resposta patológica após cirurgia • Informação prognóstica relacionada com a intensidade de resposta. O uso de terapia neoadjuvante com quimioterapia e radioterapia antes da cirurgia está consagrado na literatura. TRATAMENTO: ONCOLOGIA MULTIDISCIPLINAR O conceito fundamental no tratamento cirúrgico do câncer colorretal é a inclusão de quatro princípios basilares na técnica operatória: • Margens de segurança adequadas nos segmentos intestinais: a ressecção deve obedecer a uma margem de segurança que permita um segmento intestinal suficientemente distante da lesão, de modo a permitir não só uma margem adequada, mas também uma ressecção ampla do meso correspondente. • Ressecção dos mesos abrangendo os linfonodos das áreas de drenagem respectivas, a partir do conhecimento dos mecanismos de drenagem linfática. Há quatro “estações” de drenagem linfática: os linfonodos epicólicos, paracólicos, intermediários e principais. Quanto maior o tumor e quanto mais invasivo na parede cólica maior a possibilidade de metástases linfonodais na cadeia principal. Daí a importância da ressecção ampla dos mesos. Por outro lado, observa-se que nos retos médio e inferior há drenagem linfática para a região ilíaca e, eventualmente, para a região inguinal, sendo necessário analisar este aspecto quando do planejamento terapêutico. • Conhecimento dos recursos terapêuticos disponíveis nos casos de disseminação tumoral peritoneal. • Abordagem multidisciplinar da doença metastática hepática. Os tratamentos neoadjuvantes nas metástases hepáticas têm um papel relevante no controle desta condição. As diversas modalidades de tratamento adjuvante com quimioterapia e terapia biológica, nos tumores colônicos tratados cirurgicamente, permitem ganhos importantes na sobrevida e intervalo livre de doença. → SISTEMATIZAÇÃO DA CIRURGIA DOS TUMORES COLORRETAIS Quando feita por cirurgia convencional, habitualmente é feita incisão mediana suprainfraumbilical. → TRATAMENTO ADJUVANTE A quimioterapia adjuvante está indicada em pacientes com estádio II, com fatores de risco (tumores perfurados, obstruídos, T4, com células em anel de sinete, aneuploides, mal diferenciados, com invasão linfovascular ou perineural, assim como pacientes com menos de 12 linfonodos na peça) e em pacientes no estádio III, mudando apenas o esquema quimioterápico (capecitabina ou FOLFOX). Considera-se, atualmente, a inclusão de subgrupos de pacientes com tratamentos específicos, baseados na instabilidade microssatélite de alta frequência e baixa frequência (MSI-H, MSI- L), bem como a estabilidade de microssatélite (MSS), o K-Ras e outros fatores. A terapia biológica, por exemplo, com bevacizumab, pode ser indicada em casos específicos. → SEGUIMENTO Do 1º ao 2º ano: • Exame físico e dosagem do CEA, a cada 3 meses. • Radiografia de tórax ou TC de tórax, a cada 6 meses. • TC de abdome e pelve, a cada 6 meses. • Colonoscopia no 1º e 2º anos. Do 3º ao 5º ano: • Exame físico e CEA, a cada 6 meses. • Radiografia de tórax ou TC de tórax anual. • TC abdome e pelve anual. • Colonoscopia de 3/3 anos.