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56 2.3. A Dinâmica de Viver em Equipe e Pro- cessos Grupais Básicos: Percepção e Comunicação “Toda credibilidade, toda boa consciência, toda evidên- cia de verdade vem apenas dos sentidos.” Friedrich Nietzsche No contemporâneo como foi exposto ante- riormente frente aos avanços, no que diz respeito à organização do trabalho, o viver em equipe me- rece atenção especial para aprimoramento humano, profissional e exercício da solidariedade. Todos estes aspectos podem ser oferecidos através de uma expe- riência do viver em uma equipe salutar. Por equipe pode-se entender um grupo de pes- soas o qual está reunido em torno de uma tarefa, em um esforço coletivo, dentro de um contexto in- teracional que possibilita troca de vivências, com- partilhamento de saberes, amparo das experiências vividas e realização da tarefa. Para que uma equipe possa funcionar de modo saudável, dinâmico, e enriquecedor frente ao coleti- vo, faz-se necessário considerar alguns aspectos im- portantes que serão ressaltados nesta sessão do livro. A disponibilidade para o encontro humano, a consideração das singularidades de cada membro, 57 a atenção e cuidado com os movimentos humanos psíquicos e comportamentais que ocorrem antes, durante e depois do processo de realização da tarefa são aspectos importantes a serem considerados na dinâmica de uma equipe profissional. Por movimentos psíquicos se compreendem aqueles que são perceptíveis e comunicáveis, mas também, os que não são perceptíveis e que são co- municados de alguma forma. Uma boa percepção pessoal colabora na dinâmi- ca da equipe, ou seja, quanto melhor o ser se conhe- cer, melhor também será sua percepção do outro, mas vale lembrar que todos carregam conteúdos e afetos inconscientes em suas mentes e que tal fato pode afe- tar nossa percepção com relação a nós e os outros. A percepção, segundo o dicionário técnico de psicologia (CABRAL; NICK, 2005 p. 269), diz res- peito ao: “processo pelo o qual o indivíduo se torna consciente dos objetos e relações no mundo circun- dante, na medida em que essa consciência depende de processos sensoriais” Os processos sensoriais são ativados frente aos estímulos e são percebidos através da percepção sensorial. Os encontros humanos que acontecem dentro de uma equipe são naturalmente fonte de es- tímulos, sejam eles agradáveis ou não. A percepção sensorial aparece descrita no di- cionário técnico de psicologia (CABRAL; NICK, 58 2005, p. 269) como: “É o produto final de uma série definida de eventos físicos, fisiológicos e psicológicos que se desenvolvem em sequência imutável e que tem por polos um estímulo e uma reação (ou resposta)”. Outra percepção importante a ser esclarecida é a percepção social, a qual se trata, em linhas ge- rais, da percepção de um ser com relação a outros seres humanos, seus comportamentos, sentimen- tos, suas ações e manifestações humanas (MINI- CUCCI, 2012). O viver em grupo, assim como o trabalho em equipe, traz a necessidade de uma maior atenção à percepção de si mesmo e do outro para que o am- biente interacional da equipe possa ser harmonioso. O uso da empatia, capacidade de compreender o que o outro sente, de colocar-se no lugar do outro enquanto vivência subjetiva, traz maior flexibilidade de ação nas relações humanas, e amplia na percep- ção do outro (MINICUCCI, 2012). A empatia denota uma sensibilidade social, tal fenômeno é muito importante para que uma equipe funcione de modo harmônico, auxiliando, assim, no desenvolvimento da tarefa. Quanto maior o número de pessoas empáticas, maior o exercício da solidarie- dade e do amor. Para exemplificar, será relatado um caso clí- nico que ocorreu em uma equipe de saúde mental 59 que atuava em um CAPS (Centro de Reabilitação Psicossocial). Dentre os vários pacientes que eram atendidos e permaneciam na ambiência (conceito que diz res- peito ao espaço físico e humano no qual os usuários do serviço circulam), um apresentou um episódio de crise com comportamento violento, tal conduta havia desestabilizado todo o ambiente e evocado vá- rios sentimentos na equipe, inclusive os sentimen- tos de impotência e raiva, mas, dentro desta mesma equipe, o técnico de enfermagem percebeu que seus membros estavam ofendidos com o paciente, pois, apesar de todos os esforços e investimentos que fo- ram realizados para sua melhora, não apresentava mudanças em seu quadro clínico e agredia a todos que se aproximavam dele. O técnico em uma atitude empática com a equi- pe e com o paciente conseguiu relatar o que per- cebeu, sem julgar seus colegas, e acrescentou que, possivelmente, o usuário do serviço também nutria sentimento de impotência e raiva, pois recentemente sua referência técnica (conceito que diz respeito ao profissional que vai desenvolver uma relação humana com o usuário, construir seu projeto terapêutico com sua família e se encarregar de ser o guardião e o elo de comunicação entre o usuário e o serviço), havia saído do serviço, e esta era a única pessoa que conseguira estabelecer um vínculo de confiança com o usuário. 60 Este exemplo clínico, além de demonstrar o conceito de empatia através da prática do viver em uma equipe de saúde mental, também aponta para outro conceito que diz respeito ao fenômeno da comunicação. Frente à comunicação da percepção social do técnico de um modo empático, a equipe conseguiu sensibilizar-se com o usuário e sair da sensação de impotência e do sentimento de raiva que o quadro evocava. Conseguiram perceber o que o usuário es- tava vivendo a partir da perda do único vínculo hu- mano que estabelecera dentro da instituição, e, dian- te de tal percepção, a equipe assumiu outra postura frente à dor do paciente. Por meio do comportamento violento, o pacien- te estava tentando comunicar algo que, em decorrên- cia da sua fragilidade mental, não conseguia verbali- zar. A comunicação, como aponta este exemplo, vai auxiliar no processo de inter-relação humana, que, quando real, surge entre duas ou mais pessoas através um contato psicológico (MINICUCCI, 2012). Nos estudos sobre psicologia grupal, Osório (2003) ressalta as observações de Lewin sobre a co- municação. Lewin afirma que quando um grupo fica impossibilitado de evoluir, isto se deve a bloqueios entre os integrantes em sua comunicação. Comunicar, em sua essência, inclui o outro, seja outra pessoa do lado de fora, ou guardado com vi- 61 vência relacional entre ambos, dentro da memória de quem comunica, por exemplo, o usuário do CAPS que, com a saída da técnica, piora seu quadro clínico e que, pela sua própria condição psíquica fragilizada, ficou impossibilitado de estabelecer uma comunica- ção com o que havia vivido no contexto interacional entre a técnica e ele. Apesar disso, lhe possibilitou uma experiência de relação humana nova, tranquila e sem agressões. Esta memória relacional não pôde ser resgatada pelo próprio paciente no momento em que a técnica foi embora, e nem comunicada a ele. Da experiência vivida restou somente a separação e o abandono, e frente a estes eventos ele recorreu a suas relações anteriores e permeadas por vínculos humanos agressivos e ambivalentes. O processo de comunicação inclui, necessaria- mente, a noção de vínculo, como nos mostra Rivière (2012), é sempre um vínculo social, acontece dentro de um contexto relacional, mesmo sendo com uma única pessoa, através da relação pessoal se reproduz uma trajetória histórica de vínculos determinados e experienciados. Por esta razão, o vínculo se relacio- na posteriormente no decorrer do desenvolvimento humano com a noção de papéis, de status e de co- municação. O paciente, neste caso, estava comunicando seus sentimentos e revivendo o papel que provavel- 62 mente ocupava frente à sua família, o de doente psi- quiátrico agressivo. A aprendizagem de um novo papel ainda não havia se consolidada, apesar do olhar novo sobre ele oferecido por meio do tratamento e de novas constituiçõesvinculares. Ele estava apenas repe- tindo o que já conhecia, impossibilitando uma nova aprendizagem. O processo de comunicação traz a possibilida- de de aprendizagem, tanto quanto as experiências emocionais novas. Nos dois casos, pode ocorrer um efeito reparador e, muitas vezes, salutar para o ser através da vivência emocional nova. Segundo Rivière (2012), as dificuldades ou as resistências que os pacientes apresentam para me- lhorar seu quadro clínico estão ligadas às perturba- ções frente ao processo de aprendizagem e dificul- dades com o novo. Diante do medo do novo, podem surgir repetições de comportamentos padronizados e estereotipados. O emissor de uma comunicação espera ser compreendido e, no geral, toda comunicação diz algo além do que é verbalizado, portanto, não é ver- bal, além de ser inédito. Para que uma comunicação ocorra é necessário que exista um emissor da men- sagem e um receptor. Osório (2003) aponta que o psicólogo Lewin, considerado um dos pioneiros nas pesquisas sobre 63 dinâmica de grupo, denota que a integração de um grupo se dá através da autenticidade das comunica- ções e que tal autenticidade pode ser aprendida atra- vés do grupo. A comunicação, quando se manifesta de forma autêntica e clara, sem ruídos e sem bloqueios, per- mite maior sensibilização nas relações interpessoais e favorece o trabalho em equipe. O próprio Lewin, ainda segundo Osório (2003), em seu grupo de trabalho, observou que as pesqui- sas não avançavam em decorrência de bloqueios que existiam na comunicação entre sua equipe. A comunicação é um processo dinâmico no qual as partes interagem para um resultado final, como mostra a figura do funil a seguir: Figura 12: processo de comunicação: FONTE: FONSECA, 2013. 64 É importante observar o que não é dito e o que não é escutado em uma comunicação, como apon- ta Fernandes (2003), pois, usualmente, o que não é dito, ou o que é escutado, pode estar ligado com de- terminantes não considerados. No mundo interno, ou subjetivo, o ser humano pode filtrar e alterar as informações de acordo com suas vivências passadas e seus estados da mente ou ainda de acordo com o contexto grupal o qual está inserido no momento da transmissão da comunicação. A percepção da comunicação pode acontecer de modos muito diferentes, dependendo de quem recebe a mensagem, não correspondendo necessa- riamente ao que o emissor está transmitindo. As percepções das mensagens verbais, por exemplo, podem estar ligadas ao sentido que o indi- víduo vai dar às palavras, pois, para cada ser, as pala- vras têm um significado específico ligado às próprias experiências vivenciais com palavras determinadas. Pelo exemplo, é possível pensar em um dos problemas que podem distorcer a comunicação, a saber, os problemas relacionados à semântica, ou seja, o sentido que é dado às palavras. Às vezes, os conflitos surgem por diferentes interpretações das mesmas palavras, quando as pessoas que estão em interação, desconsideram as diferenças individuais, ou agem através de seus preconceitos. 65 Para melhorar o processo da comunicação, Mi- nicucci (2012) aponta para a possibilidade de apren- dizagem e aperfeiçoamento sobre a transmissão da mensagem que se envia para a outra pessoa, assim como com relação à percepção frente às mensagens que são recebidas dentro de um processo da comu- nicação humana. A criatividade se faz importante ferramenta para este processo vivo e fluído que é a comunicação. A seguir será abordado o conceito de lideran- ça, intimamente ligado aos conceitos anteriores, e, como já se apontou na primeira unidade deste livro, inerente ao desenvolvimento humano. 66 Exercícios 1) Cite alguns tipos de grupos. 2) Defina o conceito de grupos. 3) Qual é a primeira experiência de relação humana? 4) Quais são as necessidades que um ser huma- no apresenta frente ao trabalho? 5) O que é empatia?
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