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FINOM – FACULDADE DO NOROESTE DE MINAS
MARINALVA DE MACEDO
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRODESCENDENTE
Cipó
2011
MARINALVA DE MACEDO
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRODESCENDENTE
Artigo Científico apresentado à Faculdade de Educação da Finom, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em História da Cultura Afro-Brasileira.
Orientadora: Esp. Silvia Karla
Cipó
2011
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRODESCENDENTE
Marinalva¹
RESUMO
O presente artigo busca contemplar uma reflexão sobre a construção da identidade afrodescendente. As reflexões e análises são resultados construídos a partir de uma pesquisa bibliográfica onde terão como elementos principais as discussões sobre às manifestações de preconceito, atuando como entraves ao desenvolvimento do processo de construção da identidade negra; cerceando algumas condições históricas para o desenvolvimento do preconceito. Na seqüência ressalto um processo favorecedor do desenvolvimento de uma identidade afrocentrada, uma das condições para a reversão do preconceito. Tendo em vista a construção de sua identidade cultural, percebendo os vários efeitos, destacando que os afrodescendentes devem ter uma postura reivindicativa de direitos, questionarem atitudes discriminatórias, desconstruírem o mito da democracia racial – muitas das vezes “maquiada” -, para que assim possam, construir uma identidade cultural/racial/étnica de forma a se verem e serem vistos pelos outros como uma identidade legítima, que não pode ser usada para justificar a dominação e a exploração econômica como se fez e se faz no Brasil desde os tempos da colonização.
Palavras-chave: Afrodescendente, Identidade e Preconceito.
INTRODUÇÃO
No que concerne em pensar na identidade negra, é remeter-se a um passado de negação da cultura africana, a condição e o modo pelo qual os negros foram trazidos para o Brasil - de escravo – criou-se o estigma de ser um objeto de uso como instrumento de trabalho. O afrodescendente – brasileiros que tem matizes africana - enfrenta, atualmente, a constante discriminação racial, de forma aberta ou encoberta e, mesmo sob tais circunstâncias, buscam elementos e ações que lhes possibilitem um futuro promissor. Por isso, muitos percebem a necessidade da construção de uma identidade positiva do afrodescendente.
Partindo do princípio o termo identidade origina-se do latim identitas, que significa “idem”, “o mesmo”, a identidade deve ser considerada como uma referência em torno da qual o sujeito se constitui, estando em constante transformação e construída a partir das relações que ele estabelece consigo mesmo, com o outro e com o ambiente à sua volta. 
A realização desta pesquisa dar-se-á a partir de pesquisa bibliográfica através de uma análise qualitativa, a partir de uma abordagem qualitativa descritiva, buscando fazer um diagnóstico para uma compreensão do tema, procurando entender e obter respostas para o estudo construindo o conhecimento como principio identitário. Sendo essas informações primordiais pretende-se analisar holisticamente uma reflexão identitária, pois esta é fundamental na construção do sentido e compreensão da própria existência enquanto indivíduo e como pessoa inserida na sociedade.
Pode-se compreender essa construção identitária como um processo eficaz no qual o sujeito cria referências, construindo a si e a seu mundo e desenvolve-se um sentido de autoria, ou seja, percorre um caminho para a autoconscientização, transformando-se assim, num sujeito e artífice na vivência da sua identidade. 
Identidade tem relação com individualidade – referência em torno da qual o indivíduo se constrói; com concretude – articulando-se com uma vida concreta, vivida por um personagem concreto e alicerçada numa sociedade concreta; com temporalidade – transforma-se ao longo do tempo; com socialidade – só pode existir em um contexto social; com historicidade – vista como configuração localizada historicamente, inserida dentro de um projeto que permite ao indivíduo alcançar a autoria na sua forma particular de existir. (FERREIRA, 2004, p.48).
Desta forma, percebe-se que a construção da identidade, tem um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo, instável, fragmentada, inconsistente, inacabada. Sendo a identidade um meio de estruturas discursivas e narrativas, a sistema de representação e tem estreita conexão com relações de poder. Neste ínterim, ao considerar identidade como uma construção, faz-se necessário a inclusão do multiculturalismo e a diferença nesta discussão porque é através da compreensão destes conceitos que a pessoa negra formará sua identidade. 
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRODESCENDENTE
Pode-se perceber claramente que no Brasil, o preconceito não é declaradamente afirmado, o que dificulta muitas das vezes a elaboração de leis e projetos que favoreçam sua reversão. Vive-se em um país com um processo ideológico, onde as diferenças são aceitas e valorizadas, ou seja, a problemática de preconceitos e racismo é encoberta. Sob esta perspectiva, evidencia-se que a população negra encontra-se submetida a um processo em que as condições de existência e o exercício de cidadania tornam-se muito mais precários com relação à população considerada branca. 
A discriminação racial e o racismo na sociedade brasileira se dão, não apenas devido aos aspectos culturais dos representantes de diversas etnias, mas também devido à relação que se faz entre estes aspectos e os atributos socialmente observáveis dos pertencentes às mesmas. Como, por exemplo, podemos citar comentários como: ‘umbanda é suja porque é coisa de negro’; ‘cabelo do negro é ruim e do branco é bom’, entre outros. (GOMES 1995, p.49)
Desta forma, a construção de uma identidade positivamente afirmada, torna-se requisito necessário para que as pessoas negras se engajem em políticas efetivas voltadas para a melhoria de suas condições sociais, tornando sua vida social mais plausível.
Segundo Goffman “(...) um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social cotidiana possui um traço que pode se impor à atenção e afastar aquele que se encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos”. (1988, p. 14). Os estereótipos aparecem como uma forma rígida, anônima, que reproduz imagens e comportamentos racistas, o que separa os seres humanos em categorias aceitáveis e não aceitáveis socialmente e sustenta a forma peculiar do preconceito brasileiro, que é o de marca. Os indivíduos de matizes africanas estão sempre associados às negatividades atribuídas às características fenótipas não brancas, evidenciando de forma concreta os critérios de raça e hereditariedade que orientam a ordenação desigual da identidade social brasileira.
Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais; Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade; Identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. (CASTELLS, 2000, p.24).
Cabe destacar que o caminho para a constituição da identidade afrodescendente é um processo cabível nos espaços sociais onde o indivíduo está inserido. Pois este indivíduo é participe de uma realidade legitimadora das estruturas de dominação, por isso, este deve permear por caminhos que validem a percepção de que somente através da resistência que se pode construir uma identidade sustentada em torno de um projeto sólido.
A identidade de resistência, possibilita ao indivíduo consciente do quantoeste é marginalizado, por isso, este busca traçar caminhos de resistência como a porte para a sobrevivência e indignação. Exercendo o seu papel como autor social totalmente consciente de seus direitos, e, por conseguinte, construtor de uma nova realidade a partir de princípios diferenciados, contrários à lógica de dominação à qual vive submetido. E a partir de projetos sólidos que sejam capazes de redefinir a posição deste indivíduo na sociedade, é que se tem uma identidade consciente.
Gomes postula que no campo pessoal, identidade é:
Aquilo que diferencia cada um e nós e só nos iguala a nós mesmos, mesmo que seja entendida num processo de transformação, é da ordem da representação e está localizada na consciência... Ela diz respeito à imagem como a pessoa se vê no plano subjetivo, como percebe o que lhe é próprio enquanto individualidade diferenciada. (1995, p.42 - 43).
Neste ínterim, é observável que no Brasil há uma pluralidade cultural, então o adequados seria referir-se a “culturas brasileiras”, ao invés de “cultura brasileira”, por a população brasileira ter sido formada por diversas etnias. E este é um dos elementos norteadores no processo de constituição social do individuo, e na formação de sua identidade. Pois a identidade não é conata, ela constrói-se no contexto histórico e na cultural onde o individuo está inserido, e relaciona-se aos referenciais coletivos de inserção a um grupo, aos usos sociais das formas de reconhecimento e aos processos culturais de construção de representações simbólicas.
A interculturalidade aposta na relação entre grupos sociais e étnicos. Não elude os conflitos. Enfrenta a conflitividade inerente a essas relações. Favorece os processos de negociação cultural, a construção de identidades de ‘fronteira’, ‘híbridas’, plurais e dinâmicas, nas diferentes dimensões da dinâmica social. (CANDAU, 2001)
São inúmeros os desafios para a população negra, e o próprio termo “afrodescendente” apresenta um contíguo de questões de ordem conceitual ainda a serem discutidas e detalhadas, para que assim, se possa ser um instrumento de afirmação identitária. O refinamento conceitual deste termo depende do conhecimento e da vivência da população brasileira que tem matiz africana de forma mais detalhada das várias situações existentes, e da colaboração de diferentes áreas sociais. Pois depende também de auto - afirmação na população negra, que ora são mulatos, ora são moreninhos (as), ora são escurinhos, e nunca são os Negros com matiz africana, porém é preciso um direcionamento e um estabelecimento de diferentes projetos de pesquisa e debates entre os diferentes setores da sociedade, para eximir toda e qualquer forma de preconceito e discriminação
 Todavia, em contraponto a qualquer tipo de cristalização e inércia das forças ideológicas e das tradições, esses movimentos sobrevivem, na tentativa de produzir uma identidade individual e coletiva através da reconstrução da própria história, origens e peculiaridades de cada grupo. E para uma percepção mais apurada desse processo, faz-se necessária uma reconstrução histórica. (MUNANGA 2004, p.56) 
A identidade social perpassa por uma construção simbólica que ocorre na relação de um indivíduo com o outro e se constitui num processo histórico e cultural que, operando com o passado, com a ancestralidade e a hereditariedade, processa o presente e transforma-se a cada momento e a cada contexto da história. Historicamente percebe-se que ser afrodescendente significa ser herdeiro de um caminho cheio de lutas e resistências do povo negro. Pois a exploração do povo negro permeou por tres massacrantes séculos que produziram consequências marcantes, como: desiguladade, pobreza, discriminação, violência, os cortiços e favelas. Realidades estas que, se estenderam ao longo anos, mas que, deve-se ser mudada.
A negritude encarna toda uma história passada na escravidão, vivida individual e coletivamente. Encarna, também, toda uma cultura de raízes fincadas na longínqua mãe-África, mas recriada o cadinho da escravidão, na luta pela libertação e na teimosa busca da terra prometida. Esta negritude é uma realidade concreta, mas é também símbolo de mística, pois representa a esperança do futuro feliz para os negros e sua comunidade. (CNBB, 2008)
O discurso sobre ser negro implica na conscientização e valorização da identidade afrodescendente. E este desafio é pertinente à toda população brasileira com o intuito de criar uma nova realidade social onde todos os indivíduos se acolham e se respeitem naquilo que são, pois, é essa diversidade que torna a sociedade brasileira bela. Mesmo sabendo que o processo de construção da identidade afrodescendente seja vagaroso, mas, que este efetive-se a partir de políticas afirmativas, não somente por parte dos governos, mas também por parte da sociedade como um todo, visando formar um povo consciente daquilo que é, suas origens, e os valores que esta impregnado em sua história e as possibilidades de um percurso igualitário entre negros, brancos e indígenas, como etnias constituintes e fundamentais para a formação da nação brasileira.
Para tanto, a população brasileira deve ser a verdadeira protagonista, na incumbência de constituir um mundo onde todos sejam conscientes de suas origens e sua identidade, seres humanos capazes de desenvolver uma postura de valorização das suas raízes. Tendo por objetivo maior marcar o mundo com uma cultura do cuidado e do acolhimento das riquezas que as diversas culturas apresentam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conclusão deste trabalho clarificou que um dos elementos mais importantes no processo de constituição social do indivíduo é a identidade, que é constituída e construída num contexto histórico e cultural determinado, relacionando-se aos referenciais coletivos de inserção a um grupo, aos usos sociais das formas de reconhecimento e aos processos culturais de construção de representações simbólicas.
Um dos elementos que dissemina o preconceito e o racismo é o estereótipo, representado como uma forma rígida, anônima, que reproduz imagens e comportamentos racistas, separa os indivíduos em categorias aceitáveis e não aceitáveis socialmente e sustenta a forma peculiar do preconceito brasileiro, que é o de marca. Associado às negatividades atribuídas às características fenótipas não brancas, evidenciam de forma concreta os critérios de raça e hereditariedade que orientam a ordenação desigual da identidade social brasileira.
Desta forma, o trabalho conduz para uma perspectiva que aborda as lutas sociais, como aporte para a criação de leis e projetos que reafirmem a identidade negra, já que os negros tiveram papel importante na constituição da cultura e economia, da população brasileira. Para tanto, faz-se necessário a construção de espaços que oportunizem aos afrodescendentes conscientizar-se quanto ao valor da sua identidade enquanto negro e negra, bem como o seu papel enquanto agente transformador na construção de uma nova realidade social.
REFERÊNCIAS
CNBB. Pastoral Afro-Brasileira: princípios e orientações. Brasília: CNBB, 2008. 
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e Direitos Humanos. In:
www.dhnet.org.br/direitos/militantes/veracandau/multicutaralismo.htm, 2001.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 
FERREIRA, Ricardo F. Afro-descendente: identidade em construção. Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. (M. B. M. L. Nunes, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar Editores. (Original publicado em 1963). 1988.
GOMES, Nilma L. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Maza edições, 1995.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional vesus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica. 2004.

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