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PSICOLOGIA-DA-PERSONALIDADE-INFANTIL-1

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1 
 
 
PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE INFANTIL 
1 
 
 
NOSSA HISTÓRIA 
 
 
A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de 
empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de 
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como 
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. 
A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de 
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a 
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua 
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, 
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o 
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. 
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma 
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base 
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições 
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, 
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
Desenvolvimento da personalidade nos primeiros 
anos de vida 
É possível observar diferenças individuais relativas ao temperamento do 
indivíduo desde muito cedo. Os bebês, por exemplo, experimentam emoções de 
diversos tipos, esboçadas em reações de agrado ou desagrado diante das 
situações. De acordo com Hidalgo e Palácios (1995), essas reações globais dão 
passagem para emoções específicas que vão aparecendo progressivamente ao 
longo do primeiro ano de vida – inicialmente, a alegria e o mal-estar, depois a 
cólera e a surpresa e, finalmente, o medo e a tristeza. Assim, alegria, 
aborrecimento, surpresa, ansiedade, medo e tristeza são emoções básicas 
possíveis de serem observadas em todas as crianças durante a primeira infância. 
Entre o segundo e terceiro ano de vida as crianças já são capazes de 
experimentar um conjunto de emoções mais complexas que tem a ver com a 
descoberta de si mesmas e com a manifestação da relação com os demais. As 
mais importantes dessas emoções são a vergonha, a culpa e o orgulho. 
Observa-se que, para a criança sentir vergonha ou orgulho, é necessário um 
conhecimento das normas sociais, uma avaliação da própria conduta em relação 
a tais normas e uma atribuição de responsabilidade a si mesma diante do êxito 
ou fracasso para se ajustar às situações. O sentimento de culpa, por sua vez, 
está ligado ao desenvolvimento sócio moral e tem estrita relação com o 
aparecimento de condutas altruístas, já que inibe comportamentos que possam 
prejudicar os outros e consiste em um motivador para a reparação de danos 
(Saarni, Mumme & Campo, 1998). 
A partir dos quatro ou cinco anos de idade, auxiliadas pela regularidade 
das experiências cotidianas, as crianças já começam a compreender seus 
próprios estados emocionais. É nesta idade que o processo de avaliação 
costuma aparecer, permitindo que as emoções comecem a ser explicadas e 
contextualizadas (Hidalgo & Palácios, 1995). 
 Para Harris (1989), as crianças parecem passar por duas etapas 
diferentes na compreensão das normas de expressão de suas emoções. Num 
primeiro momento, podem esconder suas emoções em determinadas situações, 
mas não são de todo eficazes, pois estão agindo mais conforme o que seus pais 
3 
 
 
lhes ensinam do que de acordo com uma estratégia de dissimulação bem 
compreendida. Num segundo momento, a partir dos cinco ou seis anos, parecem 
compreender realmente a diferença entre uma emoção real e uma emoção 
expressa, sendo conscientes de seus estados mentais e conseguindo esconder, 
deliberadamente, seus sentimentos com objetivo de se ajustar às normas 
sociais. 
Com esta tomada de consciência em relação às suas reações emocionais 
e comportamentais, pode-se vislumbrar um incipiente padrão de regularidade 
comportamental na criança, tendo em vista que a mesma já é capaz de buscar 
ativamente por determinadas situações ou eventos, ao mesmo tempo em que 
evita outros. Este padrão de regularidade, tanto temporal quanto situacional, é 
o que se chama de personalidade ou temperamento – mais adiante estes termos 
serão conceituados e discutidos com maior profundidade – e sua estrutura e 
desenvolvimento consistem em aspectos a serem melhor explorados pelo 
campo da pesquisa em psicologia. Neste sentido, um fenômeno que vem sendo 
alvo de investigação por parte de muitos pesquisadores consiste nas mudanças 
que ocorrem na personalidade quando se passa da infância para a adolescência 
e desta para a vida adulta. 
Assim, indaga-se: o temperamento de uma criança desenvolve-se de 
forma estável e coerente com a personalidade que ela irá exibir posteriormente? 
A resposta é positiva. As pesquisas apontam para a possibilidade da estrutura 
da personalidade de um indivíduo na infância conter importantes similaridades 
com a estrutura da personalidade deste mesmo indivíduo adulto. De acordo com 
Caspi, Roberts e Shiner (2005) é preciso atentar para algumas diferenças no 
desenvolvimento dos traços infantis. Observa-se que a estrutura das diferenças 
individuais dos dois aos oito anos de idade requer uma atenção especial, pois 
as mudanças que aparecem durante este período são rápidas e amplas. Assim, 
as crianças passam da manifestação de um pequeno número de emoções para 
um grande número muito rapidamente, o que configura sua personalidade como 
pouco integrada e mais complexa. Não há, para esta faixa etária, um padrão 
comportamental consistente como há para o adulto. 
Existem achados apontando que as diferenças comportamentais que 
aparecem na infância tendem a se manter na vida adulta, o que indica uma alta 
4 
 
 
estabilidade do temperamento infantil. Caspi (2000), em seu famoso estudo em 
Dunedin sobre as continuidades do desenvolvimento da personalidade, sustenta 
que as diferenças temperamentais que aparecem no início da vida têm uma 
influência decisiva no desenvolvimento da estrutura da personalidade adulta. 
Seus resultados mostram que as crianças que apresentaram, aos três anos de 
idade, falta de controle sobre si próprias e maior tendência à externalização de 
problemas (por exemplo, mentir, desobedecer, fazer ameaças) tornaram-se 
impulsivas, instáveis, agressivas, bem como apresentaram maior taxa de 
criminalidade e conflito com membros de sua esfera social e profissional, no 
início da vida adulta. Já aquelas que, aos três anos, foram classificadas como 
inibidas e com tendência à internalização dos problemas (por exemplo, sentir-se 
inquieto, chorar facilmente, andar amuado ou triste), mostraram-se pouco 
assertivas e com maior tendência para depressão e escassez de suporte social, 
aos vinte e um anos de idade. 
Conclui-se que, embora as manifestações comportamentais se 
modifiquem com o passar do tempo, o curso do desenvolvimento da 
personalidade apresenta certa coerência, com características que se mantêm ao 
longo dos anos. 
Temperamento ou personalidade? Considerações 
conceituais quanto aos dois construtos 
Muitos psicólogos que estudam a personalidade infantil têm se 
concentrado no estudo do temperamento, da consistência comportamental e dos 
seus substratos biológicos, por serem fenômenos que aparecem cedo na vida. 
Há um esforço para se mostrar a ligação entre o temperamento na infância e a 
personalidade do adulto, mas figura-se como obstáculo principal a dificuldade de 
delimitação conceitual dos construtos temperamento e personalidade. 
O temperamento pode ser conceituado como a qualidade das respostas 
emocionais da criança. É mensurado na infância e tem a tendência de se 
manifestar em traços mais específicos, sendo influenciado pelos componentes 
biológicos ou genéticos mais do que pela experiência (Caspi, 2005). Para Strelau 
(1998), o temperamentoconsiste em uma característica formal do 
comportamento, sendo expresso através do nível de energia e de fatores 
5 
 
 
temporais. São traços básicos e relativamente estáveis, presentes desde cedo 
nas crianças. É primariamente determinado por mecanismos biológicos e, ao 
longo do tempo, está sujeito a mudanças causadas tanto pela maturação quanto 
pela interação do indivíduo com o ambiente. 
De forma geral, o temperamento é atribuído a bebês e crianças pequenas 
– até cerca de sete anos de idade –, destacando-se por sua forte influência 
biológica, sendo que a tendência de integração dos comportamentos culmina na 
formação da personalidade adulta (Goldsmith et al., 1987). 
O construto denominado personalidade consiste em um domínio mais 
amplo, envolvendo hábitos, valores, conteúdo da cognição social e padrões de 
reação e de sentimentos. Há um número significativo de variáveis que estão no 
cerne de sua concepção e desenvolvimento e, por ser um construto com ampla 
variabilidade, costuma ser atribuído a crianças mais velhas, adolescentes e 
adultos. A forte influência de fatores biológicos divide espaço com mecanismos 
ambientais que irão moldar as características gerais do indivíduo (Rothbart & 
Bates, 1998; Shiner & Caspi, 2003). Para Colom (1998), a personalidade pode 
ser compreendida por meio dos atos cotidianos das pessoas e, para abordá-la 
de forma cientifica é preciso empreender uma investigação das diferenças de 
conduta numa amostra variada de situações para, então, compreender quais são 
as propriedades que governam o comportamento das pessoas. Tais 
comportamentos podem ser consistentes – quando não mudam de forma 
significativa em diferentes situações – ou estáveis – quando não há uma 
mudança demasiado grande ao longo do tempo. Assim, partindo-se da 
regularidade da conduta de uma pessoa, é possível prever seu comportamento 
futuro. 
A literatura, porém, não aponta uma distinção clara entre os termos 
temperamento e personalidade infantis, que são tratados muitas vezes como 
conceitos sobrepostos (Rothbart &Bates, 1998; Shiner & Caspi, 2003). Para 
Teiglasi (1995), o contraste entre os dois conceitos é obscuro, pois apresentam 
um vocabulário descritivo semelhante, havendo também uma carência de dados 
capazes de diferenciá-los com base em fatores biológicos. É possível elencar 
três formas de sobreposição ou relacionamento apontados na literatura entre os 
conceitos temperamento e personalidade: 1) o temperamento pode ser 
6 
 
 
considerado como um dos elementos da personalidade; 2) como seu sinônimo; 
3) ou como um fenômeno totalmente independente da personalidade (Strelau, 
1991, como citado em Hofstee, 1991). 
Mas também é possível estabelecer, a partir da literatura, algumas 
diferenças fundamentais entre os dois construtos: a) o temperamento é 
biologicamente determinado, enquanto a personalidade é um produto do 
ambiente social; b) os traços de temperamento podem ser identificados desde 
cedo na vida, enquanto a personalidade é investigada em períodos posteriores 
do desenvolvimento; c) diferenças individuais no temperamento – como 
ansiedade e busca de estimulação – podem ser observadas também em 
animais, enquanto a personalidade é uma prerrogativa do ser humano; d) o 
temperamento inclui características mais estilísticas e formais do 
comportamento, enquanto a personalidade refere-se mais a conteúdos do 
comportamento (Strelau, 1998). 
Diante do exposto, muitos autores preferem fazer uso do termo 
temperamento no lugar de personalidade quando se referem a crianças 
pequenas, ou até mesmo a bebês, tendo em vista que o temperamento constitui 
a base afetiva e ativacional da personalidade posterior (Rothbart, & Bates, 1998). 
 Principais teorias do temperamento infantil 
Dentre as diversas teorias que explicam o temperamento infantil, destaca-
se a de Thomas e Chess, que foram os primeiros a realizarem um estudo 
longitudinal (New York Longitudinal Study) com o objetivo de descrever as 
categorias do temperamento na infância. Para estes autores, o temperamento é 
um atributo que interage com outros, mas mantém sua independência. O estudo 
longitudinal começou em 1956 e foram observadas 100 crianças nos Estados 
Unidos. A coleta de informações a respeito das crianças se fez principalmente 
por meio do relato dos pais e professores e a partir da observação direta das 
mesmas. Nove categorias foram analisadas a partir das informações coletadas: 
nível de atividade; ritmicidade; aproximação/afastamento; adaptabilidade; limiar 
de resposta; intensidade da reação; qualidade do humor; distração; duração da 
atenção e persistência. A partir destas categorias foi possível classificar as 
crianças em três grupos distintos: a) temperamento fácil: humor positivo, 
7 
 
 
responde adequadamente à novidade e à mudança, tem horários regulares de 
sono e alimentação, sorri a estranhos, adapta-se facilmente a novas situações e 
rotinas e aceita melhor as frustrações; b) temperamento difícil: humor negativo, 
chora alto (e também ri alto), responde mal à novidade e mudança, aceita 
lentamente novos alimentos, é desconfiada com estranhos; c) temperamento de 
aquecimento lento: reações de intensidade moderada, ora positiva, ora negativa, 
responde lentamente à novidade e mudança, resposta inicial negativa e 
moderada a novos estímulos. (Chess & Korn, 1982; Thomas & Chess, 1990). 
O modelo pioneiro proposto por Thomas e Chess foi investigado, 
posteriormente, por vários pesquisadores e, devido à baixa replicabilidade dos 
seus nove traços, novos modelos inspirados no referido estudo foram propostos. 
Um deles foi o desenvolvido por Buss e Plomin, em 1975 (Shiner, 1998), o qual 
é conhecido como modelo Emocionalidade- Atividade- Sociabilidade- 
Impulsividade (EASI). Esses pesquisadores sustentam que essas dimensões 
são as fundações essenciais da individualidade da nossa espécie, posto que 
elas aparecem cedo no desenvolvimento, mostram alguma estabilidade e estão 
entre os traços mais herdáveis na personalidade. 
Outra importante pesquisadora do temperamento infantil é Mary Rothbart, 
que postula que o temperamento corresponde às diferenças individuais em 
relação à reatividade e regulação. Essas características seriam estáveis ao 
longo do tempo e determinadas biologicamente. Rothbart afirma que o 
temperamento pode ser medido nos primeiros meses de vida e exerce influência 
sobre aspectos do comportamento da criança. Contudo, o temperamento não é 
o único fator que influencia o comportamento. Outros fatores como estados 
motivacionais do indivíduo, estruturas de conhecimento e as expectativas 
influenciam igualmente e intervêm no desenvolvimento. A pesquisadora avalia 
o temperamento da criança a partir da sua resposta a estímulos sensoriais e 
propõe algumas dimensões que podem sofrer alteração ao longo do tempo. Tais 
dimensões classificam-se em: a) reatividade negativa: aversão à aproximação e 
expressão de sentimentos negativos; b) reatividade positiva: aproximação e 
expressão de sentimentos positivos; c) comportamento inibido diante de 
estímulos novos e intensos; e c) capacidade de manter a atenção (Rothbart, 
1981, como citado em Rothbart & Bates, 1998). 
8 
 
 
Seguindo a mesma abordagem psicobiologia de Rothbarts, Robert 
Cloninger, propôs um modelo composto por quatro dimensões do 
temperamento: 1) Busca por novidade: relaciona-se à ativação e iniciação de 
comportamentos por estímulos novos, implicando uma predisposição para a 
excitabilidade, impulsividade e comportamento exploratório; 2) Evitação de 
danos: cessação ou inibição de comportamentos frente a sinais de estímulos 
aversivos, implicando uma tendência para pessimismo, apreensão, 
fatigabilidade, medo e timidez; 3) Dependência da recompensa: manutenção de 
comportamentos previamente associados com recompensa, visando a obtenção 
de prêmios e vínculos sociais satisfatórios,estabelecendo uma tendência à 
sentimentalidade e dependência da aprovação de terceiros; 4) Persistência: 
medida do grau em que uma pessoa mantém um comportamento sem receber 
reforços imediatos. O autor sugere que as três primeiras dimensões são também 
observadas em animais, sendo que a persistência é a única vista somente em 
humanos (Cloninger, Battaglia, Przybeck & Bellodi, 1996). 
Diante da diversidade de abordagens teóricas que tentam explicar o 
desenvolvimento do temperamento em crianças, Goldsmith et al (1987), em 
revisão bibliográfica, elencaram pontos de concordância e discordância entre as 
principais teorias. Quanto aos consensos é posto que: a) as dimensões do 
temperamento refletem tendências mais comportamentais; b) há uma ênfase na 
origem biológica do temperamento e na sua continuidade com a personalidade 
que será formada ao longo do tempo; c) há uma tendência a se centrar o estudo 
do temperamento no período da infância devido à ideia de que nessa fase a 
relação entre temperamento e ambiente é menos complexa; d) o temperamento 
se refere a diferenças individuais mais do que a características gerais de uma 
espécie. Mas há também divergências fundamentais entre as principais teorias, 
que instigam o desenvolvimento de novas pesquisas: a) os teóricos postulam 
distintos critérios para definir o temperamento, como por exemplo: estilos de 
comportamento, reações emocionais ou estabilidade da conduta; b) os teóricos 
também divergem no momento de definir as dimensões que são consideradas 
como temperamento. Há um consenso para as dimensões nível de atividade e a 
emocionalidade, mas nem todas as dimensões propostas são aceitas por todos 
os teóricos; c) a maioria dos investigadores do temperamento está de acordo 
9 
 
 
que este é um componente da personalidade, mas divergem ao estabelecer os 
limites entre estes dois conceitos. 
Em síntese, a maioria dos modelos do temperamento infantil inclui os 
seguintes elementos como descritivos do temperamento: a) nível de energia ou 
atividade; b) emoções positivas: tendência para humor positivo e para evocar 
atenção social, com suscetibilidade para recompensas; c) emoções negativas: 
podem ser internalizastes (culpa, medo, insegurança e ansiedade) ou 
externalizantes (irritabilidade, raiva e frustração); d) timidez social; e) esquiva de 
novas situações; f) capacidade de se confortar (Rothbart & Bates, 1998; Shiner 
& Caspi, 2003). 
Embora consideráveis avanços tenham sido observados nos estudos da 
personalidade infantil, tal área depara-se ainda com alguns obstáculos. Um deles 
refere-se à inexistência de uma taxonomia única e consensual que descreva a 
estrutura da personalidade da criança. Os pesquisadores trabalham com 
modelos diferentes, o que leva ao segundo obstáculo: a pouca convergência 
entre as tantas medidas existentes para se avaliar o temperamento infantil (Caspi 
et al., 2005). 
A Teoria dos Três Superfatores de Hans Eysenck 
O motivo da inclusão de um tópico específico sobre a teoria dos Três 
Superfatores proposta pelo pesquisador Han Eysenck se deve ao fato de a 
construção do questionário para avaliação do temperamento em crianças pré-
escolares realizada nesta pesquisa basear-se neste modelo. 
A opção por esta abordagem foi feita partindo-se de duas razões 
principais: 
1) É fundamental dispormos de evidências biológicas na explicação do 
temperamento e, como será discutido adiante, os substratos biológicos 
responsáveis pelas diferenças individuais nas dimensões da personalidade são 
especificados nesta abordagem, 2) No Brasil, há evidências de replicabilidade 
deste modelo para faixa etária infantil fornecidas por meio das pesquisas 
realizadas por Fermino Sisto com a construção da ETPC (Sisto, 2004a). 
10 
 
 
 Dentre as diversas abordagens teóricas sobre a personalidade, uma que 
vem se destacando por sua objetividade na descrição das propriedades desse 
construto são as teorias fatoriais ou dos traços. Tais teorias investigam as 
dimensões que descrevem de modo mais completo e adequado a personalidade, 
buscando a relação entre a conduta das pessoas com o ambiente e os fatores 
biológicos. As propriedades da personalidade correspondem aos traços ou 
fatores que compõem esse constructo, os quais são alcançados através de 
testes capazes de medir, com garantias psicométricas, os supostos fatores do 
conceito a ser investigado. As teorias fatoriais desenvolveram-se através do 
estudo psicolexical e fatorial de dados. O primeiro sustenta que as diferenças 
individuais mais salientes e socialmente relevantes vêm codificadas nas várias 
línguas. Assim, a linguagem cotidiana seria a fonte que permitiria identificar os 
termos que melhor descrevem a personalidade. Já a perspectiva fatorial permite 
o rearranjo de dados com o objetivo de descobrir o menor número de fatores 
independentes que possam descrever e classificar tais dados. A técnica fatorial 
determina quais comportamentos estão relacionados e são independentes de 
outros, determinando as unidades da estrutura da personalidade (Calvin, 
Lindzey, Gardner & Campbell, 2000; Flores-Mendoza & Colom, 2006; Pervin & 
John, 2004). 
Hans Jurgen Eysenck, um dos teóricos pioneiros no estudo da estrutura 
fatorial da personalidade, desenvolveu uma teoria partindo da definição de que 
a personalidade consiste em uma integração das características afetivas, 
volitivas, cognitivas e físicas, de modo a formar uma estrutura que o diferencie 
dos outros sujeitos. Ele reconhece o papel crítico desempenhado pela 
aprendizagem e pelas forças ambientais, mas enfatiza o papel determinante e 
causal dos fatores biológicos, havendo evidência de componentes herdáveis 
para a estrutura proposta (Eysenck, 1959). 
A abordagem de Eysenck especifica os substratos biológicos que são 
responsáveis pelas diferenças individuais em dimensões fundamentais da 
personalidade. Seu modelo inclui três dimensões tipológicas básicas, 
estruturadas numa hierarquia. No nível inferior encontram-se as respostas 
específicas e no nível superior encontram-se os tipos, que consistem em 
agrupamentos de características estáveis e recorrentes do sujeito (traços). 
11 
 
 
Dessa forma, o modelo propõe três tipos fundamentais da estrutura da 
personalidade humana, sendo que as pessoas diferem entre si no tocante à 
intensidade da manifestação de cada tipo. 
1 Extroversão: altos escores neste fator descrevem o sujeito como 
sociável, animado, ativo, assertivo, despreocupado, dominante, 
cordial, aventureiro e com busca de sensações. Baixos escores 
reúnem características opostas e definem o sujeito como 
introvertido. 
2 Neuroticismo: sujeitos com altos escores neste fator são definidos 
como ansiosos, deprimidos, tensos, irracionais, tímidos, 
melancólicos, emotivos, com tendência a sentir culpa e baixa 
autoestima. Baixos escores neste fator caracterizam o sujeito como 
emocionalmente estável. 
3 Psicoticismo: descrito, quando há altas pontuações, por adjetivos 
como agressivo, frio, egocêntrico, impessoal, impulsivo, 
antissocial, não-empático, criativo e obstinado. Sujeitos com 
escores baixos neste fator apresentam características contrárias e 
são definidos pelo controle de impulsos. 
De acordo com Sisto et al. (2004b), o Psicoticismo, apesar de ser 
retratado como uma dimensão da personalidade normal, caracteriza crianças 
com altas pontuações como despreocupadas com os outros, solitárias e hostis, 
inclusive com os mais próximos. Além disso, sentem prazer em perturbar os 
outros ou deixá-los de mau humor. A manifestação desta dimensão está 
estreitamente associada com a socialização, sendo que crianças com alto 
Psicoticismo apresentam indícios de anti-sociabilidade, o que gera uma 
expectativa de rejeição social, especialmente por parte dos pares. Resultado 
similar é sustentado por Omar (1994), que encontrou que crianças com 
tendência ao Psicoticismo mostrarampredisposição a comportamentos 
antissociais e foram mais rejeitados pelos colegas. Heaven, Newbury e Wilson 
(2004) também encontraram que o Psicoticismo possui um alto poder preditivo 
para uma diversidade de comportamentos delinquentes, como o uso de drogas, 
advertência policial e dano de propriedade. 
12 
 
 
Inicialmente, os três fatores foram estudados em adultos, mas as 
pesquisas se estenderam para a faixa etária infantil e têm evidenciado uma 
replicabilidade do modelo também para crianças (Campbell et al., 2000; 
Eysenck, 1959). 
O modelo causal de Eysenck relaciona as diferenças entre introvertidos e 
extrovertidos em termos de níveis de excitação, localizando as estruturas no 
sistema nervoso central em que ocorrem tais diferenças. Uma explicação 
neurológica é também oferecida para diferenciar neuróticos de pessoas 
emocionalmente estáveis. As diferenças entre Introversão e Extroversão são em 
termos de níveis de atividade no sistema ativador reticular ascendente (SARA) 
– a atividade desse sistema serve para estimular o córtex cerebral, levando à 
maior excitação cortical. Os introvertidos caracterizam-se por uma maior 
atividade no SARA, o que gera níveis mais altos de excitação cortical. São, 
portanto, mais excitados e mais excitáveis do que os extrovertidos. Por ficarem 
superestimados mais facilmente, procuram ambientes mais tranquilos e com 
menos estimulação. O contrário ocorre com sujeitos extrovertidos, 
caracterizados por uma menor atividade no SARA e, portanto, buscam ativação 
no ambiente. Em relação ao Neuroticismo, as diferenças dependem de níveis de 
atividade do sistema nervoso autônomo (SNA). Indivíduos neuróticos 
caracterizam-se por níveis mais elevados de ativação e por limiares mais baixos 
no SNA. Há poucos dados referentes aos mecanismos biológicos do fator 
Psicoticismo, mas sabe-se que o mesmo associa-se ao sistema de ataque-fuga 
pertencente à malha cortiço-amigdalar, ou circuito do medo. Dessa forma, 
sujeitos com alto Psicoticismo apresentam baixa atividade no córtex pré-frontal, 
o que gera agressividade e impulsividade, bem como apresentam uma 
dificuldade de experimentar o medo, o que está vinculado à falta de empatia 
(Campbell et al., 2000; Eysenck, 1992; Juan-Espinosa, 2006). 
Inicialmente, Eysenck desenvolveu uma série de questionários de auto 
relato para medir as diferenças individuais nas dimensões Neuroticismo e 
Extroversão. O primeiro deles foi o Maudsley Personality Inventory (MPI), 
desenvolvido na década de 50 e que foi substituído pelo Eysenck Personality 
Inventory (EPI), e mais tarde pelo Eysenck Personality Questionnaire (EPQ). 
Este último tendo sua primeira versão na década de 70. Uma das alterações diz 
13 
 
 
respeito aos itens do traço impulsividade, que carregavam na escala de 
Extroversão do EPI e que foram transpostos para a escala de Psicoticismo do 
EPQ. O EPQ conta com uma versão para adultos (EPQ-Adult) e com uma versão 
para adolescentes (EPQ- Junior), estando esta última em processo de 
adaptação para o contexto brasileiro. 
Como avaliar o temperamento infantil? 
A mensuração das diferenças individuais no temperamento de crianças 
compõe-se dos hetero-relatos dos pais e professores – que respondem sobre 
comportamentos e sentimentos observados nos filhos e alunos - aos quais são 
incorporadas as técnicas de observação e os questionários de auto relato. Sabe-
se que a mensuração através de relatos de múltiplos informantes e métodos 
diversos de avaliação são necessários para fornecer informações mais 
confiáveis e válidas da personalidade da criança. 
Segundo Measelle, Ablow, P. Cowan e C. Cowan (2005), as medidas de 
auto relato para crianças, apesar da vantagem de oferecerem informações 
muitas vezes não disponíveis nos relatos de outros, apresentam algumas 
complicações. Dentre elas, a limitada capacidade cognitiva, níveis inconscientes 
de engajamento e vieses motivacionais. Observa-se, também, que tais medidas 
nem sempre são confiáveis, posto que fatores como desejabilidade social, 
inteligência, autoestima e autoconceito, que ainda estão em processo de 
formação, influenciam nas descrições que as crianças fazem de si. No que se 
refere ao relato de pais e professores, sabe-se que eles são os informantes mais 
privilegiados do funcionamento comportamental da criança, e por isso, o uso de 
tais relatos tem sido extensivo, tanto na pesquisa clínica quanto na 
desenvolvimental (Rothbart, Ahadi & Evans, 2000). 
Os pais são considerados informantes por excelência da personalidade 
das crianças, uma vez que se situam em posição de observar uma variedade de 
comportamentos em diferentes situações e por longo intervalo de tempo. Eles 
observam comportamento da criança em situação natural, podendo, com isso, 
ter acesso a comportamentos que, para outros, podem parecer infrequentes 
(Rothbart & Bates, 1998). Já o relato de professores é bastante utilizado porque, 
ao interagir por um período de tempo considerável com as crianças, possuem 
14 
 
 
um amplo referencial com base no qual respaldam suas respostas (Laidra, Allik, 
Harro, Merenakk & Harro, 2006). 
Embora o hetero-relato consista em um método fundamental de avaliação 
da personalidade de crianças, as medidas de auto relato – quando aplicadas a 
crianças em idade suficiente para respondê-las - são indispensáveis, 
considerando que as crianças são capazes de utilizar pistas internas que não 
são acessíveis aos demais observadores. 
Elas encontram-se, por isso, em posição singular de observar como se 
comportam em diferentes ambientes. 
No tocante ao grau de concordância entre o relato dos diferentes 
informantes sobre a criança, tem-se, de acordo com revisão realizada por De 
Fruyt e Vollrath (2003), uma alta correlação entre relatos de pais e mães, bem 
como uma alta correlação entre o relato de professores. Já a correlação entre o 
relato de pais e professores, apresenta-se como moderada. 
A falta de uma alta convergência no relato dos vários informantes reflete 
o fato de que diferentes observadores fornecem um perfil diferente da criança, 
posto que eles observam-na em diferentes contextos, mas também porque 
possuem experiências distintas com a mesma. Os pesquisadores aceitam que 
as diferenças entre múltiplos informantes podem refletir: a) especificidade 
interacional; b) especificidade comportamental, e c) distorções nas percepções 
individuais (Grietens et al., 2004). No caso específico dos professores, Laidra et 
al. (2006) acreditam que dois fatores podem atuar na diminuição da acurácia do 
relato: 1) a avaliação de várias crianças ao mesmo tempo, e 2) a falta de 
motivação dos professores para tal tarefa. 
 A existência de baixo acordo encontrado em alguns estudos entre adultos 
pode também ser decorrente do que Watson, Hubbard e Wiese (2000) chamam 
de “Efeito da Visibilidade do Traço”. Segundo os autores, há traços de 
personalidade que são facilmente observados (aqueles com claras e frequentes 
manifestações comportamentais). Esses traços apresentam maior acordo entre 
informantes do que aqueles para os quais a informação externa disponível é 
pequena. 
15 
 
 
Acentua-se, por fim, que a baixa concordância encontrada em alguns 
estudos não implica que um determinado tipo de relato seja preferível, apenas 
indica que as pessoas podem utilizar diferentes referenciais quando avaliam a 
sua personalidade e a dos outros. 
 No Brasil, destacam-se as pesquisas na área do temperamento e 
personalidade infantil realizadas por Raquel Guzzo (Guzzo & Pereira, 2002), que 
vem desenvolvendo pesquisas sobre o temperamento e a personalidade na 
infância e adaptou a escala Pavlovian Temperament Survey (PST) para crianças 
e adolescentes de 7 a 14 anos. A escala avalia três dimensões do 
temperamento: 1) Força de Excitação: maneira como o indivíduo reage à 
estimulação; 2) Força de Inibição: capacidade do indivíduode inibir um 
comportamento quando necessário; 3) Mobilidade: habilidade do indivíduo em 
responder adequadamente às mudanças ambientais. Destaca-se também o 
trabalho de Fermino Sisto (Sisto, 2004), que desenvolveu a Escala de Traços de 
Personalidade para Crianças (ETPC), tendo como base o modelo de 
estruturação da personalidade proposto por Hans Eysenck. A ETPC avalia 
quatro fatores da personalidade em crianças de 5 a 10 anos de idade, num 
questionário de auto relato: Neuroticismo, Psicoticismo, Extroversão e 
Sociabilidade. 
Para avaliação de crianças na faixa etária pré-escolar, entende-se que os 
questionários de hetero-relato são mais adequados, considerando as limitações 
da criança nesta idade para refletir sobre seu comportamento nas diversas 
situações, compará-lo com o de outras crianças e responder a perguntas sobre 
si. No Brasil, contudo, ainda não dispomos de questionários de avaliação no 
formato hetero-relato para a faixa etária pré-escolar. 
 Temperamento e suas associações com as 
habilidades cognitivas e o desempenho escolar 
De acordo com Reeve, Meyer e Bonaccio (2006), a relação entre 
inteligência e personalidade vem sendo alvo de interesse científico ao longo dos 
últimos cem anos. Embora muitos psicólogos diferencialistas vejam a inteligência 
e a personalidade como inextrincavelmente ligadas, estes dois domínios foram 
historicamente tratados de forma separada. Contudo, a última década foi 
16 
 
 
marcada pelo esforço de se estudar as duas principais instâncias das diferenças 
individuais como sendo relacionadas ao invés de independentes. Os estudos, 
em sua maioria, têm sido voltados para a faixa etária adulta, sendo que as 
conclusões sobre a associação entre temperamento e cognição em pré-
escolares permanecem insólitas. 
De acordo com Miklewska, Kaczmarek e Strelau (2006), os construtos 
temperamento e cognição podem ser relacionados na infância a partir de três 
grupos de hipóteses: 
A primeira hipótese sustenta a ideia de uma base comum entre os dois 
construtos. Tal base seria o nível de estimulação cerebral (arousal), conceito 
presente em vários modelos do temperamento, como o modelo EASI de Buss e 
Plomin, ou a busca por sensação de Zuckerman. O nível de estimulação cerebral 
é reportado como um forte influente na eficácia do aprendizado e como uma 
medida dos traços de temperamento relativos à necessidade de estimulação - 
como o nível de atividade ou a busca por sensações. D. Robinson e Behbehani 
(1996) investigaram a relação entre a inteligência e o nível de estimulação 
cerebral e concluíram que este último exerce influência sobre os recursos de 
atenção e memória de trabalho. 
 A segunda hipótese defende que o desenvolvimento da inteligência 
está sob influência de características temperamentais. Zuckerman (1994) 
mostrou que os valores de correlação entre o QI e a busca por sensação giram 
em torno de 0,19 – 0,34. Contudo, Lemelin, Tarabulsy e Provost (2006) ressaltam 
que um alto nível de atividade e energia consiste em uma característica favorável 
para o aprendizado apenas até os quinze meses de idade. Em consonância com 
este achado, Saklofske e Kostura (1990) não encontraram nenhuma correlação 
significativa entre escores de QI e a Extroversão em crianças com idade a partir 
de quarenta e oito meses. Tais resultados levam à conclusão de que as relações 
hipotéticas entre a necessidade de estimulação - expressada pelo nível de 
atividade e busca por sensação – e a inteligência podem ser modificadas por 
outros fatores. Tem-se, por exemplo, dados apontando que os extrovertidos 
operam cognitivamente de forma mais eficiente sob condições de alta 
estimulação, enquanto os introvertidos operam mais eficientemente em 
condições de baixa estimulação, isto é, em situações monótonas (Eysenck & 
17 
 
 
Eysenck, 1985, como citado em Furnham & Medhurst, 1995). Assim, a relação 
entre necessidade de estimulação e habilidade intelectual pode ser mediada por 
fatores como a natureza da tarefa intelectual ou seu nível de novidade e 
dificuldade. 
 Por fim, uma terceira hipótese é a de que o temperamento influencie 
na mensuração da inteligência, sendo um moderador no processo de avaliação 
cognitiva, que é comumente sentido como estressante e ameaçador na cultura 
ocidental. Nesse caso, características temperamentais ligadas à emocionalidade 
negativa prejudicariam a execução de tais tarefas (Miklewska et al. 2006). 
De acordo com Lemelin et al. (2006), as diferenças individuais na 
irritabilidade e níveis de atividade influenciam a capacidade de processamento 
de informação e, posteriormente, afeta a habilidade de aprender. Porém, há uma 
considerável variabilidade de resultados quanto à natureza das associações. Por 
exemplo, Matheny (1989) reportou correlações negativas entre nível de atividade 
e o desenvolvimento mental de 1 a 12 anos de idade. Lemelin et al (2006) 
também observaram uma associação negativa entre nível de energia e medidas 
cognitivas aos trinta e seis meses de idade. Já em estudo envolvendo pares de 
gêmeos, DiLalla et al. (1990) reportaram correlações positivas entre o nível de 
atividade acessado aos nove meses de idade e medidas cognitivas de 1 a 3 anos 
de idade. Miklewska et al. (2006) encontraram, para pré-escolares, correlações 
negativas entre a inteligência fluida e a emocionalidade negativa, enquanto a 
inteligência cristalizada foi positivamente relacionada ao nível de atividade. Os 
mesmos autores reportaram correlação negativa entre força de excitação 
(tolerância a estimulações longas e duráveis) e a inteligência fluida para crianças 
de 8 e 9 anos. 
 Tal divergência nos achados foi explicada por Lemelin et al. (2006), que 
sugeriram que o nível elevado de atividade no início da infância (aos nove 
meses) pode servir para organizar a estimulação, eliciar a interação adulto-
criança e permitir que as crianças fiquem alertas às diferentes dimensões do 
ambiente. Porém, se o nível elevado se mantiver (a partir dos quinze meses) 
pode acabar obstruindo estes processos. 
18 
 
 
Esta variabilidade de resultados levou alguns autores a sugerirem uma 
quarta explicação para a relação entre temperamento e funções cognitivas. Tal 
hipótese propõe que esta relação é moderada por outros aspectos ambientais, 
tais como a qualidade da interação entre a mãe e o filho, o QI dos pais, idade da 
mãe e nível socioeconômico da família (Lemelin et al., 2006). Esta hipótese 
mostra-se interessante, posto que a literatura nem sempre apresenta relações 
robustas entre temperamento e cognição - as correlações normalmente variam 
de fracas a moderadas. Os dados sugerem que estas características podem 
contribuir, em interação com outras variáveis, para uma parte da variância no 
funcionamento cognitivo. 
 Dentre as variáveis moderadoras na relação temperamento/cognição, 
a qualidade da interação materna é uma das mais estudadas. Maziade et al. 
(1987) sugeriram que uma alta irritabilidade pode eliciar uma interação mãe-filho 
mais frequente do que uma baixa irritabilidade da criança. Considerando que: a) 
o comportamento materno eliciado num ambiente de alto risco pode ser menos 
apropriado para um desenvolvimento cognitivo saudável; e b) o comportamento 
eliciado em ambientes de baixo risco pode auxiliar o desenvolvimento cognitivo, 
espera-se que a qualidade da interação mãe/criança na predição do 
desenvolvimento cognitivo seja mediada pela vulnerabilidade social do 
ambiente. 
Resultado similar foi encontrado por J. Robinson e Acevedo (2001), que 
mostraram que, em contexto de interação positiva entre mãe e filho, o distress 
(aflição, angústia) apresentado pela criança foi positivamente relacionada com 
seu desenvolvimento cognitivo posterior. Isto sugere que mesmo 
comportamentos relacionados à emocionalidade negativa da criança podem 
auxiliar seu desenvolvimento cognitivo, ao passoque geram interação com a 
mãe. Contudo, tal suposição é esperada apenas para ambientes de interação 
positiva. 
Lemelin et. al. (2006), em estudo longitudinal, mostraram uma associação 
negativa entre a tendência à raiva e o desenvolvimento cognitivo em grupos de 
baixo risco social, mas quase nenhuma correlação entre estas duas variáveis no 
grupo de alto risco. Há também evidências empíricas suportando que crianças 
19 
 
 
de nível socioeconômico baixo exibem dimensões associadas ao temperamento 
difícil (Smart, Prior, Oberklaid & Pedlow, 1994). 
Contudo, há divergências quanto à influência destas terceiras variáveis. 
Coplan et. al. (1999) observam que muitos autores recorrem à explicação de que 
a associação entre temperamento e desempenho acadêmico é mediada por 
variáveis como sexo, nível de instrução dos pais, nível socioeconômico e 
vocabulário da criança. Porém, estes autores constataram, em pesquisa com 
pré-escolares, que o temperamento permanece como um preditor do 
desempenho acadêmico mesmo quando essas terceiras variáveis são 
controladas. De acordo com estes autores, as habilidades numérica e linguística 
estão positivamente associadas com atenção; negativamente com a 
emocionalidade negativa; e não apresentam correlação significativa para 
soothability (capacidade de se acalmar) e sociabilidade. As habilidades 
emergentes no aprendizado da leitura e escrita, além das habilidades aritméticas 
foram relacionadas também com a educação parental e extensão do vocabulário 
das crianças. Os resultados revelaram que temperamento – principalmente a 
emocionalidade e o nível de atividade – prediz habilidades linguísticas e 
numéricas. Estas duas características temperamentais foram consideradas, 
pelos autores, como as que apresentam a mais forte ligação com o sucesso 
escolar. Conclusão similar foi reportada por Matheny (1989), ao observar que o 
nível de energia e a emocionalidade podem contribuir para as diferenças 
individuais na forma como a criança absorve o material ensinado no contexto 
escolar. 
 Em revisão bibliográfica, Martin (1989, como citado em Coplan et al., 
1999) observou alguns padrões de relação entre o temperamento em pré-
escolares e o desempenho acadêmico futuro, sugerindo que, no início da 
infância, crianças que são mais ativas, mais distraídas e menos persistentes – 
entendido como capacidade de dar continuidade a tarefas difíceis - tendem a ter 
baixos escores em medidas de desempenho escolar. 
No tocante às diferenças de gênero sobre o temperamento e o 
desempenho acadêmico, essas parecem estar bem estabelecidas nos primeiros 
anos escolares. Meninos são geralmente reportados como tendo níveis maiores 
de atividade (Coplan et al., 1999) e emocionalidade positiva do que as meninas 
20 
 
 
(Shoen & Nagle, 1994). Já as meninas são superiores em habilidades verbais, 
de pré-leitura e em vocabulário (Schoen & Nagle, 1994), superando os meninos 
também em habilidades numéricas e linguísticas (Coplan et al., 1999). Sisto et 
al (2004b) também observou, em crianças de 7 a 9 anos, que as meninas 
obtiveram índices maiores de Neuroticismo e Psicoticismo em relação aos 
meninos, não sendo encontradas diferenças significativas para a Extroversão. 
No Brasil, não foram encontrados estudos que verificassem a associação 
entre temperamento, inteligência e rendimento escolar nos anos pré-escolares. 
Este é um campo que merece atenção dos pesquisadores, tendo em vista a 
importância da personalidade e da inteligência na predição do sucesso do 
indivíduo em diversas esferas da vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
21 
 
 
DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE DA 
CRIANÇA: O PAPEL DA EDUCAÇÃO INFANTIL 
Quando nasce uma criança, que responsabilidades seu nascimento 
agrega à vida dos pais e à sociedade que a cerca? Como devem ser organizadas 
suas condições de vida e educação? Quais as suas necessidades presentes e 
futuras? Que capacidades ela formará ao longo da vida? Como educá-la para 
que seja sujeito de seus atos, consciente de seu posicionamento e lugar no 
mundo? 
O nascimento de cada criança representa um grande desafio para todos 
aqueles que se responsabilizam pelo seu cuidado e pela sua educação. 
Simultaneamente, representa a renovação das esperanças de homens e 
mulheres, pois nasce com ela uma nova oportunidade de alcançar a plena 
humanização do sujeito, com a consolidação de capacidades práticas, 
intelectuais e artísticas (Zaporóshetz, 1987) e de afetos constituídas na sua 
integração à vida social, as quais se expressam na sua forma singular de ser, de 
sentir e de agir. Como a escola da infância pode contribuir no processo de 
desenvolvimento da personalidade de cada criança? Qual a função da Educação 
Infantil na formação integral dos pequenos e pequenas, propalada pelos textos 
acadêmicos e legais, mas nem sempre concretizada nas práticas educativas em 
creches e pré-escolas (Brasil, 2009a, 2009b)? É a essas questões que nossas 
reflexões se dedicam. Sabemos, não obstante, que, dada a sua complexidade, 
não temos condições de esgotá-las em um artigo. Buscaremos, assim, 
apresentar alguns princípios que consideramos fundamentais para a 
compreensão do desenvolvimento da personalidade das crianças pequenas, a 
partir dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural. Entendemos que o diálogo 
que aqui travamos com os autores que nos ajudam a refletir sobre o tema sob 
essa perspectiva pode ampliar-se em/para outros espaços, contribuindo para 
que professores e professoras tomem ciência de quanto - ainda que muitas 
vezes de maneira pouco intencional - interferem na formação da personalidade 
infantil e sobre como o entendimento desse processo pode tornar mais 
desenvolvente (Davídov, 1988) a sua atuação junto às crianças. Assim, 
compreendemos que a discussão conceitual sobre o desenvolvimento da 
personalidade e, sobretudo, sobre a interferência que o processo educativo 
22 
 
 
exerce sobre ele constitui temática importante à formação de professores e 
professoras que atuam ou atuarão em creches e pré-escolas. Acreditamos ser 
imprescindível, ao lado da observação atenta das crianças, o aprofundamento 
das leituras, dos estudos e debates protagonizados pelos professores e 
professoras que trabalham nesses espaços, já que na sua prática se concretiza 
a produção de currículos específicos da e para a Educação Infantil (Carvalho, 
2011; Brasil 2009a), o que lhes possibilita contribuir para ampliar e qualificar 
positivamente o modo pelo qual meninos e meninas se relacionam com o mundo 
a seu redor, com as pessoas, e nesse processo, como constroem 
progressivamente a compreensão de si mesmos. 
Neste artigo, convidamos o leitor a refletir conosco sobre os fundamentos 
teóricos que nos permitem perceber como o trabalho pedagógico intervém na 
formação das capacidades especificamente humanas em cada criança de que 
cuidamos e a quem educamos. Afinal, o fazer docente interfere – tenhamos 
consciência disso ou não – no desenvolvimento da personalidade infantil, que 
torna cada menino ou menina um indivíduo único e irrepetível, e das forças 
intelectuais e práticas essenciais à sua vida presente e futura. 
Para compreender a importância da educação no processo de 
desenvolvimento da personalidade, comecemos pela discussão do que significa, 
para a Teoria Histórico-Cultural, falar sobre este conceito. 
Sabemos que, com base no Materialismo Histórico-Dialético, o movimento 
e a contradição constituem categorias essenciais à explicitação dos fenômenos. 
Vigotski3 e seus colaboradores embasaram todo o seu construto teórico nesta 
filosofia. Com base neste ponto de vista, compreendemos que o 
desenvolvimento humano envolve, em movimento contínuo, duas forças que, se 
do ponto de vista do senso comum se mostram contraditórias e independentes, 
são, para a Teoria Histórico-Cultural, essencialmente inter-relacionadas: asforças sociais e as forças biológicas. De acordo com Vygotsky (1931/2013a), 
Ambos os planos de desenvolvimento – o natural e o cultural – coincidem 
e se amalgamam um ao outro. As mudanças que têm lugar nos dois planos se 
intercomunicam e constituem, na realidade, um processo único de formação 
biológico-social da personalidade da criança. Na medida em que o 
23 
 
 
desenvolvimento orgânico se produz em um meio cultural, passa a ser um 
processo biológico historicamente condicionado. Ao mesmo tempo, o 
desenvolvimento cultural adquire um caráter muito peculiar que não pode 
comparar-se com nenhum outro tipo de desenvolvimento, já que se produz 
simultânea e conjuntamente com o processo de maturação orgânica e que seu 
portador é o mutante organismo infantil em vias de crescimento e maturação. (p. 
36, tradução nossa). 
Perceber a interinfluência entre fatores biológicos e sociais, atribuindo ao 
desenvolvimento cultural a força de interferir na formação das capacidades 
especificamente humanas, que Vygotsky (1931/2013a) denomina funções 
psíquicas superiores, tem implicações diretas no modo de vislumbrar o trabalho 
pedagógico. Desta forma entendemos que, como professores e professoras, 
podemos atuar sobre o desenvolvimento infantil organizando espaços e tempos, 
estabelecendo relações e propondo experiências envolventes e enriquecedoras 
do repertório cultural das crianças que lhes possibilitem desenvolver atividades 
com os objetos da cultura e, assim, apropriar-se deles (Carvalho, 2011; Duarte, 
1993). À medida que a atividade se torna mais complexa, tornam-se mais 
complexas também as capacidades intelectuais e a personalidade, uma vez que 
essas se formam na e pela atividade (Bissoli, 2005). 
Perguntamos aqui: o que isso significa? Quando a criança está envolvida 
em fazeres com significado, quando sabe o porquê e o para quê das suas ações 
e mobiliza-se emocionalmente para alcançar seus objetivos, ela está em 
atividade e, por isso desenvolve de forma plena as suas capacidades, tomando, 
paulatina e progressivamente, consciência dos motivos de sua conduta 
(Leontiev, 2010). Assim, conceito de atividade nos permite perceber a 
indissociabilidade entre cognição e afetividade no desenvolvimento da 
personalidade, que, segundo Leontiev (1978, p. 135) é “uma nova formação 
psicológica que se vai conformando em meio às relações vitais do indivíduo, 
como fruto da transformação da sua atividade.” Para o autor, a personalidade 
configura-se como uma formação integral, cujas qualidades sistêmicas são 
engendradas pelas relações sociais, nas quais cada indivíduo assume papel de 
sujeito da atividade. É o que fica evidente em suas palavras: “... a base real da 
personalidade do homem é o conjunto de suas relações com o mundo, que são 
24 
 
 
sociais por natureza, mas das relações que se realizam, e são realizadas por 
sua atividade, mais exatamente pelo conjunto de suas diversas atividades” 
(Leontiev, 1978, p. 143, itálicos do autor). Neste sentido, quando o adulto permite 
que a criança participe das decisões sobre como expressar aquilo que aprendeu 
na visita ao zoológico, por exemplo – por intermédio da elaboração de um painel, 
ou de uma dramatização, ou ainda de um fichário contendo as curiosidades 
sobre os animais lá conhecidos –, cada tarefa adquire sentido e, pelo 
envolvimento emocional que permite, contribui para o desenvolvimento das 
diferentes capacidades da criança. Neste sentido, memória, atenção, linguagem 
oral, escrita ou plástica e autocontrole são algumas das funções psíquicas 
superiores que se fortalecem, interferindo diretamente no desenvolvimento da 
personalidade. 
É importante ressaltar que a personalidade é uma formação complexa do 
psiquismo humano (Leontiev, 1978), que engloba tanto as capacidades 
cognitivas quanto as emoções, a vontade, os traços de caráter. A personalidade 
é um sistema constituído por distintas funções psicológicas que, integradas, 
caracterizam a forma peculiar de cada indivíduo atuar no mundo. É um sistema 
estável. Assim, a personalidade desenvolvida caracteriza-se por determinadas 
reações unívocas aos acontecimentos (relativa unidade de comportamentos, 
reações do indivíduo ao que acontece no seu entorno) e por valores unitários. 
Isso significa que ela não é meramente reativa às situações. Uma pessoa com 
personalidade madura tem consciência de suas possibilidades, dos motivos de 
sua conduta, e acima de tudo, pode dominar ativamente seu comportamento. 
Não obstante, Duarte (2013), com base nos estudos de Vygotsky, ressalta 
que o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos está condicionado pelo 
desenvolvimento já alcançado pela sociedade da qual ele faz parte, uma vez que 
o psiquismo humano é histórico e social. O autor destaca que é o processo de o 
sujeito se apropriar da cultura de forma ativa o elemento propulsor do domínio 
das capacidades próprias à dinâmica social e, também, do domínio da conduta, 
atribuindo ao processo educativo uma importância fundamental: a ampliação do 
capital cultural, efetivada na escola, sofistica as formas de compreensão dos 
sujeitos sobre a sociedade e sobre si mesmos, possibilitando a transformação 
25 
 
 
qualitativa da sua consciência e, com ela, de suas formas de atuação e da 
personalidade. 
Se este é um processo complexo que se estende por um longo período 
na ontogênese, tê-lo como objetivo desde a primeiríssima infância é o modo pelo 
qual professores e professoras podem contribuir para o enriquecimento das 
vivências das crianças. Segundo Vigotski, as vivências representam a unidade 
entre os elementos do meio cultural e as particularidades da personalidade e 
determinam a forma como cada criança se relaciona com o seu entorno em cada 
momento de seu desenvolvimento (Vigotski, 1935/2010; Mello, 2010). Propor 
experiências que ampliem as referências culturais das crianças por meio de 
atividades envolventes que as tenham como sujeitos significa construir um 
currículo que interfere intencionalmente no desenvolvimento das diferentes 
funções psíquicas infantis, das emoções e da personalidade (Carvalho, 2011). 
Diferentemente de outras abordagens, a Teoria Histórico-Cultural tem 
como um de seus pressupostos que o desenvolvimento da personalidade não é 
natural, mas histórico e social, ou seja, depende da integração do indivíduo, 
desde os primeiros momentos de vida, na sociedade, que é repleta de 
exigências, expectativas e costumes. Por isso as regularidades que caracterizam 
a formação da personalidade desde a infância até a vida adulta são – como o 
são todas as esferas do desenvolvimento da pessoa sob essa mesma óptica–, 
resultantes do intercâmbio entre as peculiaridades do desenvolvimento 
psicofisiológico da criança e de seu desenvolvimento cultural (Vygotski, 
1931/2013a). É na atividade social que a personalidade se configura. 
Na infância se estabelecem os primeiros níveis da formação da 
personalidade do indivíduo. Leontiev (1978) afirma que este é o período 
espontâneo do desenvolvimento deste sistema. É nos primeiros anos de vida 
que a criança aprende valores, normas de conduta e capacidades 
especificamente humanas e torna-se capaz de expressar-se de maneira singular 
diante do mundo: ela forma uma consciência cada vez mais complexa sobre os 
objetos e seu conhecimento, sobre as relações humanas e, sobretudo, sobre si 
mesma (a autoconsciência). Esse processo é mediado pelas situações que a 
criança vivencia, por isso podemos afirmar que a personalidade de cada um 
resulta de sua biografia: das suas condições de vida e educação, das atividades 
26 
 
 
que desenvolve, das aprendizagens que empreende e do desenvolvimento do 
seu psiquismo, como destacam Vigotski (1929/2000) e Sève (1979). 
Por essa razão o processo educativo intencional e sistematizado que 
acontece na escola da infância assume um papel fundamental. Como 
professores e professoras,baseados no permanente aprofundamento teórico, 
que permite compreender a criança e construir formas específicas de ensinar, 
podemos e devemos mediar a formação desse sistema integrativo, que marca a 
singularidade de cada criança. Busquemos compreender as implicações 
pedagógicas dessa afirmativa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 
 
 
SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE NA 
INFÂNCIA 
Ao nascer, a criança é imediatamente inserida nas relações sociais: todas 
as suas necessidades são atendidas pelo adulto, que se torna o centro das 
atenções do bebê. O carinho, a atenção e a fala constante com a criança criam 
nela uma necessidade socialmente mediada: a necessidade de novas 
impressões (Bozhovich, 1981), isto é, a necessidade de ver mais, ouvir mais, 
tocar mais e ser mais tocada. É importante lembrar que, no bebê, os aparatos 
visuais e auditivos não estão ainda completamente desenvolvidos. É o 
enriquecimento das impressões visuais e auditivas que contribui para que a 
evolução orgânica dos sentidos aconteça de forma satisfatória. Por isso, quanto 
mais ricas forem as vivências da criança com o adulto - que se torna o mediador 
dos primeiros contatos sensoriais do bebê com o mundo à sua volta -, mais 
positivo será o desenvolvimento físico e emocional nesse primeiro período de 
vida. 
A formação psicológica central do primeiro ano de vida é a percepção. Ela 
permite a apropriação sensorial do mundo em um processo comunicativo-
emocional direto com o adulto. O que isso significa? Nesse primeiro período do 
desenvolvimento psíquico, a atividade principal – aquela que possibilita o 
desenvolvimento mais amplo das capacidades intelectuais e práticas e da 
personalidade da criança nesse momento (Leontiev, 2010) – é a comunicação 
emocional que o bebê estabelece com as pessoas de seu entorno (Elkonin, 
1987). Por isso, apesar de nos primeiros meses de vida o bebê ainda não 
conseguir se expressar por meio da fala convencional, ele não deixa de se 
comunicar com as pessoas que estão à sua volta. Para isso ele usa outras 
linguagens, como o choro, o sorriso, os movimentos de lançar os braços e o 
corpo na direção do adulto e dos objetos que deseja, fechar as mãozinhas como 
se quisesse pegar algo que não alcança, etc. É importante perceber que todos 
esses comportamentos do bebê estão matizados afetivamente, ou seja, eles 
acontecem porque as pessoas que estão no entorno dele e os objetos que lhe 
apresentam despertam emoções, como a alegria de alcançá-los ou o prazer do 
contato físico com o adulto, criando a necessidade de novas impressões. 
28 
 
 
Assim, conversar com a criança, mostrar a ela os objetos e as pessoas, 
tomá-la no colo, tocá-la de maneira carinhosa são formas de comunicação 
mediadas afetivamente que sofisticam a percepção e promovem o 
desenvolvimento funcional do cérebro através do enriquecimento das 
impressões sobre o mundo e as pessoas e da possibilidade de o bebê realizar 
as suas primeiras formas de generalização: as generalizações sensoriais. Basta 
recordar a unidade sensório-motora que caracteriza o primeiro ano de vida. A 
percepção acontece à medida que o bebê atua sobre os objetos à sua volta, em 
interação constante com o adulto. Cabe lembrar que é justamente essa interação 
o motivador principal do desenvolvimento intelectual e afetivo do bebê. Assim, 
conhecendo quanto o trabalho educativo sistematizado e intencional pode 
impulsionar o desenvolvimento das crianças desde muito pequenininhas, 
podemos compreender a importância de que na Educação Infantil, desde o 
berçário, os bebês sejam cuidados e educados por professores e professoras 
(Brasil, 2009a, 2009b). 
A atividade conjunta com o adulto desperta uma nova necessidade 
culturalmente mediada e dá origem a um novo momento do desenvolvimento 
psíquico da criança: o momento da manipulação dos objetos (Elkonin, 1987), 
que se estende pelo período de um a três anos aproximadamente. 
No momento da manipulação dos objetos a memória se torna, a princípio, 
a função que se desenvolve como linha principal, subordinando as demais 
formações psíquicas. A criança bem pequenininha deixa de submeter-se 
completamente aos estímulos presentes em seu campo perceptivo. Se até 
pouco tempo atrás o adulto podia distraí-la, colocando à sua frente diferentes 
objetos por si mesmos atrativos, agora, com a evolução da memória, a criança 
demonstra já a sua condição de sujeito. Ela não quer mais qualquer objeto. Quer 
um determinado objeto do qual se recorda e pelo qual seu comportamento está 
motivado. Há, pela primeira vez, um indício claro de sua personalidade em 
desenvolvimento. Têm-se então as representações motivantes (Bozhovich, 
1987), as quais atestam a presença de um novo nível de pensamento: se antes 
o bebê pensava apenas por intermédio de ações, agora passa a pensar também 
por imagens. Assim, quanto mais o professor conversar com os bebês sobre os 
29 
 
 
objetos que manipula e reconhece – que devem ser variados e atrativos –, mais 
estará contribuindo para incrementar o seu pensamento. 
Nesse período, a percepção da criança torna-se cada vez mais 
semântica, isto é, ela já é capaz de compreender o mundo à sua volta de modo 
mais integrado. A criança pequenininha passa a perceber-se como sujeito das 
ações que realiza, e esse é um progresso central para o desenvolvimento de sua 
personalidade. Desse modo, ainda que o adulto continue sendo o motivador 
central do comportamento da criança, nesse momento ele passa a uma nova 
posição: a de companheiro nas ações empreendidas sobre os objetos sociais. A 
criança manipula-os, apropriando-se de suas características físicas e, 
simultaneamente, percebendo as suas próprias possibilidades como sujeito que 
realiza ações com esses objetos. Por isso é tão comum ela repetir inúmeras 
vezes as mesmas ações: abrir e fechar a porta; jogar e recuperar um objeto do 
chão; empurrar e puxar... Ela está envolvida em um complexo processo de 
percepção das coisas e de autopercepção, mediado pela presença do adulto – 
primeiro como colaborador, depois, como modelo de ações. É importante 
considerar que nesse momento a criança imita as ações do adulto em si 
mesmas. Acontece então o que Vigotski (1932/2013b) denomina de um “quase 
jogo” (p. 359). Se aparentemente a atividade que realiza é um faz-de-conta, na 
realidade a criança não cria uma situação fictícia, que é pressuposto do jogo de 
papéis. Ela ainda não é capaz de representar simbolicamente um papel. Por isso 
ela nina sua boneca, mas não deixa de considerá-la como boneca, enquanto 
para uma criança maior, envolvida no faz-de-conta, a boneca seria, dentro de 
uma situação imaginária, a filha, e ela, a mãe. Podemos dizer que a criança imita 
externamente as ações do adulto, sem se colocar no lugar dele. 
Ainda antes dos três anos consolida-se uma primeira forma de 
autoconsciência na criança: a afetiva. Embora ela não saiba conscientemente 
que é alguém diferente do adulto e ainda que não se perceba como pessoa e 
não tenha desenvolvido plenamente a sua identidade, a criança já tem vontades 
próprias que, muitas vezes, contradizem a vontade do adulto, o que dá mostras 
de que sua personalidade está em vias de passar por uma completa 
transformação. 
30 
 
 
No período em que a atividade principal é a manipulação dos objetos, a 
criança desenvolve uma capacidade fundamental, que marcará uma nova etapa 
em seus processos de pensamento: a linguagem oral. Nesse momento ela busca 
ampliar suas possibilidades comunicativas expandindo deliberadamente o seu 
vocabulário. Ela quer saber os nomes dos objetos, como se aqueles fossem 
propriedades desses. O enriquecimento da linguagem oral permite novos níveis 
de generalização, que passam a mediar as ações infantis. É interessante 
observar que, mesmo sem um domínio completo das estruturas da linguagem, a 
criança passa a comunicar-se muitobem: cria expressões, palavras e frases que 
permitem compreendê-la, embora seu pensamento se diferencie radicalmente 
do pensamento adulto. Nesse sentido, adultos e crianças compartilham as 
palavras, o que permite aos pequenos a assimilação de um vocabulário cada vez 
mais rico e um pensamento progressivamente menos situacional, embora os 
significados dessas mesmas palavras estejam passando por um processo 
evolutivo e guardem características próprias (Vygotsky, 1934/2001). 
Assim, a linguagem oral possibilita que a criança faça generalizações 
mais complexas e pense em objetos e relações que não estão presentes em seu 
campo perceptivo. Esse enriquecimento desvela a consolidação de uma nova 
forma de pensamento: o pensamento verbal. Por isso é fundamental conversar 
com a criança. Estar atento ao que ela fala e dialogar com ela sobre os fatos e 
os objetos são atitudes que mobilizam o desenvolvimento cada vez mais amplo 
da linguagem e do pensamento. 
Vigotski (1935/2010) nos ajuda a refletir sobre uma questão essencial à 
compreensão do desenvolvimento da personalidade da criança: em cada 
momento da vida e de acordo com as possibilidades já alcançadas em seu 
desenvolvimento, a criança é capaz de compreender os fatos e situações à sua 
volta e de se relacionar emocional e cognitivamente com eles de maneira 
completamente nova. Assim, o desenvolvimento do pensamento verbal assume 
importância fundamental na formação da personalidade. O autor afirma que 
nossas memórias mais antigas em relação à primeira infância têm origem a partir 
do momento em que linguagem e pensamento deixam de ser processos 
independentes e passam a constituir um único processo, mediado pelos 
significados das palavras – que passam a ser o substrato tanto da forma como 
31 
 
 
pensamos o mundo quanto da forma como expressamos nossa compreensão 
dele (Vygotsky, 1931/2013a). 
Nesse sentido, se antes a criança pequenininha tinha uma compreensão 
dos fatos, das pessoas e das relações que se limitava àquilo que era 
imediatamente visto e presenciado, sem terem se estabelecido relações mais 
complexas, agora, com o pensamento verbal, ela pode fazer novas e mais 
sofisticadas relações, por intermédio das palavras, que representam os objetos, 
os fatos, as pessoas (Mello, 2010). Isso permite que pouco a pouco a criança vá 
se desvencilhando do efeito coercitivo que os objetos exerciam sobre ela e passe 
a atuar de acordo com planos e motivos que se expressam por intermédio da 
linguagem oral, que representa a forma verbal do pensamento. Ela se torna 
capaz de pensar, e também de se emocionar e de motivar seu comportamento 
por palavras, o que representa uma sofisticação intensa de suas possibilidades 
de se relacionar e de compreender o mundo à sua volta. 
Por volta dos três anos de idade inicia-se um novo momento no 
desenvolvimento da personalidade infantil, que vai se estender até os seis anos 
aproximadamente: o momento dos jogos e atividades lúdicas (Bissoli, 2005). 
Nesse período a criança passa por uma completa transformação em sua 
personalidade, sendo marcada por uma nova formação central: a descoberta de 
si mesma como sujeito, a formação da própria identidade, ou, nas palavras de 
Bozhovich (1987, p. 261), do “sistema eu”. Se até algum tempo atrás a criança 
não tinha consciência de ser uma pessoa independente do adulto, agora essa 
mudança acontece. Ela passa a referir-se a si mesma por intermédio do pronome 
“eu” e a buscar marcar a sua possibilidade de realizar atividades sem a ajuda 
daqueles que cuidam dela. Quer vestir-se, banhar-se e comer sozinha; indispõe-
se com o adulto que pretenda controlar suas ações. A consciência dos pais e 
dos professores sobre a importância desse momento crítico, que representa uma 
virada no desenvolvimento da criança, é fundamental para evitar as crises 
(Vygotsky, 1932/2013b), que acontecem quando há uma profunda diferença 
entre aquilo que a criança já é capaz de fazer e o que efetivamente lhe é 
permitido pelos adultos. Neste contexto, se não é possível deixar que a criança 
resolva tudo por si mesma, o adulto pode apresentar opções para que ela faça 
escolhas. O importante é que ela assuma uma nova posição nas relações, que 
32 
 
 
não seja mais tratada como um bebê e que exercite, na medida do possível, a 
sua autonomia. Assim, se as condições de vida e de educação incentivaram a 
sua condição de sujeito em desenvolvimento, com voz e vez, esta autonomia 
resulta das vivências anteriores da criança, nas quais ela foi desenvolvendo a 
fala, o andar, a memória, as percepções em geral e a percepção de si mesma. 
Cabe recordar que sua relação com o entorno mudou proporcionalmente ao 
desenvolvimento de suas capacidades. Ela é capaz de compreender os fatos e 
a si mesma de maneira inteiramente nova, e nessas condições, o adulto tem o 
papel essencial de evitar crises, permitindo que a criança assuma novos papéis 
nas relações com as pessoas (Leontiev, 2010). 
Os jogos de papéis ou jogos de faz-de-conta constituem a atividade 
principal desse momento do desenvolvimento (Elkonin, 1987,2009), que se inicia 
por volta dos três anos de idade. A criança, que já imitava as ações do adulto 
desde o período anterior, passa a reconhecer que tais ações têm uma função 
social. O desejo de realizar as mesmas atividades que realiza o adulto e a 
impossibilidade de fazê-lo, aliados ao desenvolvimento até aqui alcançado, 
condicionam o aparecimento do faz-de-conta. Como se caracteriza nesse 
momento o seu desenvolvimento? Podemos dizer que, com a organização 
adequada da vida da criança e com as experiências vividas nos três primeiros 
anos de vida a criança terá formado ou estará em vias de formar: a percepção 
semântica do mundo, que permite que ela compreenda a realidade de maneira 
integrada; a memória desenvolvida; o pensamento verbalizado; a linguagem 
intelectualizada; a atenção cada vez mais concentrada, que a libera das reações 
a todo e qualquer estímulo presente em seu campo perceptivo; a possibilidade 
de realizar ações com objetivos indiretos; a representação simbólica, que 
permite o uso de objetos substitutivos para representar objetos reais; a 
consciência, primeiro afetiva e cada vez mais racional de si como pessoa que, 
além de realizar ações, também participa de relações como um “eu social” 
(Bozhovich, 1987, p. 264); a subordinação de motivos, que permite que a criança 
hierarquize suas ações e atue segundo essa hierarquização; a formação de 
instâncias éticas internas (Vygotski, 1932/2013b), que possibilitam que a criança 
diferencie o querer do dever e, no jogo, atue conforme as regras, apropriando-
se das normas e valores sociais. Com todo esse desenvolvimento, que é 
33 
 
 
cognitivo e afetivo, integradamente (Gomes, 2008), agora, ao brincar, a criança 
imita os papéis sociais dos adultos que pôde observar em suas experiências 
reais de vida. Ela representa simbolicamente as atividades realizadas por eles, 
desenvolvendo, progressivamente, suas formas de compreender o mundo, as 
pessoas e a si mesma. 
É importante destacar que o jogo de papéis não se desenvolve 
espontaneamente (Vigotski, 2007; Mukhina, 1996; Martins, 2006), ele é também 
socialmente mediado: os temas das brincadeiras das crianças são aqueles 
presentes em seu cotidiano e passíveis de observação. Disso decorre a 
importância essencial do adulto no enriquecimento das experiências infantis. 
Quando o adulto lê histórias diariamente, quando incentiva a observação dos 
papéis sociais presentes no entorno, quando enriquece as vivências infantis com 
conhecimentos sobre o mundo e as pessoas, a possibilidade de brincar de faz-
de-conta torna-se muito mais ampla e desenvolvente. 
Por outro lado, algo precisa ser lembrado: embora tenham importância 
essencial, os jogos de papéis não são os únicos responsáveis pelo 
desenvolvimento de todas as aprendizagens importantes da criança naEducação Infantil. O seu envolvimento em outras atividades, que desenvolvam 
a sua capacidade expressiva e o seu conhecimento do mundo, das pessoas e 
dos objetos sociais tem um papel fundamental. O desenho, a oralidade, o 
movimento que promove a consciência corporal, a pintura, a modelagem, os 
conhecimentos matemáticos, a música, a escrita e a leitura também assumem 
grande importância na formação das capacidades intelectuais, práticas e 
artísticas e no desenvolvimento da personalidade. Disso decorre a necessidade 
de que a criança esteja envolvida em atividades diversificadas e significativas, 
que instiguem a sua curiosidade e a afetem positivamente e, nesse sentido, 
mobilizem-na para se apropriar dos objetos culturais, desenvolvendo suas 
funções psíquicas superiores. Neste contexto, o trabalho do professor enquanto 
pessoa que, ao propor situações que possibilitem a ampliação das necessidades 
de conhecer e de se expressar das crianças, diversifiquem e enriqueçam as suas 
atividades, torna-se essencial para o desenvolvimento da personalidade infantil 
(Zaporóshetz, 1987). 
34 
 
 
O momento dos jogos e atividades lúdicas cria as bases para um novo 
período do desenvolvimento da personalidade: o momento da escolarização. Ao 
imitar os papéis sociais dos adultos, a criança, progressivamente, vai 
percebendo que ainda não domina os conhecimentos daqueles, os quais se 
tornam tão interessantes para ela. Adultos (e crianças maiores) sabem muitas 
coisas que a criança deseja conhecer. Na nossa sociedade, o local privilegiado 
para a aprendizagem desses conhecimentos é a escola, e desde cedo meninos 
e meninas sabem disso. Eles desejam ocupar novos espaços nas relações 
sociais, uma nova situação de desenvolvimento, em que não se sintam mais tão 
distantes do adulto, mas sejam valorizados por ele. Novas transformações da 
personalidade hão de vir: formas de pensamento cada vez mais abstrato e a 
formação de conceitos que disso decorre; uma maior capacidade argumentativa; 
uma autoconsciência cada vez mais profunda acerca das próprias possibilidades 
e vontades; a possibilidade de agir tendo objetivos previamente formulados. 
Todas essas novas capacidades e traços de personalidade tornarão mais 
complexa a consciência da criança no momento da escolarização (Bozhovich, 
1981, 1987; Elkonin, 1987). 
Imprescindível é o papel de professores nesse processo. Esses 
profissionais exercem uma função social inalienável no desenvolvimento pleno 
da criança. Reflitamos sobre isso. 
Como temos visto até agora, a educação assume papel preponderante no 
desenvolvimento da criança. Educar é humanizar; é, segundo José Martí (1991, 
citado por Mészáros, 2008), depositar em cada homem toda a obra humana que 
o antecede, tornando-o efetivamente humano. 
Sabemos que a atividade educativa não acontece apenas na escola, 
também família e a sociedade participam ativamente dessa 
tarefa. Só que a escola é o local sistematicamente organizado para 
educar. Sua função social é a de promover, por meio do processo pedagógico, 
a aprendizagem dos conteúdos da cultura elaborada pela humanidade ao longo 
da História e, a partir dela, promover o desenvolvimento das capacidades da 
criança e de sua forma singular de ser e de atuar socialmente. 
35 
 
 
Para isso, o trabalho pedagógico efetivamente promotor do 
desenvolvimento fundamenta-se no profundo conhecimento teórico acerca do 
desenvolvimento humano. Cabe ao professor compreender que a cultura, por 
diferentes formas de mediação, pode ser apropriada pela criança, contribuindo 
para a sua formação como pessoa completa. Cabe-lhe, ainda, selecionar objetos 
materiais e não materiais do capital cultural acumulado pela humanidade e, 
conhecendo as especificidades dos momentos do desenvolvimento da 
personalidade infantil, organizar tempos, espaços, relações e experiências 
formativas que permitam a apropriação efetiva de conhecimentos que vão além 
daqueles já presentes no cotidiano das crianças e são assimilados mesmo sem 
a participação do trabalho sistematizado da escola. A escola da infância deve 
ser um espaço que faça diferença na vida da criança: um espaço de atuação 
sobre as capacidades em formação, um espaço de atividades que possibilitem 
à criança compreender e compreender-se, perceber e perceber-se, conhecer, 
fruir (Brasil, 2009a, 2009b). A escola deve ser um espaço de criação de novas 
necessidades que impulsionem a criança a aprender e a desenvolver-se. 
Assim, à medida que a criança vai crescendo e vivenciando situações 
diferentes – vendo, ouvindo, imitando e realizando por si própria o que aprende 
com as pessoas que vivem ao seu redor, participando da vida em sua família, 
comunidade e sociedade –, novas formações (Leontiev, 1978) vão se 
construindo em seu cérebro e novas relações vão sendo estabelecidas pela 
criança com o seu entorno social. A escola da infância tem um papel fundamental 
na qualificação desses processos quando realiza um trabalho pedagógico 
marcado pela intencionalidade e sistematicidade. 
Atuar pedagogicamente de modo a intervir positivamente no 
desenvolvimento amplo das crianças pequenas, provocando o desenvolvimento 
da personalidade, requer conhecer as principais características de cada 
momento do desenvolvimento infantil e sua dinâmica formativa. Demanda, 
sobretudo, atuar não sobre as capacidades já formadas, mas, principalmente, 
sobre aquelas capacidades que estão em processo de formação na criança. 
Dessa forma, o professor atua, primordialmente, sobre a zona de 
desenvolvimento próximo da criança (Vygotski, 1932/2013b), e assim seu 
36 
 
 
trabalho impulsiona o desenvolvimento das capacidades intelectuais, afetivas, 
práticas e artísticas da personalidade infantil. 
Compreender o que significa ser mediador da aprendizagem e do 
desenvolvimento torna-se, aqui, fundamental. Etimologicamente, a palavra 
mediação deriva do latim mediatio, que significa intercessão, interposição, 
intervenção. Nesse sentido, mediar é posicionar-se entre, é atuar 
deliberadamente para interferir em um processo ou situação. A interpretação do 
termo mediar, quando se trata do trabalho educativo do professor e da 
professora, refere-se ao fato de que ele assume a tarefa de promover o encontro 
entre dois elementos do processo de ensino-aprendizagem: a criança que 
aprende e o objeto cultural que é por ela apreendido. Não se trata, assim, apenas 
de colocar a criança ao lado dos objetos para que ela, sozinha, descubra, 
construa o conhecimento – sejam esses objetos materiais, como os livros, os 
blocos para construção, os papéis para as dobraduras, a tesoura e a cola, os 
quebra-cabeças, as tintas e os lápis, ou objetos não materiais, como os números, 
a leitura, a escrita, a música e as diversificadas formas de expressão humana. 
Cada objeto porta, além das propriedades físicas, conhecimentos 
acumulados sobre o seu uso, formulados historicamente pela humanidade. Os 
livros são acompanhados por procedimentos de manipulação e de leitura 
culturalmente elaborados; os jogos possuem regras convencionadas; os 
movimentos possuem significados consolidados ao longo da história, assim 
como a música, a pintura, a escultura, o desenho, as ciências. Mediar significa, 
então, promover o encontro da criança com o uso social para o qual um objeto 
existe. Assim, cada criança não precisa reinventar o conhecimento. O processo 
por intermédio do qual ela aprende é um processo de apropriação/objetivação 
do existente (Duarte, 1993). Aprender significa saber como utilizar os objetos em 
sua função social, conhecendo-os e pensando sobre eles de forma cada vez 
mais autônoma. Neste processo, conhecer a si mesma e conhecer as suas 
próprias possibilidades. Neste sentido o professor exerce um trabalho 
fundamental: o de atuar com a criança, de forma que ela perceba os usos dos 
objetos culturais e amplie seus conhecimentos acerca dos saberes

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