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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA E O ENSINO DE MATEMÁTICA SANDRA REGINA D’ANTONIO LINGUAGEM E MATEMÁTICA: UMA RELAÇÃO CONFLITUOSA NO PROCESSO DE ENSINO? Maringá 2006 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. SANDRA REGINA D’ ANTONIO LINGUAGEM E MATEMÁTICA: UMA RELAÇÃO CONFLITUOSA NO PROCESSO DE ENSINO? Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática da Universidade Estadual de Maringá, para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª Dr. Regina Maria Pavanello Coorientador: Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Maringá - 2006 Dedicatória A meus pais Maria Dalva D’ Antonio e João Scarmagnani D’ Antonio que estiveram sempre presentes dividindo comigo as angústias, decepções, incertezas e conquistas, mostrando-me que não importa quanto nos sacrificamos, mas sim aquilo que realmente conquistamos. AGRADECIMENTOS Ao término deste trabalho, só me resta agradecer a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, colaboraram para que ele se tornasse realidade. Meu agradecimento especial: - a Deus por conceder-me força e serenidade para concluir este trabalho; - a meus pais pelo apoio e por sempre acreditarem que a concretização deste sonho seria possível; - aos professores Profs. Drs. Regina Maria Pavanello e Valdeni Soliani Franco que me orientaram com amizade e paciência, incentivando-me nos momentos difíceis; - aos professores integrantes da banca examinadora do Exame de Qualificação – Profs. Drs. Vinício de Macedo Santos, Luzia Marta Bellini e Ourides Santin Filho, cujas críticas pertinentes e sugestões valiosas contribuíram para a elaboração final deste trabalho; - a Profª. Drª. Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin, que aceitou amavelmente o convite para integrar e se somar a banca examinadora desta dissertação; - a Profª. Drª. Aurora Leal da Universidade Autônoma de Barcelona – Espanha, pelo incentivo e colaboração; - a meus eternos mestres Profs. João César Guirado e Eliane Rose Maio Braga pelo exemplo de dedicação, empenho e amor a carreira docente que transmitiram a mim e a todos que tiveram a honra de um dia serem seus alunos; - às diretoras, professoras e funcionários das escolas onde foram realizadas a coleta de dados pela delicadeza e atenção com que me atenderam; - ao amigo Wesley Vagner Inês, pelo grande incentivo e apoio fornecidos durante todo mestrado; [...] o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projetar marés vivas pelo espaço afora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições (José Saramago). RESUMO Embora haja acordo entre os educadores de que a linguagem desempenha um papel central nas práticas educativas, devemos reconhecer que há necessidade de compreender melhor como ela se relaciona com o êxito escolar, com a inteligência, com o pensamento. Este trabalho se inclui entre os que têm por objetivo investigar se e de que forma as interações estabelecidas em sala de aula entre professor e alunos por intermédio da linguagem contribuem para o aprendizado de matemática, procurando, assim, responder algumas questões: “Qual a importância da linguagem para o processo de ensino e aprendizagem de matemática e quais os tipos e formas de interação discursiva são estabelecidos e valorizados pelo professor no interior do contexto da sala de aula?”; “Que tipos de interação e envolvimento o professor proporciona aos alunos no desenvolvimento das atividades?”; “Seu discurso possibilita o entendimento e a compreensão dos conceitos matemáticos desenvolvidos em sala de aula?”; e “Existe diferença no discurso desenvolvido por ambos os professores a respeito da formalização e da complexidade da linguagem, especialmente a matemática, utilizada no âmbito escolar, visto que um dos sujeitos pesquisados é professor polivalente e não possuí formação específica na área e o outro é formado em Matemática?”. Para alcançar os objetivos almejados, foram observadas, semanalmente no período de 15 de março a 28 de junho de 2005 as aulas de matemática de duas professoras do Ensino Fundamental (perfazendo um total de treze observações). Uma delas formada em Pedagogia, leciona na 3ª série de uma escola da rede municipal de ensino de Maringá, Paraná, e a outra com habilitação em Matemática, leciona em uma 5ª série do Ensino Fundamental da rede estadual de ensino da mesma cidade. A leitura dos dados coletados nas transcrição das aulas gravadas em fita cassete, bem como as anotações feitas durante as observações e entrevistas realizadas com as professoras, suscitaram a emergência de algumas categorias que mostraram-se presentes na maior parte do tempo no discurso das professoras pesquisadas: “a boa resposta a qualquer preço; um diálogo de surdos; a negociação de poder; um partir do que o aluno alega saber; a negociação de significados e a matemática reduzida ao cálculo.” Palavras-Chave: Educação Matemática, práticas educativas, linguagem, interação discursiva. ABSTRACT Although educators agree that language plays a central role in educational practice, the need to better understand how they relate to school success, intelligence and thought should be acknowledged. This research study aims at investigating if and how the interactions established in the classroom, between teacher and students by means of language, contribute to the learning of Mathematics, searching for responding to questions as: "What is the importance of language for the process of learning and teaching Math and What types and forms of discursive interaction are established and valued by the teacher within the classroom context? What type of interaction and involvement does the teacher provide students in the course of the activities? Does his/her discourse make the understanding of developed Math concepts possible? Is there any difference between both teachers' discourse on the formalization and complexity of language, especially Math, used in the school context, since one of the subjects under research is a versatile teacher and has no specific graduation in the area, while the other is graduated in Mathematics?" Aiming to reach the objectives, some Math classes of two Elementary School teachers were observed weekly from March 15th to June 8th of 2005 (making totality thirteen observations). One of themis graduated in Pedagogy, teaches the third year of a municipal elementary school of Maringá - state of Paraná - Br. and the other, graduated in Mathematics, teaches the 5th grade of a public Elementary School in the same town. The reading of the data collected from the transcribed tapes of the recorded classes, as well as the notes taken during the observation and interviews with the teachers, raised the emergence of some categories present in the studied teachers' discourse most of the time: "the good answer at any price; a deaf people's dialogue; the negotiation of power; a starting point from what the student supposes to know; the negotiation of meanings and the Mathematics reduced to calculation". Key words: Math Education, educational practice, language, discursive interaction. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................. 09 I. LINGUAGEM E EDUCAÇÃO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ... 11 1. INTERAÇÕES DISCURSIVAS ................................................................................. 1.1 INTERAÇÕES DISCURSIVAS E ENSINO .............................................................. 1.2 ENSINAR E APRENDER NO CONTEXTO DE SALA DE AULA ......................... 1.3 INTERAÇÃO VERBAL E APRENDIZAGEM: RELAÇÃO PROFESSOR – ALUNO ....................................................................................................................... 1.4 INTERAÇÕES DISCURSIVAS E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO ......................................................................................................... II. A PESQUISA .............................................................................................................. 2.1 PROBLEMA DE PESQUISA ..................................................................................... 2.2 QUESTÕES DE ESTUDO .......................................................................................... 2.2.1 Metodologia .............................................................................................................. 2.2.2 A escolha das escolas ................................................................................................ 2.3 SELEÇÃO DO PROFESSORES ................................................................................ 2.3.1 Abordagem aos professores participantes ................................................................. 2.4 RECOLHA DOS DADOS .......................................................................................... 2.5 TRATAMENTO DOS DADOS ................................................................................. III. OBTENÇÃO DOS DADOS ...................................................................................... 3.1 AS PRÁTICAS DISCURSIVAS NO PROCESSO EDUCATIVO ............................ 3.2 UMA BREVE DESCRIÇÃO DO AMBIENTE EDUCACIONAL ............................ 3.2.1 Descrição dos sujeitos e de seu ambiente de trabalho .............................................. 3.3 ANÁLISE DAS OBSERVAÇÕES ............................................................................. 3.4 DISCUSSÃO ............................................................................................................... 3.4.1 A boa resposta a qualquer preço ............................................................................... 3.4.2 Um diálogo de surdos ............................................................................................... 3.4.3 Uma relação de poder ............................................................................................... 3.4.4 Partir do que o aluno alega saber .............................................................................. 3.4.5 A negociação de significados .................................................................................... 3.4.6 A matemática reduzida ao cálculo ............................................................................ IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 4.1 SÍNTESE DO ESTUDO .............................................................................................. 4.2 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 4.3 IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA DOCENTE ..................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................... APÊNDICE A: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS COM AS PROFESSORAS .............................................................................................................. APÊNDICE B: TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS ............................................. APÊNDICE C: TRANSCRIÇÃO DAS AULAS ........................................................... 11 11 18 25 30 35 35 36 37 38 38 39 39 40 42 42 44 44 48 50 50 62 78 87 94 101 108 108 110 114 116 120 121 125 INTRODUÇÃO Atualmente, grande parte das pesquisas sobre aprendizagem, especialmente sobre aprendizagem matemática no Brasil, tem dado pouca ênfase ao discurso do professor em sala de aula. Existe um grande empenho em se buscar novas estratégias e metodologias que possam contribuir para a solução de problemas relacionados ao ensino da Matemática. No entanto, tais pesquisas depositam seu foco central no comportamento, no pensamento, na construção e na ampliação do conhecimento dos alunos, deixando de analisar a participação e a influência dos professores nesse processo. No presente trabalho, pretendemos verificar qual tem sido a contribuição do professor no processo de construção do conhecimento matemático do aluno, bem como a influência de seu discurso no processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista que a construção do conhecimento apóia-se, de maneira primordial, no uso de um amplo conjunto de instrumentos simbólicos, entre os quais a linguagem ocupa um lugar privilegiado devido a sua dupla função representativa e comunicativa, que possibilita que as pessoas possam, por meio da fala, tornar públicos seus pensamentos, suas idéias, bem como comparar, negociar e modificar suas representações a respeito da realidade no transcurso das relações que mantêm com outras pessoas. O presente estudo se desenvolveu no contexto da sala de aula, precisamente nas aulas de Matemática, especificamente no domínio da interação discursiva, procurando constituir um contributo para o estudo das formas e tipo de comunicação que os professores estabelecem em sua relação pedagógica com os alunos. O interesse em compreender como os professores utilizam o discurso, bem como que tipo e formas de comunicação desenvolvem para promoverem a aprendizagem derivou do fato de a Matemática ainda ser considerada (LERNER, 1995) uma disciplina formal que abarca questões complexas e abstratas que parecem, em muitos ambientes escolares, desvincular-se da linguagem natural – de senso comum – apesar de estar extremamente relacionadas a ela. O reconhecimento de que o processo discursivo estabelecido entre professor e alunos na sala de aula determina as formas pelas quais os alunos aprendem ou não Matemática (MOLLO, 1978; LERNER, 1995; KAMII e LIVINGSTON, 1997; BELLINI e RUIZ, 1998; CANDELA, 1998; COLL, 2004) poderá constituir uma das razões queajudam a explicar parte dos insucessos do aluno nessa disciplina, o que justifica a pertinência desta investigação. O presente estudo será desenvolvido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, apresentaremos uma breve discussão sobre os vários aspectos a considerar na sala de aula que relacionam a questão da interação discursiva ao ensino de Matemática. Assim, em primeiro lugar, destacaremos a importância atribuída à linguagem no âmbito educacional. Em seguida, revisaremos os aspectos mais significativos da interação discursiva, como os que determinam a criação de um ambiente adequado para o estabelecimento do discurso e da aprendizagem de Matemática em sala de aula. No segundo capítulo, apresentaremos uma breve descrição da metodologia de investigação adotada, incluindo a descrição do problema levantado, dos objetivos da pesquisa, o tratamento dos dados, bem como a seleção das escolas e dos sujeitos envolvidos na pesquisa. No terceiro capítulo, faremos uma breve descrição dos professores observados e de seu ambiente educativo – a sala de aula – e daremos a conhecer alguns dos gêneros relacionados ao discurso e à conduta dos professores participantes no contexto de suas práticas educacionais. Apresentaremos, também, uma breve descrição e análise de cada um desses gêneros no que tange, especialmente, aos aspectos que caracterizam a interação discursiva que os sujeitos da pesquisa promovem e estabelecem em suas aulas de Matemática. Finalmente, no quarto capítulo, faremos uma análise comparativa sintetizando os aspectos comuns e não-comuns mais relevantes dos professores nos domínios descritos e analisados. A partir dessa análise comparativa, apresentaremos as interpretações e reflexões finais que acreditamos responder às questões que presidiram este estudo. I - LINGUAGEM E EDUCAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 1 INTERAÇÕES DISCURSIVAS A comunicação verbal é, primordialmente, uma relação intersubjetiva. Relação esta que tem por intuito transmitir uma mensagem a outro. Assim, comunicar no sentido humano é estabelecer uma relação entre uma pessoa e outra para compartilhar o sentido de uma mensagem, que pode ou não desdobrar-se em uma série de outras, visto que não é feita apenas mediante palavras isoladas, desligadas umas das outras e da situação em que é produzida. De acordo com Peruzzolo (2004), o que se quer dizer a uma pessoa passa pelo dito, pela palavra, sendo esse dito a representação daquilo que se pretende dizer. Essa representação que é o dizer, configura-se em uma estrutura de relações – com aquilo que se diz e com aquele a quem se diz e a situação na qual é enunciado/dito. Textos ou discursos podem ser entendidos como “manifestações naturais da linguagem humana”, configuradas em uma língua natural qualquer, “dotadas de sentido e visando a um dado objetivo comunicativo” (MATEUS et al., 1983; apud ALMIRO, 1997, p.11). Neste trabalho, adotaremos para discurso o significado que lhe atribui Almiro (1997, p.12) como “um conjunto sistemático e organizado, gerado e mantido por meio da linguagem e dos processos verbais, traduzindo os significados e valores de uma instituição”. A adoção desse significado implica conceber o que se fala e o que se faz associados não só à forma como isso repercute na construção das relações sociais, bem como no estabelecimento e reconhecimento dos papéis e dos comportamentos possíveis em determinado ambiente (em nosso caso, a escola). Interações discursivas serão aqui, portanto, consideradas como trocas verbais ocorridas no âmbito educacional. 1.1 INTERAÇÕES DISCURSIVAS E ENSINO A linguagem permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e os modos de comunicar, a ação e os modos de agir. Produto e produção cultural, nascida das práticas sociais, invenção surgida da necessidade humana. Por meio dela, o homem repassa aos seus descendentes tudo o que já aprendeu, remaneja e amplia os conhecimentos que tem; projeta-se e aplica-se para conseguir novos, relaciona-se com todos os seus semelhantes, simboliza os sentimentos mais recônditos de seu interior, organiza seu modo de ser e de viver, produz e transforma espaços produtivos, desta forma a linguagem é o meio que possuí o ser humano para se comunicar, bem como para representar, organizar e transformar de forma específica o pensamento. Nos PCNs (1999) “a linguagem é um sementeiro infinito de possibilidades”. Idéia que encontra abrigo em Franchi1 quando assinala: [...] a linguagem não é um dado ou o resultado; mas o trabalho que dá forma ao conteúdo variável de nossas experiências, trabalho de construção, de retificação do vivido, que ao mesmo tempo constituí o sistema simbólico mediante o qual se opera sobre a realidade como sistema de referência em que aquele se torna significativo (FRANCHI, 1977; apud MORATO, 2001, p. 69). Não podemos negar a evidência da língua2 (denotada aqui como um sistema abstrato formal de regras arbitrárias e socialmente aceitas sob a qual nos inscrevemos ao nascer e conforme a qual nos inserimos na vida social dos significados). Ela existe como tal, tem seu corpo, sua materialidade. Isto é inegável. No entanto, podemos desconfiar dela e de seu efeito de aparente transparência pois, segundo Peruzzolo (2004), fora do sistema de que cada elemento constituinte participa, qualquer termo da língua se torna indefinível, e por extensão do raciocínio, qualquer elemento de um código se torna incompreensível; além de ser extremamente complexa, abarcando questões relacionadas a sua própria configuração: os equívocos, as ambigüidades, as indeterminações e o duplo sentido. Palavras que em nossa prática social possuem sentido amplo, muitas vezes têm seu uso totalmente restringido. A palavra “estrela”, por exemplo, torna-se uma palavra específica quando remetida a enunciados diferentes. Pode significar “astro com luz própria”, “artista célebre” ou até mesmo “sorte”. Assim, não podemos nos remeter à questão da linguagem3 como algo claro, transparente, facilmente compreendido por quem recebe uma mensagem. 1 FRANCHI, C. Linguagem: atividade constitutiva. Almanaque, (s/ vol), nº 5, 1977, p. 9-27. 2 Instituição social, sistema de valores que constitui o lugar da comunicação de um agrupamento humano e, como tal, ela não é um ato, não depende do indivíduo, nem dos indivíduos, mas do social como processo histórico e coletivo (PERUZZOLO, 2004, p.79). 3 Compreendida como toda atividade significativa, desde suas formas verbais linguísticas (fala e escrita) até o tratamento dos fenômenos culturais como sistemas de signos (gestos, imagens, sinais, desenhos, representações, etc). No entanto, para Ferreira (2000), o sentido de certas palavras, enunciados e proposições parece, muitas vezes, como se já estivesse dado, cabendo ao sujeito reconhecê-lo e adequá-lo ao seu dizer. Cria-se, assim, a ilusão de um sentido que nasce com a palavra, sentido desprovido de história e de significados. Pavanello (2006) alega que como desde muito cedo nos acostumamos a utilizar a linguagem (referida aqui em suas manifestações orais e escritas) no cotidiano, quase sempre compreendendo e sendo compreendidos pelos outros, ela nos parece de compreensão fácil e imediata. Por isso, não é de se estranhar, se, em nossa prática cotidiana, nos mostramos, em geral, confiantes no nossopoder de comunicação. Essa confiança é demonstrada também no próprio ambiente escolar, no dia a dia da sala de aula, pelo fato de a maior parte dos professores optarem pela apresentação oral do conteúdo escolar, por vezes tendo como suporte textos escritos acerca do assunto em estudo, e, dependendo da disciplina, em algum tipo de representação. Como seus alunos conseguem se expressar oralmente, supõem que eles são, também, capazes de compreender com facilidade aquilo que lhes é apresentado dessa forma – e se espantam quando isso não acontece. Pesquisas realizadas em diversos campos do conhecimento, principalmente nas três ultimas décadas, têm demonstrado que isso não é verdade, e que é necessária uma maior preocupação com a comunicação que se estabelece na relação pedagógica, visto que os atos de linguagem constituem o suporte primeiro do processo de transmissão e aquisição do conhecimento escolar. Em nossa vida e, principalmente, na vida escolar, dependemos de nossas capacidades de comunicação4 e interpretação de mensagens emitidas por outros. Capacidades que não se referem apenas à interpretação de sons relacionados mediante as convenções de nossa língua materna, mas também a objetos, ações e idéias. Em sala de aula, a compreensão dos alunos a respeito das informações que o professor – ou o livro didático – pretende lhes comunicar depende não só do conhecimento que trazem para o ambiente escolar – seu repertório lingüístico e seu conhecimento sobre o mundo – como também do assunto que lhes é apresentado, de que modo isso é feito, bem como das oportunidades de negociação que o professor lhes propicia em relação ao significado e à importância daquilo que se deve aprender (PAVANELLO, 2006). 4 Vista não apenas como um processo em que um emissor e um receptor trocam informações (processo que somente é possível quando existe um código comum a língua na comunicação verbal, que permitem ao emissor codificá-la e, ao receptor, decodificá-la), mas que requer compartilhamento e negociação de significados e, portanto, situa-se no campo da argumentação. (JACOBSON, 1973; apud ALMIRO, 1997). Assim, um dos problemas mais importantes que o ensino das várias disciplinas e, em especial, da Matemática tem de enfrentar reside no problema estrutural da própria língua, isto é, em suas contradições deslocamentos e equívocos. Longe de se pensar em uma língua perfeita, totalmente formalizável dentro de modelos matemáticos, devemos ter consciência de sua própria incompletude, falhas, limites e da própria descontinuidade entre seu uso na cultura social do aluno e o da escola, ou seja, não só dos conhecimentos que este traz e que irão defrontar-se com os da sala de aula como também das formas e gêneros. De acordo com Lima 5: [...] as regras que prevalecem na escola são de outro mundo, e a formalidade e ritualização da aula têm raízes numa instância exterior à da cultura dos participantes (professor e alunos), sendo por eles colocada como sendo a única e exclusiva forma possível de interação e, por conseguinte, de aprendizagem, inclusive a da própria fala (LIMA, 1995; apud RICARDO e DETTONI, 2001, p. 93). Como asseveram Ricardo e Dettoni (2001), os alunos falam e escrevem muito para ninguém e participam pouco nos eventos mais formais nos quais o professor detém as rédeas na maior parte do tempo, o que contribuí ainda mais para o agravamento das dificuldades referentes à compreensão e ao domínio dos conteúdos, pois não interagem com o professor, nem tampouco expõem suas dúvidas e questionamentos. Para Mollo (1978), na sala de aula a criança muitas vezes descreve-se apenas como receptora da mensagem educativa, visto que a relação professor-aluno parece ser uma relação de dominação, na qual o docente molda o discente conforme seus próprios valores. Como salientam Bellini e Ruiz (1998), é o professor quem dá a aula, quem “transmite” conteúdos. É o guardião da tabuada, dos algoritmos, dos modelos prontos, dos exercícios de fixação, das regras que buscam economizar pensamento, das palavras indutoras, da idéia de que a Matemática é difícil, do sofisma que na exatidão da matemática há unicidade de caminhos, tornando-se um intérprete dos enunciados. O que o aluno precisa, contudo, é de oportunidades para entrar em negociação com o professor para adquirir novos conceitos e palavras a partir do contexto lingüístico geral, porque constrói seus padrões lingüisticos e amplia a forma de interpretá-los por meio das experiências por ele vivenciadas. Na sala de aula de Matemática, uma dificuldade a mais é acrescida, pois nesse campo do conhecimento são utilizados na comunicação os objetos da língua materna com um sentido 5 LIMA, M. da G. Os usos cotidianos de escrita e as implicações educacionais. Tese de mestrado. Universidade Federal do Piauí, 1995. diferente – em geral mais restrito, mais particular – do que em outros ambientes, fato do qual nem sempre os professores têm consciência. A maior parte dos alunos vai às aulas de matemática recheados dos sentidos que circulam na linguagem de sua vida cotidiana, por isso apresentam dificuldades de relacionar seus conceitos àqueles que são tratados na escola, ou seja, as várias significações que o professor quer introduzir. O problema fundamental reside no fato de que o aluno que aprende Matemática, além de ter que lidar com os problemas que envolvem a linguagem e o ato da comunicação, tem que se defrontar também com uma outra linguagem formal – a matemática – restrita em certos aspectos, mas com conotação ampla em muitos outros (BELLINI e RUIZ, 1998), o que, segundo Bruner 6, constitui um “obstáculo cognitivo” As pessoas em geral e as crianças em particular têm um pensamento do tipo narrativo orientado para a construção de fenômenos concretos, pessoais e intencionais, enquanto o pensamento matemático tem caráter paradigmático, que suprime intenções e motivações e baseia-se em representações abstratas e muito gerais (BRUNER, 1986; apud GÓMEZ, 1998, p. 34) . O que podemos perceber é que o contexto escolar define o estudante como aquele que deseja saber algo, porém na sala de aula parece ocorrer o inverso. O aluno passa a ser visto como aquele que necessita receber explicações acerca da matemática, idéia que contribui para que o ensino seja caracterizado como um conjunto de regras desprovidas de qualquer significado, de modo que o aluno não consegue estabelecer relação nenhuma entre sua linguagem, a linguagem matemática e as situações diárias vividas por eles. Kamii e Livingston (1997) explicam que na escola a criança é, muitas vezes, obrigada a abrir mão de sua própria maneira de pensar para seguir algoritmos prontos, sem significado, que fazem com que negue as próprias idéias. Muitas vezes, observamos nas aulas de Matemática que alunos considerados incapazes de resolver um problema por não entenderem a situação que lhes foi proposta, isto é, por não compreenderem “qual é realmente o problema” conseguem resolvê-lo facilmente quando o professor oferece algum tipo de tradução, ou seja, quando lhes fornece a oportunidade de entender o problema, eliminando os equívocos e as ambigüidades da linguagem, completando as lacunas importantes para a compreensão e o entendimento do enunciado, transformando, assim, a linguagem formal do modo como foi proposto em uma linguagem natural conhecida 6 BRUNER, J. Actual mindis, possible words. Cambrini, MA:University Press, 1986.pelos mesmos. Todavia, às vezes, ao invés de oportunizar a compreensão de certos conceitos e palavras, tal tradução reduz-se, à mera identificação de um algoritmo – ‘o do professor’ – que transforma conceitos em operações que conduzem o aluno às respostas, nem sempre compreendidas, porém às almejadas pelo professor. A presença dessa conduta se manifesta de muitas maneiras, entre elas, pelo uso de palavras específicas utilizadas para introduzir determinadas ações. Por exemplo, no enunciado de um ‘problema’, as palavras oferecer ou juntar conduzem, aos olhos do professor, a uma operação de adição; a palavra repartir, a uma divisão em partes iguais; a palavra gastar, a uma subtração. Tais artifícios usados para tornar a Matemática mais acessível ao aluno impedem-no de pensar (BELLINI e RUIZ, 1998). O esforço do ensino deveria ser o de relacionar a linguagem do cotidiano à linguagem matemática, por meio de discussões e troca de idéias coletivas entre os alunos e entre alunos e professor. Eduardo Marti (1998) pondera que, ao impedirmos essa relação, deixando de aproveitar a compreensão dos alunos, corremos o risco de criar dois pensamentos justapostos e desconexos, isto é, o que a criança elabora sem instrução formal para preencher as lacunas que ficaram incompletas no processo de ensino-aprendizagem (que é significativo e funcional, mas que sem ajuda permanece limitado, pouco consciente e com grau mínimo de abstração e generalização) e o próprio do pensamento matemático escolar, mais rigoroso, explícito, consciente, abstrato e geral, porém nessa condição desprovido de significado e de possibilidade de uso por parte das crianças. É evidente que as estratégias necessárias para superar essas dificuldades são diferentes em cada caso e dependem tanto do tipo de conhecimento que está sendo trabalhado quanto do conhecimento prévio dos alunos a respeito da linguagem e de suas aquisições matemáticas. Não obstante, o papel do professor e sua conduta em sala de aula são de extrema importância não só para detectar as lacunas e retirar as dúvidas referentes ao entendimento da linguagem matemática, como para sua compreensão e o estabelecimento de significado e relação com os problemas do dia-a-dia. De acordo com Candela (1991), em uma situação de interação entre muitos indivíduos, como é a da sala de aula, o processo de construção do conhecimento é algo complexo, desigual e combinado, que evolui tanto para a construção de significados compartilhados e alternativos, como de outros complementares que não estão livres de incompreensões e/ou construções paralelas. Para Mortimer e Machado (2001): [...] a construção do conhecimento em sala de aula é mediada pela linguagem logo, o ensino não pode ser visto simplesmente como um processo de reequilibração, no qual a exposição dos sujeitos a situações de conflito levaria a superação das concepções prévias e a construção de conceitos científicos. O reconhecimento e a superação de contradições passam necessariamente por um processo de interações discursivas, no qual o professor tem o papel fundamental, como representante da cultura científica ( MORTIMER e MACHADO, 2001, p. 109). Na escola, as interações entre professor/aluno e entre colegas são essenciais para o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. A interação, além de uma fonte para a aprendizagem da cooperação, torna-se uma fonte de construção de conhecimentos compartilhados, visto que quando professor e alunos colaboram e interagem no debate de assuntos e problemas, diferentes pontos de vista podem surgir e serem negociados. Piaget7 (1932; 1965) salienta que: [...] por meio da troca de pontos de vista com outras pessoas a criança vai descentrando-se, isto é, ela vai podendo pensar de uma outra perspectiva e vai, gradualmente, coordenando-a com seu próprio modo de ver. Crianças incentivadas a concordar e discordar entre si, bem como a criticar as argumentações e explicações dos outros desenvolvem-se logicamente (PIAGET, 1932/1965; apud KAMII e LIVINGSTON, 1995, p. 79-80). A discussão entre alunos a respeito dos procedimentos de cálculo que inventam é um exemplo da troca de pontos de vista sem qualquer exposição de regras prontas ou do julgamento de um adulto. Nessas discussões, as crianças não necessitam da autoridade adulta para saber se estão certas ou erradas. Elas determinam por si mesmas, por meio da troca de idéias entre iguais, se algo lhes faz ou não sentido (KAMII e LIVINGSTON, 1995). O que se espera do professor é que esteja em condições de comunicar, afastando todos os obstáculos de percurso que impedem que a mensagem seja transmitida com sucesso, permitindo e abrindo espaço para a participação do aluno. Do aluno, que desenvolva uma atitude cooperativa para com o professor e que tenha o papel ativo na decodificação da 7 PIAGET, J. The moral judgment of de child. Nova York: Free Press, 1956. (Trabalho originalmente publicado em 1932) PIAGET, J. Etudes sociologiques. Genebra: Libriarie Droz, 1965. mensagem, participando, posicionando-se e questionando, de forma a fazer com que o professor possa perceber possíveis falhas referentes à questão da linguagem por ele utilizada, visto que o papel do professor é o de ser o mediador entre a linguagem, o aluno e a Matemática. 1.2 ENSINAR E APRENDER NO CONTEXTO DE SALA DE AULA A maior parte de nossa vida depende das capacidades que temos de comunicar e interpretar mensagens. Capacidades que vão muito além de emitir sons relacionados às convenções de nossa própria língua, no que diz respeito aos objetos, às ações ou às idéias. Quando falamos, selecionamos e organizamos as nossas enunciações de acordo com o que julgamos correto e apropriado a determinado contexto. O conhecimento que temos a respeito de nós próprios e dos outros, bem como as convenções que regulam o comportamento interpessoal, fazem com que se torne possível que estabeleçamos todo tipo de interação social. A comunicação em sala de aula é também uma rede complexa de interações lingüísticas e não lingüísticas, percebida por muitos como um campo extremamente rico para o estudo das relações sociais que lá se estabelecem, o que tem levado à produção de pesquisas, especialmente presente nas últimas décadas. Na sala de aula, a linguagem desempenha um papel fundamental, porque nesse ambiente os alunos estão constantemente em contato com a linguagem dos professores, dos colegas e dos livros. Almiro (1997) assinala que está subjacente em nossa cultura que ensinar é falar e, realmente ninguém consegue pensar em ensino sem pensar em variadas atividades nas quais a linguagem é necessariamente utilizada (ler, contar, resumir, ouvir, responder, perguntar). Nossa cultura presume que ensinar e aprender estão de algum modo, necessariamente dependentes da fala de quem ensina, o que se revela na própria estrutura discursiva da sala de aula. Parece, portanto, evidente que, o aluno deve apresentar um domínio adequado das habilidades lingüísticas de escutar, falar, ler e escrever (PEDRO, 1992), para que obtenha sucesso e êxito na escola. No entanto, o que o aluno aprende daquilo que lhe é apresentado depende não apenas do que traz para o ambiente escolar, isto é, seu repertório lingüístico e seu conhecimento sobre o mundo, mas também do conteúdo e da forma como tais assuntos lhe são propostos,e das oportunidades que lhes são propiciadas para entrar em negociação com o professor sobre o significado e a importância daquilo que supostamente deve aprender. Por isso, segundo Gumperz (1991), Onde faltam essas oportunidades, a falta de familiaridade com o conteúdo específico ou a incerteza sobre a finalidade das atividades nas quais precisam engajar-se, pode deixar perplexos alunos cujos recursos lingüísticos são bastante adequados para a tarefa em mão, podendo reduzi-los ao silêncio ou aparente incompetência (GUMPERZ, 1991, p. 83). Se analisarmos algumas das dificuldades reais que a grande maioria desses alunos têm para resolver por exemplo as provas, poderemos pensar que o problema não está somente na falta de conhecimento do aluno, mas no impasse lingüístico criado pela formulação das questões que lhes são apresentadas. Muitos professores não se dão conta de que a incompreensão de seus alunos com relação ao que falam e escrevem provém, muitas vezes, de formulações dúbias ou de uso de palavras de sentido amplo, que podem gerar mais de uma interpretação, fazendo com que sigam caminhos e conclusões diferentes. É o que aponta Aurora Leal (2000): Para a mente de uma pessoa, uma palavra não evoca um só significado, correspondente a um conceito determinado, mas um conjunto de conhecimentos ligados a esse conceito. O significado das palavras pode variar segundo os indivíduos e seus momentos. Uma palavra pode evocar também um conjunto de representações, de sentimentos, de atitudes, que não remetem de forma restrita ao conceito que se encontra subjacente, e que podem ser totalmente subjetivos ou individuais, mas também podem ser comuns as pessoas (LEAL, 2000, p. 55). Essa idéia também é reforçada por Chomsky (1998). Para o autor, se os conhecimentos dos alunos não forem respeitados, pode haver um desencontro de informações que conduzirá a mais de uma interpretação, pois a extensão lingüística do professor é mais ampla que a do aluno. Sendo assim, faz-se necessário um certo controle, isto é, um policiamento por parte do docente com relação àquilo que fala e escreve. Lahire (1997) alerta que o que um adulto “julga transmitir” nem sempre é exatamente aquilo que é recebido pelo aluno. Os horizontes do professor e dos alunos se revelam diferentes, sob muitos aspectos. Em primeiro lugar, o professor possui um horizonte e uma vivência lingüística que não está ao alcance imediato das crianças, as quais constroem o sentido da situação de aprendizagem e dos conhecimentos propostos a partir do seu estágio de desenvolvimento cognitivo. Em segundo lugar, entre o docente e as crianças as diferenças são também de caráter social, pois envolvem o tipo de relação social estabelecida por esses membros (professor e aluno) e a sociedade. Bellini e Ruiz (1998) assinalam que Na escola, as relações entre os alunos e o professor diminuem ou aumentam as possibilidades de autonomia. Há, é claro, uma distinção entre mestre e aluno. Não está se propondo abolir essa relação, mas sim repensá-la, O professor é diferente, porém deve ver as crianças como um grupo que deve se relacionar, trocar idéias, experiências (BELLINI e RUIZ, 1998, p. 19). Assim, o professor não deve transmitir, ou até impor, ao aluno seu modo de pensar, mas lhe fornecer subsídios para compreender o significado de certas palavras a partir do contexto lingüístico no qual estão inseridas (COLL e ONRUBIA, 1998). Quando tentamos explicar qualquer palavra, substituímo-la, muitas vezes, por outra igualmente incompreensível, ou por uma série de palavras cuja conexão interna é tão incompreensível como a palavra a ser explicada. Assim, além de levar em consideração o nível de desenvolvimento de seus alunos, o professor deve também proporcionar à criança o tempo necessário para que ela possa abstrair e compreender as palavras que são por ele utilizadas, visto que: Quando ouve ou lê uma palavra desconhecida, numa frase quanto ao resto compreensível, e depois lê noutra frase, começa a fazer uma vaga idéia do novo conceito; mais tarde ou mais cedo sentirá necessidade de usar a palavra e uma vez que a use passa a assenhorear-se da palavra e do conceito (TOLSTOY 8, 1903; apud VYGOTSKY, 1979, p. 112-113). Voloshinov 9 (1973; apud MORTIMER E MACHADO, 2001) argumenta que entender a enunciação de uma outra pessoa significa se orientar em relação a ela, encontrar seu lugar no contexto correspondente. É como se nós especificássemos, em resposta a cada palavra da enunciação10 , que estamos no processo de entendimento, ou seja, que compreendemos a mensagem transmitida. Contudo, para que isso ocorra é necessário que o professor dialogue com os alunos, permitindo as contra palavras, a interação entre diferentes 8 TOLSTOY, L. Pedagogicheskie stat’i ( Ensaios pedagógicos). Kushnerev: (s/ editora), 1903. 9 VOLOSHINOV, V. N. Marxism and the philosophy of language. New York: Seminar Press, 1973. Trans. L. Matejka and I. R. Titunik. Originally published in 1929. 10 Ação de mediação que integra estruturas narrativas e discursivas com o intuito de produzir um objeto de comunicação ou entrar em comunicação com alguém (Peruzzolo, A. 2004, p. 131-237). vozes, pois “o uso – ou não uso – do discurso apropriado para cada contexto pode implicar no entendimento – ou desentendimento – entre professor e alunos” (MORTIMER E MACHADO, 2001, p. 118). Edwards (1998) enfatiza que é por meio da natureza do discurso como construtor da mente e do mundo que os participantes do processo educativo, professor e alunos, vivenciam os processos epistêmicos públicos da educação, ou seja, é por meio do entendimento mútuo de professores e alunos que se ampliam os horizontes, que se modificam as visões de mundo, que se constrói o conhecimento, que ocorre a educação. A construção desse conhecimento ultrapassa as fronteiras da escola e engloba também questões de ordem cultural, nascidas no seio familiar, na comunidade, ou seja, compreende o que o aluno traz para escola, seu capital cultural, seu conhecimento, sua visão. Questões que não podem ser ignoradas pelo professor em sala de aula, pois cada aluno é único e possui particularidades (LAHIRE,1997). É necessário e importante ressaltarmos que todas essas particularidades confrontam-se na sala de aula, ou seja, mesmo que o professor insista em enquadrar seus alunos em um modelo comum, sem considerar todas essas diferenças, elas continuam existindo, pois cada criança vem de um ambiente social diferente, com características culturais diferentes que acabam defrontando-se no contexto da sala de aula (COLL, 1998). Considerando que a língua é produto cultural: Grupos sociais diferentes desenvolvem processos de socialização diferentes e, portanto, geram um habitus cultural e lingüístico próprio de cada grupo, ou seja: modos diferentes de agir, de perceber, de pensar, de sentir, incorporados por uma certa maneira de interagir com a língua, determinada por suas condições reais de existência, e expressos em uma certa maneira de usar a língua (MORTIMER e SMOLKA, 2001, p. 59). Assim, se olharmos para a sala de aula como um espaço onde pelo menos duas linguagens sociais diferentes, a científica e a de senso comum, interagem para gerar novos significados, veremos que, mesmo nas situações mais simples de aprendizagem, a relação entre o que o professor fala e que o aluno compreende é, de certa forma, influenciada pelo que a criança vivencia em seu meio e pela forma como o professor trabalha com esse conhecimentoprovindo do contexto social de seus alunos. Concepção essa já apontada por Aurora Leal (1971): Las pautas y formas transmitidas en parte mediante el lenguaje en la escuela, no son asimiladas de la misma forma por todos los sujetos que llegam a la escuela, por cuanto que asimilación implica una cordinación de algo exterior com el digamos bagage próprio del niño; y este bagage que proviene de su medio es el que le da una idiosincrasia particular que le hace receptor apropiado o no apropiado para los modelos verbales y no verbales que encuentra en la escuela (LEAL, 1971, p. 82). Da compreensão das idéias dos diferentes autores citados deriva a convicção quanto à importância do processo de interação verbal entre professor e alunos em sala de aula, na qual o estabelecimento de turnos na fala possibilita troca de idéias, bem como construção de conhecimentos significativos que promova aprendizagens e, assim, configurem sentido e significado ao ensino. Não podemos, então estudar a atividade dos alunos independentemente da atividade do professor, porque a atividade do aluno, ou de um grupo de alunos, é condicionada pela atividade do professor (COLL, 2004). Deste vai depender a forma de organização da sala, a proposta de trabalho, os objetivos que pretende alcançar, bem como o tipo de interação que irá estabelecer para alcançá-los. Sua intervenção ou falta de intervenção, portanto, interfere diretamente no processo de construção do conhecimento por parte dos alunos. Embora a bibliografia sobre a interação verbal educativa escolar11 a que tivemos acesso não seja muito extensa, contamos com uma série de investigações que podem ser classificadas em dois grandes blocos: as que centram seu foco na interação professor-aluno e as que estudam a interação entre alunos. Iremos nos deter mais especificamente nas do primeiro bloco, isto é, nas investigações acerca de interações professor-aluno. Os autores que têm se dedicado a essas investigações partem, em sua maioria, de uma concepção que considera a construção do conhecimento entre professor-aluno como um processo de “andaimes”. Processo este em que o adulto vai à frente da criança, suprindo, em um primeiro momento, suas dúvidas, eliminando possíveis erros, permitindo que a criança realize tarefas que a princípio julgava-se incapaz de realizar, mas que, contudo, consegue solucionar quando dispõem de um mediador, freqüentemente, de um(a) professor(a) que o avalie. Para Werstch 12, nesse processo interativo: 11 Caracterizada como a relação estabelecida entre indivíduos. Em nosso caso particular as relações estabelecidas no interior do ambiente escolar – a sala de aula – que ocorrem entre professor-alunos e entre alunos-alunos. 12 Wertsch, J. V. From social interaction to higher psychological processes: clarification and appliction of Vygotsky’s theory. Human Development, 22, p. 1-22, 1979 (sem local/sem editora). O adulto e a criança, ao realizarem uma tarefa comum, partem cada um de uma definição diferente da situação. Assim, para que possa ocorrer uma situação de aprendizagem é preciso que compartilhem da mesma definição da situação, ou pelo menos de uma definição aproximada. (WERSTCH, 1979; apud ECHEITA e MARTÌN, 1995, p. 39). Segundo esse autor, professor e aluno devem compartilhar, ainda que parcialmente, a definição da situação e, além disso, devem estar cientes que a compartilham. Essa condição, identificada por Werstch como intersubjetiva, é alcançada mediante um processo de negociação entre as definições de cada participante (professor-aluno) para se chegar a uma nova. Tal negociação é realizada por intermédio de mecanismos de mediação semiótica 13. A intersubjetividade é propiciada pela comunicação, porque do grau de adequação ou inadequação das formas de comunicação especialmente usado pelo adulto para a solução conjunta da tarefa dependerá que se chegue ou não, pela negociação a uma definição compartilhada (ECHEITA e MARTÍN, 1995). Coll e Solé (2004) pontuam que, no contexto de sala de aula, se deveria sempre estar produzindo uma negociação de significados, pela qual o professor, por meio da estratégia de abertura de turnos de fala, ou seja, de diálogo, apresente contextos significativos para os alunos mediante situações que lhes permitam que o novo conhecimento passe a fazer sentido. Não obstante, para analisarmos a questão da interação professor-aluno, devemos também levar em consideração a maneira como a mesma ocorre, a qual, em parte, depende do o perfil do professor e do tipo de contrato didático por ele proposto. Tendo em vista a atuação do professor em sala de aula, Echeita e Martín (1995) propõem uma configuração de modelos possíveis de serem assumidos pelo professor. O primeiro deles é o do organizador-interventor, no qual há uma clara divisão de papéis entre professores e alunos. O professor considera-se um transmissor de conhecimento que planeja e organiza as atividades, sob as quais o aluno tem uma total falta de autonomia, limitando-se a seguir as instruções do professor. Nesse modelo de interação, compete ao professor ter pleno conhecimento do nível de seus alunos para dele partir, caso contrário, dificilmente poderá provocar uma aprendizagem significativa. No outro extremo encontra-se o professor observador-facilitador, que permite uma 13 Ciência geral de todas as linguagens. Técnica da leitura dos signos: “ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de significação e de sentido” (SANTAELLA, 1992; apud PERUZZOLO, 2004, p.41). atividade totalmente livre entre os alunos, os quais decidem o quê, como e quando o processo de aprendizagem deverá ser realizado. O papel do professor nesse processo limita-se ao de satisfazer as demandas sejam de material ou de informação formuladas pelos alunos. O terceiro modelo proposto pelos autores é o do observador-interventor, aquele no qual o professor cria situações de aprendizagem que fornecem condições necessárias para que o aluno consiga construir seus conhecimentos. Neste modelo, a observação permite ao docente analisar o nível de partida do aluno o qual indica ao professor como e quando intervir, possibilitando-lhe, assim, o planejamento e a execução de mudanças necessárias para que realmente ocorra, o processo de construção do conhecimento, de forma significativa. Tal modelo parece para a autora do presente estudo ser o mais indicado, visto que possibilita não só a ocorrência de processos de interação entre professor-aluno como também entre aluno-aluno, o que, de acordo com Coll (2004), desempenham uma função de “audiência” de grande transcendência, pois o fato de os alunos interagirem entre si possibilita- lhes a externalização do que pensam, ou seja, faz com que professor e alunos tomem consciência de certos erros e lacunas, criando, portanto, a possibilidade de desenvolver a capacidade de argumentação, importante do ponto de vista cognitivo e social. No contexto escolar, na maioria das vezes, os alunos não estabelecem interações entre si mediadas pelo professor, nem tampouco com o próprio professor, visto que este é o responsável pelomaior turno de falas em sala de aula. A partir de sua investigação, Pedro (1992) indica que mais de 50% de cada aula é preenchida pelo discurso do professor, o qual poucas vezes possibilita uma abertura de comunicação entre si e os alunos ou entre alunos- alunos. Sendo assim, faz-se necessária uma análise mais profunda do processo de ensino- aprendizagem permeado pela questão da interação professor-aluno, especificamente quanto ao discurso educacional docente e uso da sua linguagem, levando em conta as formas como são caracterizados os turnos da fala no contexto de sala de aula. 1.3 INTERAÇÃO VERBAL E APRENDIZAGEM: RELAÇÕES PROFESSOR-ALUNO Durante as últimas décadas, a pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem em sala de aula experimentou profundas modificações em sua formulação teórica e metodológica. Do estudo do ensino e da aprendizagem como dois processos separados, marca de estudos anteriores, registra-se, atualmente, um interesse crescente pela análise da aprendizagem produto de estratégias de ensino, ou pelo do ensino que promova aprendizagem (ROMÃO, 1998). O contexto, especificamente, os de sala de aula, praticamente ausentes a princípio, foram adquirindo relevância teórica e prática. Primeiro, mediante a consideração de alguns de seus elementos (conteúdos, metodologia, avaliação etc.), depois, se tornando o próprio foco da indagação e da intervenção. À importância crescente atribuída às interações discursivas estabelecidas entre professores e alunos para dar conta dos processos escolares de ensino e aprendizagem seguiu uma evolução similar no contexto da sala de aula. Além de considerar a linguagem algo fundamental nas relações sociais que ocorrem no interior das instituições escolares, a psicologia da educação passou a considerar também as trocas discursivas que ocorrem no ambiente escolar como uma das chaves fundamentais para explicar e melhorar o processo de ensino e aprendizagem (ECHEITA e MARTÍN, 1995; CANDELA, 1998; COLL e ONRUBIA, 1998; COLL e SOLÉ, 2004). Coll (2004) pontua que, até aproximadamente o final da década de 1950, o estudo do que faziam e diziam professores e alunos enquanto realizavam as atividades escolares era considerado por muitos como irrelevante. Nos anos 1960, com a generalização do paradigma processo-produto e o interesse pela incidência das variáveis contextuais da sala de aula sobre o ensino e a aprendizagem, a linguagem de professores e alunos, bem como suas trocas comunicativas começaram a emergir como um foco prioritário de indagação. Essa tendência foi reforçada com os enfoques cognitivos e cognitivos-construtivistas que, em algumas de suas versões, atribuem um papel de destaque às trocas comunicativas e a aspectos de conversação no contexto da sala de aula como um dos fatores capazes de ativar os processos psicológicos encobertos que são responsáveis pela aprendizagem escolar. Segundo esse autor, é apenas no ano de 1980, coincidindo com o deslocamento do interesse de diversos pesquisadores da área de Educação e Psicologia pelas variáveis contextuais da sala de aula como contexto de ensino e aprendizagem, que o processo de interação entre professor e aluno, mediado pela linguagem, começa a ser visto como um instrumento por excelência de que dispõem professor e aluno para construir e dar sentido e significado aos conteúdos escolares. A partir de então, a linguagem deixa de ser apenas um meio de comunicação entre professores, alunos e suporte para mensagens com conteúdos básicos de aprendizagem e passa a ser compreendida como um poderoso instrumento psicológico e cultural. De fato, mediante a linguagem, nós, humanos, podemos ir mais além. Podemos representar nossos próprios conhecimentos, dar sentido a nossas experiências e atividades, podemos compartilhar nossos desejos, nossas expectativas, contrastando-os, modificando-os e reconstruindo-os com os outros. Contudo, de modo geral, as características do discurso educacional relacionam-se com os processos de construção do conhecimento em sala de aula por meio de regras, ou seja, o processo de interação estabelecido entre professor e alunos é governado por regras, visto que as trocas comunicativas e as conversas estabelecidas entre eles seguem, muitas vezes, padrões determinados, tanto para o estabelecimento de turno de palavra, quanto, até mesmo, para a simples troca de opiniões, cuja identificação e análise são fundamentais para compreendermos como uns e outros utilizam a linguagem para ensinar e aprender (BELLINI e RUIZ, 1998). Embora, como salienta Coll (2004), algumas dessas regras tenham certo nível de generalidade, também apresentam variações importantes de uma sala de aula para outra e são sensíveis a fatores culturais. A existência dessas regras, porém, não deve ser interpretada como algo preestabelecido, que professores e alunos se limitem a seguir de forma mecânica, porque são freqüentemente mais implícitas do que explícitas, já que professores e alunos não estão necessariamente conscientes de que as estão seguindo e compartilhando. Todavia, a aprendizagem dessas regras, sua concretização em ambientes de ensino e aprendizagem e as negociações acerca das discrepâncias que se produzem para sua implementação ocupam boa parte do tempo e dos esforços dos participantes (professor e alunos). O importante é compreendermos como tais regras se relacionam com o processo de construção do conhecimento na sala de aula, isto é, como professores e alunos envolvem-se com elas regulando suas trocas comunicativas em processos de construção ou desconstrução de significados compartilhados, que envolvam os conteúdos escolares pelo modo como ocorre a interação entre professor-aluno. Há, hoje, em conformidade com Pavanello (2006), no ambiente educacional um certo consenso, pelo menos no nível de discurso, de que o conhecimento não é transmitido, mas construído pelo sujeito. Um grande número de educadores defende, ainda, se fundamentando em diferentes enfoques teóricos, que a atividade do sujeito é essencial para a construção de seus saberes. Sob esse enfoque, diferentemente do que acontece em alguns ambientes institucionais nos quais as atividades e as interações inclusive verbais entre os participantes são fortemente ritualizadas e previsíveis, por exemplo em cultos, as atividades que ocorrem em sala de aula permitem, em geral, uma margem maior de liberdade a seus participantes – embora às vezes, também, possam resvalar para tipos de interação ritualizados. Professores e alunos utilizam a potencialidade semiótica da linguagem e de outros sistemas simbólicos e paralingüísticos para chegar a um acordo sobre as exigências e as obrigações de cada um no desenvolvimento das atividades e das tarefas concretas que desenvolvem em sala de aula, estabelecendo, assim, uma estrutura de participação que regula suas atuações (COLL e ONRUBIA, 1998). Basta observarmos por alguns minutos uma sala de aula qualquer para percebermos que o que acontece ali, do ponto de vista dos intercâmbios comunicativos entre seus participantes, costuma estar muito distante do que ocorre nas conversas estabelecidas em outros contextos institucionais. Contudo, se à primeira vista a opção por uma aula dialogada que se inicia, por exemplo, por uma avaliação dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema a ser tratado em sala de aula pareça corresponder às recomendaçõesdos especialistas quanto às práticas educativas, as expectativas geradas por essa opção, parecem, muitas vezes, não se concretizar (PAVANELLO, 2006). A possibilidade de construir marcos de referência compartilhados com o professor e os colegas, que possibilitem interpretar a multiplicidade e a diversidade de informações geradas em sala de aula, depende de muitos fatores. De acordo com Coll (2004), podemos caracteriza- los quanto: à proximidade ou distanciamento dos contextos de referência que se dão entre a família e a escola, à maior ou menor rigidez dos marcos de referência que operam no ambiente escolar e ao contrato didático estabelecido explicita ou implicitamente pelo professor em sala de aula. Contrato didático que, de certa forma, é também um dos aspectos determinantes das oportunidades reais de aprendizagem que a educação escolar oferece aos alunos, visto que pode ser aberto, possibilitando ao aluno uma participação ativa (questionando, expondo suas idéias e conclusões, dando sugestões e palpites), ou fechada reduzindo-o ao papel de ouvinte. Para Franchi 14 (apud SILVA, 1999), a escola constitui um contexto característico, no qual determinados esquemas de interação se instalaram social, histórica e culturalmente como um conjunto específico de pressupostos, de atitudes, de normas e de representações. A nível micro e análogo, na interação que se dá no interior da sala de aula, foi sendo estabelecido o que cada participante – professor e aluno – tem como responsabilidade. O professor, neste contexto, tem sido considerado o responsável por garantir ao aluno o acesso ao saber escolar inclusive o nível de sua participação no processo de aprendizagem, cabendo a ele propor questões acessíveis, bem como determinar quais informações são relevantes, de modo a que os alunos dominem conceitos e operações necessários para cada resposta. Ao aluno, por sua vez, caberia responder a essas diretrizes e determinações resolvendo as tarefas propostas, ajustando-se aos modelos de comunicação social convencionados para a diferentes atividades escolares e seu acerto na resolução de uma tarefa, sendo, geralmente, visto como um indicador de ganho em seu repertório de conhecimentos. “Os alunos têm até o direito de errar, desde que aceitem as consequências prescritas para o caso (FRANCHI, 1995; apud SILVA, 1999).” Silva (1999) ressalta que qualquer contrato didático depende da estratégia de ensino adotada bem como da conduta do professor, portanto de suas escolhas pedagógicas, dos objetivos traçados, das condições de avaliação, de sua postura em sala de aula etc. Se a relação didática se desenvolve em um ambiente em que o professor apresenta aulas expositivas, nas quais predominam definições, exemplos e listas de exercícios para os alunos resolverem, o conjunto de regras, explícitas ou implícitas, que regem o gerenciamento das atividades, isto é, do contrato didático, será muito diferente daquele cuja prática pedagógica caracteriza-se por os alunos trabalhando, realizando atividades propostas e, no final, o professor, em uma discussão coletiva, procura institucionalizar o conceito trabalhado e propõe exercícios para a verificação do aprendizado. 14 Franchi, A. Compreensão das situações multiplicativas elementares. Tese de doutorado. PUC-SP, 1995. Dessa forma, as regras que governam a interação entre professores e alunos, as exigências e as obrigações que as estruturas de participação impõem a uns e outros, sua localização no meio do caminho entre os ambientes ritualizados e previsíveis e os ambientes totalmente abertos e imprevisíveis, bem como as características dos contextos de referência, que permitam ou não interpretar e negociar significados a partir de uma multiplicidade de informações são, entre muitos outros, alguns traços que permitem diferenciar o contexto da salas de aula de outros ambientes comunicativos. No entanto, o fato de compartilhar esses traços não significa que as salas de aula se constituam em ambientes comunicativos homogêneos (COLL, 2004). As características da sala de aula como ambiente comunicativo não são estáticas, mas experimentam uma dinâmica à medida que professores e alunos avançam na realização das atividades de ensino e aprendizagem. Essas características variam, muitas vezes, inclusive para uma mesma turma, em função de diversos fatores, como os objetivos educacionais que se pretenda alcançar, o contrato didático (SILVA, 1999) estabelecido e a natureza dos conteúdos ou a exigência da própria tarefa que se esteja realizando. No processo comunicativo de interação professor - aluno podem estes, segundo Coll (2004), assumir papéis totalmente assimétricos, já que tradicionalmente e por dever de ofício o professor é o principal responsável pelo que ocorre na sala de aula. No entanto, para o autor, tal assimetria não deve ser interpretada como algo contraditório ao princípio de construção dos processos interativos e comunicativos que ocorrem na sala de aula entre professores e alunos. Podemos, efetivamente, nomear como uma construção, haja visto que as contribuições de uns e outros são primordiais para que se estabeleça o fluxo da atividade conjunta, suas características e sua orientação. Porém, nessa construção, professor e alunos desempenham papéis diferentes e, conseqüentemente, contribuem para a mesma com abordagens também diferentes. Como advertem Mortimer e Machado (2001): [...] para produzir novos significados na interação discursiva é necessário que o professor dialogue com os alunos, permitindo as contrapalavras, a interação entre diferentes vozes, para que percebam e superem a perturbação. O uso – ou não – uso do discurso apropriado para cada contexto pode explicar o entendimento – ou desentendimento – entre professor e alunos (MORTIMER e MACHADO, 2001, p. 118). Por conseguinte, o professor tem a responsabilidade de organizar ambientes interlocutivos nos quais os conteúdos se tornem significativos, ao gerir as atividades da sala, quando avaliar os progressos e as dificuldades de seus alunos no transcurso das atividades, necessitando para tal de interagir com seus alunos e permitir que interajam entre si, de forma a que possam compartilhar conceitos e significados, promovendo, assim, a aprendizagem. E para tanto, deve envolver-se, necessariamente, em um processo de comunicação rico com seus alunos. 1.4 INTERAÇÕES DISCURSIVAS E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO A questão já levantada por muitos pesquisadores se “a Matemática é ou não uma linguagem particularizada” que se distingue das demais e, que portanto, não admite conflitos freqüentes na linguagem do cotidiano lingüístico, por conta de sua particularidade, especificidade e caráter restritivo, tem sido objeto de inúmeros debates e controvérsias. Há aqueles que defendem uma concepção formalista da Matemática, segundo a qual a Matemática consistiria apenas em axiomas, definições e teoremas, isto é, na manipulação de sinais escritos e fórmulas de acordo com determinadas regras, que priorizam sua função formal e denotam o caráter restrito dessa linguagem. Outros, apesar de não negarem a função constitutiva que a linguagem formal tem no pensamento matemático, acreditam que sempre é possível atribuir um sentido e/ou significado diferente aos termos, símbolos e leis utilizados na Matemática. Tal polêmica nãoé de todo trivial e traz consigo conseqüências importantes para o ensino da Matemática. Tomemos, por exemplo, a expressão (a . b) = (b . a), que se refere à lei da comutatividade da multiplicação. Se transitamos no nível algébrico ou no nível numérico (4x5=5x4; 3x6=6x4, etc.), a regra se confirma. No entanto, se nos detivermos em uma situação específica, com um determinado contexto semântico, a regra deixa de ser cumprida: “4 caramelos custam 6 reais cada um” não é equivalente à expressão “ 6 caramelos custam 4 reais cada um”. Do mesmo modo, a operação de multiplicar expressa algebricamente pela justaposição dos símbolos têm um significado distinto em aritmética (4 ½ não significa 4x ½; nem 34 significa 3x4). Poderíamos então, afirmar que os símbolos matemáticos possuem dois significados. “Um deles, estritamente formal, que obedece a regras internas do próprio sistema e se caracteriza pela sua autonomia do real (contrastação empírica). E uma outra dimensão de significado, que poderíamos chamar de “referencial”, o qual permite associar os símbolos matemáticos às situações reais e torná-los úteis para, entre outras coisas, resolver problemas” (GÓMEZ, 2003, p.264). Isto é, a problemática reside no fato de que, embora as expressões matemáticas façam, por um lado, referência a situações em que aparecem relações quantitativas – podendo ser matematizadas – por outro, para que tais expressões restrinjam-se apenas ao domínio da matemática devem ser totalmente autônomas em relação aos contextos e situações específicas de referência. Atrelada a essas concepções e não menos importante que elas, destacamos, também, a questão que envolve a “tradução” da linguagem natural para a linguagem matemática (já destacada neste capítulo). Na linguagem natural, o sentido das palavras é, certas vezes, amplo, vago e impreciso; termos como comprido, estreito, largo, pequeno, grande, etc., que fazem parte da linguagem natural para expressar magnitudes, não se traduzem em uma linguagem formalizada, bem como termos que na linguagem matemática tem um sentido restrito, como “um quarto”, podem, na linguagem natural, apresentar outro significado – “cômodo da casa”. Em geral, os professores imaginam que os alunos compreendem o significado de tais termos, pois, além de terem plena confiança em seu poder de comunicação, acreditam que a linguagem matemática, por sua especificidade, afasta da disciplina de Matemática toda e qualquer incompreensão. Assim, as aulas de Matemática comumente são repletas de símbolos, fórmulas e algoritmos que, os professores usam, muitas vezes, não porque é necessário para exprimir uma idéia, mas porque se convencionou o seu uso (ALMIRO, 1997). Tais professores ignoram o fato de o ensino da Matemática ter sido há décadas baseado muito mais na aplicação de regras (que, certas vezes nem mesmo eles conseguem explicar) do que na compreensão dos significados que circundam e envolvem o campo da Matemática, o que faz com que para muitos alunos a aprendizagem nessa disciplina se reduza a uma experiência em que o rigor, a linguagem, as regras e os procedimentos matemáticos constituem um conjunto de códigos, indecifráveis e abstratos. De um modo geral, na sala de aula, a Matemática tem se reduzido à memorização de fórmulas, símbolos e a cálculos incessantes. O professor ensina com frases como estas: “quando são dezenas, vai um; quando são centenas, vão dois; cruza e multiplica; muda a vírgula de lugar; se multiplica em cima multiplica também embaixo.” Distante da preocupação com a lógica e seus enunciados, descaracterizam a Matemática, tornando-a um misto de horror e hermetismo entre os alunos que a avaliam como difícil e tediosa (BELLINI e RUIZ, 1998). Segundo Romão (1998), o ensino de Matemática nesse quadro torna-se, muitas vezes, inexistente. O espaço reservado ao desenvolvimento de uma comunicação interativa na sala de aula, no qual os alunos possam interpretar e descrever idéias matemáticas, verbalizar os seus pensamentos e raciocínios, fazer conjecturas, apresentar hipóteses, ouvir as idéias dos outros, argumentar, criticar, negociar o significado das palavras e símbolos usados, reconhecer a importância das definições e assumir a responsabilidade de validar seu próprio pensamento se reduz a um emaranhado de técnicas, que na maior parte dos casos surgem, aos olhos dos alunos, sem grande significado, levando-os a desistirem de tentar encontrar um sentido para a Matemática que lhes é ensinada. A comunicação dos alunos é restringida, em grande parte, a respostas curtas às questões formuladas pelos professores. Raramente é pedido aos alunos para explicarem as suas idéias ou compartilharem-nas com seus colegas. Professores e manuais fornecem uma enorme quantidade de palavras e símbolos escritos que fazem, freqüentemente, do ensino da Matemática um jogo de adivinhações, no qual os alunos buscam respostas nas pistas deixadas pelo professor (gestos, expressões faciais, entonação de voz diferenciada etc.). Ao contrário da visão que se constrói todos os dias em sala de aula a respeito de uma Matemática desprovida de significado e sentido, esta ciência, aos “olhos” dos matemáticos, sempre foi percebida e enaltecida pela sua beleza e por constituir-se em espaço de liberdade para ousadas criações do espírito humano. Por isso Paulos 15 (1996, p.16) postula que “é hora de revelar o segredo: a função primordial da matemática não é a de organizar cifras em fórmulas e fazer cálculos endiabrados” (PAULOS, 1996; apud BELLINI e RUIZ, 2001, p. 8). Idéia, também , expressa por Stewart 16: A matemática não é só cálculo. Quase todo mundo acaba por aprender a calcular, porém segundo os informes relativos ao nosso ensino de matemática, não se fomentam em nossas crianças outras capacidades de níveis superiores. A matemática não é só símbolos e contas. Estas são apenas 15 PAULOS, John A. Un matemático lee el periódico. Barcelona: Tusquets Editores, 1996. 16 STEWART, Ian. Os problemas da matemática. Lisboa: Gradiva, 1996 ferramentas do ofício – semifusas, e colcheias e exercícios para cinco dedos. A matemática é pensar – sobre números e probabilidades, acerca de relação lógica, ou sobre gráficos e variações –, porém, acima de tudo, pensar (STEWART, 1996 p.14; apud BELLINI e RUIZ, 2001, p. 9). Pavanello (2006) expõe que os currículos de vários países têm enfatizado a necessidade de se modificar a prática pedagógica nas aulas de Matemática, pois a forma usual como ela se apresenta – a explicação do professor seguida da resolução de uma série de exercícios repetitivos – é, segundo os educadores matemáticos, uma modalidade muito pobre de trabalho intelectual. As Normas para o Currículo e a Avaliação da Matemática Escolar, do National Council of Teachers of Mathematicas (NCTM), por exemplo, indicam que: Representar, falar, ouvir, escrever e ler são competências básicas de comunicação e devem ser encaradas como parte integral do currículo de Matemática. Questões exploratórias que encorajam a criança a pensar e a explanar o seu pensamento, oralmente ou por escrito ajudam-na a compreender claramente as idéias que quer exprimir (NCTM, 1991, p.34 apud PAVANELLO, 2005) . Todavia, a responsabilidade pela criação de uma atmosfera de