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AULA 2 AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA Profª Tânia Mara Grassi 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, conheceremos as provas do diagnóstico operatório, instrumento fundamental para a avaliação psicopedagógica clínica em sua dimensão cognitiva, pois propicia conhecer a estrutura de pensamento do sujeito em avaliação. O objetivo é preparar o futuro psicopedagogo para o exercício da práxis psicopedagógica por meio do conhecimento do processo de avaliação psicopedagógica clínica, dos instrumentos empregados no processo e, especialmente, das provas operatórias, compreendendo sua importância para o diagnóstico e a consequente intervenção. Abordaremos o significado desse instrumento, o que avalia, os materiais utilizados, a aplicação e a análise. CONTEXTUALIZANDO As dificuldades de aprendizagem podem remeter à estrutura de pensamento do sujeito – em outras palavras, se a compreensão do conhecimento apresentado em sala de aula pressupõe determinada estrutura cognitiva que o sujeito ainda não alcançou, dificultando-lhe a aprendizagem. As provas operatórias avaliam precisamente o nível de pensamento do sujeito a fim de possibilitar conhecê-lo, compreender as dificuldades encontradas, organizar a intervenção e orientar a escola. De acordo com tal nível de pensamento, o sujeito compreenderá o conhecimento que lhe é apresentado e responder aos questionamentos feitos, de modo que não há respostas erradas, mas formas diferentes de pensar. Júlia tem 8 anos e sua irmã, Camila, 6. A mãe serve refrigerante para as duas meninas. Abre duas latas na frente delas e coloca o líquido nos copos de ambas. O copo de Júlia é mais alto e fino e o de Camila, mais largo e baixo. Camila reclama que ganhou menos refrigerante do que a irmã, embora todo o conteúdo da lata tenha sido vertido em seu copo. Júlia argumenta que a mãe colocou todo o líquido da lata no copo de Camila, mas ela não compreende e chora. O que podemos perceber em relação ao pensamento de Camila? As duas irmãs apresentam níveis diferentes de pensamento? Uma pensa de modo operatório concreto e a outra, de modo pré-operatório? O que você acha? Como chegamos a essa conclusão? Que elementos de análise estão presentes nesse 3 relato? Reflita, consulte as fases do desenvolvimento segundo Jean Piaget e registre sua análise. TEMA 1 – DIMENSÃO COGNITIVA: PROVAS DE DIAGNÓSTICO OPERATÓRIO Após o levantamento do primeiro sistema de hipóteses, daremos continuidade ao processo de avaliação psicopedagógica investigando a dimensão cognitiva, que corresponde às estruturas que possibilitam ao sujeito aprender e construir conhecimentos, bem como organizar e reorganizar a inteligência. As provas de diagnóstico operatório são instrumentos de pesquisa essenciais ao processo de investigação sobre o nível de desenvolvimento cognitivo construído pelo sujeito em avaliação. Para utilizá-las, é necessário retomar o conhecimento sobre a epistemologia genética de Jean Piaget e seus colaboradores – teoria que, aliás, as fundamenta e lhes dá suporte para aplicação e análise. Tais provas são instrumentos informais que permitem coletar dados sobre a estrutura cognitiva do sujeito – como se organizam seus processos de pensamento e aprendizagem, como se adapta a novas aprendizagens e como a inteligência se reorganiza e se constrói. 1.1 Piaget e o método clínico O suíço Jean Piaget (1896-1980) elaborou suas pesquisas com o intuito de compreender como se processava a construção do conhecimento pelo sujeito humano. Lopes (2004, p. 24) destaca que o pesquisador queria investigar “como um sujeito passava de um estado menor de conhecimento para um estado cada vez mais rico, mais elaborado e mais complexo”. Para tanto, desenvolveu, juntamente com seus colaboradores da Escola de Genebra, instrumentos informais de avaliação, denominados “provas de diagnóstico operatório”, também conhecidas como “provas piagetianas” ou “provas operatórias”. Utilizava em suas pesquisas o método clínico, apresentando aos sujeitos perguntas específicas, adaptadas em função das respostas por eles dadas. Questões que não são fixas caracterizam o método clínico, além da construção dos materiais utilizados na aplicação das provas escolhidas conforme o que se precisa investigar. Portanto, não são utilizadas todas as provas, mas são 4 selecionadas as que possibilitarão a investigação do processo de aprendizagem de um sujeito específico, considerando-se a queixa. A observação direta é outra característica importante deste método, aliada à solicitação de justificativas, argumentações e contra-argumentações. As atitudes, as respostas dadas pelo sujeito, os argumentos utilizados para justificá- las, as mudanças ou a manutenção das respostas ante a apresentação dos argumentos e contra-argumentos do examinador possibilitam levantar o perfil de desenvolvimento cognitivo do sujeito. Temos uma enorme responsabilidade ao fazer uma avaliação psicopedagógica clínica e levantar um perfil de desenvolvimento cognitivo, pois a aprendizagem depende da estrutura cognitiva para se efetivar e, assim sendo, compreender suas condições estruturais de momento para aprender viabiliza a organização do processo corretor desenvolvido na intervenção psicopedagógica, a devolutiva para a família, para o sujeito e para a escola, bem como as orientações nela contidas. É essencial o profissional da psicopedagogia estudar a epistemologia genética, por meio das obras de Jean Piaget e seus colaboradores, bem como de autores contemporâneos que agregam conhecimentos sobre a teoria piagetiana. 1.2 Estágios do desenvolvimento de acordo com Piaget Para Piaget, o desenvolvimento do sujeito humano perpassa uma sequência de estágios progressivamente mais complexos, cada qual marcado pela construção de determinadas estruturas cognitivas que propiciam a ampliação das capacidades de interação entre o sujeito e os objetos do conhecimento. Lopes (2004, p. 25), Davis e Oliveira (2010, p. 46) destacam que as idades que caracterizam a passagem de um estágio para outro são marcos referenciais, definidos por Piaget, podendo haver avanços e atrasos em relação ao desenvolvimento, além de que devemos considerar o meio social, cultural e econômico em que os sujeitos vivem e suas respectivas interações como elementos que influenciam a aquisição de algumas noções e modificam a idade de entrada e saída de cada estágio. Portanto, devemos considerar a faixa etária média indicada em cada estágio como referência. São quatro os estágios de desenvolvimento cognitivo. Analisar as provas de diagnóstico operatório pressupõe conhecer os elementos que caracterizam o pensamento em cada fase. 5 1.2.1 Estágio sensório-motor Vai do nascimento até, aproximadamente, entre 18 e 24 meses. Davis e Oliveira (2010, p. 46-47) destacam que os problemas apresentados ao sujeito são práticos e ele, para resolvê-los, baseia-se na senso-percepção e nos esquemas motores. Embora apresente condutas inteligentes, não possui pensamento, uma vez que ainda não representa mentalmente suas ações, sendo incapaz de recordar o passado ou planejar ações futuras. Explora o meio que o cerca por meio de esquemas de ação sensório- motores – segurar, apertar, morder, bater, jogar, entre outros –, ações que lhe permitem conhecer e estabelecer conceitos relacionados ao uso que faz do objeto (giratório – não giratório; maior – menor; mole – duro, enfim). O jogo de exercício psicomotor caracteriza esta fase, permeada por exploração, exercício e repetição. Cabe ainda mencionar, segundo Carvalho e Guimarães (Carvalho; Sales; Guimarães, 2012, p. 42), que inicialmente o bebê responde aos estímulos do meio por meio de reflexos ou automatismos primários, que gradativamente modificam- se e tornam-se esquemas de ação mais complexos, relacionandofatos, ações e consequências, progressivamente estruturando o pensamento. Nesta fase, há a construção da identidade, por meio da noção de “eu”, da diferenciação entre si mesmo e os objetos e entre os objetos e suas funções. Tem início a construção das noções de espaço, tempo e causalidade, tornando os esquemas de ação mais complexos e dando origem à função simbólica, que sinaliza a passagem para o próximo estágio. 1.2.2 Estágio pré-operatório Fase que se estende aproximadamente dos 2 aos 7 anos de idade. O aparecimento da linguagem oral marca o início deste estágio, possibilitando ao sujeito a representação simbólica. De acordo com Davis e Oliveira (2010, p. 49), o pensamento, nesta fase, é egocêntrico, centrado no próprio sujeito: “É um pensamento rígido (não flexível) que tem como ponto de referência a própria criança”. O faz de conta, o jogo simbólico, o animismo, o antropomorfismo e a transdedutividade caracterizam esta etapa, marcada também pela internalização das ações – que, entretanto, ainda não são reversíveis. 6 1.2.3 Estágio operatório concreto Marcado pelo pensamento lógico, este estágio geralmente se estende dos 7 aos 11 ou 12 anos e é denominado “concreto” porque, para pensar corretamente, o sujeito precisa do apoio de materiais ou de exemplos reais e observáveis, sendo impossível o pensamento abstrato. As ações internalizadas se tornam reversíveis e o pensamento se torna progressivamente menos egocêntrico, baseando-se mais no raciocínio do que na percepção. Os jogos de regras são típicos desta fase. O real e o imaginário são percebidos distintamente e as operações lógicas são possíveis em função do pensamento reversível. A construção das operações viabiliza o desenvolvimento da noção de conservação: quantidade, massa, líquido, peso e volume dos objetos. É capaz de classificar, seriar, ordenar, entre outras noções, conforme Davis e Oliveira (2010, p. 52). 1.2.4 Estágio operatório formal Estágio marcado pela libertação do pensamento em relação às limitações da realidade concreta. A partir dos 12 anos, o sujeito pode, também, pensar a realidade possível, hipotetizar, enfim, recorrendo ao raciocínio hipotético- dedutivo. É o nível de pensamento mais complexo, grau máximo do desenvolvimento cognitivo, que então passa a sofrer ajustes, aperfeiçoamento e solidificação. TEMA 2 – APLICAÇÃO DAS PROVAS DE DIAGNÓSTICO OPERATÓRIO Conforme já assinalado, as provas de diagnóstico operatório permitem conhecer a qualidade do pensamento de um sujeito, a estrutura cognitiva que lhe possibilita aprender, relacionando as diversas informações oriundas das interações entre ele, os objetos do conhecimento e os sujeitos de seu grupo sociocultural. É precisamente essa interação que possibilita a construção de estruturas de pensamento gradativamente mais complexas e, por conseguinte, a construção do próprio conhecimento. Visca (2008, p. 25-26) ressalta a importância de se aplicar as provas operatórias apenas após o estabelecimento de um vínculo entre o sujeito e o examinador e o levantamento de hipóteses que serão investigadas. 7 Balizado pelas hipóteses levantadas, o psicopedagogo pode definir os domínios a serem investigados, as provas a serem aplicadas e a ordem de aplicação: conservação, classificação e seriação. Não são aplicadas todas as provas para todos os sujeitos, mas selecionadas considerando-se queixa, hipóteses, faixa etária do sujeito e provável nível de pensamento. As provas selecionadas não devem ser aplicadas todas na mesma sessão, principalmente se forem do mesmo domínio. Lopes (2004, p. 27) sugere a aplicação de pelo menos três provas durante o processo de avaliação e a repetição ou a inclusão de outras conforme a necessidade, as dúvidas quanto ao diagnóstico e novas hipóteses levantadas. Eis um quadro para ajudá-lo na seleção das provas operatórias, considerando-se a faixa etária e o domínio, baseado em Weiss (2004) e Sampaio (2014). Quadro 1 – Seleção das provas operatórias conforme a faixa etária e o domínio Idade Prova 6 anos Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos Seriação de bastonetes 7 anos Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos; quantidade de matéria; comprimento; superfície e líquido Seriação de bastonetes Espaço unidimensional 8-9 anos Conservação de quantidade de matéria; superfície; comprimento; líquido e peso Dicotomia ou mudança de critério; inclusão e intersecção de classes Espaço unidimensional e bidimensional 8 10-12 anos Conservação de matéria; comprimento; superfície; líquido; peso e volume Dicotomia ou mudança de critério; inclusão e intersecção de classes Espaço unidimensional e bidimensional 12 anos Conservação de volume Pensamento formal: combinação de fichas, permutação de fichas e predição Espaço tridimensional Fonte: Weiss, 2004; Sampaio, 2014. Não esqueça que a escolha das provas deve, igualmente, considerar a hipótese levantada em relação ao possível nível de pensamento: pré-operatório, operatório-concreto ou operatório formal. Várias obras contêm a descrição detalhada das provas de diagnóstico operatório. A leitura de Visca (2008), por exemplo, é essencial para aplicá-las com maior segurança. A leitura de Weiss (2004) e da obra de Piaget (1978) e Inhelder (1977), sua colaboradora, também pode ser útil. Organizar os materiais utilizados é tarefa fundamental para a formação do psicopedagogo e, portanto, confeccioná-los é mais interessante do que comprá- los prontos, pois exige reflexão, pesquisa, conhecimento, criatividade e investimento afetivo, elementos essenciais para a formação. Os materiais podem ser acondicionados em uma caixa e separados em embalagens com etiquetas de identificação para facilitar a aplicação. A descrição dos materiais de cada prova pode auxiliá-lo na confecção de sua caixa de diagnóstico operatório. Apresentaremos as mais utilizadas no processo diagnóstico e sugerimos pesquisa complementar em relação às demais. 9 TEMA 3 – PROVAS DE CONSERVAÇÃO As provas de conservação têm uma estrutura que as aproxima e sua aplicação, bem como as estratégias do aplicador e as condutas do sujeito avaliado, são comuns, de acordo com Visca (2008, p. 28). Eis as estratégias do aplicador: solicitação do estabelecimento de igualdade ou diferenciação inicial apresentação de um argumento hipotético questionamento sobre a igualdade ou diferenciação inicial mudanças experimentais e seu aumento ou diminuição questionamentos e solicitações de argumentos explicativos contra-argumentações verificação empírica e retorno empírico questionamento de quoticidade Quanto à conduta do sujeito avaliado, tem-se: estabelecimento da igualdade ou diferenciação inicial resposta não conservadora, conservadora sem argumentos e conservadora com argumentos de identidade, reversibilidade ou conservação justificativa das contra-argumentações Visca (2008) explica todos esses elementos detalhadamente, portanto, ler sua obra é essencial para aplicar as provas em questão. 3.1 Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos Esta prova investiga a conservação de quantidades descontínuas, avaliando a noção de número. O material utilizado é composto por dez fichas redondas vermelhas e dez fichas redondas azuis (2,5 centímetros de diâmetro), confeccionadas com madeira ou material emborrachado, para facilitar o manuseio. 10 Após reconhecer o material, o avaliador pede que o avaliando escolha um dos conjuntos de fichas; em seguida, deve dispor sobre a mesa de seis a oito fichas, deixando duas ao lado. Pede-se ao examinando que faça uma fileira com o mesmo tanto de fichas. Após ter anotado a conduta do sujeito, se necessário, o examinadordeve dispor os elementos termo a termo e assegurar-se de que o sujeito acerta a equivalência das coleções. São feitas então deformações, encolhendo a fileira-testemunha, esticando e dispondo as fichas em rodinhas, tapando as fichas da coleção-testemunha. Ao fim de cada transformação, pergunta-se ao sujeito se as fileiras têm o mesmo tanto, mais ou menos fichas e se uma tem mais ou menos que a outra. Pede-se para que o examinando explique cada resposta, ao passo que o examinador contra-argumenta. Os níveis de resolução podem ser: Não conservador: 5-6 anos – erra em todas as transformações ou acerta apenas a quoticidade. Intermediário: julga igualdade em algumas coleções e em outras, não, ou dá respostas conservadoras em todas e muda após a contra- argumentação. Conservador: a partir dos 7 anos – faz a conservação com uma ou mais das seguintes argumentações: identidade – tem o mesmo porque nada foi colocado, nem tirado; compensação – está mais comprida, mas tem mais espaço entre elas, ou mais curta, porque tem menos espaço; reversibilidade – a gente pode voltar a fazer como no começo (operatório formal). 3.2 Conservação de superfície O objetivo desta prova é avaliar a noção de superfície, construída progressivamente pelo sujeito. Eis o material utilizado na aplicação: duas folhas verdes de cartolina, retangulares e do mesmo tamanho – aproximadamente 20 x 25 centímetros; 12 a 16 quadrados de cartolina vermelha de quatro centímetros de lado; uma ou duas miniaturas de animais herbívoros do mesmo tamanho, mas de cores diferentes – preferencialmente, “vaquinhas”. 11 O examinador solicita ao sujeito que identifique o material e reconheça a igualdade de tamanho: “Façamos de conta que estes papéis verdes são dois gramados e estes quadrados vermelhos são casas”. Estando os dois gramados vazios, questionar: “Neste gramado, foi colocada uma vaca. Você acha que ela terá mais, menos ou o mesmo tanto de gramado para comer do que no outro?”. Deve-se contra-argumentar, fazer as transformações – a saber, colocar simultaneamente uma casa em cada gramado – e, após cada colocação, repetir a pergunta, até que os dois gramados tenham a mesma quantidade de casas colocadas da mesma forma. A transformação seguinte consiste em “espalhar” as casas de um dos gramados e fazer a pergunta de conservação, contra-argumentando. Os níveis de resolução são: Não conservador: até 5 anos – global – o examinando não acerta a conservação diante da modificação espacial. Intermediário: 5 a 7 anos – articulado – o examinando demonstra um conflito entre percepção e razão. Conservador: a partir de 7 anos – operatório concreto – o examinando é capaz de compreender que os espaços livres são iguais. 3.3 Conservação de líquidos Com o objetivo de verificar a noção de conservação de quantidades contínuas com líquidos que transvasam para copos de diferentes alturas e larguras, Visca (2008, p. 77-78) descreve esta prova, cuja aplicação requer dois copos de mesmo tamanho e mesma altura (cinco centímetros de diâmetro e oito de altura), um copo estreito e alto (três centímetros de diâmetro e 15 de altura), um copo largo e baixo (sete centímetros de diâmetro e quatro de altura), quatro copos idênticos com cerca de um quarto do volume dos dois primeiros copos e, por fim, duas garrafas transparentes com líquido colorido, de cores distintas. O autor enaltece que é importante que os copos sejam lisos, transparentes, sem base, de vidro ou plástico. Administra-se a prova seguindo um protocolo de aplicação descrito por Piaget e apresentado pelo autor (2008, p. 79-80). O primeiro passo é apresentar 12 ao sujeito os dois copos idênticos e perguntar se são iguais; em seguida, solicitar que escolha uma das duas garrafas que têm o líquido colorido. O aplicador coloca o líquido da garrafa que não foi escolhida pelo examinando em um dos copos e pede que ele despeje a mesma quantidade do líquido da garrafa escolhida em um copo igual. Questiona-se: “No primeiro copo, há mais, o mesmo tanto ou menos que no segundo?”. Solicita-se que explique e questiona-se com uma contra-argumentação. O segundo passo consiste em fazer as transformações: colocar o líquido de um dos copos no copo mais fino e mais alto, depois no mais baixo e largo e, finalmente, nos quatro copos pequenos. A cada transvasamento, são feitos os questionamentos e as contra- argumentações, sem deixar de fazer o retorno empírico após cada transvasamento. A avaliação desta prova é feita conforme os seguintes níveis de resolução: Não conservador: 5-6 anos – em todos os transvasamentos, o sujeito considera a quantidade de líquido maior ou menor, mas não iguais. As contra-argumentações não alteram sua resposta. Intermediário: 5-7 anos – as respostas oscilam entre conservação e não conservação. Às vezes, quando do retorno empírico, pode responder de modo conservador, contudo, suas explicações não são claras ou completas. Conservador: a partir de 7 anos – o sujeito considera as quantidades iguais em todos os transvasamentos, apresentando os seguintes argumentos: identidade – “Têm o mesmo, porque nada foi colocado, nem tirado”; reversibilidade – “É o mesmo tanto, porque podemos colocar no anterior”; compensação – “O copo é mais baixo, mas é mais largo”. 3.4 Conservação de matéria A aplicação desta prova propicia avaliar a noção de conservação de quantidades contínuas com massa. Para sua aplicação, Visca (2008, p. 91-94) recomenda utilizar duas unidades de massa de modelar de cores diferentes, preferencialmente contrastantes, e obedecer ao seguinte protocolo. 13 Solicita-se que o sujeito faça duas bolas com a mesma quantidade de massa, questionando-se: “Essa bola tem o mesmo tanto, mais ou menos massa do que a outra?”. Pede-se, então, que ele escolha uma das bolas de massa, que passa a ser a referência, ou seja, não sofrerá modificações. Com a outra bola, são feitas as modificações: transforma-se a bola alargando, achatando e dividindo, sempre fazendo o questionamento de conservação e solicitando a justificativa das respostas dadas pelo examinando. Igualmente, após cada mudança de forma e registro das respostas, retorna- se à forma anterior da bola, repetindo o questionamento de igualdade e contra- argumentando. Eis os níveis de resolução que devem ser observados: Não conservador: 5-6 anos – diante de cada transformação (alargamento, achatamento e divisão), uma das quantidades é considerada menor do que a outra, mesmo após as contra-argumentações e o retorno empírico. Intermediário: 5-7 anos – o sujeito dá respostas que oscilam entre conservação e não conservação, diante das deformações e/ou das contra- argumentações. Conservador: a partir dos 7 anos – considera as quantidades constantes frente às transformações e contra-argumentações, apresentando os seguintes argumentos: identidade – “Têm o mesmo tanto, porque nada foi tirado, nem colocado”; reversibilidade – “Têm o mesmo tanto, porque podemos voltar a fazer a bola”; compensação – “Parece maior, mas é mais fina, portanto, têm a mesma quantidade”. 3.5 Conservação de comprimento Avalia a noção de conservação de comprimento por meio de duas correntes, de 15 e dez centímetros, e de um ou dois animais em miniatura. Colocam-se as duas correntes frente ao examinando e pede-se que diga o que vê. Diz-se que cada corrente será um caminho e questiona-se se o animal no primeiro caminho andará mais, menos ou o mesmo tanto. Na primeira transformação, são feitas curvas com a corrente maior de maneira que fique do mesmo tamanho da segunda, sendo que o início e o fim do caminho devem coincidir. Pergunta-se ao sujeito em qual caminho se andará mais, menos ou se será o mesmo tanto. Independentemente da resposta, contra- 14 argumenta-se. São feitoso retorno empírico e a segunda transformação, deixando um dos caminhos muito menor. As respostas dadas podem ser: Não conservadora: 6-7 anos – quando as extremidades coincidem, o examinando julga terem o mesmo tamanho (intuitivo global). Intermediária: 6-7 anos – em um dos questionamentos, a resposta é conservadora, em outro, não, e os argumentos são incompletos. Conservadora: a partir de 8 anos – o comprimento é sempre conservado e as respostas podem ser de: identidade – “É a mesma coisa que antes, só foram feitas curvas”; reversibilidade – “Se esticarmos como antes, este será maior”; compensação – “Eles terminam no mesmo lugar, mas este tem mais curvas” (operatório concreto). TEMA 4 – PROVAS DE CLASSIFICAÇÃO Visca (2008, p. 32) considera que as provas de classificação têm uma estrutura comum, embora em uma delas haja a manipulação do material e nas outras duas, apenas a formulação de respostas verbais. 4.1 Dicotomia ou mudança de critério Esta prova avalia a capacidade de classificar objetos e utiliza dez círculos (cinco vermelhos e cinco azuis) com 2,5 centímetros de diâmetro, dez círculos (cinco vermelhos e cinco azuis) com cinco centímetros de diâmetro, dez quadrados cinco vermelhos e cinco azuis com 2,5 centímetros de lado, dez quadrados (cinco vermelhos e cinco azuis) com cinco centímetros de lado e , finalmente, duas caixas (sapato) de papelão. O experimentador dispõe as peças em frente ao examinando e pede que diga o que vê. Solicita-se que coloque juntas as peças que se parecem e explique sua atitude. As caixas são postas em frente ao examinando, pedindo que separe as peças em apenas dois “montes”, de forma que as peças de uma mesma caixa se pareçam. Deve explicar por que separou daquela maneira e nomear a caixa de forma simples. Em seguida, pede-se ao sujeito que arrume de outra forma, repetindo o protocolo, e depois de uma terceira forma, repetindo os questionamentos. Os níveis de resolução podem ser: 15 Coleções figurais: 4-5 anos – não consegue classificar todos ou dá às figuras “apelidos” como trenzinho, casinha (intuitivo global). Início das classificações: 5-6 anos – constrói pequenas coleções não figurais, mas justapostas, sem ligação entre elas (intuitivo articulado). Dicotomia: pelo menos dois critérios são efetuados e o terceiro pode ser descoberto por questionamento do aplicador (operatório concreto – três critérios). 4.2 Quantificação da inclusão de classes Para avaliar a capacidade de quantificar a inclusão de classes, Visca (2008, p. 155) apresenta esta prova, cuja aplicação pressupõe dez margaridas e três rosas vermelhas (artificiais). Ressalta (2008, p. 153) que outras flores podem ser utilizadas (típicas da região em que o sujeito reside e conhecidas por ele), bem como miniaturas de animais, frutas, veículos, na quantidade de dez e três e que possam ser classificadas. Questiona-se ao sujeito da avaliação se conhece flores e, se sim, quais. Em seguida, são apresentadas as flores (rosas e margaridas), pedindo que as nomeie. Caso ele utilize outro nome para as flores, substituir quando for fazer as perguntas da prova. Segue-se então o protocolo, fazendo os seguintes questionamentos (2008, p. 155-156): “As margaridas são flores?” “As rosas são flores?” “Neste ramo, há mais margaridas ou mais flores? Como você sabe?” “Se eu dou para você as margaridas, o que sobra no ramo?” “Se eu dou para você as flores, o que sobra no ramo?” “Eu vou fazer um ramo com todas as margaridas e você, um com todas as flores. Quem terá o ramo maior? Como você sabe?” A avaliação é realizada considerando como níveis de resolução: Ausência de quantificação da inclusão: 5-6 anos – o examinando não é capaz de comparar o número de elementos de uma subclasse e o de uma classe. As perguntas sobre a subtração das subclasses são incorretas. 16 Conduta intermediária: 5-7 anos – apresenta dúvida quanto à terceira questão. Acerta a quarta e a quinta questões. Conduta de quantificação inclusiva: 7-8 anos – acerta todas as questões. 4.3 Intersecção de classes Avalia a capacidade de identificar, em um conjunto de elementos, atributos que o façam pertencer a outros conjuntos também. São utilizadas dez fichas redondas (cinco azuis e cinco vermelhas) com 2,5 centímetros de diâmetro, cinco fichas quadradas (vermelhas) de 2,5 centímetros de lado e uma folha de papel com o desenho de dois círculos que se interseccionam. O material deve ser disposto da seguinte forma: Azuis Vermelhas Visca (2008, p. 165-166) descreve a aplicação desta prova, destacando as questões que devem ser formuladas e os níveis de resolução: “Nomeie as peças que você vê.” “Por que você acha que estas fichas estão no meio?” “Há mais fichas azuis ou mais fichas vermelhas? Como você sabe?” “Há mais fichas quadradas ou redondas?” “Como você sabe?” “Há o mesmo tanto, mais ou menos fichas quadradas ou vermelhas? “O que tem no círculo preto?” “O que tem no círculo amarelo?” “Há a mesma quantidade, mais ou menos fichas redondas do que fichas vermelhas?” “Há a mesma quantidade, mais ou menos fichas quadradas do que fichas vermelhas?” Considerar os níveis de resolução na avaliação: Não intersecção: 4-5 anos – as perguntas 4 e 5 não são compreendidas. 17 Intermediário: 6 anos – responde corretamente às perguntas 6 e 7, mas erra as questões 4 e 5. Intersecção: 7-8 anos – acerta todas as perguntas. TEMA 5 – PROVA DE SERIAÇÃO E PROVAS DE PENSAMENTO FORMAL A prova de seriação avalia a capacidade de classificar, seriar e ordenar objetos em ordem crescente ou decrescente (tamanho, menor para maior ou maior para menor). Já as provas de pensamento formal requerem a capacidade de abstração e avaliam, por meio de combinação, permutação e predição de fichas, o sistema de lógica proporcional. 5.1 Seriação de bastonetes Weiss (2004, p. 168-169) lista os materiais necessários para esta prova: dez bastonetes de 16 a 10,6 centímetros de comprimento com diferença de 0,6 centímetro, um bastonete de 13,3 centímetros e um anteparo confeccionado de papelão. Apresenta-se ao sujeito os dez bastonetes fora de ordem, para que os explore. Em seguida, solicita-se que coloque os bastonetes lado a lado, do maior para o menor ou do menor para o maior. Se ele não conseguir, pode demonstrar com três bastonetes. Durante a execução da série, o examinador deve anotar como ele o faz: ordem da escolha, como faz a escolha e como a série fica ao fim. Concluída a série, solicita-se que ele coloque o bastão intermediário, sem desmontá-la. Se houve êxito na organização da série de bastonetes, o examinador os mistura, coloca o anteparo e solicita que o examinando dê ao examinador um bastonete de cada vez para formar a série em ordem crescente ou decrescente. Visca (2008, p. 172) indica os níveis de resolução: Ausência de seriação: 4-5 anos – não entende a ordem ou coloca dois bastões em posições diversas (um na horizontal e outro na vertical); esboça séries, formando duplas ou trios; faz uma série, mas sem considerar a base. Conduta intermediária: 6 anos – consegue ordenar do maior para o menor ou do menor para o maior, fazendo diversas tentativas em que corrige os 18 erros cometidos. É capaz de colocar o bastonete intermediário, mas não de montar a série atrás do anteparo. Método operatório: 6-7 anos – constrói a série em ordem direta ou inversa, considerando a base, sem o anteparo e com o anteparo, colocando também o bastonete intermediário. 5.2 Combinação de fichas Esta prova utiliza seis fichas redondas (2,5 centímetros de diâmetro), uma de cada cor. Encontramos a descrição detalhada da prova em Weiss (2004, p. 170), conforme os seguintes passos. O aplicador pede ao examinando que façao maior número possível de pares com as seis fichas, combinando-as duas a duas (30). É importante observar e registrar como o sujeito chegou ao resultado, o que foi dito e se registrou suas tentativas na folha de papel disponibilizada. Eis os procedimentos de avaliação: Ausência da capacidade combinatória: quando o sujeito não consegue descobrir a possibilidade das combinações. Faz tentativas aleatórias sem obter êxito mínimo. Combinações incompletas: descobre a possibilidade de combinar as fichas ao operar sobre elas, contudo, sem prever o número de combinações possíveis. Condutas operatórias com capacidade combinatória: consegue antecipar as possibilidades combinatórias utilizando um método exaustivo e ordenado de trabalho. Descobre as 30 combinações. Por exemplo: 1/2, 1/3, 1/4, 1/5, 1/6; 2/1, 2/3, 2/4, 2/5, 2/6, enfim. 5.3 Permutação de fichas Nesta prova, o material utilizado é composto por quatro ou cinco fichas redondas (2,5 centímetros de diâmetro) de cores diferentes. O examinando deve construir com as quatro fichas todas as permutações possíveis. O examinador apresenta a consiga: “Você deve fazer o maior número possível de combinações com estas quatro fichas” (Weiss, 2004, p. 171). São registrados o método de trabalho e os comentários do sujeito. Os níveis de resolução são: 19 Ausência da capacidade de permutação: quando o sujeito não percebe as possibilidades de permutação, sendo grosseiras suas tentativas. Condutas intermediárias: as permutações são incompletas, fazendo aproximações sem generalizações. Realiza todas as permutações possíveis: faz, de modo ordenado, por exemplo, A/B, C/D; A/B, D/C, enfim, totalizando as 24 permutações possíveis. FINALIZANDO As provas de diagnóstico operatório permitem investigar o nível de pensamento do sujeito: como se organiza sua estrutura cognitiva, como ele se relaciona com os objetos do conhecimento, como o conhecimento se constrói, como ele aprende, enfim. Para utilizá-las no diagnóstico, é fundamental conhecer a epistemologia genética, seus conceitos, o método clínico e as fases do desenvolvimento, conhecimentos que possibilitarão sua aplicação e sua análise. O levantamento de dados sobre a estrutura cognitiva do avaliando propicia ao psicopedagogo compreender suas condições estruturais para aprender, possibilitando a organização do processo corretor, que será desenvolvido na intervenção psicopedagógica, e a organização da devolutiva e das orientações nela contidas. As provas de diagnóstico operatório classificam-se em provas de conservação, provas de classificação, prova de seriação, provas de pensamento formal e provas de espaço. São instrumentos informais, desenvolvidos por Piaget e seus colaboradores, utilizados para avaliar os aspectos cognitivos, confirmando ou não o primeiro sistema de hipóteses e viabilizando o levantamento de novas hipóteses. Os materiais para a aplicação das provas podem ser confeccionados pelo examinador, o que fomenta a criatividade, os conhecimentos, o planejamento e a afetividade. A seleção das provas é feita pelo examinador considerando a faixa etária do sujeito, a queixa formulada e as hipóteses levantadas. 20 LEITURA OBRIGATÓRIA Texto de abordagem teórica – “Reflexões sobre o método clínico-crítico piagetiano: teoria e prática” A autora aborda, em sua pesquisa, o método clínico-crítico piagetiano, utilizado para conhecer a estrutura de pensamento do sujeito e cuja compreensão é fundamental para o psicopedagogo. Disponível em: <http://www.uece.br/endipe2014/ebooks/livro1/477- _REFLEX%C3%95ES_SOBRE_O_M%C3%89TODO_CL%C3%8DNICO- CR%C3%8DTICO_PIAGETIANO_TEORIA_E_PR%C3%81TICA.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2018. Texto de abordagem prática – “Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar” O artigo elenca os resultados de uma pesquisa sobre o desenvolvimento das estruturas cognitivas por meio da aplicação das provas de diagnóstico operatório pelo SAIP – Unicamp. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/aprender/article/viewFile/4119/pdf_199>. Acesso em: 16 jul. 2018. Saiba mais – “Grandes educadores: Jean Piaget apresentado por Yves de La Taille” Yves de La Taille apresenta os principais conceitos da teoria piagetiana, caracterizando as fases do desenvolvimento. Excelente material sobre a teoria, explicitando claramente seus conceitos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hrHW7ecdI1A>. Acesso em: 16 jul. 2018. 21 REFERÊNCIAS CARLBERG, S. Psicopedagogia: uma matriz de pensamento diagnóstico no âmbito clínico. Curitiba: Ibpex, 2012. DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. M. R. Psicologia na educação. São Paulo: Cortez, 2010. DOLLE, J. M. Para compreender Jean Piaget: uma iniciação à psicologia genética piagetiana. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. GOULART, I. B. Piaget experiência básica para utilização pelo professor. Petrópolis: Vozes, 1993. INHELDER, B. A aprendizagem e estruturas de conhecimento. São Paulo: Saraiva, 1977. LOPES, S. V. A. O processo de avaliação e intervenção em psicopedagogia. Curitiba: Ibpex, 2004. PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1978. SAMPAIO, S. Manual prático do diagnóstico psicopedagógico clínico. Rio de Janeiro: Wak, 2014. VISCA, J. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica. São José dos Campos: Pulso, 2008. WEISS, M. L. L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
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