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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE PEDREIRAS – CESP CURSO DE LETRAS FRANCIVALDO FEITOSA VALENTIM A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA: CRÔNICAS PARA LER NA ESCOLA, DE CARLOS HEITOR CONY PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA. Pedreiras 2012 2 FRANCIVALDO FEITOSA VALENTIM A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA: CRÔNICAS PARA LER NA ESCOLA, DE CARLOS HEITOR CONY PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA. Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Letras da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA/ CESPE, como requisito para a obtenção do grau de Licenciatura em Letras – Habilitação Língua Portuguesa e respectivas literaturas. Orientadora: Prof.ª Esp. Samara Pedreiras 2012 3 VALENTIM, Francivaldo Feitosa. A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA: CRÔNICAS PARA LER NA ESCOLA, DE CARLOS HEITOR CONY PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA. Francivaldo Feitosa Valentim. Número de pág. da monografia 54 Monografia. Graduação em Letras Licenciatura Habilitação Língua Portuguesa e Respectivas Literaturas – Centro de Estudos Superiores de Pedreiras – MA. Pedreiras – MA, 2012. 1. Crônica. Carlos Heitor Cony. Consciência Crítica. Jornalismo. Literatura. II Título CDU: 800:396 4 FRANCIVALDO FEITOSA VALENTIM A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA: CRÔNICAS PARA LER NA ESCOLA, DE CARLOS HEITOR CONY PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA. Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Letras da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA/ CESPE, como requisito para a obtenção do grau de Licenciatura em Letras – Habilitação Língua Portuguesa e respectivas literaturas. Aprovada em _____/______/2012. _______________________________________ Profª. Esp. Samara Orientadora ________________________________________ 1º Examinador (a) ________________________________________ 2º Examinador (a) 5 A Deus, A minha amada, A minha família, A minha orientadora. 6 AGRADECIMENTOS A Deus, que sempre foi e será a maior fortaleza da minha vida, Ao meu amor, Ana Paula, a quem atribuo meus agradecimentos de modo especial, pois ela esteve ao meu lado durante todo este trabalho. À minha família, que sempre esteve ao meu lado, em todos os momentos. Aos meus queridos professores, que fizeram parte desta caminhada no curso de letra. À minha orientadora, professora e amiga, Samara, a quem sempre vou devotar um pedacinho da minha lembrança. Aos meus colegas de turma que sempre me deram força nos momentos em que a vontade de desistir batia à minha porta. 7 “Não dá para viver sem um truque. A noite, enquanto espera o sono, esboce novos planos que lhe tragam, se não a glória, pelo menos o suficiente para continuar a fazer novos planos para um amanhã. Pode ser um amanhã simples, modesto, que seja apenas um amanhã.” (Carlos Heitor Cony) 8 RESUMO A crônica é um gênero que apresenta dupla filiação, já que possuindo tempo e o espaço curtos permitem o tratamento literário a temas jornalísticos, e que possui como característica principal a narração de fatos atuais que redigidos de forma pessoal compõem artigos em jornais e revistas, o que explica serem consideras textos de uma vida útil muito pequena. Existiram, porém, cronistas como Rubem Braga e Drummond de Andrade que atribuíram a este gênero tal sensibilidade humana e esmero linguístico e literário, que seus escritos foram na mesmice de um jornal que se repete diariamente, o novo, o único, o original. Características estas percebidas dentro da produção de Carlos Heitor Cony. O autor possui uma literatura vasta que vai além das crônicas, mas nesta é que chama mais atenção, pois a usa com tanta eficácia que tem despertado a curiosidade de leitores e os levando a meditarem em seus pensamentos. Por tal este trabalho tem como objetivo, a partir de ampla pesquisa bibliográfica, analisar de que forma a obra Crônicas Para Ler Na Escola, de Carlos Heitor Cony contribui para o desenvolvimento de uma consciência crítica. Para isso contextualizar-se-á a crônica não só dentro da perspectiva histórico-literária, mas também crítico-social que vai desde a conceituação do termo e funções do gênero até a relação autor e leitor dentro da produção cronística. Culminando na relação Cony e a tecnologia: uma porta aberta para o pensamento crítico, finalizando no pressuposto Lirismo e nostalgia conyniana: uma reflexão sobre o ontem e o agora. Palavras-chave: Crônica. Carlos Heitor Cony. Consciência Crítica. Jornalismo. Literatura. 9 ABSTRACT The chronicle is a genre that has dual membership since having time and space allow short treatment the literary journalistic themes, and which has as main feature the narration of current events that make up a personal written articles in newspapers and magazines, which explains they think are texts of a very short lifespan. There were, however, as chroniclers Rubem Braga and Drummond de Andrade who attributed this genre such human sensitivity and care linguistic and literary, that his writings were in the stillness of a newspaper that is repeated daily, the new, the only, the original. These perceived characteristics within the production of Carlos Heitor Cony. The author has a vast literature that goes beyond chronicles, but this is most striking because the uses so effectively that has aroused the curiosity of readers and taking them to meditate on your thoughts. For such this paper aims, from broad literature search, analyze how the work Chronicles To Read In School, Carlos Heitor Cony contributes to the development of a critical consciousness. To contextualize that will chronicle not only within the literary-historical perspective, but also critical social- ranging from conceptualization of the term gender roles and relationship to the author and reader in the production cronística. Culminating in relation Cony and technology: an open door to critical thinking, ending the assumption Lyricism and nostalgia conyniana: a reflection on yesterday and now Keywords: Chronicle. Carlos Heitor Cony. Critical Consciousness. Journalism. Literature. 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 10 2 A CRÔNICA: HISTÓRIA E SINGULARIDADES ............................ 13 2.1 Conceito de Crônica e algumas caracteristicas .................................... 16 2.2 A crônica e suas classificações ............................................................... 17 2.2.1 Luís Beltrão .............................................................................................. 2.2.2 Afrânio Coutinho ...................................................................................... 2.2.3 Massud Moisés .......................................................................................... 2.2.4 Antonio Candido ...................................................................................... 3 CRÔNICA: PARA OS PERÍODICOS OU PARA A LITERATURA? ...................................................................................... 22 3.1 A crônica e a disposiçãoirônica do jornalista ...................................... 23 3.2 A crônica como gênero literário ............................................................. 28 3.3 A crônica como expressão da oralidade na escrita ............................... 30 3.4 A crônica e a formação do juízo público ............................................... 31 4 O EXERCÍCIO ESCOLAR E A CRÔNICA ........................................ 32 5 CARLOS HEITOR CONY: VIDA E OBRA......................................... 42 5.1 As crônicas de Cony e a conversação com o leitor .............................. 43 6 A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA CRÔNICAS PARA LER NA ESCOLA, DE CARLOS HEITOR CONY PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA ......... 48 6.1 Cony e a tecnologia: uma porta aberta para o pensamento crítico..... 49 6.2 Lirismo e nostalgia conyniana: uma reflexão sobre o ontem e o agora ......................................................................................................... 49 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 49 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 51 11 1 INTRODUÇÃO Ao folhearmos as páginas de um jornal nos deparamos com a narrativa objetiva e imparcial de notícias. A crônica no então aparece como uma forma textual que viabiliza uma nova forma de retratar o cotidiano, o habitual, com mais impessoalidade e subjetivismo, pois é esta um gênero de interseção entre a literatura e o jornalismo. Ligada ao divertimento ou entretenimento, de uma forma geral, a crônica começou a firmar-se no Brasil na metade do século XIX e, desde então, transformou-se num gênero, para os jornais brasileiros, quase que inevitável e porque não dizer obrigatório. Sua história no país se funde com a própria trajetória do jornalismo contemporâneo. Com efeito este tipo de narrativa merece um novo olhar, pois, embora desse modo, registrar o elemento circunstancial seja seu princípio básico, e por essa característica, principalmente, por sua brevidade, a crônica torne-se um gênero peculiar para que o leitor possa, ainda que indiretamente, construir sua opinião a respeito dos principais temas do noticiário nacional ou internacional. Vários dos que escreveram crônica em algum momento buscaram compreende- la ou discuti-la, o que revela, ao menos, uma certa inquietação com esta modalidade discursiva tradicionalmente classificada como menor. Um primeiro exemplo é José de Alencar. Mais tarde, Machado de Assis que, dedica-se a discutir o folhetim, termo que ele, à moda de Alencar, usa para denominar o que hoje compreendemos como crônica. Com o passar do tempo alguns grandes nomes da contemporaneidade relegaram um espaço importante de suas publicações a este gênero, tais como Luís Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony. Este último, autor do livro Crônicas Para Ler na Escola, objeto e ponto principal de análise e estudo deste trabalho, com vista as manifestações do diálogo estabelecido entre escritor e leitor, na formação de um senso ou consciência crítica. Pois em termos práticos Cony é um dos nomes mais onipresentes na mídia e na literatura brasileiras dos últimos 50 anos. Cony possui uma literatura vasta que vai além das crônicas, mas nesta é que chama mais atenção, pois a usa com tanta eficácia que tem despertado a curiosidade de leitores e os levando a meditarem em seus pensamentos. 12 Pois quando se fala da contribuição da literatura para o desenvolvimento da visão critica na sociedade a primeira coisa que vem a mente das pessoas são os romancistas sobre tudo os dos dois últimos períodos citados no parágrafo anterior, não se pensa, por exemplo, no gênero crônica ou em escritores como Cony, que não possui seus romances tão difusos nas escolas, é com base nesta verdade que se pretende mostrar que os cronistas possui tão relevante papel na sociedade e em seu desenvolvimento critico e social quanto os romancistas e por tal escolheu-se para estudo a obra e vida de Carlos Heitor Cony. Seu livro, Crônicas Para Ler Na Escola foi publicado em 2009, é constituído por 49 narrativas, não está entre um dos seus best-sellers, mas representa uma compilação única que de forma singular estar intrinsecamente fundamentada em seu rico e extenso legado, engloba ideias simples e ao mesmo tempo complexas apresentadas ao leitor como um convite ao questionamento do circunstancial que por tantas vezes é fundamental. Embora as crônicas sejam de Cony a compilação e seleção das mesmas fora feita por Marisa Lajolo a partir das publicações feitas na Folha desde 1993. Em virtude dos pressupostos anteriormente mencionados é que o presente trabalho estrutura-se partindo da história, conceito e singularidades da crônica, prosseguindo pelas discussões da mesma enquanto gênero dentro das particularidades jornalísticas e literárias, para então analisarmos a manutenção do diálogo com o leitor e o uso da mesma na pratica escolar, e, posteriormente contextualizar os escritos crônicos de Cony, bem como a profunda análise da obra Crônicas Para Ler Na Escola, objetivando identificar a contribuição da mesma no desenvolvimento de uma consciência crítica, conhecedora dos juízos de valor que determinam cada ser. Culminando na relação Cony e a tecnologia: uma porta aberta para o pensamento crítico, finalizando no pressuposto Lirismo e nostalgia conyniana: uma reflexão sobre o ontem e o agora. Para isso foi empregado, na metodologia deste trabalho, fundamentalmente, a pesquisa, o fichamento, leitura e análises a partir de textos e livros correspondentes a temática estuda. 13 2 A CRÔNICA: HISTÓRIA E SINGULARIDADES A passagem da Idade Média para o Renascimento, ou seja, o Humanismo, possui nascimento em Portugal no ano de 1418. Citar este acontecimento faz-se necessário quando nos remetemos ao fato de que o Brasil foi colonizado por aquele país. Feito este que também confere importância para o ano de 1418, que segundo as autoras Flora Bender e Ilka Laurito (1993, p. 11-12), é a designação de Fernão Lopes como guarda-mor da Torre do Tombo, local que funcionava como um arquivo de documentos do Reino. Em 1434, o rei D. Duarte elegeu o arquivista Fernão Lopes como “cronista-mor do Reino”. Ou seja, encarregaram-no de registrar, oficialmente, as façanhas dos antigos reis de Portugal e do, então, atual por meio de textos chamados de “caronyca”, isto é, crônica. Isso pode-se ver claramente, de acordo com Jorge de Sá, ao tratar da crônica como marco do início da literatura brasileira: A carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel assinala o momento em que, pela primeira vez, a paisagem brasileira desperta o entusiasmo de um cronista, oferecendo-lhe matéria para o texto que seria considerado a nossa certidão de nascimento. Se a carta inaugura o nosso processo literário é bastante discutível. (...) Indiscutível, porém, é que o texto de Caminha é criação de um cronista no melhor sentido literário do termo, pois ele recria com engenho e arte tudo o que ele registra no contato direto com os índios e seus costumes naquele instante de confronto entre a cultura européia e a cultura primitiva. (SÁ, 1985, p. 5-6). Mas, muito tempo antes deste acontecimento já nas civilizações mais antigas e conhecidas como o Egito, a Suméria e a Assíria, por exemplo, surge um ser interessante: o escriba. Que estava ao encargo do rei, faraó, ou pessoa notável na ordem vigente. Fazia o registro de operações de venda e compra uma notificação elementar, preparava informações biográficas de ilustres e aristocratas, mas, fundamentalmente, seguia seus administrantes nas empreitadas bélicas, fazendo relatos de cada etapa, vitória, derrota ou conquista. Tais apontamentos seriam lidos, ao regressar das odisséias militares,pelos eclesiásticos ou sacerdotes, para encantamento da população que enviara seus filhos ao sacrifício pela honra do soberano chefe. Referências essas que podemos encontrar também dentro da Bíblia Sagrada: 14 A fim de que se busque no Livro das Crônicas de seus pais, e nele achará o rei e saberá que aquela cidade foi rebelde e danosa ao rei e às províncias e que nela tem havido rebeliões, desde os tempos antigos; pelo que foi a cidade destruida. (ESDRAS 4:15) 1 Em ambas as citações observa-se o emprego do termo a partir de seu carater cronológico, na primeira relativo à história de um povo, na segunda os atos do rei é que são narrados, principalmente as ações vitoriosas. Ora, o restante dos atos de Jeroboão, e tudo quanto fez o seu poder, como pelejou e como reconquistou para Israel Damasco e Hamate, que tinham sido de Judá, porventura não estão escritos no livro das crônicas de Israel? (II REIS 14:28) 2 O que mais se acolhe, atualmente, da atividade dos antigos escribas é, seguramente, o noticiarista, designado de narrar os acontecimentos do dia-a-dia, para jornais, rádios e televisões, sem acrescentar-lhes explanação. É de fundamental relevância destacar que, mesmo com o passar do tempo todas aquelas cartas contemporâneas à Pero Vaz de Caminha, eram crônicas no sentido tradicional do termo, ou seja, relato cronológico, pois narravam o que ocorria no Novo Mundo. “A história de nossa literatura se inicia, pois, com a circunstância de um descobrimento: oficialmente, a Literatura Brasileira nasceu da crônica.” (SÁ, 1985, p. 7). Outro marco importante para a crônica literária brasileira é o dia 2 de dezembro de 1852. Pois foi nesta data que Francisco Otaviano inaugurou o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, a seção A Semana, ou seja, os folhetins literários do Romantismo (BENDER e LAURITO, 1999, p. 29). Outros estudiosos compartilham e assinalam como nascimento da crônica brasileira como folhetim o ano de 1852: Bazar asiático, miscelânea de assuntos. Essa foi a definição do folhetim do século XIX para o escritor e folhetinista José de Alencar. Folhetim, inicialmente, era a denominação de qualquer seção de jornal, na qual publicavam-se desde ensaios a críticas literárias. Com o Romantismo, ele passou a representar uma fórmula literária presa à massificação da cultura, utilizado pela burguesia, classe que também se constituiu como principal público consumidor e o utilizava como uma forma de crítica à cultura aristocrática. Aparecia no rodapé dos jornais, onde eram publicados artigos, críticas literárias ou resenhas. (NEIVA, 2008) 1 BÍBLIA SAGRADA, traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e atualizada no Brasil. 2ª Ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil. 2 Ibdem. 15 Ainda reafirmando este mesmo ideário Melo comenta a importância deste espaço dentro dos jornais como ponto principal do surgimento da crônica, e da sua evolução até chegar ao que conhecemos hoje: É exatamente como folhetim que a crônica surge no jornalismo brasileiro. Um espaço que os jornais reservam, semanalmente, para o registro do que aconteceu no período. Sua redação é confiada a escritores (poetas ou ficcionistas). Segundo Afrânio Coutinho, o folhetim começou com Francisco Otaviano, em 1852, no Jornal do Comercio do Rio de Janeiro. Ali, ele assinava o ‘folhetim semanal’. Seus continuadores são José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis, Raul Pompéia, Coelho Neto, etc. (MELO, 1985, p.113-114). No mais dentro deste período evolucionário pela qual este gênero passou, é importante destacar o desapego do fator cronológico e acrescentamento de suas possibilidades literárias, tais como afirma Neiva em seu artigo publicado em 2008: À medida que a crônica ganhou o seu espaço no jornal impresso, sobretudo, com os textos de Machado de Assis, no século XIX, o fator tempo passou a não ser tão fundamental. O aspecto cronológico cedeu caminho às inúmeras possibilidades de significados da crônica, à sua abrangência temática e linguística. (NEIVA, 2008) Com a entrada da Revolução Industrial na imprensa, a “crônica entrou em recesso”. Conforme Luiz Beltrão (1980. P.67), essa espécie de “recesso” aconteceu no período em que os jornais tornaram-se “big business”, ou seja, deixaram de ser de propriedade privada, trocaram o individualismo e tornaram-se grupais, pertencentes a alianças econômicos. Essa passagem no estilo de conduzir um jornal impresso, torná-lo semelhante a uma empresa, e, como o mesmo, profissionalizando-o e ambicionando a aquisição de ganhos, comprometeu diretamente as lógicas de produção das notícias e de tudo o que nele fosse divulgado. Continuamente o preceito pessoal e intimista dos jornais fora perdendo lugar para a objetividade no modo de se divulgar os eventos. De acordo com Neiva, a notícia converteu-se em propriedade de consumo e, desta forma, designava-se às requisições de seu público consumista. O corpo do jornal atravessou diferentes transformações e decompondo-se em seções especializadas aludindo, consequentemente, em “inovações na crônica contemporânea”: 16 Nessas condições, podemos observar que as colaborações dos literatos passaram a ocupar um espaço separado, pois o jornal não pretendia manter o predomínio do caráter literário em suas páginas. Assim, também a crônica passou a ter um lugar específico quanto à forma de distribuição das informações. O cronista do século XX preocupou-se com o espaço jornalístico que o seu texto ocupava (...).(NEIVA, 2008) Atualmente, a crônica é envolvente, abrangente, pois abarca lembrança e prenúncio, o atual e o decorrido, ficção e contestação, glorificação e reprovação. Fica livre dos dominadores, cada vez mais personalizada, pensando muito mais o subjetivismo do autor do que a praticidade ou objetivismo dos fatos. No Brasil, esse tipo de mistura trouxe grandes personalidades, tais como Viriato Correia, Humberto de Campos, João do Rio e, bem mais contemporaneamente, Rubem Braga, Fernando Sabino, Rachel de Queiroz, Paulo Francis, Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Resende, João Ubaldo Ribeiro, Luís Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony. E o cronista converte-se em observador ocular de si próprio. 2.1 Conceito de crônica e algumas características Etimologicamente falando o termo “crônica” possui sua fundamentação na cronologia, ou seja, referente às questões temporárias restringindo-se à narração de acontecimentos, sem o aprofundamento subjetivista e literário dos dias atuais, apenas concebida como um gênero histórico. Segundo Massuld Moisés: Do grego chronikós, relativo a tempo (chrónos), pelo latim chronica, o vocábulo “crônica” designava, no inicio da era cristã, uma lista ou relação de acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo, isto é, em seqüência cronológica. Situada entre os anais e a história, limitava-se a registrar os eventos sem aprofundar-lhes as causas ou tentar interpretá-los. Em tal acepção, a crônica atingiu o ápice depois do século XII, graças a Froissart, na França, Geoffrey of Monmouth, na Inglaterra, Fernão Lopes, em Portugal, Alfinso X, na Espanha, quando se aproximou estreitamente da historiografia, não sem ostentar traços de ficção literária. A partir da Renascença, o termo ‘crônica’ cedeu vez a ‘história’, finalizando, por conseguinte, o seu milenar sincretismo. (MOISÉS, 2003, p.101) O sentido atualizado de crônica passou a ser aplicado no século XIX, quando tal termo revestiu-se de significado estritamente literário. O escritor Massaud Moisés esclarece que a larga propagação da imprensa favoreceu a palavra que, então, ligeiramente passou a ser uma “narrativa histórica” presente nos jornais impressos. http://www.coladaweb.com/literatura/autores/joao-ubaldo-ribeiro 17 É em 1799 que o seu aparecimento ocorre,mercê dos feuilletons dados à estampa por Julien-Louis Geofroy no Journal de Débats, que se publicava em Paris. Fazendo a crítica diária da atividade dramática, esse professor de Retórica na verdade cultivava uma forma ainda embrionária de crônica, evidente no fato de reunir os seus artigos em seis volumes, sob o título de Cours de Littérature Dramatique (1819-1820). (MOISÉS 1988, p. 245) Coutinho (1986, p. 121) adota o mesmo caminho e escreve que a crônica foi recebendo aparência semântica distinta, convertendo-se em gênero particular, rigorosamente ao jornalismo unido: Assim, “crônica” passou a significar outra coisa: um gênero literário de prosa, ao qual menos importa o assunto, em geral efêmero, do que as qualidades de estilo, a variedade, a finura e argúcia na apreciação, a graça na análise de fatos miúdos e sem importância, ou na crítica de pessoas. “Crônicas” são pequenas produções em prosa, com essas características, aparecidas em jornais ou revistas. A princípio, no século XIX, chamavam-se as crônicas “folhetins”, estampados em geral em rodapés dos jornais (feuilletons – folhetins). Percebe Coutinho (1986, p. 123) que, a significação do expressão crônica evolucionou para indicar, atualmente, um “comentário ligeiro ou a divagação pessoal feita com bom gosto literário, ligada estreitamente à idéia da imprensa periódica, pois nela revela-se o cronista”. O Autor assinala que o caráter da crônica necessita alongar para os contornos simples e para o nuance acessível, de conversa e bate-papo. Referente à linguagem: A crônica deve empregar de preferência a linguagem da atualidade, não evitando de maneira sistemática os idiomatismos, epítetos circunstanciais e certos jogos de palavras que se formam eventualmente para desaparecer algum tempo depois. Sem essa prática, a crônica deixaria de refletir o espírito da época, uma vez que a língua corrente constitui a mais viva expressão da sociedade humana, no tempo. A linguagem e, mais expressivamente, a gíria social, é um tempero importantíssimo na confecção de uma crônica. (COUTINHO, 1986, p. 134) Observa, Massaud Moisés (1988, p. 255) na precisão e na subjetividade as peculiaridades particulares da crônica. Para o ele, a crônica é um escrito pequeno, de meia coluna de jornal ou de página de revista, e o que vale ao leitor é a veridicidade emotiva do cronista, e não a veracidade de caráter prático, quer dizer, sua forma de ver o mundo, pretexto pelo qual o gênero localiza-se no limite da poesia e com o conto. A crônica, ainda para o autor (1988, p. 256-257), constrói-se em volta de abundantemente pouco ou coisa nenhuma e é através da maneira simples, ágil, verbal e poética que se apóia, “cronista sem estilo parece incongruência”. O Moisés marca que o 18 texto da crônica tem que ser direto, jornalístico, de adjacente apreensão, instintivo, provido de todo o arsenal simbólico que as aproxima de obras literárias. Assim sendo, a crônica tem sido comumente distinguida pelos estudiosos como uma narrativa ou argumentação, pessoal, leve, breve, direta, sem formalidades, insinuativa, bem humorada ou irônica, crítica, satírica, emotiva, isto referente à poética, ao uso do sentimental, da fantasia e também de temas do dia-a-dia que algumas vezes são corriqueiros, banais e até medíocres, com o desígnio claro de envolver o leitor. A crônica, normalmente, apresenta quantidade abreviada de personagens ou até mesmo nenhum, podendo serem nomeados ou não, os quais são pintados sem maior aprofundamento psicológico. De norma, a narrativa em primeira pessoa, é uma conversa que se amplia entre o cronista e o leitor, pelo qual o primeiro comunica sua visão de mundo ao último, que a sorve numa atmosfera de cumplicidade agradável e prazerosa. Beltrão, ao interrogar para quem o cronista escreve, termina por delinear uma representação provável daquele que recebe a mensagem: Às vezes, é fato, a gente escreve para algum amigo; a crônica é uma espécie de prolongamento de uma conversa: ou é um recado disfarçado, alguma coisa que a gente gostaria de dizer, mas prefere não dizer diretamente. Também acontece que, ao escrever, a gente está pensando, por exemplo, naquela mulher – que, por sinal, pode muito bem acontecer que não leia a crônica. Ou, pior ainda, que a leia, e não goste, ache cacete e nada mais. Nesses casos, pode suceder que outra mulher se comova com aquilo que não comoveu a destinatária; e uma terceira ache que estamos lhe mandando uma velada mensagem. A própria pessoa que escreve nem sempre identifica perfeitamente a mulher que o está inspirando; há uma parte de inconsciente na escrita, e não foram os surrealistas que inventaram isso. (BELTRÃO, 1980, p. 71) Ainda que muitas vezes, a crônica seja perenizada com a divulgação em obra de antologias ou compilações, apresenta a sinal da fugacidade ou efemeridade, razão pela qual é em princípio ligada em jornais cotidianos. O que faz Coutinho garantir que: Tão característica é a intimidade do gênero com seu veiculo natural que muitos críticos se recusam a ver na crônica, a despeito da voga de que desfruta, algo durável e permanente, considerando-a uma arte menor. Para Tristão de Athayde “uma crônica num livro é como um passarinho afogado”. De qualquer modo, aceite-se ou não a permanência da crônica, é certo que ela somente será considerada gênero literário quando apresentar qualidade literária, libertando-se de sua condição circunstancial pelo estilo e pela individualidade do autor. (COUTINHO,1986, p. 123) 19 Outra característica do conceito de crônica defendido desta vez por José Marques de Melo (1985, p.111) refere-se ao juízo do que se seja crônica na contemporaneidade para o Jornalismo vernáculo e, em mesmo momento, para o internacional. Conforme Melo, mesmo atualmente no jornalismo mundial o vocábulo está associado à imagem de relato cronológico ao que no Brasil, desigualmente, a crônica tem um significado aberto e inconfundível, ou seja, para os brasileiros ela aparece como um texto curto, relacionado ao contemporâneo e exposto em jornal ou revista. Para o autor exclusivamente no Brasil a crônica tem “a feição de relato poético do real, situado na fronteira entre a informação de atualidade e a narração literária”. 2.2 A crônica e suas classificações Ao analisarmos a diversidade de conceitos quanto ao fato de não encontrarmos consenso entre autores sobre o que é crônica, mas um pouco sobre suas particularidades, e talvez pelo processo evolutivo ao qual o termo passou através da história, haja então dificuldade maior em atribuir-lhe uma classificação definida. Por tal, no desenvolvimento deste subtópico levar-se-á em consideração as quatro tentativas de colocá-la separada por categorias respectivamente defendidas por Luiz Beltrão, que usa critério jornalístico, Afrânio Coutinho toma como base a tipologia literária, Massaud Moisés que procura uma correspondência com os gêneros literários e Antonio Candido que guia-se pela estrutura da narrativa. Nenhuma delas, porém, será descartada, mas analisada de acordo com a perspectiva autoral de cada uma das classificações, sobretudo com relação aos aspectos específicos que fundamentem o objeto de estudo deste trabalho. 2.2.1 Luiz Beltrão Luiz Beltrão foi precursor da pesquisa científica sobre os fenômenos comunicacionais nas universidades brasileiras, e também fundador do Instituto de Ciências da Informação - ICINFORM, primeiro centro acadêmico nacional de estudos 20 midiáticos, e de Comunicações & Problemas, primeira revista de ciências da comunicação na Universidade Católica de Pernambuco, 1963. Luis Beltrão (1980, p. 66-67) caracterizou a crônica como “a forma de expressão do jornalista/escritor para transmitir ao leitor seu juízo sobre fatos, idéias e estados psicológicos pessoais e coletivos. É menos ambiciosa que o artigo e menos rígida,pois na exposição e interpretação do tema abordado não se eleva a generalizações teóricas”. Conforme o autor, esta forma de texto permanece inteiramente ligado à contemporaneidade e desta maneira também todos os gêneros jornalísticos, tendo passado por algumas mudanças ao longo de sua história. Para melhor compreende-la, ele sugere a separação em dois amplos grupos. Um fazendo referência ao caráter do assunto abordado e subdivide-se em geral, local e especializada. O segundo referente, ao tratamento atribuído ao tema e possui como subdivisões as classes: a Analítica, nesta os fatos são expostos e apresentados de maneira breve e objetiva, e, é lógica. A Sentimental, onde o autor apela à sensibilidade do leitor; os fatos comovem e influenciam a sensibilidade, já que, ao contrário da analítica, apela ao coração e não à inteligência. Utiliza-se de linguagem alegre, com mais qualitativos e gerúndios, tem ritmo ágil e discurso muitas vezes poético. E a Satírico-humorística que critica, ironiza, ridiculariza fatos ou pessoas com a finalidade de advertir ou entreter o leitor; possui aspecto caricatural, sua abordagem é superficial e sua linguagem é repleta de nuances. 2.2.2 Afrânio Coutinho Afrânio Coutinho, estudioso da Literatura no terceiro volume de sua Antalogia sobre a Literatura Brasileira, (1983, p. 306) assinala as dificuldades em conceituar a crônica, pelo fato de possuir uma natureza ambígua, já que vive presa ao dilema da transcendência e do circunstante, que muitas vezes a conduz ao conto, ao ensaio ou ao poema em prosa. E por sua vez, propõe cinco divisões: a narrativa, a metafísica, a poema-em- prosa, a comentário e a crônica-informação. E reconhece que a classificação não implica 21 o reconhecimento de uma separação estanque, já que os tipos se encontram constantemente fundidos em diversos textos. Por isso, o autor argumenta: Há mesmo, entre os cronistas, os ecléticos, que se deliciam a borboletear em torno de diversos assuntos ou temas ou motivos, não se deixando jamais prender a nenhum deles permanentemente. É mesmo da própria natureza da crônica a flexibilidade, a mobilidade, a irregularidade. (COUTINHO,1986, p. 133) A crônica narrativa, que vê como representante típico Fernando Sabino, é uma estória ou episódio próximo do conto. A crônica metafísica faz reflexões mais ou menos filosóficas ou de meditação sobre os acontecimentos ou sobre os homens. Coutinho dá como exemplos desse tipo de crônica Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Para crônica poema-em-prosa, que por sua vez, Coutinho menciona como representantes Álvaro Moreira, Manuel Bandeira, Ledo Ivo, Eneida e Rachel de Queiroz, é a que tem conteúdo lírico e que se dispõe a ser o “mero extravasamento da alma do artista ante o espetáculo da vida, das paisagens ou episódios para ele carregados de significado. Já a crônica-comentário de acontecimentos, que menciona como exemplos de cronistas Machado de Assis e José de Alencar, é a que acumula muita coisa diferente ou díspar, mantendo, consoante afirma Eugênio Gomes. Por fim, a crônica-informação, que se assemelha à anterior, mas é menos pessoal, é a que mais se aproxima do sentido etimológico, divulgando fatos e tecendo, sobre eles, ligeiros comentários. 2.2.3 Massud Moisés Massaud Moisés (1988, p. 250) procura uma correspondência com os gêneros literários e propõe apenas dois tipos de crônica: a crônica-poema, que acentua o aspecto narrativo, e a crônica-conto, que ressalta o contemplativo. Melo (2003, p. 158/159), ao falar sobre a proposição dos tipos de crônica por Massaud Moisés, procura explicitar os conceitos: Na crônica-poema, “os cronistas chegam a fazer versos na sua prosa emotiva ou a lançar mão de uma estrofe para encerrar um texto; ou então, constroem a crônica 22 totalmente em verso. Carlos Drummond de Andrade recorreu algumas vezes a esse tipo de expressão verbal”. Na crônica-conto, o acontecimento que chama a atenção do cronista é narrado em forma de conto. Melo afirma: “enquanto o primeiro tipo explora a temática do ‘eu’ (concentra-se nas emoções do cronista), o segundo tipo gira em torno do ‘não-eu’ (o acontecimento de que o cronista é apenas o narrador, o historiador)”. 2.2.4 Antonio Candido Por último, Antonio Candido, mencionado por Melo (2003, p. 159), sugere quatro modalidades de crônica, a saber: crônica diálogo, onde o cronista e seu interlocutor trocam informações e pontos de vista; crônica narrativa, com certa estrutura de ficção e que se aproxima do conto; crônica exposição poética, que divaga livre sobre um fato ou personagem, fazendo uma série de associações e; crônica biográfica lírica, que narra poeticamente a vida de alguém. Quanto à classificação de Crônica feita por Antônio Cândido (1989), José Marques de Melo (1985) resume: Sem a pretensão de criar categorias, mas tão-somente destacar diferenças entre os modernos cronistas brasileiros, Antônio Cândido sugere a seguinte classificação: Crônica-diálogo – onde o cronista e seu interlocutor imaginário se revezam, intercambiando informações e pontos de vistas; exemplos: Gravador (Carlos Drummond de Andrade) e Conversinha mineira (Fernando Sabino); Crônica narrativa – tem certa estrutura de ficção, marchando rumo ao conto; Crônica exposição poética – divagação livre sobre um fato ou personagem; cadeia de associações; Crônica biografia líricanarra poeticamente a vida de alguém.”(MELO, 1985, p. 118) O cronista Luis Fernando Veríssimo, também mencionado por Melo (2003, p. 159), oferece uma classificação baseada na qualidade textual: crônica é qualquer uma (qualquer crônica); croniqueta é a crônica curta; cronicão é a crônica grande, substanciosa, com parágrafos gordos e; grande crônica, o cronicaço, capaz de verdadeiramente consagrar seu autor. 23 3 CRÔNICA: PARA OS PERÍODICOS OU PARA A LITERATURA? O fato de possuir esta facilidade de permanência em dois ambientes praticamente contrários intriga quando se discute a compreensão da crônica e excita tanto estudiosos quanto os próprios cronistas. Sua aparente fugacidade não se confronta à matéria jornalística, a divulgação em antologias ou compilações é uma amostra deste pressuposto, e sua união com os episódios do dia-a-dia atrapalha, para alguns, a categorização enquanto ficção ou arte, de um caráter universal. Híbrida é como muitos a designaram e o codinome de gênero menor se eterniza a partir desta superficial imprecisão conceitual. Os estudiosos da Comunicação discordam a propósito de quando surgiu o jornalismo. Uns crêem que sua procedência remonta à pré-história, com as primitivas formas de conversação humana, antes ainda do aparecimento da fala. O correto é que, reconhece-se que o jornalismo trouxe decisivo valor para a constituição das relações culturais, históricas, sociais e políticas. E que com o passar do tempo, em todo seu processo evolutivo ganhou, pelo final do sec. XIX mais do que objetividade e imparcialidade, mas poucas doses de literariedade impregnada nas colunas ou folhetins de autoria dos escritores e romancistas de cada época, isso principalmente em relação ao Brasil. Conforme Jorge de Sá: Ela decorre do fato de que a crônica surge primeiro no jornal, herdando a sua precariedade, esse seu lado efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se acabe o dia, no instante em que o leitor transforma as páginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes que mais lhe interessam num arquivo pessoal. O jornal, portanto, nasce, envelhece e morre a cada 24 horas. (SÁ, 2005, p.10) Valentim Faccioli também acentua que no Brasil, nesse século, a crônica nasce da prática da escritura cotidiana, com o surgimento dos primeiros jornais e revistas: “Depois de 1860 passa a existir um número proporcionalmente grande de jornalistas e escritores que praticam a crônicamoderna e lhe dão dignidade de gênero literário” (FACCIOLI, 1982). 24 O jornalista que emerge deste contexto, a partir do aparecimento da reportagem, sente a precisão de apurar o fruto do seu trabalho, pelo que dar início à inspiração na literatura para aprimorar suas narrativas sobre o verdadeiro. Aí contém o princípio do entrelaçamento do jornalismo com a literatura. Felipe Pena descreve que: Publicar narrativas literárias em jornais proporcionava um significativo aumento nas vendas e possibilitava uma diminuição nos preços, o que aumentava o numero de leitores e assim por diante. (...) para os escritores também era um ótimo negócio. Não só porque recebiam em dia dos novos patrões, mas também pela visibilidade que ganhavam a partir da divulgação de suas histórias e de seus nomes. (PENA, 2006, p. 29) Por outro lado, nesse mesmo período, muitos autores de consideração e renome envolvem-se com os jornais, que lhes acendem novas conveniências de ganhar dinheiro e popularidade, complicados de conseguir com a divulgação de livros. Eles passam a trabalhar na imprensa e nela procuram, até mesmo, aperfeiçoar suas técnicas literárias. Edvaldo Pereira Lima refere-se a essa nova realidade dos jornais: Na verdade, a literatura e a imprensa confundem-se até os primeiros anos do século XX. Muitos dos jornais abrem espaço para a arte literária, produzem seus folhetins, publicam suplementos literários. É como se o veículo jornalístico se transformasse numa indústria periodizadora da literatura da época. Esse aspecto divulgador, oportunidade inovadora de chegar à coletividade, é o fator que atrai os escritores e ao mesmo tempo inaugura o tradicional debate em torno do “vampirismo” que o exercício da profissão de jornalista exerce sobre os ficcionistas (...). (LIMA, 2009, p. 174) É extremamente ética a leitura de mundo proporcionada por aquele que produz uma crônica, na medida em que deixa presente, muitas vezes pelo próprio ambiente designado ao texto na diagramação do jornal, por exemplo, ao leitor de que aquele texto é de autoria própria, e está sujeito ao julgamento e ao juízo de valor. Quanto ao caráter literário Jorge de Sá comenta sobre os aspectos reflexivos que norteiam o lirismo que muitas vezes reflete as entrelinhas da crônica: Com o seu toque de lirismo reflexivo, o cronista capta esse instante brevíssimo que também faz parte da condição humana e lhe confere (ou lhe devolve) a dignidade de um núcleo estruturante de outros núcleos, transformando a simples situação no diálogo sobre a complexidade das nossas dores e alegrias. Somente nesse sentido crítico é que nos interessa o lado circunstancial da vida. E da literatura também. (SÁ, 2005, p. 11) 25 Afrânio Coutinho (2003, p. 133) alega que é mesmo da própria natureza da crônica a flexibilidade, a mobilidade, a irregularidade. Ressaltamos que a crônica é um gênero que estar “entre” entre o jornalismo e a literatura, ente o sentido original de sua etimologia e o próprio conto. E verdadeiramente cremos que esse gênero se aspira entre, contudo, sucessivamente no meio de amigos, podendo, deste modo, conservar sua particularidade ascendente: a naturalidade, a informalidade. Em seu livro intitulado Crônica, Ferreira Gullar, demonstra como os cronistas adicionam à prosa do dia-a-dia o sentimentalismo, o humor, o drama, os dados ficcionais. Evidencia que, por ser esse gênero entre, a crônica, comumente, deixa uma fenda, que não empobrece o artifício de cronicar, ou seja, tornando presumível o deleite de quem almeja andar pelo trançar narrativo e poético dessa forma de texto. E por tal acrescenta Gullar: Mas a janela está aberta e o dia balança suas folhas e suas toalhas nesta manhã de Ipanema. Rubem Braga meteu na crônica as flores, as borboletas e, mais recentemente, um pavão. Bandeira e Drummond, uma ironia fina, alegre e triste, enquanto Fernando Sabino a tornou veloz e estonteante, cheia de casos, tudo com um delicioso ar de mentira. São mestres, como outros, e os campeões da crase quando erram ditam lei. Quer dizer, não erram. Tudo o que o velho Braga escreve é crônica! Fico bobo de ver. E os outros também: no barbeiro, na praia, na própria Câmara Federal, descobrem assunto, coisas que a gente lê como se comesse. (GULLAR, 2004, p. 15) A Crônica é Jornalismo e Literatura. Sue caráter híbrido prevalece nesta concepção. É jornalística quando procura no dia-a-dia os episódios da vida real que são apregoados e é literária quando se consente aproveitar subsídios literários, como por exemplo, a criação de personagens, elocução solta e coloquial, entre outros elementos para construí-la. 3.1 A crônica e a disposição irônica do jornalista O sarcasmo pode ser tido como um início construtivo de certa fala, ou mesmo um meio de distinguir o jeito e o modo de ver o mundo de um escritor. Conforme Bakhtin (1981), a ironia é entendida como um evento peculiar de discurso bivocal, já que nesse discurso o vocábulo tem duplo significado. Na realidade, a importância 26 instituída ao discurso de um outro sugere o reconhecimento da segunda situação como passagem para compreender o significado da ironia. Compete assinalar que no discurso irônico, o enunciador emprega a linguagem do outro, entretanto reveste-a de direção contrária à do outro. Seria uma forma de uso dúbio do discurso do outro. Segundo Bakhtin (1981, p. 168): A segunda voz, uma vez instalada no discurso do outro, entra em hostilidade com o seu agente primitivo e o obriga a servir a fins diametralmente opostos. O seu discurso se converte em palco de luta entre duas vozes. Podemos perceber o discurso irônico, ou seja, a integração de enunciação do autor anexa à unidade de enunciação do outro, conforme Castro (1997, p. 130), “como o resultado de uma operação dedutiva de contradição ou contrariedade em que se recupera o elemento pressuposto como a verdadeira expressão da significação”. Em alguma das crônicas analisadas, a ironia é instaurada por meio de seleção lexical própria de outro campo de atividades ou do conhecimento, como por exemplo em: A humanidade ficará devendo a Internet muito mais do que pensa a vã filosofia dos internautas de todos os tamanhos e feitos. (...) o importante é que, após duas gerações inarticuladas, limitadas ao “oi”, ao “legal”, ao “tô ai”, todos estão preocupados em dizer alguma coisa, em entender mais, em ser mais. (CONY, 2009, p. 139) Nesse trecho o autor o situação de uma frase famosa para ironizar o pensamento do que eles os enunciados teriam a contribuir ao concluir o pensamento com os termos “oi, legal e tô ai” colocados em destaque. Por se falar dos meios eletrônicos de comunicação em especial a internet, sobressaem-se os termos próprios da linguagem daqueles que normalmente fazem uso constate desta ferramenta, onde não há uma preocupação gramatical com a forma de comunicar-se. Em outras crônicas, o enunciador cria uma relação de intertextualidade, usando provérbios ou versos, mas empregando contradição ou contrariedade em que se recupera, conforme já dito anteriormente, o elemento pressuposto como a verdadeira expressão da significação. . 27 Depois ler uma crônica carregada deste traço peculiar, o leitor observa que o enunciador não usa apenas os recursos de oralidade para dirigir a palavra ao seu interlocutor; entretanto, por meio desse recurso, o autor consegue criar um texto bastante significativo e representativo do momento em que vivemos. O grande prestígio da crônica é, segundo Antonio Candido, o rompimento de elementos artificiais e da aproximação com o traço “mais natural do modo de ser de nosso tempo”. 3.2 A crônica como gênero literário Na visão de Sá (1987, p. 10), a crônica, assim como o jornal, nasce, cresce, envelhece e morre em vinte e quatro horas. Essa veia jornalística imprimi-lhe fugacidade e um traço popular quese opõem ao caráter eterno e elitista do gênero literário. Talvez por essas características a crítica, em geral, a considere um gênero menor. Ainda segundo o autor, no Brasil a crônica surgiu com Pero Vaz de Caminha, na medida em que ele retratou ao rei de modo subjetivo como era a terra recém descoberta, os índios, seus costumes, naquele momento de confronto entre a cultura européia e a cultura primitiva, apresentando uma visão mais semelhante a de um cronista do que de um historiador. A partir de Caminha, o registro do elemento circunstancial passa a ser o princípio básico da crônica. No pé de página da folha de jornal, a crônica era o folhetim, conforme revela Sá (op.cit, p.8), ou seja, “uma seção quase que informativa”, na qual se publicavam “pequenos contos, pequenos artigos, ensaios breves, poemas em prosa, tudo, enfim que pudesse informar os leitores sobre os acontecimentos daquele dia ou daquela semana”. Alguns cronistas impuseram ao texto uma sintaxe nova que alterou a estrutura do folhetim, dando-lhe uma roupagem mais literária, na medida em que desvendava o real a partir de uma perspectiva subjetiva do fato com a qual o recriava. Aos poucos o folhetim foi encurtando e ganhando certos traços de algo que é escrito à toa, sem receber muita importância. Depois, recebeu um tom mais ligeiro e encurtou de tamanho, até chegar ao modelo de hoje. 28 Segundo Antonio Candido (1980, p. 5), não se imagina uma literatura formada de grandes cronistas e acrescenta: a crônica não é um ‘gênero maior’ (...) ‘Graças a Deus’, - seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica perto de nós. E para muitos pode servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para a literatura (...). Por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do ar de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo o dia.. Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo de ser mais natural É esse traço de naturalidade no trabalho com a linguagem que faz da crônica nos dias atuais um gênero textual atrativo e interessante para o início da prática escolar, visto que por meio de uma linguagem simples trata dos fatos cotidianos, auxiliando no estabelecimento da dimensão das coisas e das pessoas, algumas vezes, com um viés humorístico, outras, com lirismo e singularidade. Graças a essa simplicidade e despretensão, a crônica consegue ser insinuante e reveladora. Assim, acaba como que transformando, segundo Candido, “a literatura em algo íntimo com relação à vida de cada um, e quando passa do jornal ao livro, nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava” (p.6). A crônica pode tratar de qualquer tema, aleatoriamente escolhido por seu autor, tal escolha pode transportá-lo da realidade vivida para a realidade enunciada. Na visão de Marchezan (1989, p. 94), até mesmo a falta de um assunto específico pode ser discursivizada., basta que o cronista assim deseje e tenha talento para fazê-lo. Embora aleatórios e assistemáticos, os temas são recorrentes porque repetem o cotidiano, o banal e, por meio dessa repetição, explicitam a própria essência estilística da crônica. Reflexão do cotidiano revivido estilisticamente, a crônica pode, como diz Martins (1984, p. 74): Guardar-se em livro, mesmo feita para o jornal. Apresentar-se como coloquial e até popular, e ser mesmo artística sem perder a naturalidade. Ser o oral no escrito. O diálogo no monólogo. Fazer do leitor, ator. Encerrar uma sábia lição, sem desviar-se do comum. Pode fazer pensar, em tom de brincadeira Pode valer para sempre, embora nascida do agora. Pode restar eterna, ainda que circunstancial. Ser brasileira, sem deixar de existir fora. Pode ser um texto de classe e permanecer como antologia. Pode fazer-se poesia e estar escrita em prosa. Avizinhar-se do conto, sem deixar de ser crônica. Pode até ser tema de tese, sem perder o popular. 29 Todas essas características dão à crônica o caráter diário que a coloca na intersecção entre o texto jornalístico e o literário, permitindo que o professor de língua materna possa aproveitá-la como um gênero acessível ao trabalho sobre organização e produção textual nas aulas de ensino médio. 3.3 A crônica como expressão da oralidade na escrita A boa consideração da crônica é, conforme Antonio Candido (1992, p. 35), um sinal do procedimento de procura do aparecimento da oralidade na escrita, ou melhor, da separação de subsídios sofisticados e do ajuntamento com a descrição “mais natural do modo de ser de nosso tempo”. Sá assim também se refere ao tratar da forma simples em que a linguagem é apresentada dentro da crônica: O coloquialismo, portanto, deixa de ser a transcrição exata de uma frase ouvida na rua, para ser a elaboração de um diálogo entre o cronista e o leitor, a partir do qual a aparência simplória ganha sua dimensão exata. (SÁ, 1992, p.10) Inúmeras crônicas apresentam uma particularidade bastante trivial: deixam de ser uma explanação expositiva ou argumentativa e transformam-se em conversa que a primeira vista parece fiada, propondo colocar de lado a importância dos problemas. No entanto, penetram de maneira intensa na significação das ações e emoções humanas e constituem uma análise social. Com o intuito de explicitar os mecanismos que simulam a oralidade no texto escrito, busca-se por meio da crônica identificar atos de fala e sua manifestação, evidenciando situações mais próximas da realidade. Conforme tal pressuposto aponta Jorge de Sá: A pressa de escrever, junta-se a de viver. Os acontecimentos são extremamente rápidos, e o cronista precisa de um ritmo ágil para poder acompanhá-los. Por isso a sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta, mais próxima da conversa entre dois amigos do que propriamente do texto escrito. Dessa forma, há uma proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade, sem que o narrador caia no equívoco de compor frases frouxas, sem a magicidade da elaboração, pois ele não perde de vista o fato de que o real não é meramente copiado, mas recriado. (SÁ, 2005, p.10) A crônica pode tratar de qualquer tema, aleatoriamente escolhido por seu autor, tal escolha pode transportá-lo da realidade vivida para a realidade enunciada. Na visão de Marchezan (1989, p. 94), até mesmo a falta de um assunto específico pode ser 30 discursivizada, basta que o cronista assim deseje e tenha talento para fazê-lo. Embora aleatórios e assistemáticos, os temas são recorrentes porque repetem o cotidiano, o banal e, por meio dessa repetição, explicitam a própria essência estilística da crônica. Todas essas características dão à crônica o caráter diário que a coloca na intersecção entre o texto jornalístico e o literário, permitindo que o leitor possa estabelecer um diálogo já que o texto é um gênero acessível e ainda podemos observar a organização e produção de sentido. O cronista busca criar um estilo simples, divertido e breve, mas não deixa de discutir os problemas sociais ou as fraquezas do homem. Na verdade, pode-se aprender muita coisa quando se diverte e os traços constitutivos da crônica são, segundo Candido (1992, p.38), um meio privilegiado de apresentar ao leitor de modo persuasivo muitos temas que divertem, atraem, inspiram e fazem o indivíduo amadurecer a sua visão de mundo. 3.4 A crônica e a formação do juízo público Toda a literatura brasileira desde o realismo aos dias atuais tem voltado seus esforços na intenção de alcançar a opinião pública, expressar a visão do autor que por vezes é traduzida de maneira indignada, mas com o objetivo único de despertar no ser social ou leitor a mesma ou pelo menos parte da indignação que há em si, este fenômeno ocorre ate mesmo na literatura infantil onde tais autores atendo-se de metáforas procurampassar para crianças verdadeiras lições de vida que segundo eles irão ser de grande ajuda quando na condição de adultos. O papel de o grande informante, no entanto, é nos dias atuais dos jornais, revistas e seus colaboradores. É incorreto dizer que os jornais somente reforçam opiniões já existentes. Em alguns sentidos e em casos específicos eles exercem uma ação condutora. Segundo Glotz e Langenbucher (apud Marcondes Filho, p. 21), “os leitores são relativamente fáceis de serem influenciados, em sua formação de opinião, por ‘fatos’ aparentemente irrefutáveis em áreas que eles têm pouco conhecimento prévio e poucas possibilidades de submetê-los à prova”. Nessa perspectiva, pode-se dizer que o jornal constrói e 31 reconstrói a cada dia a formação de opinião adaptadas às suas argumentações, ainda que estas sejam particularizantes e representativas de uma classe ou ideologia. Os jornais efetivamente colaboram com a formação da opinião pública isto porque colocam os fatos à disposição das pessoas, no entanto este fenômeno acontece de maneira direta, ou seja, a notícia é simplesmente passada para o espectador como ela realmente aconteceu e sem um enriquecimento de detalhes ou criticas que possam favorecer a partes envolvidas nos ocorridos, a crônica, porém, sobretudo à de Cony por ser um misto de literatura e jornalismo não esta fadada a transmitir os fatos como uma narrativa pobre de incrementos literário e críticos, é noticia, é literatura, e nisso consite sua beleza. Na opinião de Marcondes Filho, torna-se notícia aquilo que é considerado “anormal”: Mas cuja anormalidade interessa aos jornais como porta-vozes de correntes políticas. Uma embriaguês qualquer não é notícia; ela o será se mexer com personagens que desagradam essas correntes ou que representam poderes que o jornal pretende combater. O jornal, assim, arranja acomoda o extraordinário na sua argumentação diária contra setores ou grupos sociais. (p. 13) Na visão de Marcondes a anormalidade da noticia encanta e faz parte do processo de seleção do conteúdo jornalístico, sendo a crônica um gênero intermediário é possível dizer que esta nem pode estar completamente sujeita às exigências das típicas noticias de jornais e tampouco pode render-se à abertura da literatura como arte e possuidora da licença poética, mas visa estreitar a relação entre autor e leitor, pois na leitura de uma única crônica o leitor pode fascinar-se com esplendor literário, com deleitar-se na literatura, e mergulhar fundo no mundo das opiniões. Muitas crônicas apresentam uma característica bastante comum: deixam de ser um comentário expositivo ou argumentativo e tornam-se conversa aparentemente fiada, parecendo por de lado a seriedade dos problemas. Entretanto, entram de modo profundo no significado dos atos e sentimentos humanos e estabelecem uma crítica social, a partir de um diálogo com o leitor. No que diz respeito à crônica de Cony, sua meta é estabelecer um diálogo com o leitor, comentando suas idéias e reflexões sobre o cotidiano, os fatos que lhe trazem angústia, preocupação ou incomodo. O leitor do jornal Folha de S. Paulo já conhece sua editoração e, assim, sabe que na segunda página do primeiro caderno encontrará o editorial, artigos e a crônica de Carlos Heitor Cony. Desse modo, o leitor que se propõe 32 a ler o texto de Cony, já ativa seu conhecimento textual ao definir o texto em questão como pertencente ao gênero crônica. 33 4 O EXERCÍCIO ESCOLAR E A CRÔNICA É unânime para o docente de língua portuguesa e literatura, que incentivar o interesse dos alunos para a leitura não é uma tarefa fácil, tendo em vista o crescente apelo dos meios de comunicação, tal tarefa torna-se um desafio. Entretanto, não se trata de simplesmente concorrer com os meios de comunicação social, mas de empregar o que eles possuem de melhor para a educação. É nessa conjuntura que a crônica está introduzida, pois ao combinar literatura e jornal, concerne a esse meio, compete-nos encontrar o modo de se trabalhar o estímulo à leitura na formação da crítica social. Algumas das informações referentes à crônica, pressupostamente analisadas, são subsídios que nos levam a compreender o emprego do gênero dentro do ensino. O primeiro ponto a ser destacado é a disposição da crônica de aproximar-se do leitor, já que sai do formal e imparcial de forma a trazer ao leitor leveza e simplicidade. Antonio Candido elucida que a “magnitude do assunto e a pompa da linguagem podem atuar como disfarce da realidade e mesmo da verdade” (1993, p. 24), onde a decorrência é evitar uma leitura mais profunda a respeito do assunto acometido, mas a crônica não proporciona essa dificuldade, pois seus temas são cogitados a partir de um palavreado simples, que é apto para auxiliar a “estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas”. Desse modo, a crônica possui sua contribuição ao passo que leva o aluno a uma relação mais direta com a veracidade. É curioso como elas mantêm o ar despreocupado, de quem está falando coisas sem maior consequência; e, no entanto, não apenas entram fundo no significado dos atos e sentimentos do homem, mas podem levar longe a crítica social (CANDIDO, 1993, p. 26). O objetivo neste ponto não é menosprezar este ou aquele gênero, ou achar que os outros sejam impossibilitados de causar reflexão, o objetivo neste tópico é de apenas abrir um parênteses ao expor as vantagens da utilização da crônica em sala de aula, já que é por meio da educação que formamos cidadãos pensantes e atuantes dentro da sociedade, por tal julga-se necessário enfatizar a riquíssima contribuição deste gênero que é capaz de unir meios tão importantes, como o jornal e a literatura, como ferramenta de incentivo ao desenvolvimento do aprendizado dentro e fora da escola. 34 Mais uma disposição assinalada por Candido (1993, p. 25) é a humanização, a qual pode ser identificada na quebra do monumental e no coloquialismo presente nas crônicas. É possível observar na crônica, riscos da oralidade dentro da escrita, de modo que os alunos terão a possibilidade de descobrir no lugar de um rebuscamento exagerado, um texto com “tom de conversa entre velhos amigos”. Assim, entendemos que a crônica contribui não só pela aproximação entre texto e leitor, mas também para a construção de um trabalho com a oralidade em equilíbrio com a escrita, orientação explícita nos PCNLP. Esse pressuposto básico da educação também pode ser evidenciado nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, e no quanto a crônica pode preencher os requisitos fundamentais no alcance desses objetivos, por ser um texto que nos possibilita uma maior correspondência com a realidade, com os fatos cotidianos: Com essa leitura, a formação básica a ser buscada no Ensino Médio se realizar-se-á mais pela constituição de competências, habilidades e disposições de condutas do que pela quantidade de informação. Aprender a aprender e a pensar, a relacionar o conhecimento com dados da experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a ponte entre teoria e prática, a fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a lidar com o sentimento que a aprendizagem desperta. (PCNEM, 2000, p. 74) Referindo-se ainda a essa aproximação entre a crônica e seus leitores, enfatizamos o dialogismo mencionado por Jorge de Sá (1987, p. 11) esse diálogo entre cronista e leitor se dá a partir de um coloquialismo, na verdade, ocorre um equilíbrio entre o coloquial e o literário, permitindo que o lado espontâneo e sensível da crônica se mantenha como “elemento provocador” de outras visões do tema tratado no texto, ou seja, a crônica permite a construção de diferentes sentidos na leitura dos alunos (ORLANDI, 2000). Há ainda nessa relação o que oJorge de Sá (1987, 11) chama de lirismo reflexivo: a crônica expõe pensamentos profundos a partir de um fato, sem abandonar o encanto da literatura. Também por estar próxima do cotidiano, a crônica pode ajudar até mesmo na construção da identidade do aluno, uma vez que conhecerá e refletirá sobre fatos do seu cotidiano. “Daí a importância do instante, porque é o flash do momento presente que nos projeta em diferentes direções, todas elas basicamente voltadas para a elaboração da nossa identidade.” (SÁ, 1987, p. 15). 35 Um seguinte fator e do mesmo modo já explanado: o humor. Esse recurso quase sempre utilizado pelos cronistas para dar ao texto mais leveza, um tom de simplicidade e para enfim, divertir. Conforme Candido, os professores muitas vezes procuram “incutir nos alunos uma ideia falsa de seriedade” (1993, p. 27), como se os temas sérios só devessem ser abordados de um jeito grave, como se leveza fosse algo ilusório, ou seja, não se leva em conta o princípio da crônica de produzir reflexão por meio de um “ar de bate-papo sem compromisso”. Compreende-se por tanto que a crônica é capaz de instruir e de, por meio do entretenimento, “inspirar, atrair e fazer amadurecer a visão das coisas.” O próprio Candido reconhece o quão significativa é a leitura de crônicas com os alunos: Quando vejo que os professores de agora fazem os alunos lerem cada vez mais as crônicas, fico pensando nas leituras de meu tempo de secundário. Fico comparando e vendo a importância deste agente de uma visão mais moderna na sua simplicidade reveladora e penetrante. (CANDIDO, 1993, p. 25). O trabalho com a crônica, portanto, tanto no contexto do jornal como no do livro é capaz de cumprir um dos principais objetivos do ensino: produzir leitura crítica, madura, consciente, e numa atmosfera prazerosa, leve. Além das contribuições descritas, podemos apontar ainda outra que, de maneira geral, efetiva-se a partir desse tipo de proposta pedagógica: os gêneros textuais. Organizar atividades que envolvam crônicas significa inserir mais um gênero textual ao currículo, gênero este que se diferencia dos “gêneros maiores”, geralmente os únicos explorados, tal atitude cumpre, mais uma vez com a orientação dos PCNs que é evidenciada desde 1998: Um leitor competente só pode construir-se mediante uma prática constante de leitura de textos de fato, a partir de um trabalho que deve se organizar em torno da diversidade de textos que circulam socialmente. [...] Eis a primeira e talvez a mais importante estratégia didática para a prática de leitura: o trabalho com a diversidade textual. Sem ela pode-se até ensinar a ler, mas certamente não se formarão leitores competentes. (PCN, 1998, p. 94-95). Santos e Souza (2007), em seu artigo A crônica literária na sala de aula: um incentivo à leitura, explica que no ensino tradicional são apresentados aos alunos fragmentos de obras incapazes de motivá-los a refletir a respeito do que leem, são textos descontextualizados, que vistos apenas dentro de aspectos gramaticais, não contribuem 36 de maneira satisfatória para o desenvolvimento crítico e intelectual dos alunos. Em outras palavras, ressalvamos aqui o dado de que trabalhar com textos literários e, no caso, o gênero crônica representa um risco na medida em que pode ser reduzido a mero instrumento de tópicos de gramática ou sintaxe. Trata-se, portanto, de uma questão de ordem metodológica que não pode ser descartada. Reduzir literatura a ferramenta é atrelá-la única e exclusivamente a um didatismo eventual. A crônica é um gênero riquíssimo que trata de temáticas atuais, envolve personagens comuns, traz à tona o anônimo e promove, pela coloquialidade da linguagem e teor projetivo e atual do seu foco, a identificação quase imediata do leitor com o texto. No mais, um trabalho com a crônica pode ser um caminho para o estímulo à produção textual, ensinar os alunos o que é uma crônica, quais são os traços desse gênero textual e instigá-los à leitura do mesmo é apenas o primeiro passo para levá-los a escrever sobre os fatos de seu cotidiano e a refletir sobre eles. 37 5 CARLOS HEITOR CONY: VIDA E OBRA Filho de Ernesto Cony Filho, jornalista, e de Julieta de Moraes, Carlos Heitor Cony nasceu no dia 14 de março de 1926 na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Lins de Vasconcelos, zona norte da cidade. Foi o terceiro dos quatro filhos do casal: Giovane Alceste (falecido em 1920), José Heitor, Cony e José Carlos. Quatro anos depois muda-se para a cidade vizinha de Niterói - RJ, onde residiria por dois anos. Tido como mudo pela família, somente aos cinco anos pronuncia suas primeiras palavras. O fato ocorreu em virtude de um susto que levou com o barulho de um hidroavião que realizou um vôo rasante na praia de Icaraí, naquela cidade. Para evitar maiores constrangimentos ao menino, sua família decide educá-lo em casa. Aos dezoito anos manifesta o desejo de tornar-se padre. Seu pai o prepara para o exame de admissão e, após aprovado, ingressa no Seminário Arquidiocesano de São José, em Rio Comprido - RJ, no dia 3 de março de 1938. Livra-se definitivamente de seu problema da fala, em 1941, após uma operação realizada pelo médico Pedro Ernesto do Rego Batista, ex-prefeito do Rio de Janeiro. Deixa o seminário em outubro de 1945 e ingressa, no ano seguinte, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que abandona pouco depois. No ano seguinte entra para o Curso de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), na arma de Infantaria, de onde sairia dois anos depois. Em 1949 casa-se com Maria Zélia Machado Velho, mãe de suas duas filhas: Regina Celi (1951) e Maria Verônica (1954). Esta é a primeira das seis uniões conjugais de Cony. Começa a trabalhar como redator na Rádio Jornal do Brasil, em 1952. Influenciado por Jean Paul Sartre, filósofo e autor francês, escreve "O Ventre". Em 1956 concorre ao Prêmio Manuel Antônio de Almeida (Romance), promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Austregésilo de Athayde, Celso Kelly e Manuel Bandeira, que compuseram a comissão julgadora, foram unânimes em dizer que o romance era "muito bom", mas não poderiam premiá-lo por se tratar de uma obra forte demais para vencer um concurso oficial. 38 No ano seguinte, irritado com a atitude da comissão julgadora, inscreve-se novamente com o romance "A verdade de cada dia", escrito em apenas nove dias. Ao trabalho, analisado por Carlos Drummond de Andrade e Austregésilo de Athayde, é outorgado o Prêmio Manuel Antônio de Almeida. A Editora Civilização Brasileira, de propriedade de Ênio Silveira, publica "O Ventre". Firma, nessa ocasião, contrato com o escritor para a entrega regular de obras de ficção, procedimento que não era freqüente à época. Em 1965 escreve uma crônica atacando o Ato Institucional nº. 2. Tal fato gera um atrito entre a direção do jornal Correio da Manhã e a redação. Cony demite-se. É convidado pela TV Rio para escrever uma novela sobre a baixa classe média do Rio, ex- capital do país. Após 37 capítulos, problemas com a censura fazem com que o escritor seja substituído por Oduvaldo Viana. É preso, juntamente com Mário Carneiro, Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade, o embaixador Jaime Azevedo Rodrigues, o diretor teatral Flavio Rangel e os jornalistas Antônio Callado e Marcio Moreira Alves, quando participava de uma manifestação em frente ao Hotel Glória, no Rio de Janeiro. O grupo, que ficou conhecido como "Oito do Glória", foi detido pela Polícia do Exército, em cujo quartel ficou prisioneiro. Esta seria a primeira das seis prisões do escritor por motivos políticos. Mesmo assim, lança "Posto Seis", crônicas, e "Balé branco", romance. Participa da coletânea "Os dez mandamentos" com o conto "Amar a Deus sobre todas as coisas". Com certa ironiaCony escreve sobre esse período: (...) Para um sujeito acomodado e triste, submetido aos mil acidentes da carne e do espírito, a condição de réu, embora não infamante, estava absolutamente fora das cogitações. Mas eis: sou réu. Por obra e graça do Ministro da Guerra enfrentei o meritíssimo da 12ª Vara Criminal. Aturei o libelo e outras formalidades da dura lei. E estou preparando o insubmisso espírito e a complacente carne para o que der e vier. Meu crime é simples de ser exposto. Desde a quartelada de 1º de abril que venho cometendo esse crime, em condições compactas de centenas de milhares de exemplares. Meus artigos foram lidos nas prisões, nos navios-presídios, nos quartéis, nos lares e nas escolas. Profissionalmente falando, podia encerrar minha modesta e curta carreira de jornalista. (CONY, 2004, p. 140). No ano seguinte participa da coletânea "64 D.C." (o título, veladamente, dizia respeito a 64 Depois de Castello, primeiro militar a governar o país após a revolução de 1964). Vai a Cuba, em 1967, onde fica por quase um ano. Participa, em Havana, como 39 membro do júri do concurso promovido pela Casa de las Américas. Retornando de Cuba, em 1968, é preso ao pisar em solo brasileiro. A convite de Adolpho Bloch, passa a trabalhar nas revistas do Grupo Manchete. Publica "Sobre todas as coisas", contos. Em 1978 essa obra seria reeditada com o título "Babilônia!, Babilônia!". A visita do papa João Paulo II ao Brasil, em 1980, é coberta por Cony para a revista Manchete, trabalho que voltaria a fazer 11 anos depois. Em 1981 lança novo livro-reportagem: "Nos passos de João de Deus". Seu pai, Ernesto Cony, falece em 1985. Baseada em projeto e sinopse de sua autoria e de Adolpho Bloch, estréia na TV Manchete, em 1989, Kananga do Japão, novela de Wilson Aguiar Filho dirigida por Tisuka Yamasaki. Em 1997 lança seu décimo segundo romance, A Casa Do Poeta Trágico, novamente premiado com dois Jabutis, pela Câmara Brasileira do Livro ("Melhor Romance" e "Livro do Ano - Ficção"). Recebe, em Paris, a comenda da Ordre dês Arts et des Lettres no grau de Chevalier, concedida pelo governo francês, em 1998. Por encomenda, em 1999, de sua editora Companhia das Letras, escreve "Romance sem palavras", publicado nesse mesmo ano. Apresenta-se no Instituto Moreira Salles, em Poços de Caldas - MG, dentro da série "O escritor por ele mesmo". Em março de 2000 é eleito, com 25 dos 37 votos possíveis, para a cadeira número 3 da Academia Brasileira de Letras. Toma posse em maio daquele ano. Seu décimo quarto romance, "O indigitado", é escrito em 2001 por encomenda da Editora Objetiva, do Rio, que com ele inauguraria a coleção Cinco dedos de prosa, lançado em 2002. Compilações de crônicas foram oito: Da Arte de Falar Mal (1963), O Ato e o Fato (1964), Posto Seis (1965), Os Anos mais Antigos do Passado (1998), O Harém das Bananeiras (1999), O Suor e a Lágrima (2002), O Tudo ou o Nada (2004), Crônicas para ler na Escola este último publicado em 2009 e objeto de estudo deste trabalho. O cronista Carlos Heitor Cony, em entrevista à revista Cult (2006, p.8) fez uma declaração que sintetiza o vocábulo: “A crônica é um gênero tipicamente brasileiro. Em outros países, ela também existe, mas não tem as nossas características”. 40 5.1 As crônicas de Cony e a conversação com o leitor Como analisado anteriormente, a crônica é um gênero que apresenta dupla filiação, já que o tempo e o espaço curtos permitem o tratamento literário a temas jornalísticos. Por essas características e, principalmente, por sua brevidade, a crônica torna-se um gênero peculiar para que o leitor possa, ainda que indiretamente, construir sua opinião a respeito dos principais temas do noticiário nacional ou internacional, na medida em que a continuidade de publicações das crônicas de um mesmo jornalista “estabelece uma corrente de simpatia, de identificação entre o leitor e o autor, convertendo este último numa espécie de confidente ou de cúmplice do primeiro” (Letria, 2000, p. 51). Graças a essa simplicidade e despretensão, a crônica consegue ser insinuante e reveladora. Assim, acaba como que transformando, segundo Candido (1993, p.6), “a literatura em algo íntimo com relação à vida de cada um, e quando passa do jornal ao livro, nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava” . O grande prestígio da crônica é, segundo Antonio Candido, um sintoma do processo de busca da manifestação da oralidade na escrita, ou seja, do rompimento de elementos artificiais e da aproximação com o traço “mais natural do modo de ser de nosso tempo”. Muitas crônicas apresentam uma característica bastante comum: deixam de ser um comentário expositivo ou argumentativo e tornam-se conversa aparentemente fiada, parecendo por de lado a seriedade dos problemas. Entretanto, entram de modo profundo no significado dos atos e sentimentos humanos e estabelecem uma crítica social, a partir de um diálogo com o leitor. O cronista busca criar um estilo simples, divertido e breve, mas não deixa de discutir os problemas políticos e sociais ou as fraquezas do homem. Na verdade, pode- se aprender muita coisa quando se diverte e os traços constitutivos da crônica são, segundo Candido, um meio privilegiado de apresentar ao leitor de modo persuasivo muitos temas que divertem, atraem, inspiram e fazem o indivíduo amadurecer a sua visão de mundo. 41 Segundo Sá (1987, p.11), o cronista se investe da máscara de um narrador- repórter com o intuito de referendar a soma de jornalismo com literatura: Os acontecimentos são extremamente rápidos, e o cronista precisa de um ritmo ágil para poder acompanhá-los. Por isso a sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta (...) há uma proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade. Assim, o cronista constrói seu discurso num entrelugar, em que de um lado estão os fatos do cotidiano que ele quer de algum modo atingir, ou pelo menos tocar, ainda que levemente; de outro lado, a repercussão que esses mesmos fatos têm para a sua vida, quais diálogos esses fatos suscitam ao entrarem em contato com a sua experiência diante do mundo. Cabe ainda lembrar que, como cronista, o escritor deve limitar o seu discurso, pois como o seu texto visa, inicialmente, a aparecer no jornal, precisa estar adequado ao espaço que lhe é conferido. É também da economia que nasce a riqueza estrutural de uma crônica. O leitor de jornal é bem menos uma entidade abstrata em relação ao leitor de um livro, na medida em que o jornal se dirige a uma determinada classe por refletir também os interesses e o padrão cultural dessa classe. Desse modo, o leitor de crônicas não é um enigma insondável. O cronista sabe mais ou menos a quem está se dirigindo e pode inclusive convidar o leitor a refletirem juntos sem nenhuma cerimônia. O dialogismo, assim, equilibra o coloquial e o literário, permitindo que o lado espontâneo e sensível permaneça como elemento provocador de outras visões do tema (...) Com o seu toque de lirismo reflexivo, o cronista capta esse instante brevíssimo que também faz parte da condição humana e lhe confere (ou devolve) a dignidade de um núcleo estruturante de outros núcleos, transformando a simples situação no diálogo sobre a complexidade das nossas dores e alegrias (Sá, 1987, p. 11) Desse modo, o leitor de crônicas não é um enigma insondável. O cronista sabe mais ou menos a quem está se dirigindo e pode inclusive convidar o leitor a refletirem juntos sem nenhuma cerimônia. 42 6 A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA CRÔNICAS PARA LER NA ESCOLA, DE CARLOS HEITOR CONY PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA Propositalmente ou não as crônicas de Carlos Heitor Cony despertam o interesse a reflexão. O modo como narra cada um de seus textos expressão o modo conyniano de ver
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