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Guilherme Rios - p3 - II Módulo Disrafismo Espinhal DEFINIÇÃO: - Disrafismo: É um termo genérico usado para indicar uma condição na qual há alguma evidência de anomalia no tecido nervoso, além de anomalias ósseas na espinha. - O termo disrafismo significa fusão incompleta ou fechamento defeituoso da região dorsal mediana do embrião. Esses defeitos comprometem o ectoderma cutâneo, ectoderma neural, mesoderma e por vezes o endoderma, resultando em inúmeras malformações congênitas que variam em grau de severidade. - As malformações congênitas que acometem a coluna vertebral são, de maneira geral, referidas como ESPINHA BÍFIDA. - O disrafismo é um termo utilizado para designar todas as formas da ESPINHA BÍFIDA, seja esta aberta ou fechada. - Em geral, lesões mais altas como na coluna torácica, apresentam maior comprometimento neurológico. E, lesões mais baixas, lombo-sacrais, apresentam menos complicações. - O disrafismo espinhal é uma das anomalias congênitas mais comuns. - É mais frequente na região torácica inferior, lombar ou sacral, e geralmente se estende por 3 a 6 segmentos vertebrais. FISIOPATOLOGIA: - Resumo: - O sistema nervoso passa por um processo muito importante chamado de “fechamento do tubo neural” que se conclui por volta do 28º dia de gestação. - Defeitos desse “fechamento” primário (formação do tubo neural) levam aos chamados disrafismos espinhais abertos, como a mielomeningocele, raquisquise e meningocele. - O tubo pode fechar corretamente, mas na próxima fase de evolução da formação do sistema nervoso do feto termos mais um problema. Nesses casos o tubo não se separa adequadamente das estruturas próximas a ele e tem problemas de formação. Temos, então, os disrafismos espinhais ocultos ou fechados, que recebem esse nome porque são cobertos pela pele, como lipomielomeningocele, medula ancorada, sinus dérmico e diastematomielia. - Embriologia – Para entender como acontece esse defeito do fechamento do tubo neural (DTN) é preciso remeter à embriologia. - Estágios para a formação do tubo neural: 1º GASTRULAÇÃO – É a formação do embrião trilaminar, ou gástrula e, nesta fase, desenvolvem-se o mesoderma e a notocorda, indutora de todo o processo de neurulação. 2º NEURULAÇÃO PRIMÁRIA – Ocorre uma série de flexões e dobras da placa neural, cujos bordos se apõem e se fundem na linha média dorsal para formar o tubo neural primário. Guilherme Rios - p3 - II Módulo OBS: Segundo a teoria tradicional, o fechamento do tubo neural iniciaria mais ou menos em seu meio e seguiria, como uma espécie de zíper em sentidos rostral e caudal. As extremidades do tubo neural, chamadas neuroporos, seriam as últimas a fechar e aí se desenvolveriam os defeitos do fechamento do tubo neural (DTN). Contudo, este modelo tem sido contestado e diversas ondas de oclusão, com múltiplos neuroporos têm sido propostas, o que explicaria a existência de malformações múltiplas e defeitos distantes dos neuroporos classicamente descritos. 3º NEURULAÇÃO SECUNDÁRIA – Segue-se ao fechamento do tubo neural, com células mesenquimais indiferenciadas se desenvolvendo caudais ao neuroporo posterior, quando o embrião já está totalmente recoberto por epiderme. A massa celular caudal, após passar por uma série de transformações, formará o cone medular e o filamento terminal. CLASSIFICAÇÃO: - Os disrafismos podem ser divididos em cranianos e ESPINHAIS, podendo eventualmente acometer ambos os compartimentos, como na cranioraquisquise (tubo neural todo aberto). - Podem também ser classificados em abertos ou fechados (ocultos), dependendo da exposição ou não de tecido neural. - Podem ainda ser agrupados de acordo com a fase do desenvolvimento embrionário, em defeitos da gastrulação, da neurulação primária e da neurulação secundária. INCIDÊNCIA E EPIDEMIOLOGIA: - Os disrafismos cranianos e espinais variam de 0,2 a 10 ocorrências por mil nascidos vivos, dependendo da região onde foi obtida a amostra (A mielomeningocele é o mais comum dos disrafismos espinhais, correspondendo a 50% dos casos). - O risco de recidiva do defeito é de 5%, podendo triplicar em gestações subsequentes. Esta estimativa pode ser reduzida com mudança dos hábitos dietéticos e suplementação dietética pré- concepcional com ácido fólico. OBS: É importante ressaltar que a ingestão de ácido fólico não tem nenhum efeito sobre os chamados disrafismos fechados. ETIOLOGIA: - Os disrafismos abertos são multifatoriais (fatores genéticos e ambientais). - Como fatores podem incluir, além de alterações no metabolismo dos folatos, a ingestão de medicamentos teratogênicos (p. ex. carbamazepina e ácido valpróico), doenças como diabetes mellitus gestacional e gravidez adolescente, dentre outros. - Indivíduos negros são acometidos com menor frequência. Sua prevalência é maior no sexo feminino e em famílias com menores níveis de renda. TIPOS: - Disrafismos espinhais abertos: - Os disrafismos do tipo aberto têm o pior prognóstico, uma vez que o tecido nervoso fica exposto e mais sujeitos a infecções que podem levar à meningite e outras complicações. - ESPINHA BÍFIDA CÍSTICA: A bolsa saliente pode conter meninges (meningocele), coluna vertebral (mielocele), ou ambos (mielomeningocele). - Mielomeningocele: É a forma mais comum de disrafismos espinal aberto. Ela é mais comum na região lombar e há discreto predomínio do sexo feminino. Sua principal característica é a porção aberta do tubo neural, denominada placódio ou placa neural, envolta por aracnoide e fixada a tecido epitelial displásico. Guilherme Rios - p3 - II Módulo - Na mielomeningocele, a bolsa, em geral, é constituída por meninges com uma placa neural central. Se não estiver bem coberta pela pele, a bolsa pode facilmente romper-se, aumentando o risco de meningite. - A mielomeningocele pode se associar a outros disrafismos e também à hidrocefalia, presente em até 80% dos casos. - Disrafismos espinhais fechados ou ocultos: - Compõe um heterogêneo grupo de lesões, cujas manifestações podem ser insidiosas e a expressão clínica muito discreta. - Estigmas cutâneos de linha média estão presentes em mais da metade dos casos. As assinaturas cutâneas mais comuns são lipomas, desvios do sulco glúteo, pele displásica, verrucosidades, hipertricose, hemangiomas, crateras, apêndices cutâneos e nevo pigmentar. - Os sinais e sintomas são, em sua maioria, decorrentes de ancoramento medular. Dores, infecções urinárias de repetição, úlcera tróficas em pés e deformidades neuro-ortopédicas, como pé torto e escoliose, são frequentemente observadas. - Disrafismos espinais ocultos são relacionados aos diversos estágios da formação do sistema nervoso. Quanto às etapas, esse disrafismo espinhal oculto pode ser em decorrência de: - Defeitos da gastrulação: Os precursores da notocorda não se fundem, levando à formação de duas hemi-medulas. - Defeitos na neurulação primária: Decorrem de lesões focais e segmentares consequentes à separação prematura ou incompleta do tubo neural, que, por vezes ocorrem simultaneamente. - EXEMPLOS: - Fístulas neuroectodérmicas (FNE): Malformações da separação incompleta entre os ectodermas cutâneo e neural, onde se estabelece uma continuidade entre a epiderme e o interior do canal espinal (Essas malformações devem ser diferenciadas das fossetas sacrococcígeas simples). Pode apresentar meningites de repetição, drenagem de LCR, entre outras manifestações. - Mielosquise dorsal limitada (MDL): Formada devido à disjunção incompleta. As MDL podem ser não saculares ou saculares. As últimas podem ser confundidas com meningoceles e até mesmo com mielomeningoceles. Caracteristicamente, uma haste fibroneurovascular conecta as paredes do cisto ou a base da lesão cutânea ao tecido nervoso, ancorando amedula. - Apêndices neuroectodérmico: Também conhecidos como “cauda humana”, estrutura apendicular mediana revestida por pele íntegra, geralmente na região lombo-sacro e quase que invariavelmente associada a um lipoma em sua base, geralmente continuo com o canal espinal. - Defeitos da neurulação secundária: Relacionados às anomalias do filamento terminal (fibrolipomas ou filamento terminal curto ou espessado). Guilherme Rios - p3 - II Módulo SINAIS E SINTOMAS: - Metade das crianças irá apresentar algum tipo de atraso no aprendizado. - Alguns pacientes podem apresentar o complexo OEIS (onfalocele, extrofia de cloaca, ânus imperfurado e deformidades espinais), outros com associação VATER (anomalias vertebrais, imperfuração anal, fístula tráqueo-esofágica e malformações renais ou radiais). - Pacientes com agenesia sacral exibem características como fenda integlútea curta, glúteos achatados, cintura pélvica estreita e atrofia distal de membros inferiores em forma de “garrafa de champanhe invertida”. - Ortopédicos: - A falta de inervação muscular acarreta atrofia das pernas. Como a paralisia ocorre no feto, os problemas ortopédicos podem estar presentes ao nascimento (p. ex., pé torto, artrogripose das pernas, deslocamento do quadril e etc.). - Neurológico: - Quando a coluna vertebral ou as raízes nervosas lombossacras estão envolvidas, o que é usual, vários graus de paralisia e sensibilidade afetam toda a musculatura abaixo da lesão. Tônus retal é geralmente diminuído. - Urológico: - A paralisia também altera a hipofunção da bexiga, causando a bexiga neurogênica (perda do tônus esfincteriano) e, por conseguinte, resultando em refluxo urinário, que pode provocar hidronefrose, IU de repetição e, ao final, lesão renal. - Hidrocefalia: Pode causar sintomas ou sinais mínimos de hipertensão intracraniana. O envolvimento do tronco cerebral pode provocar manifestações, como estridor, dificuldades para deglutir e apneia intermitente. OBS: Muitas crianças portadoras de defeitos menores são assintomáticas. Guilherme Rios - p3 - II Módulo DIAGNÓSTICO: - Ultrassonografia Gestacional (USG) de rotina a partir do primeiro trimestre de gestação. - Níveis elevados de alfa-fetoproteína e beta-HCG no sangue e no líquido amniótico de gestantes portadoras de defeitos abertos. - Os disrafismos espinais fechados, ou ocultos, raramente têm diagnóstico pré-natal, explicável por serem recobertos por pele íntegra. OBS: Ressonância Nuclear Magnética (RNM) deve ser reservada à complementação diagnóstica em casos específicos, uma vez que sua eficácia não foi confirmada superior à USG. PROGNÓSTICO: - Varia de acordo com o nível do comprometimento da medula e do número e da gravidade das anomalias associadas. - É reservado para crianças com níveis medulares mais altos (p. ex., torácico) ou que apresentam cifose, hidrocefalia, hidronefrose precoce e anomalias congênitas associadas. - Com cuidados apropriados, no entanto, muitas crianças evoluem bem. - Perda da função renal e complicações da derivação são as causas mais comuns de morte em crianças maiores. TRATAMENTO: - Quando os pacientes são sintomáticos, não há dúvidas quanto à indicação cirúrgica. - No entanto, a intervenção cirúrgica é contestada por alguns autores quando os pacientes são assintomáticos, contudo, as evidencias de que mais de 40% das lesões progridem ao longo de 10 anos de observação, parece ser um argumento bastante forte para justificar a indicação cirúrgica em pacientes assintomáticos. - Disrafismos abertos devem ser tratados o mais precocemente possível de modo a prevenir infecções e evitar maior comprometimento neurológico. O tratamento da hidrocefalia pode ser concomitante à correção do defeito. - O tratamento cirúrgico tem como objetivo a reparação das barreiras anatômicas, a preservação funcional e do ancoramento medular. - O tratamento mais tardio é reservado a pacientes com lesões totalmente fechadas, sem risco de ruptura iminente e também àqueles assintomáticos, principalmente quando as indicações cirúrgicas são controvertidas. - Há que se considerar o risco de deterioração neurológica tardia, principalmente durante os estirões de crescimento. Há também que se considerar que as sequelas decorrente da medula ancorada podem ser irreversíveis e provocar acentuado impacto na qualidade de vida dos pacientes. - Mielomeningocele identificada ao nascimento é imediatamente coberta com compressa estéril. Se houver gotejamento de LCR, antibióticos são administrados para evitar meningite. Guilherme Rios - p3 - II Módulo - Os cuidados ortopédicos devem começar cedo. Se houver pé torto, aplica-se gesso; cirurgia é muitas vezes é necessária após o gesso. Avalia-se deslocamento de quadris. As crianças afetadas devem ser monitoradas quanto ao desenvolvimento de escoliose, fraturas patológicas, escaras de decúbito, fraqueza muscular e espasmos. - TRATADO DE ORTOPEDIA: “O conceito atual é o de que nem todas as lesões necessitam ser removidas. Se não há alteração neurológica nem sinais de estreitamento medular, então o defeito não precisa ser removido, mas um monitoramento neurológico cuidadoso deve ser feito durante o crescimento” (principalmente no estirão puberal). PREVENÇÃO: - A SUPLEMENTAÇÃO COM ÁCIDO FÓLICO (400 a 800 mcg, VO, uma vez/dia) para mulheres, 3 meses antes da concepção e durante o 1º trimestre da gestação, reduz o risco de defeitos do tubo neural. - Mulheres consideradas com alto risco de defeitos do tubo neural, i. e., mulheres que tiveram um feto ou recém-nascido com defeito no tubo neural, devem tomar o folato, 4 mg (4.000 mcg), VO, 1 vez/dia.
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